sábado, janeiro 09, 2010

Diplomacia e empresas


Chama-se "Bilatérale" a nova revista trimestral que a Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, sedeada em Paris, apresentou recentemente.

Nela publico o artigo, sob o título "La diplomatie et les entreprises", que pode ser lido aqui , cuja versão portuguesa pode ser lida aqui.

Acordo Ortográfico


O professor Evanildo Bechara, negociador brasileiro do Acordo Ortográfico, dizia-me um dia que este tipo de instrumentos de regulação linguística era feito para as gerações seguintes. De facto, não é agradável para ninguém, mudar a sua maneira de escrever . Apenas as novas gerações, através do ensino, têm facilidade de absorver com naturalidade essas mudanças, que ciclicamente sempre aconteceram no passado.

Durante a minha vida, recordo-me de ter assistido já a algumas mudanças na nossa escrita.  Uma delas, por exemplo, foi o fim da utilização dos acentos graves nos advérbios de modo. Mas não foi "sòmente" essa. 

Todos podemos ter a nossa opinião sobre o interesse deste novo acordo. Eu tenho a minha, mas ela é irrelevante. O facto (palavra que não muda, não obstante a confusão que alguns querem estabelecer) é que o Acordo está em vigor e é hoje um instrumento legal, que tem aplicação directa (ou melhor, direta) na ordem interna portuguesa.

Relembro, aliás, que Portugal foi o primeiro país a ratificar este Acordo Ortográfico, em 1991, e ele só não entrou em vigor, já em início de 1993, porque os restantes subscritores o não fizeram até essa data.

Assim, e porque o Acordo agora se encontra em pleno vigor, goste-se ou não dele, este blogue vai passar a seguir as suas regras, a partir de 11 do corrente. Os nossos comentadores são livres de  escreverem como bem entendam. Podem mesmo voltar à "pharmacia"...

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Jornalismo português

O cenário era o pátio do palácio do Eliseu, sede da Presidência da República francesa. O primeiro-ministro português falava ontem aos jornalistas, após um dia de recepção calorosa por parte do presidente Nicolas Sarkozy, sublinhado em vários momentos públicos.

A certa altura, um jornalista português, vindo expressamente de Lisboa para cobrir a deslocação, perguntou: "O senhor primeiro-ministro tem uma muito boa relação com o presidente da República francesa. Não gostaria de ter também uma boa relação com o presidente da República em Portugal?".

Ando há muitos anos na vida diplomática, considero-me um observador atento da vida política e mediática internacional. Porém, devo dizer, nunca tinha visto nada igual.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Philippe Séguin (1943-2010)


O "gaullisme" é uma escola de fidelidade onde sempre foi possível encontrar políticos cuja distância entre si pareceu maior que aquela que os separava de adversários situados noutros quadrantes partidários. Philippe Séguin, que ontem desapareceu aos 66 anos, era um desses políticos, que uma notícia qualificava hoje como "un homme de droite que la gauche aimait".

Há pouco mais de seis anos comprei, numa passagem no aeroporto parisiense de Roissy, o seu livro de memórias, intitulado "Itinéraire - dans la France d'en bas, d'en haut et d'ailleurs". Interessava-me conhecer melhor o homem que, em 1981, defendera a abolição da pena de morte contra os seus companheiros de partido e que, uma década mais tarde, titulara o combate ao Tratado de Maastricht, num debate célebre com François Mitterrand, que quem se interessa pelas coisas europeias nunca esquecerá.

Séguin foi uma importante figura da direita francesa, onde disputou combates que hoje fazem parte da história da V República, tendo-se retirado da vida política em 2002 para a presidência do Tribunal de Contas. Personalidade controversa, mas homem de fortes convicções e integridade, a sua morte precoce entristeceu toda a sociedade política francesa.

Há poucos meses, acompanhei o seu amigo e homólogo português, Guilherme de Oliveira Martins, a um jantar oferecido, aqui em Paris, por Philippe Séguin. Na próxima segunda-feira, lá estaremos ambos, nos Invalides, para lhe prestar a homenagem que é devida.

Em tempo: vale a pena ver este retrato que Guilherme Oliveira Martins traça de Philippe Séguin

Pedroto


Foi já há um quarto de século que desapareceu José Maria Pedroto. Recordo bem essa noite, pois estava de passagem pelo Porto e pude testemunhar a tristeza dos portistas e de muitos portuenses.

Há dois tempos no futebol português: antes e depois de Pedroto, isto é, antes e depois do "renascimento" do Futebol Clube do Porto. Com Pinto da Costa, Pedroto é o grande protagonista do início da deslocação de poder, no mundo do futebol, do Sul para o Norte do país, retirando-o ao condomínio de largas décadas do Benfica e do Sporting.

Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre estas figuras do nosso futebol, esta é uma realidade incontroversa para quem se interessa por este desporto-negócio e, por essa razão, um motivo para relembrar José Maria Pedroto.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Le temps des chimères



Recebi como oferta do pessoal da Embaixada, neste Natal, o excelente livro "Le Temps des Chimères", de Hubert Védrine, uma personalidade francesa de quem já aqui se falou.

O volume reúne textos de natureza diversa, desde artigos a entrevistas e intervenções, do período entre 2003 e 2009. Nele, Védrine traça a sua visão sobre a situação internacional. com grande atenção à América, à crise europeia e a outros temas, entre os quais a "françafrique".

Ao lê-lo, fica-se com a nítida sensação de que este colaborador próximo de François Mitterrand e, mais tarde, ministro dos Negócios Estrangeiros de Lionel Jospin, é  hoje uma das mais lúcidas cabeças da política externa europeia.

Pena é que, até agora, a sua experiência e rigor não tenham sido aproveitados nesse contexto,  para além dos "think tanks" que usufruem do seu saber e por onde, em Paris, o vou encontrando.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Diplomacia e economia

Os membros do Fórum dos Embaixadores, que reúne as estruturas da AICEP com os chefes das representações diplomáticas portuguesas nos países com relevantes laços económicos connosco, vão hoje estar reunidos em Lisboa, para falar da dimensão económica da diplomacia, isto é, do modo como a nossa rede diplomática e consular melhor pode auxiliar à promoção da economia portuguesa. Trata-se de uma reflexão importante, para conseguirmos garantir maior eficácia ao modo como Portugal gasta o seu dinheiro na vertente externa - na promoção comercial, na captação do investimento estrangeiro, na divulgação turística.
Na minha carreira profissional, e embora não sendo economista, passei a maior parte do tempo a trabalhar na área económica, tentando que diplomacia se orientasse para objectivos importantes para a riqueza material do país.

Há precisamente sete anos, um então titular de um dos mais elevados cargos políticos em Portugal "descobriu a pólvora" e decidiu “decretar”, junto da imprensa, que tinha acabado o tempo da “diplomacia do croquete” e que “agora é que era!” na definição de uma diplomacia voltada para a economia. Porque quem não se sente não é filho de boa gente, e porque não admito que se brinque com a dignidade de uma profissão a que eu e muitos colegas dedicámos, com grande seriedade, grande parte das nossas vidas, respondi-lhe à letra, num artigo no “Público”, sob o título “Diplomatas & Croquetes”, que aqui deixo hoje, para memória futura:




Iniciativas recentes ligadas à dimensão económica da política externa portuguesa deram azo, uma vez mais, a que os diplomatas fossem brindados com notas depreciativas na comunicação social. Até aqui, nada de novo: zurzir os diplomatas, tidos como um nicho aristocrático e snobe da administração pública, tem uma audiência garantida à partida, por razões que a psicologia do despeito também ajuda a explicar.

