Longe vão esses dias de 2010 em que você, aqui por Paris, me
revelava, entre duas “demi”, a angústia matinal que sentia ao verificar, no
Financial Times, o contínuo alargamento dos “spreads” dos “bonds” portugueses.
Conhecemo-nos numa operação de “charme” que as suas autoridades por essa época organizaram,
para explicar as medidas que tomavam para controlar os indicadores
macro-económicos. Para si, eu fazia parte dos “mercados” que era necessário
convencer. Para mim, você era o embaixador de um país simpático que lutava para
se manter à tona, numa tormenta que não controlava e que revelava cruelmente algumas
das suas fragilidades endémicas. Passámos a ver-nos com alguma regularidade.
As coisas complicaram-se, entretanto. A “troika” chegou aí e
vi o seu lamento em face da “injustiça” das agências de notação, quando elas
“puniam” Portugal porque fazia exatamente aquilo que lhe tinham pedido para
fazer. Recordo-me de lhe ter dito que os diabolizados “mercados” não eram uma
entidade a que fosse possível exigir racionalidade, muito menos justiça, porque
a sua lógica era apenas fazer ganhar dinheiro.
Portugal passou, entretanto, por uma cura de rigor financeiro
nunca antes vista. Lembro-me de lhe ter dito da minha admiração pelo caráter
estoico do seu povo. Você fornecia-me números sobre o ajustamento já feito, na
secreta esperança que eles pudessem animar a perspetiva dos “mercados” sobre o
seu país. Pelas conversas que então teve comigo, imagino o que outros seus colegas
devem ter feito pelo mundo, para mostrar o vosso esforço nacional.
Antes da sua partida de Paris, e quando lhe notei, a uma
mesa do Flore, que ia regressar à “cidade branca”, nome que Alain Tanner
chamara a Lisboa, você reagiu: Tanner estava errado, Lisboa era a cidade das
cores e eu teria oportunidade de verificar isso, quando o fosse visitar. Tinha
razão. Confirmei-o consigo, na semana passada, entre duas “imperiais”, na
esplanada “cliché” da Brasileira, sob um sol quase obsceno em Março. Frente a uma loja simbolicamente chamada “Paris em Lisboa”, dei-lhe
nota da leitura que, pela Europa, se vai fazendo do vosso processo de
ajustamento, das perplexidades que subsistem quanto à sustentabilidade do
“retrato” que hoje apresentam e quanto tudo dependerá, no essencial, da
estabilização de uma resposta europeia institucionalizada.
Você falou-me, preocupado, da quase impossibilidade de
manter o país, por muito mais tempo, sob o peso sobre-humano de austeridade. A propósito,
pediu a minha opinião – ironizou, a opinião “dos mercados” – sobre um “manifesto”,
que entre vós tinha tido grande impacto, subscrito por gente relevante, que ia
desde a direita à extrema- esquerda, sobre a necessidade de encontrar meios de
aligeirar o modo de pagamento da vossa dívida pública. Traduziu-me mesmo o
essencial do texto.
Agora, de volta a Paris, tendo refletido sobre o assunto, quero
felicitá-lo: o “manifesto” é “música” para os ouvidos dos mercados. Quando
muitos esperariam que a esquerda portuguesa, e eventualmente alguma direita
soberanista, defendessem, pura e simplesmente, o não pagamento de parte da
dívida, conseguir juntar todos esses setores numa solene posição comum, que
apenas disputa as taxas de juro e as maturidades, constitui um ato de grande
responsabilidade. Parabéns! Eu não posso falar pelos “mercados”, mas posso
garantir-lhe que eles estarão agora muito mais serenos sobre o que poderão ser
as consequências de uma mudança política em Portugal. Ou uma mudança de
“cores”, como você diria!
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"