quarta-feira, julho 13, 2011

Gulbenkian

A Fundação Calouste Gulbenkian vai mudar de instalações, em Paris, a partir do segundo semestre deste ano. No edifício da avenue d'Iéna onde, desde há quase meio século, tem estado instalado o seu Centro Cultural, e que foi a casa do próprio Calouste Gulbenkian ao tempo em que por aqui viveu, está aberta, até Setembro, uma curiosa exposição intitulada "Memória do sítio", a qual, para além de recordar a vida de Gulbenkian, faz um interessante passeio pela vida da própria casa - que, em si mesma, é um belo objeto arquitetónico. O catálogo da exposição é excelente, por ser, ao mesmo tempo, um útil repositório histórico.

Ontem estive por lá, naquele que foi um dos últimos atos culturais destes tempos do edifício da avenue d'Iéna. Com Emílio Rui Vilar, presidente da Fundação, tive oportunidade de encontrar Paula Rego, que vai ter uma sua exposição naquele espaço, daqui a uns tempos. 

Aproveito a ocasião para deixar aqui uma palavra de grande admiração, pessoal e institucional, pelo magnífico trabalho, que tenho tido o ensejo de testemunhar, ao longo destes mais de dois anos, levado a cabo pelo diretor do Centro Cultural Gulbenkian em Paris, e, simultaneamente, diretor internacional da Fundação, João Pedro Garcia. A ação da Gulbenkian em Paris, onde foi o oitavo diretor da história do Centro, não teria tido o brilho que teve se não tivesse sido dirigido pela sua mão culta e eficaz.

A foto que ilustra este post é de Jorge Molder, está na capa do catálogo da exposição e representa a escadaria da casa de Gulbenkian em Paris.

As ditaduras e a diplomacia

A conversa decorria aí há uns vinte minutos. As relações de Portugal com aquele país, que eu passara em revista com o respetivo embaixador, que viera a Lisboa apresentar as suas cartas credenciais, não justificavam uma audiência muito mais longa.

O país que representava era uma ditadura, daquelas que o mundo não hesita a qualificar como tal, mas que teimam em apresentar-se como modelos das "mais amplas liberdades". Na fase final da conversa, aproveitei para deixar alguns "recados" que a União Europeia sempre enviava às autoridades desse Estado, os quais justificavam as reticências que, sobre o seu regime, mantínhamos e que limitavam a nossa abertura coletiva a uma maior cooperação.

Por um acaso, eu conhecia aquele embaixador, há já alguns anos. Havia sido ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país e, à minha frente, ele ouvira em Bruxelas coisas muito mais violentas do que aquelas que eu agora lhe dizia, com alguma serenidade, a qual tinha também algo a ver com a simpatia pessoal que o homem me despertava.

Deixou-me falar até ao final e, quando terminei, pediu: "Importava-se que a nossa conversa continuasse sem a presença da sua colaboradora?". A minha adjunta, que tomava notas, saiu, a um sinal meu.

E foi então que me disse: "Desculpe esta minha atitude, mas eu precisava de falar consigo, a sós. Desde que nos conhecemos, Portugal, tem sido impecável conosco. Vocês dizem-nos o que o vosso governo pensa sobre o nosso regime, mas essas críticas têm sempre um tom construtivo, sem arrogância ou paternalismos. Gostava que soubesse que nós respeitamos muito o modo como Portugal atua".

Achei interessante, mas o que acabava de dizer não justificava o "tête-à-tête" solicitado. O que adiantou, de seguida, deixou tudo mais claro: "Nós conhecemo-nos já há algum tempo. Tenho defendido, da melhor forma que sei e posso, os interesses do meu país. Mas não imagina o que significa representar um Estado que é dirigido por um louco, por um déspota, que nos esmaga e que nos isola do mundo". E foi, por aí adiante, num requisitório em que revelou que vários colegas seus pensavam da mesma maneira, mas viviam aterrorizados e limitados naquilo que podiam fazer.

Já aqui escrevi, um dia, que a última coisa que um diplomata deve fazer, perante estrangeiros, é dizer mal das autoridades do seu país. Como dizem os americanos, "my country, right or wrong". Porém, devo dizer que fui sensível à tragédia daquele homem, um patriota confrontado com um ditador. Na diplomacia, como na vida, todas as regras têm exceções.

Porque é que me lembrei disto, hoje? Porque, há pouco, encontrei um outro diplomata desse país, que, já nem sei bem a propósito de quê, me começou a tercer loas sobre o seu bem-amado líder, uma figura funesta que permanece na cena internacional. Olhei ostensivamente para o meu relógio e achei que eram horas de mudar de ares.

terça-feira, julho 12, 2011

A hora da crise

Há quem pense que a zona euro pode estar a entrar no seu verdadeiro primeiro momento de verdade. O alargamento da situação de fragilidade de uma economia nacional com a dimensão e a importância da Itália, a confirmar-se a sua gravidade, conduz agora a crise europeia para um patamar diferente. 

Já não se tratará, simplesmente, de controlar derivas de economias periféricas, com mais ou menos "panos quentes" e "espadas de Dâmocles" individualizadas, mas de decidir, de uma vez por todas, se um projeto monetário comum pode, ou não, sobreviver sem instauração de outros mecanismos de natureza compensatória ou instrumentos criativos de financiamento, como os "eurobonds". Porém, a viabilidade destes modelos está dependente de um conjunto tão complexo de variáveis, nas muito diversas ordens políticas nacionais, que começa a ser legítimo interrogarmo-nos sobre se isto não será "areia demasiada" para a "carroça" europeia. 

Ontem à noite, um observador com grande experiência nestas andanças europeias dizia-me que temia que, um destes dias, um projeto que demorou décadas a construir pudesse ruir, como um castelo de cartas, em pouco tempo. Esperemos que este pessimismo não tenha razão de ser, até porque o modelo europeu tem agregado a si um conjunto de realizações (em especial, algumas políticas comuns), independentes do projeto da moeda única, que seria de grande irresponsabilidade pôr em causa.

Uma coisa é certa: em qualquer desses cenários, o saneamento das contas públicas, como aquele que Portugal está a levar a cabo, com grande coragem e determinação, continuará sempre a ser essencial. Não é por uma doença deixar de ser individual e, eventualmente, começar a mostrar-se como epidémica, que devemos deixar de tratar-nos.

Jornais

A realidade é a mesma, os olhares têm subliminares diferenças. Descubra-as:

"Dois anos de recessão profunda, prevê o Banco de Portugal", escreve o "on-line" do "Público".

"Banco de Portugal prevê recessão menor que a troika", no "site" do "Diário de Notícias".

segunda-feira, julho 11, 2011

Telemóveis

Cada vez me "passo" mais com os toques e as conversas de telemóvel em público. Eu sei que isso acontece a muitos, mas eu queixo-me aqui das minhas penas.

Há poucos dias, numa cerimónia religiosa com elevada tensão emocional, um telemóvel tocou. Pode acontecer a qualquer um, por distração. Porém o "paralelepípedo batizado" (era assim que o meu pai qualificava alguns patetas) em lugar de desligar de imediato, atendeu em voz baixa, para espanto de todos. Grunhiu uma coisas e - pensámos nós! - desligou o aparelho. Qual quê! Um minuto depois, o telefone voltou a tocar e, não fora uma espécie de onda de ameaça física de toda a vizinhança, preparava-se para responder de novo.

No dia seguinte, na sala de espera do aeroporto de Lisboa, uma mulher incomodou todos os circunstantes, alimentando com voz de ave canora uma longa conversa, como se os outros fossem obrigados a aturar as peripécias da sua vida e da família. Alguns estrangeiros, à volta, riam do ridículo da situação. Há leis para tudo, menos para acabar com estes espetáculos.