Não tendo dos meus colegas qualquer procuração, nem vocação particular para titular reacções corporativas, entendo ter o dever de lembrar – porque, aparentemente, ninguém o fez de forma clara - que os profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros não nasceram hoje para a chamada diplomacia económica. E afirmar publicamente a dignidade de quantos, como eu, se não sentem representados pela caricatura da “diplomacia do croquete”, a menos que aí caibam (porque frequentemente tais croquetes são digeridos nesse âmbito…) as diligências políticas que os embaixadores portugueses continuam a efectuar diariamente pelo mundo, a solicitação dos nossos interesses empresariais. 

Convirá, aliás, começar por nos entendermos quando falamos de “diplomacia económica”. Prevalece frequentemente a ideia simplista de a reduzir ao apoio político-diplomático aos agentes empresariais que actuam na área internacional (comércio de bens e serviços e promoção do investimento e turismo), bem como às acções para a captação de investimento directo estrangeiro para Portugal. Ora esta é apenas a definição da diplomacia de negócios.

Ninguém mais dos que os profissionais do MNE tem interesse em ver reforçadas as condições funcionais que permitam melhorar a eficácia do trabalho que o ministério sempre desenvolveu nesse contexto, quando para tal solicitado. É essencial, contudo, que haja uma definição de linhas incontroversas de autoridade institucional interdepartamental, o estabelecimento de uma formação técnica contínua dos seus quadros e a dotação dos serviços com os necessários recursos humanos, técnicos e financeiros, se se pretender que esse trabalho evolua para um diferente patamar de especialização. A partir daí, qualquer gestão por objectivos será sempre mais do que bem-vinda pelos diplomatas. 

Mas convirá notar, para quem não saiba ou possa entretanto ter esquecido, que a diplomacia de negócios está muito longe de esgotar o conceito de diplomacia económica. Com escassas excepções no domínio financeiro, o MNE assumiu, desde sempre, a direcção de praticamente todas as negociações internacionais relevantes na área económica, quer no plano bilateral, quer multilateral – neste caso, no âmbito das Nações Unidas, da EFTA, do GATT/OMC, da OCDE ou da CEE/UE. E sempre com uma eficácia técnica que nunca se viu contestada seriamente por ninguém. Por exemplo, quem, senão o MNE, coordenou as negociações económico-financeiras de onde derivaram os três Quadros Comunitários de Apoio que beneficiaram Portugal?

Por outro lado, a ideia de que os profissionais do MNE dão prioridade à “política”, entretendo-se na elaboração de especulações analíticas destinadas a arquivos, ignora que o mundo e a vida internacionais ainda são algo mais do que a economia, se bem que essa evidência pareça hoje escapar a alguns neo-fascinados pelos cifrões. E Timor? E as questões de segurança e defesa ? E as relações com os PALOP? E a ajuda pública ao desenvolvimento? E as negociações institucionais europeias? E a coordenação do ensino e dos leitorados no estrangeiro? E a gestão da imensa rede consular?

Neste tempo em que parece prevalecer uma cultura de diabolização do serviço público, está criado um terreno fácil para se projectar uma sombra de dúvida sobre o empenhamento e a qualificação profissional de diplomatas, técnicos e quadros administrativos do MNE, os quais, na sua grande maioria e em condições de trabalho muitas vezes difíceis, têm dado provas de grande dedicação aos interesses do país. Mais uma razão para assumir o risco de afrontar l’air du temps e tentar preservar essa coisa simples, mas essencial, que é a verdade das coisas. Doa a quem doer.”

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Espanha europeia

A Espanha assume, desde 1 de Janeiro, a presidência da União Europeia.

Madrid habituou-nos a presidências ambiciosas e bem sucedidas, com sentido estratégico e determinação. Desta vez, a Espanha tem perante si um desafio complexo, porque lhe cabe dar corpo prático ao Tratado de Lisboa. As instituições são também o que vier a ser o seu próprio funcionamento, pelo que os primeiros meses desta transição de modelos terão a maior importância.

Duas áreas são vitais: o papel das presidências rotativas e a fixação do formato do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE).

O Tratado de Lisboa consagra uma opção deliberada em favor das estruturas de continuidade, em detrimento do papel dos Estados a quem compete a presidência semestral. Definir onde termina um terreno e começa o outro é algo que no primeiro semestre de 2010 terá de ficar assente. Porquê no primeiro semestre? Porque o segundo competirá à Bélgica e, com toda a lógica, nele deverá prevalecer a leitura do novo presidente do Conselho Europeu, Van Rompuy.

Já o SEAE, sem Javier Solana e com Catherine Ashton, sofrerá o seu desenho essencial nos próximos meses, sendo interessante perceber o modo como se fará o "merge" das estruturas externas da Comissão e do secretariado-geral do Conselho com os quadros idos dos diversos países. A luta pelo poder está já nos corredores e da sua resultante final dependerá igualmente o modo como os diversos Estados-membros "viverão" a compatibilidade necessária entre o novo Serviço e as suas respectivas redes diplomáticas nacionais.

Madrid vai estar sob o olhar de toda a Europa e o presidente do Governo, Jose Luis Zapatero, vai ter de utilizar toda a sua consabida capacidade negocial para garantir um resultado consensual. Como sempre aconteceu no passado, a Espanha sabe que pode contar plenamente com Portugal para tudo quanto, nesta exigente tarefa, resulte em favor de interesses comuns no plano europeu, que aliem as nossas muitas identidades e compatibilizem algumas das nossas diferenças.

domingo, janeiro 03, 2010

Seminário diplomático

Hoje é dia de Seminário Diplomático. Desde há vários anos, e sob vários modelos, a maioria dos embaixadores e altos funcionários do ministério dos Negócios Estrangeiros, que coincidem em Portugal neste período de festas, junta-se num encontro anual, onde reflectem sobre o trabalho feito e recebem orientações do ministro e de outros dirigentes políticos e da "casa".

Para além deste objectivo, torna-se extremamente interessante, para quem trabalha em postos diferentes e distantes, poder cruzar-se com amigos antigos, convivendo com eles, ainda que por um período muito curto. Durante o ano, trocamos e-mails, alguns telefonam-se, às vezes visitamo-nos nos postos ou encontramo-nos por Portugal. De quando em quando, lemos o que os outros escrevem nas comunicações oficiais para Lisboa. Mas, por mais esforços que façamos, vamo-nos "perdendo" um pouco uns dos outros, deixando de nos ver com a regularidade que a "alimentação" da amizade requer. Esse é um dos "preços" desta profissão.

A carreira diplomática é, em todo o mundo, uma actividade muito exigente, que obriga a mudanças cíclicas de vida, ao afastamento das famílias e a testes constantes sobre a nossa capacidade para trabalharmos em novas realidades. Acarreta, além disso, custos insuperáveis para a vida profissional dos cônjuges e sérias instabilidades para os filhos.

