A decisão de pedir a adesão às Comunidades Europeias foi um ato que conjugou a vontade dos dois mais relevantes partidos políticos portugueses pós-1974. Correspondeu à partilha implícita, por ambas as forças, do entendimento de que a sustentabilidade do novo regime democrático, saído da Constituição de 1976, dependia muito do modo como ele pudesse vir a ancorar-se a um novo projeto gerador de desenvolvimento e bem-estar, sob um modelo social de mercado. Esse era um terreno comum ao PS e ao então PPD, para além das diferenças que os separavam no plano interno e das idiossincrasias conflituais dos respetivos líderes.
O CDS, cuja matriz procuradamente democrata-cristã da sua liderança inicial (que não das suas bases) se sentia representada numa Europa que fora construída mão-na-mão com a social-democracia, desenhou um discurso europeu que tentou sempre ter algo de próprio. O PCP, com inegável coerência, foi espalhando um “vem aí o diabo!” de Bruxelas e fechou-se para sempre num soberanismo empedernido.
Os governos de Cavaco Silva viveram num verdadeiro “oásis”, no que à Europa respeitava. Era o reino maravilhoso das maiorias absolutas, com os ‘pacotes Delors” e a sua “coesão económico-social” a terem um impacto inédito sobre o nosso PIB, aquecendo muitos bolsos e modificando a paisagem. Nesse tempo, à esquerda, o PS anuía a quase tudo - por coerência, convicção e falta de alternativa. Até chegar o euroceticismo de Manuel Monteiro, o CDS manteve pacífica a imagem essencial de unidade que o país levava para a Europa.
A partir de 1995, embora os tempos fossem já outros – na Europa e no país, onde a maioria tinha desaparecido - posso afirmar, com conhecimento próximo de causa, que a política europeia pôde ser conduzida sem grandes sobressaltos. O facto do “novo” CDS assumir um soberanismo que chegava a mimetizar o PCP, obrigava o PSD a colar-se ao essencial das posições do governo socialista, sob pena das suas credenciais europeístas poderem vir a ser postas em causa no quadro do PPE.
Muita água correu entretanto sob as pontes europeias. As opiniões públicas mudaram radicalmente no modo como passaram a olhar para o que antes era a “bondade natural” do projeto, então apenas contestada por minorias caricaturais.
Apesar de tudo, sente-se que Portugal mudou bastante menos do que outros países, no que toca ao modo como encara o processo integrador. Mais do que um euroceticismo, prevalece hoje por cá uma espécie de eurocinismo. O debate está raptado por ironias bem-pensantes sobre Bruxelas e as suas instituições, por um primarismo argumentativo que, no fundo, é feito da mesma massa daquela que corrói o entusiasmo europeu, um pouco por todo o lado.
Estou a exagerar? Não creio. Tenho mesmo a sensação de que, se fosse necessário lutar por um “sim” num hipotético referendo europeu, cuja resultante final seria ainda assim confortável, parte da nossa opinião pública seria, nos dias que correm, suscetível de alinhar num mar de difusas reticências.
Vou dizer algo que alguns não gostarão de ler: parte importante desse discurso de dúvidas pode facilmente vir a emergir da área do PSD. A meu ver, essa é a força política que tem hoje um potencial mais forte para poder vir a dividir-se internamente sobre a questão europeia. Não desconheço persistir no PSD um conjunto de personalidades com forte sentimento europeu. Mas, do populismo (aceite) de figuras como o seu famigerado candidato em Loures até a alguma irresponsabilidade revelada na questão de cooperação em matéria de Defesa, passando pelo futuro quadro financeiro pluri-anual até ao tema dos “recursos próprios” (os impostos europeus), deteta-se no PSD uma preocupante perda de “automatismo” na sua atitude face à Europa. E o passado ensinou-nos que, sem os sociais-democratas declaradamente “a bordo”, a imagem de Portugal nas instituições da União fragiliza-se e a influência do país pode sofrer com isso. Há alguém que sabe isso bem: chama-se Marcelo Rebelo de Sousa.
Esta não é, porém, uma questão cujas respostas imediatas sejam muito relevantes, por muita consideração que nos possa merecer uma figura como Rui Rio. Tudo vai depender, essencialmente, dessa incógnita maior que é saber o que será o PSD após as eleições legislativas de 2019.