Recordo-me que, um dia, em Brasília, o pianista Adriano Jordão - que era também conselheiro cultural da nossa embaixada - dava um concerto. A sala estava cheia. O pianista iniciou a peça. Tocou um telefone. O Adriano Jordão parou de tocar e, voltando-se para a senhora que, com desespero, tentava calar a máquina, disse:

- Faça-me um favor. Se for para mim, diga que não estou...

Cortiça

3,3 biliões de rolhas de cortiça - isto é, uma para cada seis garrafas de vinho em todo o planeta - são vendidos anualmente pelo grupo Amorim, que tem em França, perto de Bordéus, uma filial, que tive oportunidade de visitar, em 2009.

O administrador do grupo, António Rios Amorim - que, por coincidência, é meu colega no Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro -, deu uma entrevista ao importante diário Sudoeste onde também revela que, depois de um crescimento de concorrentes plásticos, "a rolha de cortiça está de volta". Boas notícias.

domingo, julho 10, 2011

Jorge Lima Barreto

Duvido que o Jorge Lima Barreto, que agora morreu, se identificasse com a imagem caricatural do jazz que transparece desta tapeçaria do chileno Pedro Huart. Ele era mais de um "outro jazz", de um estilo com o qual nunca tive grande afinidade.

Fui amigo do Jorge desde os tempos de liceu, em Vila Real, onde ele apareceu, vindo da sua Vinhais natal, para fazer o antigo 5º ano do liceu. Era uma figura atípica, agitada, de olhar entre o grave e a gargalhada, que perturbava a serena cidade transmontana, naqueles anos 60.

Perdemo-nos de vista por algum tempo. Voltámos a ver-nos em Lisboa, a espaços, quando as coincidências isso propiciavam, cada um nos seus mundos, bem diferentes. Às vezes, lia com curiosidade o que ele escrevia. Procurei ouvir, com esforçada atenção, o que ele interpretava. Como disse, não fui muito sensível a ambos os registos mas, entre nós, mantinha-se, nas episódicas breves conversas, aquela confortável memória de tempos antigos.

Há uns anos, no Brasil, através do seu irmão, o ator Luis Lima Barreto, mandei-lhe o meu penúltimo abraço. Aqui vai o último. 

"Tour de France"

"O senhor chama-se Costa? Um português com o nome de Costa acaba de ganhar a etapa do "tour" - ouvi do empregado de balcão, ao registar-me num hotel de Rouen, ao final da tarde de ontem. Ganhou um sorriso meu, do tamanho do mundo.

É muito bom ser testemunha privilegiada dos êxitos de portugueses em França.

sábado, julho 09, 2011

Otão de Habsburgo

Só hoje falo do desaparecimento de Otão de Habsburgo, que teve lugar há já uns dias. Mas este atraso não tem a menor importância, porque também ele fez esperar a morte pelos muitos e bons 98 anos.

Sai de cena um descendente de outra Europa, o herdeiro virtual do império austro-húngaro. Acabou por ser protagonista ativo da Europa contemporânea ao manter-se, durante 20 anos, deputado ao Parlamento Europeu e um ardente defensor da unidade europeia. Politicamente cultivava opções ideológicas muito conservadoras.

Otão de Habsburgo viveu uma parte da sua vida em Portugal. Foi um dos beneficiados com os vistos dados por Aristides Sousa Mendes, o que permitiu à sua família atravessar a fronteira franco-espanhola e seguir para o exílio nos Estados Unidos, através de Portugal.

Conta-se que, um dia, ao ouvir dizer que havia um jogo de futebol Áustria-Hungria, terá perguntado: "contra quem?".

A comandante

Ontem à tarde, no início do voo Paris-Lisboa, antes das boas-vindas aos passageiros, ouvi uma hospedeira perguntar para outra: "Digo 'a comandante" ou 'o comandante' ?". Quem dirigia o avião era uma senhora. Disse "a comandante", claro.

Durante o voo, li uma longa entrevista de Maria Filomena Mónica a Anabela Mota Ribeiro, no "Jornal de Negócios". Nela se falava muito dos homens, do papel de afirmação da mulher na sociedade e de uma suposta complacência machista-latinista dominante em França no caso Dominique Strauss-Kahn (quem terá criado esta falsa ideia em Portugal?). Sintomática é a forma como o texto acaba: perguntada pela entrevistadora se a conversa teria decorrido do mesmo modo se tivesse sido um homem a colocar-lhe as perguntas, Maria Filomena Mónica (cito de cor) disse que não, que nesse caso teria sido mais agressiva nas suas respostas.

Não tem muita graça ver o machismo do outro lado do espelho.

sexta-feira, julho 08, 2011

Diogo Vasconcelos

Não conhecia pessoalmente Diogo Vaconcelos, que ontem faleceu em Londres. Mas tinha (e ainda tenho) a honra dele figurar como seguidor deste blogue - onde aparece numa fotografia com a muralha da China por detrás, que aqui prefiro a outras existentes na net com melhor resolução.

Temos amigos comuns, sabia que era das grandes figuras portuguesas dedicadas às novas tecnologias e recordo bem o seu sorriso amável em algumas ocasiões em que o vi na televisão.

Ontem fui a Lisboa despedir-me de uma amiga. Hoje, despeço-me aqui de um amigo virtual, que segue a mesma viagem.

Ainda as agências de notação

Quem estiver interessado pode consultar o artigo que hoje publico no principal diário económico francês sobre o comportamento das agências de notação financeira quanto à economia portuguesa.

O texto foi enviado na tarde de quarta-feira para o jornal. A questão colocada no seu último parágrafo acabou por ser (parcialmente) respondida ontem à tarde pelo Banco Central Europeu. Só nos podemos felicitar.

Leia o artigo (em francês) aqui (ou aqui) ou em português aqui.

A pedido da TSF, comentei o artigo desta forma.

quinta-feira, julho 07, 2011

Cátedra Solange Parvaux

Na vida diplomática, acontece-nos ter na ideia nomes de algumas figuras estrangeiras que, por uma razão ou por outra, se dedicaram ou dedicam, nos respetivos países, às coisas da cultura portuguesa. Solange Parvaux é uma dessas figuras míticas ligadas ao ensino da língua portuguesa em França, mas já havia desaparecido quando, em 2009, fui colocado na Embaixada em Paris.

Pedagoga e inspetora do ensino francês, Solange Parvaux "apaixonou-se" pelo português, tendo estado na origem da "Association pour le Développement des Etudes Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie lusophones" (ADEPBA), sendo autora de vários livros sobre a nossa língua. A ela se deve um impulso decisivo para a consagração do português no ensino oficial francês.

Na terça-feira passada, tive o gosto de proceder, na Embaixada, à assinatura, em representação do Instituto Camões, conjuntamente com a presidente da universidade Paris III (Sorbonne Nouvelle), Marie-Christine Lamardeley, de um protocolo que institui a cátedra Solange Parvaux, naquela universidade.

Responsáveis universitários, amigos e admiradores de Solange Parvaux estiveram presentes nesse evento, onde tive ocasião de lembrar que o ensino da língua portuguesa na Sorbonne data já de 1919 e que, em 1930, foi criado naquela universidade o primeiro leitorado de português. Nestes tempos em que continuamos a procurar garantir um melhor lugar para a língua portuguesa no sistema oficial francês, o empenhamento do Estado português na criação desta cátedra parece-nos ser um bom testemunho da nossa determinação em assegurar esse objetivo.

Porque a ocasião foi também um momento festivo, houve música pela pianista Clare Longedike, numa colaboração com a Casa de Portugal/Residência André de Gouveia, na Cité Universitaire de Paris.

quarta-feira, julho 06, 2011

Para a Maria José

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
Da emoção que a hora tece.

Fernando Pessoa

Notações

Uma agência de "rating" internacional acaba de baixar a classificação de Portugal, assinalando um aumento de risco em torno da nossa economia, fazendo disparar os juros das obrigações portuguesas.