Mas esta foi a carreira que escolhemos e, sem a menor dúvida, os problemas que suscita são - em muito! - suplantados pelos seus imensos aspectos positivos. Ser diplomata constitui um enorme privilégio, não apenas pelas experiências e oportunidades que este tipo de vida proporciona, mas, principalmente, pelo facto de podermos ter o singular orgulho de ser a cara do nosso país em vários lugares do mundo. Gostava que as novas gerações de diplomatas percebessem bem essa honrosa responsabilidade e a fantástica possibilidade que a carreira diplomática lhes concede para servir Portugal.

sábado, janeiro 02, 2010

Cumplicidades



Cada vez mais me convenço que comprar livros começa a ser um mero gesto de esperança de que vamos conseguir arranjar tempo para os ler. Com tudo o que tenho atrasado, nem duas vidas de ócio pleno me dariam para os milhares que já me enchem as estantes. E, contudo, continuo a comprar mais livros...

Há dois dias, em Orense, retraí-me de adquirir umas memórias da filha de Franco e outras de Mario Conde, uma biografia de Buñuel e uns textos de Cortázar que me faltavam, pela quase certeza de que não iria ler esses livros. Há uns anos, isso não me teria acontecido: compraria e, depois, logo se veria! Confesso que me entristeceu esta minha decisão... A idade começa a rimar com um excessivo bom senso.

Na minha conversa com o livreiro galego, falámos, com alguma emoção, de publicações que ele me havia vendido, em diversas visitas, vai para quatro décadas, nas anteriores instalações da sua Libreria Tanco. Eram coisas proibidas em Portugal, que o franquismo já então deixava publicar. Relembrámos as idas discretas às estantes nas traseiras da sua loja, de onde saíam textos anarco-sindicalistas, o diário do Che na Bolívia e publicações da linha "rosaluxemburguesa" ou do "internacional situacionismo". O que eu lia (ou tencionava ler) por essa altura...

Num certo momento, o meu amigo livreiro fez-me uma surpreendente revelação: "Sepa Usted que yo tenía como muy buenos clientes algunos curas portugueses, de Chaves y Vila Real. Venían por cosas muy de izquierdas...". Nunca me havia dito isso! Será que, com o 25 de Abril, terão chegado a bispos ou arcebispos? Acho melhor nem tentar saber...

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Marão


Atravessar o Marão, na minha infância e adolescência, era uma programada aventura. A serra era uma imensa barreira entre o nosso mundo e o mundo, centenas de curvas que davam direito a enjoos, que se iam atenuar com um copo de "Pedras" na "Lai Lai" ou no "Zé da Calçada", logo que chegados a Amarante.

Mais tarde, as idas para a universidade, na camionete do "Cabanelas" para o Porto, representavam mais de três horas de viagem, sempre com paragem obrigatória em Amarante, desta vez no largo do Arquinho, para um "reforço" no "Príncípe".

Nos eternos regressos a Vila Real, recordo o conforto psicológico que era descortinar, lá ao alto, as luzes da Pousada de S. Gonçalo, uma espécie de posto avançado da cidade, a qual se iria vislumbrar, quilómetros depois, numa certa curva de Arrabães.

Graças ao IP4, o Marão é hoje um "tigre de papel". Há dias, de Vila Real, fui jantar a Amarante e regressei em cerca de meia hora. Há quem vá, a meio da manhã, de Vila Real ao Porto, e volte para almoçar. Com o futuro prolongamento da A4 a Trás-os-Montes, tudo vai ser ainda mais fácil.

Portugal está bem mais pequeno. Não tenho a mais leve saudade daquele passado. Ou melhor: apenas me faz falta a Pousada de S. Gonçalo, ali perto do Alto de Espinho, ingloriamente "terceirizada", como dizem os nossos amigos brasileiros.

Apontamentos

E, pronto! De umas centenas de milhares* de caracteres nasceu um livro de "Apontamentos" - ou melhor, um volume - com alguns estudos sobre coisas ligadas à minha profissão. A capa e contracapa estão "catitas", como diria o meu vizinho de rua Dâmaso Salcede (pelo menos, a acreditar na geografia urbana do Eça). Dentro de dias, estará à venda mas, devo reconhecer, não estou à espera dos respectivos "copyrights" para viver...

Espero que, daqui a um ano, não tenha razões para escrever alguns "Desapontamentos"...

Em tempo: para os amigos que me perguntam sobre o "lançamento" deste título, aviso que não haverá tal sessão. O livro será distribuído no dia 4 no Seminário Diplomático do MNE e, mais tarde, entrará no circuito comercial.

O livro pode ser adquirido na livraria Almedina, sendo possível encomendá-lo aqui.


*ver comentário

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Um excelente 2010 !


Acabou 2009!


Heranças

"Não me atirem com o passado porque eu meto-o ao peito" - é assim que acaba a coluna de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias" de hoje, a propósito de uma recordação espertalhota que alguns decidiram trazer à praça pública.

Não me julgo ao nível do cronista, no passado ou na escrita, mas quero deixar-lhe a minha solidariedade porque, também eu, fui alvo de algumas farpas, aquando de memórias que aqui trouxe sobre as minhas ligações políticas e militares, nos idos de 60 e 70, no outro século. Por isso, aproveitando a "boleia" e para que fique tudo bem claro, deixo lavrado em post, para quem o não tivesse ainda percebido, que, do mesmo modo, não renego nenhuma das minhas heranças, mesmo as que recebi de mim mesmo. Era só o que faltava...

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Eu conheço um blogue...

... onde, durante 2009, se não falou da avaliação dos professores, dos telejornais da TVI, de asfixia democrática, do Freeport, de Manuel Pinho, de tauromaquia, da Casa Pia, do BCP/BPN/BPP & ofícios correlativos do Sul e Ilhas, destas, da dona Isabel dos Santos, de lideranças partidárias, de submarinos, da ida do Red Bull para Lisboa, de escutas, do Face Oculta, do Eurojust, do DIAP, do PGR, da REN, do STJ, do H1N1. E que sobreviveu... até ver!

terça-feira, dezembro 29, 2009

Vidas

Ele há cada conversa!

Ontem, à porta de uma funerária de Vila Real, o respectivo proprietário, com quem trocava cumprimentos rituais de Boas Festas, disse-me, a certo passo: "Ainda hoje falei do senhor embaixador a um colega de Portalegre. Ele foi a França buscar um cadáver e queixou-se-me das demoras consulares por lá". Defensivo e burocrático, reagi logo: "Ele que me contacte se, no futuro, tiver problemas". E fui andando.

Entramos para a carreira diplomática com o sonho de fazer parte de grandes negociações internacionais para acabarmos a agilizar os negócios da morte. É a vida, como dizia o outro engenheiro.

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Tentações


O ambiente era, de facto, fantástico. Uma noite num belíssimo bar, à beira-mar, figuras femininas disponíveis, em quantidade e qualidade, aquela cultura comportamental de relativa impunidade que as reuniões internacionais, em especial se realizadas "a Sul", tendem a proporcionar, a partir do momento em que álcool flui e aflui.