A publicação deste parecer, na véspera de um leilão de dívida, encarecerá os custos do Estado. Mas, essencialmente, acarreta um peso acrescido no normal processo de endividamento de outras entidades públicas e privadas, cujo respaldo do Estado português surge agora enfraquecido, com garantias mais difíceis de concretizar.

Não importa aqui "chover no molhado" sobre os critérios dessas agências, apenas sendo justo lembrar uma vez mais que o seu atual rigor serve, de certa forma, para compensar o olhar distraído que elas tiveram, durante anos, perante os riscos de muitos produtos financeiros sem credibilidade, que estiveram na origem da atual crise. 

O que agora afeta, na perspetiva dessas agências, a situação portuguesa, não tem em mínima consideração os esforços que as autoridades portuguesas estão a levar a cabo, colocando em prática, com um apoio político maciço e com um imenso sentido de responsabilidade, um programa de um rigor orçamental sem precedentes. 

No passado, como foi o caso das intervenções externas nos anos 70 e 80, o nosso país já havia dado mostras de ter capacidade para superar graves crises macroeconómicas. E a disposição corajosa que agora Portugal está a demonstrar é a melhor prova de que tudo faremos, uma vez mais, para superar esta nova situação. Mas nem a serenidade responsável com que o povo português está encarar o esforço que lhe é solicitado parece convencer os "olheiros" das agências de notação da nossa determinação.

Agora tudo se passa como se os rumores em torno de uma possível reestruturação da dívida grega, fruto de uma situação nacional muito específica que todos reconhecem diferente da nossa, tenham necessáriamente que arrastar Portugal para um tratamento idêntico pelos mercados.

Não deixa de ser irónico que, tendo o nosso país acordado com as instituições europeias e com o FMI um pacote de profundas reformas e de cortes drásticos na despesa pública, algumas das quais antecipadas já por nossa decisão autónoma, as agências de notação acabem, afinal, por mostrar-se "mais papistas do que o papa".

Será talvez legítimo pensar que a União Europeia, e, dentro desta, os atores principais que definem as opções de reforço da zona euro, talvez devesse refletir bem no facto de que esta permanente "navegação à vista", com decisões cumulativas "ad hoc", suscitadas em resposta à corrente dos acontecimentos, vai ser o melhor aliado do jogo especulativo dos mercados. Esta política de medidas avulsas acaba, sem a menor dúvida, por tornar muito mais caro agora aquilo que uma atempada decisão, firme e consequente, já poderia ter estancado há muitos meses. 

O que se passou nas últimas semanas, com alguma cacofonia contraditória entre a linha política do BCE e as iniciativas em torno dos "heterónimos" criativos com que alguns tentam tratar a ideia de reestruturação da dívida grega, aí está a mostrar os seus indesejáveis frutos.

(este texto serviu-me de "inspiração" para o artigo que, no dia 8.7.11, publiquei nos "Les Echos" - ver mais acima)

terça-feira, julho 05, 2011

Condecorações

Olhar para as condecorações dos outros, de forma mais ou menos discreta, é um vício que é muito típico de alguns diplomatas. Há dias, numa cerimónia no Mónaco, vi que um colega meu se fixava atentamente numa condecoração vermelha que eu trazia na lapela. A certa altura, não resistiu: "Que condecoração é essa? É a "Légion d'Honneur" francesa?", inquiriu.

Não, não era, expliquei-lhe. Era "apenas" a nossa Ordem de Cristo. "Mas tu, em Paris, andas sempre com outra condecoração na lapela!", retorquiu. Expliquei que assim era porque, em França, usava, por regra, uma condecoração que, em tempos, me tinha sido atribuída pelo governo francês, muitos anos antes de eu pensar em vir viver para Paris. E lembrei-lhe algo que pouca gente sabe: existe uma legislação francesa, datada do século XIX, que proíbe os cidadãos franceses de usarem, no seu território, as insígnias da Ordem de Cristo e de uma ordem da Santa Sé cujo nome não lembro, apenas porque ambas têm a mesma côr que a "Légion d'Honneur" e podem confundir-se com ela.

Lembro esta mania dos diplomatas curiosos, a propósito de uma história que o meu amigo Jaime Nogueira Pinto me contou, há uns tempos. Era a propósito de um militar que trabalhava no gabinete do presidente Óscar Carmona, nos anos 40 do século passado e que tinha então a seu cargo o serviço do protocolo. Por diversão e interesse cultural, esse coronel tornara-se num especialista em condecorações estrangeiras. Identificava-as e sabia a história de cada uma.

Numa certa receção, nesses tempos idos da ditadura, o seu olhar fixou-se nas condecorações vistosas de um embaixador latino-americano, que tinha a casaca pejada de insígnias. Com a complacência do hiper-condecorado, lá foi revelando os nomes das ordens de que esse diplomata era portador. Mas, a certo ponto, embatucou: "que condecoração é esta? Nunca a vi!". O diplomata, sobranceiro, respondeu-lhe: "Pois se o senhor as conhece todas, também tem de conhecer esta. Mas não lhe vou dizer o nome. Descubra!..."

A evolução da receção fez com que o militar e o diplomata acabassem por se separar antes do mistério ser esclarecido. É nessa altura que, com um sorriso, este último se volta para um colega português e lhe diz: "Gostei de ver a cara do vosso militar. Não conseguiu descobrir que condecoração era esta. Pudera! Fui eu que a desenhei e que a mandei fazer para mim mesmo...".

Depois de ouvir esta história, já tenho dado comigo a pensar se todas as condecorações que brilham no peito de alguns dos meus colegas são verdadeiras.

Tomar nota!

Portugal é o 5º maior produtor de vinhos da Europa e o 10º a nível mundial.

domingo, julho 03, 2011

Etimologias

O ambiente era excelente, naquele restaurante tradicional de uma velha cidade do mundo árabe, em que as autoridades nos ofereciam um almoço, com as melhores especialidades locais. Sentávamo-nos em largos almofadões e cruzávamos as pernas para poder aceder às vitualhas que, com abundância, nos eram trazidas por ondas cíclicas de fâmulos, intervaladas por momentos em que nos aspergiam com água perfumada. A ocasião estava a ser muito agradável, a temperatura fresca da sala ajudava a compensar a manhã de intenso calor, que fora passada em visitas a empresas e a obras públicas. A diplomacia económica estava a ter uma merecida pausa gastronómica.

Era patente uma hesitação, entre alguns membros daquela delegação oficial portuguesa, quanto ao modo como abordar certos pratos. Eu era um desses hesitantes. É que, em muitos casos, e por exclusão de partes, não se via outra solução senão usar as mãos para comer aquilo que nos ia chegando às mesas redondas de latão desenhado, pelas quais informalmente nos distribuíamos. E a verdade é que havia quem nisso tivesse alguma relutância, como era o meu caso.

Um dos colegas desse grupo português, com uma profissão técnica que nem recordo, dava-se, contudo, ares de grande familiaridade com os hábitos daquele tipo de refeições, forte de experiências de que se gabava, tidas em desertos e oásis, sobre as quais contava histórias das arábias, num "estrangeiro" algo macarrónico. Isso seria o menos, se tal familiaridade não o levasse a assumir algumas atitudes de muito mau gosto, de escassa elegância e educação. O seu avançar ansioso para a comida, dando uma imagem quase famélica, começava a incomodar-nos, aos olhos dos nossos delicados anfitriões. É que, perante tudo quanto nos era servido, ele chafurdava de imediato as travessas, de forma quase obcena, com as mãos e até a cara a resplandescerem já de coisas oleosas. Falava com a boca cheia e aberta, monopolizava o diálogo, como se o mundo lhe fugisse e todos tivéssemos obrigação de ouvir os seus percursos de mil-e-uma-noites. O espetáculo estava longe de ser edificante para as cores nacionais, que ali representávamos, nesse tempo, já longínquo, em que a diplomacia portuguesa  procurava reforçar a sua relação económica com o mundo árabe.

A conversa daquele nosso técnico, resvalou, a certo passo, para o consabido lugar-comum com que a generalidade dos portugueses avança, quando têm um árabe à mão: a origem de certas palavras começadas por "al". Desde há muitos anos, na vida diplomática e social, costumo medir o tempo que este tema demora a chegar à tona, sempre que estamos perante pessoas de origem árabe. Pela minha experiência, raramente passa dos cinco minutos...

Agarrando com uma mão uma coxa de frango, com a outra à busca de fritos que, aparentemente, não queria deixar arrefecer nas travessas, falava ele então de Alcantarilha, de Alcoutim, de Almeirim e de coisas do género, num imparável chorrilho de lembranças em "al", que tem sempre como momento de suprema erudição o significado de Alcântara (para "a ponte") e de Algarve (para "o ocidente"). Os nossos anfitriões, coitados, não podendo fazer outra coisa, sorriam.

O nosso homem, a certa altura, soergueu-se das almofadas, atravessou-se por cima da sua mesa, pela frente das pessoas, e, ao tentar agarrar um pedaço de borrego que acabara de chegar numa travessa, com ótimo aspeto, escorregou e o braço deslizou-lhe para um prato oleoso, logo apanhando na manga do fato uma imensa nódoa, das que fazem as delícias profissionais do "5 à Sec". 

Mesclada com manifestações oficiosas de pena, atravessou-nos uma irreprimível risada coletiva, como se todos estivéssemos à espera que, mais cedo ou mais tarde, a justiça divina acabasse por se abater sobre aquele triste comportamento.

Eu era então um jovem diplomata, irreverente e de graça rápida, que me sentia incomodado pela imagem que aquele colega estava ali a dar do nosso país. E não resisti. Fazendo uma cara um pouco mais séria, dando-me ares de, muito simplesmente, querer prolongar a conversa etimológica que ele tinha iniciado, perguntei: "Diga-me lá: você acha que "alarve" também é uma palavra de origem árabe?".

Os portugueses à volta das pequenas mesas encangalharam-se a rir. Os árabes não percebiam o que se estava a passar. O homem, que não era parvo nenhum, fusilou-me com o olhar e, por pouco, não terei apanhado com uma daquelas travessas de especialidades oleosas. Nunca mais me falou. Até à sua morte, há já alguns anos.

sábado, julho 02, 2011

Montfermeil

Nunca tinha ligado o nome de Montfermeil, um dos cenários do "Les Misérables", a famosa obra de Victor Hugo, à localidade existente com esse nome, nos arredores de Paris.

Nesta como noutras cidades próximas na região suburbana parisiense, residem cidadãos portugueses e na respetiva municipalidade há já eleitos luso-descendentes. Monfermeil tinha sido, em 2009, uma das minhas primeiras deslocações fora de Paris, após a minha chegada.

Na passada sexta-feira, correspondendo a um convite do "maire" da cidade, Xavier Lemoine,  estive presente numa representação "son et lumière" do "Les Misérables", realizado no espaço urbano de um "chateau" (o que, no conceito francês, não significa necessariamente "castelo", mas pode, como é o caso, designar um solar ou mansão). Foi uma magnífica experiência, que bem justificou a longa deslocação, em hora de ponta. Tratou-se de um espetáculo de grande qualidade, uma teatrealização levada a cabo por amadores locais, com uma surpreendente originalidade cénica. Tendo visto, no passado, representações musicais do "Les Misérables", em Londres e em Paris, confesso que esta versão teatral esteve bem à altura desses momentos. 

sexta-feira, julho 01, 2011

Mónaco (2)

Atendendo ao facto do embaixador português em França estar também acreditado no Mónaco, ele estará hoje, como convidado oficial, a representar o país, num certo casamento que ocorre naquele principado.

Até amanhã.

quinta-feira, junho 30, 2011

Mónaco

Eu tinha oito anos, mas recordo bem as páginas a-preto-e-branco de "O Século Ilustrado", onde o casamento de um príncipe e de uma bela atriz de cinema, em cenário de luxo, provava a existência de histórias que pareciam perfeitas. 

A vida dos príncipes ou dos reis, como se constata noutras cortes com maior ou menor "glamour", acaba por ser, essencialmente, aquilo que a sorte, o bom senso e a inteligência de cada um conseguir projetar no quotidiano. É claro que as suas tragédias ou percalços são magnificados pelos media, da mesma forma que aquela imagem de "vida-sempre-em-festa" pode ter muito de enganoso. Mas, no fundo, para além da maior ou menor riqueza que possuem, são gente como nós. Até no direito a quererem ser felizes.

Amanhã, tem início um novo capítulo da vida do Mónaco, um principado nosso amigo, onde hoje trabalham vários milhares de cidadãos portugueses. Só podemos desejar felicidades aos noivos e ao Mónaco. 

Árabes

O salão árabe do Palácio da Bolsa, no Porto, é uma das grandes curiosidades daquele belo edifício. Várias vezes estive por lá em eventos ou refeições e sempre me havia perguntado o que significavam as inscrições que estão repetidas por todas as paredes. No passado sábado, fotografei uma delas.

Ontem, perguntei a uma amiga do Bahrein o que aquilo queria dizer. Eis a sua leitura, fruto da diversidade com que o árabe é lido nos vários países: "Alá proteja a segunda sultana mariana". Mais tarde, esclareci melhor o mistério. Os responsáveis pelo palácio pretenderam homenagear a raínha dona Maria II, que autorizou a construção daquela sala (entre 1862 e 1880), a qual foi inspirada no palácio de Alhambra. Assim, o que o texto procura significar é "que Deus proteja a rainha Maria II". 

Tudo acaba por ter uma explicação.

quarta-feira, junho 29, 2011

Polónia

A Polónia é o maior Estado de quantos passaram a integrar a União Europeia, em 2004. Vai assumir amanhã a sua primeira presidência semestral rotativa, num tempo em que isso tem já um significado um tanto residual, atentas as alterações introduzidas pelo tratado de Lisboa.

Ontem à noite, o meu colega polaco, Tomasz Orłowski, um amigo de há quase vinte anos, na abertura de um concerto que ofereceu em Paris, disse que o seu país tinha como objetivo vir a exercer uma presidência simples e útil. Uma finalidade bem sensata, nos tempos que correm.

Do "logo" da nova presidência transparece graficamente a memória do Solidarność, essa magnífica aventura liderada por Lech Walęsa, que hoje se constata ter sido a primeira verdadeira brecha no muro de Berlim. 

Recordo ainda a emoção partilhada com Jorge Sampaio quando, um dia, em Gdańsk, passámos à porta do estaleiro Lénine. Afinal, tudo havia começado ali.

Empresas e diplomacia

O ministério dos Negócios Estrangeiros francês - o Quai d'Orsay, no jargão vulgar - proporciona aos embaixadores aqui acreditados, bem como a personalidades parlamentares ligadas às relações externas, encontros matinais, à volta de um café e de um croissant, com dirigentes dos maiores grupos económicos franceses. Estive hoje em mais uma dessas reuniões.

Não somos muitos aqueles que, impreterivelmente, entre as 8.30 e as 9.45 da manhã, comparecemos, com regularidade, a esses encontros. Devo dizer que, sem uma única exceção, saí até hoje dessas palestras, seguidas de perguntas, sempre mais enriquecido com as informações e as análises transmitidas por essas figuras relevantes do tecido empresarial francês. Para além de ficar a conhecer as suas empresas e o modo como elas olham o mundo e o seu futuro, esses encontros também me têm feito entender melhor as razões do êxito dos principais setores da economia francesa.

Uma última nota: nesses encontros, estão sempre presentes os dirigentes de topo desses grupos económicos. Nunca se fazem substituir, por exemplo, devido a "impedimentos de última hora". "À bon entendeur".

O país

Há dias, li que uma atriz portuguesa sofreu gravíssimas queimaduras e se mantém em estado crítico. Recordo-me de ter lido o nome da senhora nos jornais e, ao ver a sua fotografia, a sua cara não me era estranha. Mas nada mais.