Notei que o ministro que chefiava a nossa delegação, começava a enveredar por uma atitude demasiado "solta". Muito em especial, preocuparam-me olhares distantes, embora distraidamente atentos, de diversos compatriotas presentes. Longe de mim ser puritano, mas desagradam-me escândalos com efeitos de Estado.

A certo passo da noite, pressenti que as coisas se podiam precipitar. O ministro encaminhava-se, com uma companhia que, durante a última hora, se estava a tornar insistente a seu lado, para zonas mais recatadas da varanda, num caminho que facilmente podia conduzir aos quartos. Ia num estado de pouco controlada euforia, que já não passava despercebida a muitos dos circunstantes. Dei uma palavra de aviso ao respectivo chefe de gabinete, mas encontrei-o num "mood" similar, sem vontade de atrapalhar os planos do chefe, talvez preparando-se para enveredar por terrenos idênticos.

Propositadamente, decidi passar por perto do ministro e da sua companhia. Não havia uma grande confiança entre nós, mas o facto de eu ser "dos Estrangeiros" conferia-me como que uma leve autoridade cosmopolita, de alguma habituação àquelas andanças, que ele manifestamente não tinha. Talvez por isso, sem ser demasiado explícito, deitou-me, à passagem, com um largo sorriso, a pergunta cúmplice: "Você acha que há algum problema?". Subentendia-se bem o que pretendia significar... Devo ter feito um carão fechado, quando lhe respondi, seco: "Há dois problemas: a Sida e o "Expresso" de sábado. Mas o senhor ministro é que sabe!".

Senti-o logo inseguro, talvez mais com o segundo problema do que com o primeiro. A "Gente" era uma secção onde se podiam comprar grandes chatices e que havia já feito obituários políticos sumários. Dei meia volta e regressei ao bar. Apareceu por lá, só, minutos depois. Não me falou. Já com ar deliberadamente sério, juntou-se a outros membros da nossa delegação e, volvido pouco tempo, deu as boas noites e subiu para o quarto. Julgo que sozinho, até porque a anterior companhia regressou ao "mercado" da noite.

No dia seguinte, no avião, evitou-me. Ainda hoje o faz, nos restaurantes lisboetas, décadas depois.

domingo, dezembro 27, 2009

Alain Decaux


O académico Alain Decaux é uma personalidade que gerações de franceses aprenderam a conhecer pela televisão e pela rádio, onde, durante décadas, divulgou a História, com graça e profundidade. Outros reconhecem-no pelas dezenas de livros que publicou sobre essa temática.

Como um dos quinze membros do júri do "Prix des Ambassadeurs", que anualmente atribui o galardão a um escritor francês, autor de um trabalho no domínio histórico-político, tenho o privilégio mensal de ouvir dele os comentários, sempre de grande sabedoria e conhecimento, com que acompanha os relatórios que apresentamos sobre as obras em análise.

Há dias, quando fiz a apresentação crítica ao júri da obra do antigo primeiro-ministro Edouard Balladur, "Le pouvoir ne se partage pas - conversations avec François Mitterrand", todos pudemos beneficiar, com interessantes histórias e comentários a propósito, da excepcional erudição de Alain Decaux, que foi antigo ministro do governo de Michel Rocard e conviveu com François Mitterrand.

É um raro enriquecimento poder usufruir desta interacção com quem andou por mundos que, para nós, fazem já parte da História.

sábado, dezembro 26, 2009

O caminho das Pedras


Lá estive, em frente ao portão, fechado com cadeado, a mostrar-nos uma entrada com o chão revolto. Obras ou simples desmazelo? Nem me passa pela cabeça que não se trate das primeiras. De dentro - basta olhar! - transpira um ambiente de estarem a decorrer, com entusiasmo e empenhamento, trabalhos magníficos, para cumprir, com o máximo rigor, o calendário anunciado. Sob o olhar atento dos poderes públicos, locais e nacionais, quero também crer. Enfim, um mundo ideal!

É que, como já se percebeu, com a Unicer no comando, e a julgar pelo passado, haverá, com certeza, Pedras Salgadas... em ponto!

Em tempo: soube que alguns leitores do blogue, menos dados às subtilezas da ironia e mais propensos a exegeses lineares dos textos, terão lido este post como significando a minha súbita crença na bondade e no entusiasmo da Unicer. Por favor!!!

sexta-feira, dezembro 25, 2009

Depois do Natal


O período do Natal suscita sempre lembranças de pessoas que se foram e cuja ausência se torna mais insuportável nestes dias.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

"Continuação!"...

Durante anos, andei francamente convencido que a saudação "continuação!...", usada entre o Natal e os Reis, para significar "continuação de Boas Festas", era típica, não de Trás-os-Montes, mas da própria cidade de Vila Real. Afinal, verifico que não o é e, nos últimos tempos, tenho-a ouvido frequentemente noutras zonas do país. Ilusões que se perdem!

Porém, no dia de hoje, em que saem à ruas as camisolas de losangos e os cachecóis recebidos na noite anterior, aposto que na vila-realense "Gomes", mais do que em qualquer outro café do mundo, se ouvirá imenso "continuação!..."

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Boas Festas !


Aletria e periferia


A notícia correu célere por Vila Real: a aletria estava esgotada e um carregamento que viria do Porto, através do Marão, não podia passar por causa do gelo. Na pastelaria Gomes, centro virtual da cidade, o tema dominava conversas, à hora do café. Natal sem aletria? Até numa visita ao oftalmologista o assunto foi visto como relevante. Ao final da tarde, chega uma informação preciosa, com a revelação de um local da cidade onde o produto se vendia. Lá se foi, lá se comprou, não havia cliente sem um pacote.

Como podem observar, neste Portugal de periferia, há mais vida para além das escutas...

terça-feira, dezembro 22, 2009

Compras


É só uma vez no ano! Sejam generosos!

UTAD

Desejem-me sorte! Desde o passado sábado, por decisão unânime (houve uma abstenção...) do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a que já pertencia, passei a presidir àquele órgão, que tem uma competência na área da orientação estratégica daquela entidade de ensino superior - nos planos científico, pedagógico, financeiro e patrimonial.

A UTAD é uma das realidades mais pujantes da cidade onde nasci e, pelo que já fez pela região, merece que lhe dediquemos atenção. Com o mais bonito campus universitário do país, esta universidade passa por um tempo de mudança e tem à sua frente desafios muito importantes.

Como compatibilizar as minhas funções em França com estas novas responsabilidades? Com mais trabalho e com alguma capacidade de organização.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

"Langue de Bois"


Sempre considerei magnífica a expressão "langue de bois", para significar a forma de evitar dizer coisas concretas, optando por banalidades e fórmulas "redondas", que não comprometem o locutor, sem contudo este deixar de dar a ideia de que está a dizer qualquer coisa de substancial.