Hoje, faleceu, vítima de acidente, um ex-vocalista dos D'zrt, um grupo cujo nome me diz alguma coisa, mas do qual não conheço qualquer música. A morte provocou uma forte emoção nos seus admiradores, como se constata da comunicação social.

A condição de "estrangeirado" provoca esta sensação de "dépaysement", um sentimento que não é necessariamente cómodo e que se liga a uma certa distância que fomos criando face ao país real. Tenho esta mesma reação quando, nos aviões ou nos consultórios médicos portugueses, me confronto com certa imprensa que trata o mundo da moda, da televisão ou dos "reality shows". Não conheço imensa gente que hoje é muito popular no país que represento.

Há um Portugal desconhecido que (não) espera pos nós.

terça-feira, junho 28, 2011

TPI

O Tribunal Penal Internacional (TPI) iniciou um processo contra o líder líbio Mouhamar El Kadhafi e familiares. Nada de espantar, tendo em atenção os inaceitáveis atentados perpetrados, sob a sua ordem, contra populações civis. 

A independência e a legitimidade de ação do TPI, uma instituição cujo prestígio é da maior importância reforçar, muito ganhariam se tivesse a imediata iniciativa de proceder, de idêntica forma, face a outras práticas similares atualmente em curso. Mesmo que aí não haja petróleo nem se verifique uma tão vigorosa reação, salvo no plano declaratório, dos "powers that be" internacionais.

segunda-feira, junho 27, 2011

Dedicatória

Vi-o ao longe. Estava mais gordo, com uma forte bigodeira. Mas não havia dúvida: era aquele velho conhecido que estivera comigo na tropa, com quem passara longas horas à sueca, na messe da EPAM, nos tempos que antecederam a Revolução de 1974. Nas três décadas que tinham entretanto decorrido, havia-me cruzado com ele num restaurante e num aeroporto. Momentos breves, em que falávamos de amigos comuns, por onde cada um de nós andava e de uma almoçarada que nunca acontecia.

Eu estava sentado a uma mesa, com uma longa fila de gente à frente, para dedicatórias que fazia em exemplares de um livro que lançava nesse dia. Tal como as centenas de pessoas que tinham tido a simpatia de querer estar comigo na sessão, esse amigo, que devia ter lido num jornal que eu publicara um livro, quis ir dar-me um abraço e obter uma palavra escrita minha no seu exemplar, como a nossa velha relação pessoal mais do que justificava.

Só que, de repente, uma imensa angústia me começou a invadir: como é que aquele amigo se chamava? Eu sabia o nome, várias vezes falara dele a outras pessoas, mas, naquele preciso momento, não me "saía". À medida que eu ia "aviando" quantos o antecediam, ele sorria-me, com uma proximidade física vez mais temível, seguro da nossa cumplicidade de outros tempos. Eu estava já a ter alguma dificuldade em me concentrar nas dedicatórias feitas às pessoas que estavam à sua frente, temendo mais alguma "branca", que o meu crescente nervosismo pudesse provocar. É que, francamente, não me estava ver com a "lata" de lhe perguntar: "ó pá! desculpa lá! relembra-me o teu nome". Mas que diabo podia eu fazer?

E o momento fatídico chegou. O meu amigo estava, enfim, no topo da fila, frente à mesa, sobre a qual colocou o exemplar que comprara à entrada. Eu levantei-me para lhe dar um abraço, agradeci-lhe ter vindo e voltei a sentar-me, derreado pela tragédia da impossível dedicatória. Até que o ouvi dizer, para meu imenso descanso: "Dedica isso ao Luís, o meu filho, que quer entrar para a carreira diplomática e a quem tenho falado imenso de ti". 

Claro que dediquei, com todo o gosto, lembrando, no que escrevi, a minha velha e imprescritível amizade com o pai. Nunca soube se o rapaz chegou a entrar para as Necessidades. Mas, um destes dias, vou dar uma vista de olhos àquele inventário de nomes, a que chamamos lista de antiguidade. É que, entretanto, eu nunca mais me esqueci do apelido do homem.

Rádio Alfa

O forte calor parisiense marcou ontem a tradicional festa da Rádio Alfa, que comemorou 26 anos consecutivos de realização. Mas a animação e a alegria daqueles milhares de pessoas, que picnicaram sob as árvores do belo parque de Créteil, resistiu bem ao sol.

Esta bela festa dos santos populares, que o comendador Armando Lopes e a sua equipa realizam em Créteil, constitui, lado a lado com a festa de Pontault-Combault, um dos momentos altos das celebrações que a comunidade luso-francesa promove, um pouco por toda a França, por esta época.

Tal como aconteceu em Pontault-Combault, uns milhares de pessoas ouviram os breves discursos dos oradores, entre os quais o embaixador de Portugal. Breves, porque a finalidade do auditório era escutar quem vinha cantar a seguir, nomeadamente "Santos e Pecadores", Quim Barreiros e Rui Veloso, com uma especial cerimónia de homenagem da Rádio Alfa a Cesária Évora.

Fado no Procópio

Li "anunciado" no "Sol" que, no âmbito das festas de Lisboa, houve fado - e do bom! - no pequeno largo em frente ao lisboeta bar Procópio. 

Já não bastava a proprietária, a "Sedonalice", ter deixado de organizar a tradicional festa de verão (se é por causa da crise, então andamos em crise há muito tempo...), com entrega dos renomados "prémios Procópio", como agora fazem fadistadas "p'ra animar a malta", sem avisarem os clientes históricos que estão "offshore"... 

De Paris, aqui fica a queixa. Não é bonito!

(Em tempo: mandou-me dizer a "Sedonalice" que nada teve a ver com a fadistice. "Prontos", já não está cá quem falou...)

domingo, junho 26, 2011

Do Brasil

Num comentário a um post sobre o S. João do Porto, um leitor deixou esta mensagem:

Sou Português, mas resido muito tempo no Brasil. Acho que os portugueses estão muito pessimistas, encasquetam por pouca coisa, seus comentários são muito rancorosos. Isto aí é apenas uma festa para celebrar o Santo e a alegria. Aproveitem e sejam felizes. Deixem os azedumes para a política e os políticos.

Que bem que me fez ler isto!

Ainda o Porto

"Infanção" foi a categoria atribuída ao embaixador de Portugal em França pela venerável Confraria do Vinho do Porto que, neste sábado, o entronizou, com direito a capa e tomboladeira, numa cerimónia de grande aparato, que teve lugar no palácio da Bolsa, seguida de cortejo, com cavaleiros e banda, que desfilou para um ato de grande gala da Alfândega do Porto. Aqui fica a nota, "for the record".

sábado, junho 25, 2011

S. João

Tenho pena de não ter comigo o belo texto que François Mitterrand dedicou ao S. João do Porto, no "L'abeille et l'architecte"*. O antigo presidente francês, que visitava Portugal a convite de Mário Soares, terá percebido, nesse mergulho na noturna multidão tripeira, muito do nosso caráter como povo.

Há anos que não vinha a um S. João. E não me arrependi de ter voltado a experimentar esta noite, que é única no mundo. 

Conheço portugueses que vivem obcecados em fazer visitas turísticas a longínquos destinos da moda, como se disso dependesse o seu currículo cosmopolita, e que confessam nunca ter estado num S. João no Porto. Coitados...

* Um leitor corrigiu-me: eu pensava que o livro era "La paille et le grain"

sexta-feira, junho 24, 2011

Aquela gabardine

Vou ter saudades daquela gabardine, daquele jeito desajeitado de coçar a cabeça posta de lado, daquele olhar enviesado a rasar o chão, daquele tabaco orgulhosamente incorreto, daquela gravata descaída (agora já tão em moda...), daquela inteligente dúvida final que, quase sempre, traçava o princípio do fim do culpado.

Morreu Peter Falk, o detetive "Columbo", um anti-herói, um dos meus atores íntimos.

quinta-feira, junho 23, 2011

"Hotel de Ville"

... e foi então que se ouviu a jovem mulher daquele funcionário da embaixada de um país, que tal como Cervantes dizia para um certo lugar da Mancha, "de cuyo nombre no quiero acordarme":

- Gosto tanto de viajar pela França! Têm lá aqueles hóteis tão simpáticos da cadeia "Hotel de Ville". Já ficámos num, não ficámos, querido?

"Back home"

O presidente Barack Obama acaba de anunciar uma retirada de parte das tropas americanas presentes no Afeganistão. Trata-se de uma decisão que, seguramente, deve ter assentado numa avaliação positiva da evolução da situação securitária no país e, do mesmo modo, deve estar ligada aos recentes contactos empreendidos por Washington com os "taliban".

A ninguém escapa que, por detrás desta decisão, estão também razões de política interna americana, em tempos de crise económica, de impopularidade dos compromissos militares externos e, "last but not least", quando se aproximam eleições nos Estados Unidos.

A operação liderada pelos EUA no Afeganistão foi executada sob a legitimidade de um mandato das Nações Unidas e com um importante empenhamento dos parceiros da NATO, que plenamente partilharam as razões de segurança que justificaram aquela ação militar. Agora, os governos desses países, colocados perante esta decisão americana, não poderão furtar-se à pressão das respetivas opiniões públicas, que os tentarão conduzir no mesmo sentido da posição tomada pelo presidente Obama. Prouvera que tudo isto se não faça em detrimento de todo o esforço coletivo desenvolvido desde há quase uma década no Afeganistão. 

quarta-feira, junho 22, 2011

Humor político

Uma excelente iniciativa francesa é o prémio anual "Press Club humour et politique", que consagra "bon mots" de figuras públicas.

O vencedor este ano foi o antigo primeiro-ministro socialista Laurent Fabius, premiado por esta frase: "Mitterrand é hoje adulado, mas ele já foi o homem mais detestado de França. O que não deixa de constituir alguma esperança para muitos de nós...".

Veja-se esta de Nathalie Artaud, candidata trotskista da Lutte Ouvrière às próximas eleições presidenciais, que afirmou: "Eu talvez não seja eleita presidente da República, mas não serei a única".

Notável também foi o dito do antigo ministro chirarquiano da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres: "Passar de ministro a passeador do nosso cão supõe um enorme trabalho sobre nós mesmos".

Uma das minhas preferidas é, porém, a frase de Patrick Devedjian, cujo futuro político parecia ameaçado pelos muitos inimigos que criou e que acabou por ter um resultado surpreendente nas últimas eleições cantonais: "Havia tanta gente no meu enterro que eu decidi não estar presente".

Geração à frente

A eleição de Assunção Esteves para a presidência da Assembleia da República, bem como o facto da média etária dos integrantes do novo governo ser bastante inferior à do anterior, constituem prova de que está a processar-se um interessante salto geracional na sociedade portuguesa. Verifico isso também nos empresários que por aqui passam.

Este assumir (estava tentado a escrever "esta assunção") de altas responsabilidades por figuras na casa dos 40 anos - os "quadra", como dizem os franceses - e início dos 50 pode ser sintoma de um apressar da maturidade que, deseja-se, simbolize também uma crescente afirmação de novas ideias.

Mas voltemos à eleição de Assunção Esteves, uma ótima surpresa, não só por ser uma pessoa de convicções, por ser uma mulher e, perdoe-se-me o regionalismo, por ser transmontana, como o seu assumido sotaque de Valpaços orgulhosamente revela - embora só "iniciados" saibam distinguir, no seio de um "som" comum ao norte de Trás-os-Montes, as subtis diferenças entre quem é de Chaves, de Valpaços, de Mirandela ou de Bragança. 

Parabéns, felicidades e um forte abraço, Assunção!

terça-feira, junho 21, 2011

A chamada

A reunião da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP), de que eu era vice-presidente, decorria já há mais de duas horas. Estávamos em outubro de 1995 e um novo governo entraria em funções dentro de semanas, após recentes eleições legislativas. Desde há muito que a ASDP andava às voltas com um projeto de um novo Estatuto para a carreira diplomática e queríamos aproveitar a existência de uma nova equipa ministerial para a convencer, logo no início, de algumas das nossas reivindicações. Sob a presidência de António Santana Carlos, a discussão ia longa e intensa. Caminhávamos artigo a artigo, com divisões entre nós, fruto do confronto de diversas sensibilidades. 

Desde meados dos anos 80 que eu tinha estado envolvido em grupos de trabalho que haviam desenhado vários projetos de "estatuto", uns mais ambiciosos do que outros. Muito mais do que reivindicações de natureza económica, pretendíamos regular com maior rigor o funcionamento da carreira, os processos de transferências e promoções, os direitos e deveres dos funcionários, acautelar uma imensidão de questões relativas à situação dos familiares, etc. À época, eu tinha ideias muito assentes sobre todos estes aspetos até porque, meses antes, tinha feito parte da equipa negocial que, sem sucesso, tentara um acordo com o governo que agora ia cessar funções.

A certo passo da discussão no seio da associação sindical, fiquei isolado. Num determinado artigo desse projeto, creio que o 28º, eu tinha uma posição completamente oposta à da generalidade dos meus colegas de direção. Expus os meus argumentos, mas, embora não convencido, fui vencido. E passámos à frente.

Íamos nós já na análise do "wording" de outros artigos quando o telefone tocou, numa mesa da sala de reuniões. A chamada era para mim. Atendi, verifiquei que não podia ter a conversa naquele ambiente de debate, tomei nota do número, pedi um telemóvel emprestado e saí, para ligar de outro local.

Minutos depois, regressei à reunião, que já tinha avançado pelo articulado adiante. Numa pausa, pedi ao António Santavna Carlos se poderia reabrir o debate sobre o artigo 28º. Houve um coro de protestos. Não apenas a vontade coletiva era esmagadora no sentido de consagrar a solução encontrada para aquele artigo como a minha tentativa de retomar uma questão fechada punha em causa a metodologia de trabalho acordada por todos, comigo incluído.

Com dificuldade, consegui adiantar uma explicação para a minha estranha atitude: "O problema, meu caros, é que a solução que vocês pretendem impor nesse artigo não creio que possa ser acolhida pelo novo governo".

A sala explodiu em perplexidade: "Essa agora!", "como é que sabes?", "ainda não iniciámos a discussão com eles!".

Aí, com um sorriso, deixei cair: "Sei isso porque acabo de ser convidado para fazer parte do novo governo, aceitei e nele vou defender a minha solução".

Era verdade. E, para quem se possa surpreender pela ousadia da revelação imediata do convite, esclareço que não estava a quebrar nenhuma promessa de silêncio, porque havia sido acordado que, naquele preciso momento, a indigitação seria revelada à imprensa. 

segunda-feira, junho 20, 2011

O senhor Ferreira

Quando o novo governo entrar hoje em funções não encontrará, à sua chegada à residência oficial do primeiro ministro, a figura discreta, educada e prestável que, durante décadas, fazia o primeiro acolhimento a todos os visitantes: o senhor Ferreira. 

O senhor Ferreira ocupava um pequeno espaço, à esquerda de quem entra na residência, acompanhado por um polícia, à paisana. Em tempos que por lá andei mais, era uma senhora. O senhor Ferreira conduzia os visitantes que não fossem conhecidos e não soubessem os cantos da casa à sala de espera, ao elevador ou à escadaria que acede ao primeiro andar - onde se situam os principais gabinetes e onde Marcelo Caetano criou uma sala onde reunia o conselho de ministros. Essa sala, que tinha uma mesa em forma de U fechado, foi, no tempo de António Guterres, mudada para a cave. Era nela que, muitas vezes, reunia o conselho de ministros, em alternativa ao edifício existente na rua Gomes Teixeira, perto dos Prazeres.