Aos diplomatas é assacada a utilização frequente da "langue de bois". Penso que se trata de uma imputação cuja generalização é algo injusta: muitas vezes, a adopção de um discurso vago releva da incontornável pressão que os diplomatas sentem para se pronunciarem em momentos de tensão ou indecisão, quando ainda não têm instruções políticas para serem mais concretos. Este é o preço da chamada "diplomacia pública". Forçados a falar sobre certo tema, alguns diplomatas tendem a encher o discurso com frases não comprometedoras, recheadas de "eventualmente", "muito possivelmente", "esperamos que venha a ser possível" e coisas assim. Às vezes, ao ouvi-los, apetece-me dar-lhes o conselho que sempre dou aos meus colaboradores que vão a uma reunião: se não têm nada para dizer,  tentem estar calados. Só que, por vezes, isso não é de todo possível, particularmente em face do carácter inquisitivo de certa comunicação social, que quer um título ou um "lead". E, com a vida, aprendi que nesse diálogo com os media, só há uma certeza absoluta: a nossa pior frase será sempre o título do jornal.

Compreendo bem os colegas, portugueses ou estrangeiros, que se defendem dessa maneira, em especial face à imprensa, porque muitas vezes não têm treino para esses embates públicos, e para cujo saldo mediático não se sentem protegidos. Digo isto com toda a franqueza, até porque geralmente não procedo dessa forma. Porém, no meu caso pessoal, talvez tenham sido os anos de exposição fora da diplomacia profissional que me tenham aculturado a outro registo, que agora utilizo, com alguma facilidade mas com os inerentes riscos. Reconheço, contudo e sem dificuldade, que, aqui ou ali, já tenho usado a "langue de bois".

domingo, dezembro 20, 2009

Três cantos


Só foram organizados escassos espectáculos, em Outubro e Novembro, mas o encontro musical de José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, a que não tive a sorte de poder assistir, terá sido um dos acontecimentos musicais do ano, em Portugal.

Aí está agora o "Três Cantos", um belo disco para oferecer nestas festas.

Europa



 

O dos Castelos

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando


O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.


Fita, com olhar esfígico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.


O rosto com que fita é Portugal.


Fernando Pessoa (in "Mensagem")

sexta-feira, dezembro 18, 2009

De oito a oitenta


Hoje à noite, um grupo de "maduros" encontrar-se-á num restaurante lisboeta para saudar o singelo facto de se sentarem, alguns desde há mais de trinta anos, em volta de uma certa mesa do bar Procópio, em Lisboa - um lugar inspirado no "Procope" de Paris. A tal mesa tem, com esforço, oito lugares. O grupo quase 80 pessoas. O bar tem um chafariz à porta, como o desenho naïf que acompanha este post bem documenta.

Por aquele bar e por aquela mesa, passou uma parte - não diria importante, mas  interessante - do país das últimas décadas. Também por lá se sentaram, em longas horas de charlas, figuras como Raul Solnado ou José Cardoso Pires, que hoje já nos não acompanham. Por aí se derrubaram, a espadeiradas de ironia,  os vários governos que o mercado político produziu.

Hoje à noite, no repasto anual que teimo em organizar há vários anos, lá estarão jornalistas e gestores, diplomatas e cineastas, políticos e advogados, médicos e doentes da bola, professores e actores - numa mescla onde já dominam os cabelos brancos. O que (n)os une? A amizade e a cumplicidade de um tempo comum. E chega.

Um abraço à Comunidade

Nesta quadra festiva, envio a toda a Comunidade de origem portuguesa em França uma mensagem de grande simpatia com os meus votos de que 2010 possa ser um ano em que todos encontrem o sucesso e a realização pessoal a que aspiram.

Há menos de um ano neste país, devo dizer que aprendi imenso com a dignidade e perseverança dos cidadãos portugueses e luso -descendentes que hoje constituem, em França, a maior Comunidade que Portugal tem no exterior. Nestes meses, tive o ensejo de poder encontrar, já um pouco por todo o país, muitos portugueses e luso-descendentes que, com grande lealdade, dão hoje o seu contributo à vida nacional francesa.

Para um representante diplomático, é altamente reconfortante ter uma Comunidade que é vista como uma das mais positivas e construtivas contribuições para o país que a acolhe. Da mesma maneira, é um orgulho verificar como esses portugueses continuam a sentir-se ligados a Portugal, num culto de memória que nos cumpre ajudar a manter. Neste particular, desejaria saudar, muito especialmente, as estruturas associativas portuguesas em França e os órgãos de comunicação social que actuam no seio da Comunidade.

O mundo dos portugueses em França mudou muito nas últimas décadas, em grande parte graças ao seu próprio esforço, noutra medida devido ao modo como a França os soube acolher. O resultado acabou por ser uma integração de sucesso, que tem como consequência o conjunto de oportunidades que hoje se abrem para as novas gerações, onde os casos de êxito pessoal e profissional são cada vez maiores.

Espero pode ajudar a contribuir, nos anos futuros, para que os cidadãos de origem portuguesa continuem a ver a sua Embaixada, bem como o conjunto das estruturas oficiais portugueses em França, como casas que lhes pertencem e das quais têm o direito de receber um serviço à altura das suas expectativas.

Blogue


Pelas óbvias razões sazonais, este blogue vai entrar, a partir de hoje, num registo de menor actividade, até dia 8 de Janeiro, não deixando, contudo, como "serviço público" que se preza, de prestar "serviços mínimos".

Cleonice


Chama-se Cleonice Berardinelli. É brasileira, tem 93 anos e uma frescura de espírito de fazer inveja a muitos. Foi sempre professora de literatura portuguesa. Fez, há meses, uma conferência sobre Camões no Centro Gulbenkian em Paris sobre Camões, que registei aqui. Entrou, há dois dias, para a prestigiada Academia Brasileira de Letras. É minha amiga e amiga de Portugal.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Convívio



Foi um grupo muito bem disposto da Comunidade portuguesa em Paris, escolhido entre alguns mais velhos de idade, mas todos bem jovens de espírito, aquele que ontem almoçou na Embaixada em Paris. A maioria dessas dezenas de cidadãos, "capitaneados" por uma centenária, nunca tinha estado nas instalações da rue de Noisiel. E gostaram.

Decidimos convidá-los, com ajuda das estruturas associativas e da Santa Casa da Misericórdia de Paris, para um convívio nestas vésperas de Natal. Foram umas horas bem passadas, uma homenagem a alguns dos mais antigos dessa grande e magnífica aventura que foi a emigração para França - gosto da palavra "emigração" e entendo que não devemos ter medo a usá-la.

Clima


"Salvar o planeta ou salvar Copenhague?" pergunta o "Le Monde" hoje.

Esta é uma questão fundamental: se acaso a tentação de obter um acordo a todo o preço na cimeira do clima vier a prevalecer, Copenhague pode fazer bem pior ao mundo do que o "statu quo", com base no qual sempre será possível trabalhar num futuro próximo, num novo esforço político, suscitado pelo fracasso agora constatado. O que, com certeza, não acontecerá se se vier a obter um "acordo de mínimos", ao qual se colarão, por muito tempo, os mais reticentes à mudança.

O que está em jogo em Copenhaga é muito mais importante que o saldo "glorioso" de algumas conferências de imprensa. Esperemos que o bom senso prevaleça.

Neve

Na minha juventude, o saudoso "O Vilarealense" não conseguia escapar ao lugar comum e abria, por rotina, com "a cidade acordou sob um alvo manto de neve", sempre que um nevão nos surpreendia. E escrevo "surpreendia" porque, nesse tempo, as previsões meteorológicas não nos permitiam antecipar a alegria que era ficarmos sem aulas durante dois ou três dias.