A figura do senhor Ferreira, que passei a conhecer melhor nos anos 90, sempre me fascinou. Soube um dia que tinha entrado ao serviço ao tempo de Salazar. Como se teria dado com a senhora Maria? Que histórias, se as quisesse e soubesse contar, o senhor Ferreira não teria, olhando o mundo político daquela portaria, desde os anos 60?! Mas o senhor Ferreira era um homem discreto, com a lealdade essencial que os servidores do Estado devem ter, para além dos regimes e governos que servem. Várias vezes "puxei por ele", tentando saber coisas desses tempos antigos, memórias esparsas que pudessem ajudar a desenhar um retrato dessa época. Salvo coisas vagas, nunca me contou rigorosamente nada.

Um dia, nuns minutos de conversa que pudemos ter, quem lhe contou uma história fui eu. Tinha-se passado em 1975, pouco antes do Natal. Terminava então um dos anos anos mais turbulentos da política portuguesa, em todo o século XX. A Revolução, iniciada em abril de 1974, tinha atravessado imensas peripécias - e imagino os tempos "épicos" que o senhor Ferreira não deve ter tido, à beira de vários ataques de nervos, naquela portaria de S. Bento, nesses tempos do PREC (o crismado "processo revolucionário em curso", para elucidação dos leitores mais novos), com fardas e barbas a entrar de roldão, com golpes e contra-golpes a prenunciarem-se e a pronunciarem-se pelo corredores e gabinetes, nas várias encarnações governativas do general Vasco Gonçalves.

Como disse, 1975 ia terminar. O movimento "retificativo" de 25 de Novembro já tivera lugar e o VI governo provisório, que vira a sua existência ameaçada desde a sua formação, em setembro, entrava finalmente nas suas primeiras semanas de verdadeira velocidade de cruzeiro, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo.

Eu trabalhava então, destacado pelo MNE, no Gabinete Coordenador para a Cooperação, a primeira estrutura de ajuda pública ao desenvolvimento, criada após a Revolução, voltada para as relações com as colónias africanas recém-independentes. O projeto de um determinado diploma legislativo havia sido por nós preparado e havia urgência em que fosse entregue, em mão, ao então secretário de Estado responsável por aquela área, o comandante Cristóvão Moreira, que deveria entrar para a reunião do conselho de ministros, em S. Bento, dentro de minutos. Fui encarregado de levar o texto e de lhe transmitir oralmente algumas curtas informações complementares. 

Cheguei à residência num velho Mercedes preto. Os portões abriram-se de imediato e, sob continência dos polícias, o carro avançou até ao fundo da escadaria exterior, que dá acesso à entrada do edifício. Estranhei a facilidade com que a viatura foi admitida, sem qualquer pergunta, identificação ou controlo, mas tomei isso à conta de ser, provavelmente, uma matrícula conhecida. Na pequena área no alto da escadaria, o dr. Almeida Santos falava para televisões (perdão, para a televisão, porque então só havia uma...). Procurei alguém que me indicasse como é que eu poderia chamar o comandante Cristóvão Moreira. Foi-me dito para subir ao primeiro andar. Aí, repetida a pergunta, indicaram-me uma sala. Era o conselho de ministros. Estava prestes a iniciar-se a sua reunião, com o primeiro ministro Pinheiro de Azevedo já no topo da mesa, alguns membros do governo sentados, outros em conversas entre si ou com colaboradores. Descortinei o meu secretário de Estado, inconfundível na sua teimosa camisola de gola redonda, entreguei-lhe o documento, dei-lhe a mensagem e saí.

Ao abandonar o edifício, ainda aturdido pela incrível facilidade que tivera, no acesso desde a rua à sala do conselho de ministros, sem nunca mostrar a minha identificação e sem o mínimo controlo de segurança, perguntei quem era o responsável pela portaria. Foi-me então apresentado, pela primeira vez, o senhor Ferreira. Sorridente, muito agradável no trato, ouviu o comentário pelo qual eu lhe transmitia o meu espanto, respondendo assim: "O senhor doutor (presumiu que o era) tem toda a razão. É verdade, não há quase segurança nenhuma! Mas sabe o que é que acontece? Nunca houve um governo tão grande como este. Entre ministros, secretários e subsecretários de Estado são 84 pessoas! Fora os membros do conselho da Revolução! Todos têm chefes de gabinete, adjuntos e assessores que entram frequentemente por aqui dentro e, se lhes perguntamos quem são, ficam quase ofendidos por não os conhecermos. Por isso, temos alguma dificuldade em controlar estas coisas...". Percebi então melhor o embaraço do senhor Ferreira.

Contei-lhe esta história em 1995. Obviamente, não se lembrava da conversa que, vinte anos antes, tivera comigo. Mas recordava-se bem desses tempos complicados da política portuguesa, que atravessara, profissional e discretamente, na portaria de S. Bento. Reformou-se já há uns anos. Se ainda por lá estivesse, e a partir de hoje, ter-se-ia cruzado com o mais pequeno governo da história política portuguesa pós-25 de abril, por contraste com aquele imenso VI governo provisório.

Não sei se o senhor Ferreira ainda é vivo. Espero bem que sim e que possa receber o meu abraço. 

Le Bourget

Em 2009, eram apenas 10 as empresas portuguesas que, num pequeno e esconso espaço, estiveram no salão aeronáutico bianual de Le Bourget. Falei disso aqui

Na altura, senti alguns hesitantes, outros mais entusiastas, ainda com escassa ligação entre si. Recordo-me que organizei entre eles um jantar de trabalho, que correu bem. Na sequência deste encontro, marquei, a pedido de algumas dessas empresas, contactos em Portugal, a níveis que considerei adequados. Vim a saber que se revelaram frutíferos.

Passaram dois anos e o panorama, na visita que lhes fiz na manhã de hoje a Le Bourget, é outro bem diferente: são agora 37 empresas, com elevado grau tecnológico, num excelente e apelativo stand, agora sob a coordenação da AICEP,  com uma imagem que muito dignifica o nome de Portugal. Algumas dessas empresas têm já uma muito razoável carteira de negócios, outras avançam com projetos magníficos. Grande parte delas colaboram entre si, somam valências e, muitas vezes, estão a aproveitar a porta que a presença da Embraer no Alentejo começa a abrir. No Brasil, tive o privilégio de ter sido testemunha presencial, em S. João dos Campos, do momento em que se lançaram as bases para aquilo qur se pretende venha a ser um polo de indústria aeronáutica em Portugal. O caminho está aberto, finalmente.

Hoje à tarde, juntei cerca de meia centena desses empresários numa receção na embaixada. De todos colhi otimismo e alguns fizeram-me a descrição do que foi o percurso de progresso que os trouxe até aqui. 

Há dias em que ser embaixador de Portugal é particularmente gratificante. Hoje foi um deles.

domingo, junho 19, 2011

O "28"

Há dias, aqui em Paris, uma amiga estrangeira revelou-me ter sido assaltada na linha mais conhecida dos elétricos lisboetas, o "28", onde lhe roubaram uma máquina fotográfica. Contou-me que conhecia várias outras pessoas, todos turistas estrangeiros, que aí tinham tido idênticos problemas, nessa linha recomendada a todos quantos nos visitam, por atravessar várias e tradicionais zonas da cidade. Na conversa, e para minha tristeza, alguns dos presentes, maioritariamente de nacionalidade francesa, ecoaram a atual má fama universal do velho "28".

Dias depois, num jornal português, li uma notícia segundo a qual, diariamente, há registo de imensos roubos a turistas, dentro do "28". O caso já começou a aparecer em alguma imprensa internacional, identificado como um dos "cancros" no turismo de Lisboa, com uma dimensão só superada pela dos famigerados taxistas das chegadas, no aeroporto. No mesmo texto, era revelado que a quantidade de "carteiristas" que atuam, simultaneamente, naquela linha de elétrico, em certos dias, chega a atingir a dezena!