Tudo é diferente agora. Hoje de manhã, aqui em Paris, sem surpresas, "fui ver, a neve caía", como dizia o Augusto Gil (será parente do Gil, que comenta este blogue?), poeta que, tenho a certeza, as novas gerações desconhecem por completo. No que, sejamos honestos, não perdem muito...

Mas esta é uma simples nota para dizer que Paris, cheia de neve, tem a beleza de uma cidade diferente.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Bolas




Portugal está em 5º lugar no "ranking" da Fifa, só suplantado por Espanha, Brasil, Holanda e Itália. A Alemanha, a França, a Argentina e a Inglaterra (não o Reino Unido, porque este parece ser o único país onde há 4 regiões componentes) vêm a seguir.

Gosto muito de futebol e sei que isto dá orgulho e afaga o ego a muitos. Mas, devo confessar, não me importava nada de ver Portugal bem mais para o fundo da tabela, em troca de boas posições em outros "ranking" ligados ao nosso desenvolvimento e bem-estar. Seriam outras balizas, claro...

A sopa

O jantar começou tarde, com muito boa disposição, como é típico dos ambientes africanos. Era uma mesa muito longa, bastante larga, que apenas permitia conversa com os parceiros do lado. À minha esquerda, estava uma senhora bem servida de carnes, uma figura política local. À direita, tinha um franzino alto funcionário, encarregado das questões da dívida pública desse país.

A conversa iniciou-se com este último, que elegi como alvo de curiosidade protocolar sobre a situação económica. Fi-lo, confesso, mais por não ter outro tema de conversa do que por interesse particular sobre os equilíbrios macro-económicos dessa antiga colónia de um poder europeu, situada na África central. Deixei-o explanar as dificuldades, disse duas ou três platitudes e, numa pausa, voltei-me para a volumosa vizinha da esquerda, com quem encetei uma breve troca de impressões.

Na sala, entretanto, as conversas ressoavam altas e bem animadas. Era uma visita oficial portuguesa e o chefe da nossa delegação, frequentemente macambúzio, estava  nessa noite de boa onda. A certa altura, senti um toque no meu braço direito e voltei-me, de novo, para o meu vizinho. O seu fácies pareceu-me estranho, estava agora silencioso e, em segundos, vi a sua cabeça, sempre voltada para mim, descair e entrar, com lenta suavidade ... na sopa! Continuava a olhar-me, de lado, com ar vidrado e parte da cara submersa no "consommé". Não consegui ver se estava pálido, por óbvias razões...

Por um segundo, fiquei sem saber o que fazer. Desmaiado estava, pela certa. Mas teria o homem morrido? Atrapalhado, dei um toque na vizinha da esquerda, na esperança que tivesse uma solução de emergência, mas ela estava numa conversa galhofeira com um qualquer membro da nossa delegação e não se voltou. Fiz gestos de chamada para as pessoas em frente de mim, mas os espíritos continuavam altos e ninguém me ligou nada. Optei por me levantar, o que levou algumas pessoas a olhar-me e, rapidamente, a notar o estado esvaído do meu antigo interlocutor.

Foi então que uma rápida operação logística se desencadeou. Como se estivessem já preparados e sem denotar surpresa, apareceram do fundo da sala dois latagões, que retiraram o corpo do homem. De seguida, criados recolheram com rapidez o prato de sopa e limparam a área. Tudo foi feito com tal despacho que até parecia rotina. Um minuto depois, num gesto de inusitada normalidade, sentou-se ao meu lado uma outra figura local, sorridente, que logo pretendeu retomar conversa social, como se nada se tivesse passado, quase ignorando a minha preocupação com o estado de saúde do  meu ex-vizinho. O resto da mesa, salvo, por instantes, alguns membros da delegação portuguesa que estavam mais próximos, continuou na anterior cavaqueira, "business as usual".

O homem tinha tido um ataque epilético, vim depois a saber. Já era costume, tinha acontecido várias vezes, em ocasiões diversas, ninguém estranhou nada. Só eu é que, nessa noite, perdi por completo o apetite...

terça-feira, dezembro 15, 2009

Allan Kardec


Foi anunciado que o Benfica vai contratar um futebolista brasileiro, com o sugestivo nome de Alan Kardec.

Na minha infância, dormia em férias num quarto de família, em Viana do Castelo, que tinha um armário envidraçado, cheio de livros. Alguns deles eram de Allan Kardec. O armário estava fechado, tendo os livros pertencido a um tio por afinidade, já falecido. Andei anos até que descobri que Kardec era a figura fundadora da doutrina do espiritismo, a tal que mexe com mesas e nos põe em diálogo com o além. Comecei a ler um desses livros, já na adolescência, mas, seguramente por incompatiblidade com o meu cartesianismo, nunca fui sensível à doutrina.

Como se sabe, o Brasil é pródigo em nomes bizarros para os seus cidadãos, muitas vezes por adaptação, mais ou menos rigorosa, do de figuras estrangeiras. Este é apenas mais um deles. Será que, para o Benfica, ter um potencial espírita na equipa fará entrar o clube em diálogo virtual com os seus êxitos no passado? E será que o espiritismo será compatível com  o treinador Jesus? Mas têm-se visto tantas "macumbas"! Já estou a imaginar os comentários a este post...

Em tempo: um leitor atento lembra-nos que Allan Kardec está no cemitério parisiense de Père Lachaise. O mundo é pequeno.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Niemeyer

Oscar Niemeyer, o genial arquitecto brasileiro, faz hoje 102 anos.

Em 2007, ano do seu centenário, Niemeyer foi eleito membro da Academia das Ciências de Portugal. Antes, falei-lhe pelo telefone, sondando-o sobre a aceitação do título. Ficou encantado com o convite e deu-me logo conta das suas raízes portuguesas, origem dos apelidos "Ribeiro de Almeida", que figuram no seu nome.

Fui depois visitá-lo ao Rio de Janeiro, para lhe entregar o diploma. Foi uma conversa longa, a que também esteve presente o meu colega António Almeida Lima, cônsul-geral no Rio de Janeiro, durante a qual demonstrou uma agilidade de espírito e uma memória notáveis.  Falou das suas passagens por Portugal, onde se deslocava sempre de barco, porque detesta aviões. Recordou uma deslocação a Lisboa, em 1975, com as paredes da cidade cheias de slogans revolucionários: "Os restantes passageiros, quase todos uns insuportáveis reaccionários, estavam escandalizados. Eu adorei!" - disse, fazendo juz à fé comunista que, até hoje, nunca o abandonou.

Entre outras coisas, disse-me ter pena que a única obra em Portugal do seu escritório seja um hotel no Funchal (uma outra construção, planeada para os arredores de Lisboa, nunca chegou a ser concluída), tendo tomado a iniciativa de destacar o "excelente arquitecto" que é Álvaro Siza Vieira.

Nessa conversa, Niemeyer falou também do seu gosto pela literatura portuguesa, citando Diogo do Couto e Guerra Junqueiro. Da estante do seu escritório pendia uma folha de papel, com um poema dactilografado. À saída, por curiosidade, deitei um olhar mais atento. Era a "Trova do Vento que Passa", de Manuel Alegre.

Brasília fará 50 anos em 2010. Aposto em como Niemeyer estará nas comemorações!

Migrações


Foi muito oportuna a iniciativa que o International Herald Tribune e a Académie Diplomatique Internationale organizou hoje em Paris, juntando o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, e a jornalista Judy Dempsey. O tema central foi o mesmo que, há dias, aqui referi: "Fleeing the storm: the human cost of climate change".

A questão das migrações é um tema de imensa actualidade, até pelo paradoxo que António Guterres sublinhou: cada vez há mais pessoas forçadas a migrar (por razões económicas, de segurança, climáticas ou outras, muitas vezes conjugadas) e cada vez os Estados fecham mais as suas fronteiras. Para o Alto-Comissário, que se mostrou favorável a uma regulação das migrações à escala global - perspectiva até agora recusada pela Comunidade internacional -, verifica-se uma profunda hipocrisia e irracionalidade por parte dos decisores políticos do mundo desenvolvido. Estes, limitados pelo medo que afecta as suas populações, teimam em não enfrentar as necessidades de mão-de-obra dos seus operadores económicos, as quais, na ausência de uma política de imigração regular, acabam por ser supridas pelo "contrabando" de imigrantes, muitas vezes através de formas de tráfico com ligações criminosas.

Como me dizia um observador atento a estas questões, sentado a meu lado na conferência, tudo tenderá a ser ainda pior com o disparar dos índices de desemprego, por virtude da crise.

Em tempo: ler o que o New York Times traz hoje sobre esta conferência. Aqui.

Volume


Acabei, há minutos, de rever o texto de um livro, que vai ser editado em Portugal, dentro de algumas semanas. Tenho até relutância em chamar-lhe "livro", por se tratar apenas de um volume onde armazenei textos dispersos sobre diplomacia e política externa, alguns que ainda não haviam sido editados em Portugal.

A sensação de alívio que sentimos quando nos "libertamos" de um texto é proporcional, em sentido contrário, à dúvida com que ficamos sobre o modo como a publicação será aceite.

Será que vale realmente a pena publicar este fruto da nossa experiência profissional, reflectindo-a e questionando-a? A minha mulher tem as suas reticências e acha que, em grande medida, se trata de uma mera "encadernação do ego". Porque não me inibo a contrariá-la, desconfio que terá razão.

Em tempo: o texto do livro, quando editado, será imediatamente disponibilizado no blogue "à côté", que se chama "... ou quatro coisas".

sábado, dezembro 12, 2009

Salazar


Encomendado através da Amazon - com uma simplicidade que agrava seriamente o meu espaço livresco - acabo de receber este "Salazar - a political biography", da autoria de Felipe Ribeiro de Menezes, editado em Nova Iorque, pela Enigma Books.

Ainda vou no início das suas 644 páginas, mas já deu para entender que estamos perante a primeira grande biografia séria de António de Oliveira Salazar. O trabalho de pesquisa e de referência é notável, o texto é construído com ritmo e elegância. Este livro, pela sua qualidade, afasta-se das "hagiografias" salazarentas de que o exemplo maior são os seis volumes de Franco Nogueira. Desta vez, estamos, finalmente, no terreno da História e Salazar passa a ter uma biografia a um nível similar àquele que Paul Preston dedicou a Franco.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Isabel Meirelles


Ontem, numa comunicação que me mandou, Cruzeiro Seixas referia-se a Isabel Meyrelles como uma "velha amiga desde os anos 40, em que a liberdade não nos era dada, mas conquistada minuto a minuto".

Há meses, já falámos aqui de Isabel Meyrelles, uma personalidade artística da escola surrealista portuguesa a quem hoje, em representação do Presidente da República, entreguei as insígnias da comenda da Ordem de Sant'Iago da Espada, numa cerimónia que organizei na Embaixada, a que estiveram presentes alguns dos seus amigos de Paris.

Na acto de entrega, sublinhei que a mesma se destinava a premiar o "mérito literário, científico e artístico" e, como curiosidade, referi que estávamos perante uma insígnia fundada em 1170. Na mensagem que enviou para a ocasião, o secretário de Estado das Comunidades Portugueses referiu-se a Isabel Meyrelles como "uma das mais significativas figuras da nossa diáspora".

Devo confessar que foi com particular gosto que fiz entrega desta condecoração. Isabel Meyrelles não faz parte do grupo de artistas incessantemente incensados pela crítica e pela comunicação social, mas o seu trabalho como escultora, tradutora e divulgadora das culturas que se expressam em português há muito que merecia este reconhecimento.

Clima




A propósito da reunião de Copenhague sobre o clima, António Guterres publica hoje no "International Herald Tribune" um artigo muito interessante em que analisa os efeitos das alterações climáticas nas movimentações forçadas das populações.

No texto, diz uma verdade que às vezes alguns esquecem: "O que se pode dizer, com considerável certeza, é que o impacto da mudança climática será sentido mais fortemente pelos países mais pobres, que são os menos responsáveis pelo fenómeno e que estão menos preparados para lidar com ele".

quinta-feira, dezembro 10, 2009

A Estratégia de Bruxelas


Alguns Estados membros, acompanhados pelo presidente da Comissão Europeia,  propuseram formalmente, na revisão da Estratégia de Lisboa, ontem decidida, que o nome da capital portuguesa desaparecesse da designação deste processo de reforço da competitividade europeia. Passará a chamar UE-2020, por proposta da Comissão.

A Estratégia de Lisboa foi um projecto, aprovado em 2000 por todos os governos da União Europeia, que tinha como objectivo transformar a União Europeia na economia mais competitiva do mundo, com pleno emprego, no ano de 2010. Numa síntese arriscada, pode dizer-se que a Estratégia se baseava em duas ideias-chave, fruto da identificação dos elementos caracterizadores da distância que separava a economia europeia das que estavam mais avançadas: democratizar o acesso à sociedade de informação, promovendo um reforço da investigação e desenvolvimento no espaço europeu e aperfeiçoar o modelo social europeu, desenvolvendo a educação e a formação, pelo investimento nos recursos humanos, no combate à exclusão.

As áreas cobertas pela Estratégia, acordadas no Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, somavam-se às que eram já objecto de políticas comunitárias, as quais evoluiam sob proposta da Comissão Europeia, nomeadamente em matéria de promoção de emprego, reforço da livre circulação e coordenação macro-económica. Tratava-se, desta forma, de procurar obter a convergência progressiva de políticas que relevavam da competência dos governos nacionais e que foram consideradas como podendo ser o motor do crescimento sustentado da economia europeia. Isso era feito através do chamado "método aberto de coordenação", o qual procurava sublinhar as "melhores práticas" nacionais e, com o respectivo exemplo, estimular efeitos de arrastamento.

A Estratégia de Lisboa não era um programa português: era um programa aceite por unanimidade pelos chefes de governo dos "Quinze", com base numa proposta apresentada pela presidência portuguesa da União Europeia, então chefiada por António Guterres, o qual teve na professora Maria João Rodrigues a sua principal colaboradora. À época, a Estratégia mereceu os maiores encómios pelo seu carácter inovador. Aliás, muito se evoluiu, desde 2000, em vários dos seus objectivos. A metodologia da Estratégia é hoje apontada como inspiradora de diversos projectos, um pouco por todo o mundo. Estou à vontade para referir isto, porque nada tive a ver com o desenho da Estratégia, não obstante as responsabilidades que tinha, à época.