Neste tempo em que o turismo constitui um dos importantes fatores de ingresso de divisas para a nossa economia, em que procuramos, por todo o lado, promover a ida de estrangeiros a Portugal e em que sempre gabamos o nosso proverbial bom acolhimento, não será possível fazer nada pelo clássico "28", ajudando a que os turistas possam, sem assaltos nem sobressaltos, descobrir a "Graça" e os "Prazeres" da nossa capital, sem terem de passar pela "Feira da Ladra"?

Notas dominicais

1. Há dias, o "Libération" notava, com perplexidade, o silêncio das autoridades da generalidade dos países árabes, mesmo dos novos regimes tunisino e egípcio, perante as atos de barbaridade que estão a ser cometidos pelo regime sírio sobre a sua população.  O caso, segundo o jornal, é tanto mais estranho quanto o regime sírio esteve sempre longe de ser popular no seio do mundo árabe.

2. Foram várias as centenas de portugueses que ontem encheram a catedral de Notre-Dame de Paris, na tradicional missa anual que, desde há alguns anos, aí tem lugar, por ocasião das festas portuguesas em França, nesta época. Notei ser gente de média ou avançada idade, apenas com alguns jovens pelo meio. Há semanas, quando tive a almoçar na Embaixada os sacerdotes que trabalham junto das comunidades portuguesas em Paris e seus arredores, foi-me dado perceber que há uma mudança muito importante no comportamento dos portugueses em França face à religião católica, que não favorece o proselitismo nas novas gerações.

3. Foi há um ano que desapareceu José Saramago. É triste dizê-lo, mas cada vez tenho mais a sensação de que o posicionamento ideológico do grande escritor acabou por ser um fator altamente limitativo da fixação, no imaginário nacional, de um legítimo orgulho que o reconhecimento universal da sua magnífica obra imporia. Mas também acho que José Saramago pouco se importaria com isso. E gostei muito da frase de Leonor Barros, no Delito de Opinião, segundo a qual "os escritores não morrem, apenas deixamos de os ver".

4. A posse do novo governo português, num calendário muito curto, justificado pela excecional situação nacional que se vive, demonstra que ainda há margens de flexibilidade na lei que o bom-senso pode mobilizar. Como cidadão, e fazendo as contas ao tempo de decorreu entre a demissão do primeiro ministro e a data em que o novo governo vai tomar posse, acho que deveria ser feito um urgente esforço interpartidário para refletir neste assunto, para dar uma maior modernidade e eficácia ao quadro legal em que estas coisas se processam. Mas tudo isso teria de ser feito já! Dentro de alguns meses ninguém se lembrará de nada, da insensatez dos prazos previstos na nossa legislação para cada etapa. E, quando houver novas eleições, lá estaremos nós a reclamar de novo! Isto faz-me lembrar os discursos feitos, todos os verões, sobre as medidas a tomar quanto às florestas... que só vamos ouvir de novo quando surgirem os novos fogos. Confesso que sinto grande inveja do Reino Unido, que sempre realiza as suas eleições legislativas numa 5ª feira. Logo no dia seguinte, o novo primeiro ministro vai à raínha e, às 14 horas dessa 6ª feira, apresenta-se no parlamento para o seu primeiro debate*.

5. A França é um país em que a questão da energia nuclear, desde o general de Gaulle, passou a constituir um elemento identitário do seu posicionamento internacional, quer a nível da "force de frappe", quer no tocante ao nuclear com finalidades civis. As preocupações ecológicas e a sua retoma por parte de certas forças políticas tem vindo a abrir um debate, se bem que limitado, sobre o nuclear civil. Porém, e curiosamente, a tragédia japonesa teve escasso impacto no modo como a questão tem sido aqui abordada. Não tenho, contudo, a menor dúvida que a atitude radical do governo alemão, no sentido de abolir a produção nacional de energia nuclear até 2020, pelo impacto que acabará inevitavelmente por ter nas reflexões futuras em matéria de uma eventual política energética à escala europeia, vai, a prazo, potenciar de uma revisitação séria do problema em França.

Em tempo: no Reino Unido, como lembra um comentador, da última vez, excecionalmente, a formação do governo demorou três dias. Uma eternidade...

sexta-feira, junho 17, 2011

Manifestação

Ao ler, há dias, nas memórias de Pedro Feytor Pinto, mais um relato das manifestações contra a política colonial portuguesa que tiveram lugar aquando da visita de Marcelo Caetano a Londres, em 1973, não pude deixar de recordar uma curiosa situação de que fui testemunha privilegiada, precisamente 20 anos mais tarde, quando estava colocado na nossa embaixada naquela cidade.

A imprensa britânica tinha vindo a publicar artigos, crescentemente acusatórios, pelo facto de, alegadamente, laboratórios portugueses utilizarem cães como cobaias para experiências médicas. Várias cartas indignadas haviam sido recebidas na embaixada, às quais eu, como encarregado de negócios, na ausência do embaixador, pacientemente respondia, já nem me recordo bem em que termos.

Uma associação britânica dedicada à proteção dos animais pretendeu ser recebida, para entregar um protesto formal, dirigido ao nosso governo de então. Na data e hora combinadas, quando aguardava o grupo, entrou-me um contínuo com um ar desaustinado pelo gabinete, pedindo para eu ir, com urgência, à varanda. Lá fora, ocupando o canto de Belgrave Square, onde se situam os edifícios da residência e da chancelaria da embaixada, que vejo eu? Largas dezenas de cães, pela trela dos donos, bloqueando uma área importante, numa imensa manifestação, entrecortada por latidos em anárquico coro.

As surpresas não tinham terminado. Quando a delegação do grupo protetor dos animais acedeu, instantes depois, ao meu gabinete, dois dos seus integrantes pegavam pelas pontas de um grande "osso", feito em esferovite, ao qual vinha anexo um grande envelope, que vim a verificar tratar-se da carta de protesto. Colocado o imenso "osso" no chão, no centro da sala, ouvi os argumentos da delegação, transmitindo-lhe as justificações que entretanto recebera de Lisboa, as quais, decididamente, não acalmaram a sua indignação.

Acabada a audiência, que decorreu em tom cordato e civilizado, saíram, deixando o "osso" no meu gabinete que, nesse dia, se tornou num centro de romagem de todo o nosso risonho pessoal. Recordo que alguém ainda lançou, irónico: "O senhor doutor quer que se faça uma mala diplomática especial, para Lisboa, para mandar o "osso"? Podia seguir em anexo ao ofício que vai remeter o protesto...". Não mandei, claro, mas perdi uma boa oportunidade para o caso ficar nos anais do MNE. E, de caminho, para eu receber uma reprimenda do secretário-geral pela dispendiosa graça...

quinta-feira, junho 16, 2011

Grécia

Aquando da sua chegada à chefia do governo grego, falei aqui de Georgios Papandreou, de quem sou amigo há mais de 15 anos. Assumiu essas funções num dos momentos mais delicados da história recente do seu país, depois de ocupar vários outros cargos políticos. 

Georgios é uma personalidade serena, com um humor discreto e uma imensa atenção aos outros. Uma sua estada em Lisboa, em 1998, a meu convite, coincidiu com a morte súbita, precisamente em Atenas, de um grande amigo meu, diplomata português, que aí se encontrava de passagem. Recordarei sempre o modo emocionado como Georgios partilhou esse momento delicado, da morte na sua terra de alguém de quem os seus anfitriões estavam muito próximos. A sua sensibilidade tocou-nos a todos.

Neste tempo bem complexo em que, de certa maneira, "todos somos gregos", gostaria de poder dar um abraço ao Georgios e à Ada, extensivo ao vários amigos gregos que tive a felicidade de criar ao longo da vida.

Em tempo: lembro-me do que, há um ano, aqui escrevi sobre a crise grega.

Ainda o Dia de Portugal

Para registo, aqui fica a mensagem do embaixador de Portugal em França, por ocasião do Dia de Portugal, publicada pelo LusoJornal.

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...