O sucesso pleno da Estratégia de Lisboa dependia, não das instituições da União Europeia, mas exclusivamente da vontade política dos seus Estados membros, da sua disponibilidade e empenhamento para levarem a cabo as reformas que as políticas nele desenhadas pressupunham. Foi essa vontade política que falhou, muito provavelmente porque a evolução da situação política, económica e social em alguns desses países justificou o abandono de certas linhas de trabalho. Não se diga, contudo, como já tenho visto escrito, que o "erro" da Estratégia foi não comportar mecanismos constrangentes. Foi precisamente pelo facto de, desde o início, os Estados considerarem que não estavam disponíveis para adoptar modelos constrangentes que levou a optar por fórmulas baseadas na exploração da vontade demonstrada por cada país, a cada momento. Se os Estados estivessem na disposição de forçar a adopção de medidas, bastar-lhes-ia ter comunitarizado tais políticas,  na revisão dos Tratados, colocando-as sob tutela de iniciativa da Comissão Europeia.

A Estratégia de Lisboa teve uma "revisão a meio do percurso", prevista no projecto inicial., que reorientou algumas das suas metas. Não obstante, à luz de factos imprevisíveis e de conjunturas diversas, alguns dos seus objectivos mostraram-se irrealistas, já não sendo vistos como adequados aos novos desafios emergentes. O alargamento da União Europeia trouxe também impactos que não eram previsíveis à época em que a Estratégia foi delineada. Impôs-se, assim, uma revisitação da Estratégia, para a reformar.

A UE-2020 vai agora substituir a Estratégia de Lisboa, readequando alguns dos anteriores projectos. Nada impedia, contudo, que continuasse a ter o mesmo nome. Boa sorte para a UE-2020.

Carlos Lopes


Conheci-o no país onde nasceu, a Guiné-Bissau, no final dos anos 80. Ao longo dos anos, voltámos a encontrar-nos várias vezes em Nova Iorque e em diversas outras paragens. Coincidimos por algum tempo no Brasil, onde era representante da ONU.

Carlos Lopes é um funcionário internacional especializado em questões de desenvolvimento, com uma carreira académica riquíssima e uma experiência que o levou a director do gabinete de Kofi Annan, entre outros cargos. Tem publicados mais de 20 livros. Actualmente desempenha as funções de director-geral do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, a UNITAR, em Genebra.

Ontem, durante um almoço na Embaixada, ouvi-o com atenção sobre a situação actual que se vive no seio das Nações Unidas, em especial no quadro da crise económica e dos afloramentos institucionais que a mesma estimulou. Impressiona-me sempre a lucidez equilibrada deste homem, ao analisar o panorama internacional e ao abordar as grandes linhas de clivagem em cuja superação assentam hoje as hipóteses de um futuro de paz e estabilidade.     

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Maria João Seixas


Já inventariámos os nossos antepassados e chegámos à conclusão que não temos qualquer parentesco. Mas, mesmo que o tivéssemos, não prescindiria de dizer aqui quanto me agradou a nomeação de Maria João Seixas para a presidência da Cinemateca Nacional.

Leiam ou assistam às suas entrevistas e percebam como é possível transpor para um diálogo a inteligência crítica e o sentido de oportunidade, revelando a capacidade de trazer a riqueza essencial do interlocutor à tona da conversa. Estou certo que Maria João Seixas vai fazer um excelente lugar, com uma programação que coloque a Cinemateca, de forma ainda mais evidente e eficaz, nos roteiros culturais da cidade de Lisboa.

Ah! e há um ponto importante. A Maria João sabe rir e não cultiva aquele ar sisudo de quem acha que a cultura e a frequência dos meios intelectuais impõem uma pesada gravitas, como os que parecem ter por nobre e prestigiado destino o transporte às costas de todas as angústias existenciais do mundo.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Ainda Clara de Ovar


Há alguns meses, falou-se aqui de Clara de Ovar, um nome que teve o seu tempo parisiense, cidade onde criou um restaurante português e onde faria a sua estreia no cinema.

Na altura, pediram-se contribuições para a sua biografia e elas apareceram em comentários ao post então publicado.

Agora surgem novos e mais completos dados, que podem ser consultados aqui.

Brasil - um ano depois


Dia por dia, faz hoje precisamente um ano que deixei o Brasil.

Como memória desse tempo, fica o texto que então publiquei, na introdução ao meu livro "Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa", e que pode ser lido aqui.

Previsões (2)


A propósito do post "Previsões", gostava de afirmar que, como qualquer mortal - e os diplomatas são simples mortais... -,  também já me enganei, e bem, em avaliações políticas.

Não tenho, aliás, qualquer dúvida em expor esses deslizes, como fiz na "Crónica de um erro diplomático" que publiquei no Diário Económico (16.5.07) e que pode ser lido aqui.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Caetano Veloso



Caetano Veloso é um compositor e um cantor excepcional. Há dois anos, em S. Paulo, apenas com uma viola e a sua voz, vi-o encher um palco e conquistar o público de uma forma que muito raramente acontece. Foi um dos melhores espectáculos a que já assisti.

Por uma razão que nunca descortinei, Caetano Veloso dá-se ares de intelectual e muita gente vai nisso, mesmo entre nós. É talvez a emulação com Chico Buarque que o leva a aventurar-se pelos caminhos do pensamento, onde tropeça em algumas notas, com uma presunção que se alimenta de ideias arrevezadas, de frases para parangona, de um "name-dropping" para provar não se sabe bem o quê. Nestes caminhos, hoje como no passado, assume com regularidade uma lusofobia que sabe tocar de perto o sentimento de uma certa intelectualidade.

Há dias, lá esteve na Casa Fernando Pessoa. Falou de Lula, para dizer esta pérola: "à luz tropical do sebastianismo de Pessoa via Agostinho, Lula surge a meus olhos como uma figura de grandeza histórica e épica. Uma grandeza do tipo épico em versos líricos que se encontra em ‘Mensagem’ [ao dizer isto, quase começa a rir-se, refere o Público]. Sinto ternura, simpatia, amor pelas figuras que pareçam carregar a tocha dessa caminhada em que me descobri implicado desde menino”.

Sobre as razões que levam o seu país a apreciar um presidente que “nem sequer concorde os artigos com os substantivos que usa, se elegendo e tendo 80 por cento de aprovação”, Caetano adianta tratar-se de um sinal “dessa originalidade brasileira” que vem do facto de “sermos portugueses, de termos sido colonizados dessa maneira que agradou ao Gilberto Freyre”. Mas que não agrada a Caetano, que talvez tivesse preferido os holandeses. Pois é, mas foram os portugueses, desculpa, ó Caetano!

E agora, se me permitem, vou começar a noite a ouvir o magnífico cantor que é Caetano Veloso.

Em tempo: Inês Pedrosa, em comentário, afirma que as citações reportadas pela imprensa foram decontextualizadas e que o texto completo confirmará isso. Concedo que possa ser assim, mas já ouvi, no passado, Caetano Veloso fazer considerações lusofóbicas. Mas fico a aguardar mais dados.

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...