domingo, maio 26, 2019

O meu voto, há meio século


Naquele ano de 1969, eu tinha pela primeira vez a possibilidade legal de votar. E era ano de eleições legislativas, as únicas a que um cidadão português tinha então direito, depois da ditadura ter abolido, anos antes, a eleição direta para o presidente da República, assustada que ficara com o "fenómeno" Humberto Delgado. E eleições autárquicas era coisa nunca vista: todos os autarcas eram nomeados pelo regime.

Um dia, indo a Vila Real em férias, inquiri como poderia inscrever-me nos cadernos eleitorais. Foi-me dito que isso se fazia na Câmara Municipal. Na respetiva secretaria, ao colocar a questão, vi a interrogação circular por vários funcionários. Aparentemente, eu era a primeira pessoa, desde há anos, a suscitar o problema, porquanto a atualização dos cadernos se fazia, por regra, por via oficiosa. Vislumbrei algumas caras conhecidas a manifestarem curiosidade pelo meu zelo cívico. Um deles, amigo da família, baixando a voz, segredou-me, através do balcão: "Não vale a pena votar. Ganham sempre os mesmos!". Outros, mais alinhados com a "situação", pressentindo claramente a razão pela qual eu queria exercer o direito de voto, olhavam-me com um ar algo jocoso, partilhando entre si ironias, à distância. A agitação entre os estudantes universitários, como eu era à época, era conhecida e já havia uns zunzuns de que eu andava metido nessas coisas "associativas" e com o "reviralho". "Sai ao pai", ouvi dizer que alguém do regime comentara um dia, numa tertúlia da "Pompeia".

"Tem de falar com o Sr. Barreira. É ele quem trata disso". Aparentemente, o sr. Barreira era quem "tratava" dos cadernos eleitorais. Era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Defesa central histórico do Sport Clube de Vila Real, com uma altura a rondar os dois metros, trabalhava, se não estou em erro, nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, que acolhia sempre muitos futebolistas. Como andava bastante em serviço externo, o sr. Barreira era pessoa difícil de encontrar. Andei dias até conseguir reunir com ele, o que teve lugar numa pequena sala da Câmara. Levei toda a papelada necessária para o ato de inscrição, que não era pouca. Estava tudo em ordem, podia "ir descansado". 

Mas eu não estava descansado. O sr. Barreira ficou claramente surpreendido, e até algo abespinhado, quando lhe disse que necessitaria de uma certidão da minha inscrição. "Aqui não passamos isso!". Respondi-lhe que, por lei, tinha direito a esse documento e mostrei-lhe as disposições legais que obrigavam as autoridades a atestarem, se assim fosse requerido, a inscrição nos cadernos eleitorais. "Mas se eu lhe garantir que está inscrito, não lhe chega?". Não, não me chegava. Nada tinha a ver com a palavra dele, derivava da minha desconfiança face ao regime (mas, claro, isso não lhe disse). "Vou falar com o chefe da secretaria. Mas o senhor está a criar um problema, sem necessidade". Expliquei que não prescindia da certidão (tinha aprendido isso num livro sobre legislação eleitoral, de José de Magalhães Godinho), que, se acaso me a não quisessem emitir, recorreria por requerimento para o Governador Civil. O sr. Barreira olhou para mim e, já mais sério, não se escusou a deixar cair: "Veja lá no que se mete!" Eu sabia no que me metia. E, alguns dias e outras diligências depois, lá obtive a desejada certidão. Que ainda guardo. E espalhei a notícia: depois de mim, várias foram as pessoas que, em Vila Real, se inscreveram nos cadernos eleitorais, nesse ano de 1969, embora não saiba quantos pediram uma certidão. Meses mais tarde, era tempo de "eleições" legislativas e eu por nada do mundo perderia o ensejo de exercer o meu direito de voto. Mesmo tendo a perfeita certeza de que então ganhavam "sempre os mesmos".

É também por isso, porque agora já não ganham "sempre os mesmos", porque lutei e corri riscos para poder ter uma palavra na escolha de quem me representará, que exerço o meu direito de voto. Que é também um dever, mesmo para aqueles que votam em sentido oposto ao meu, para quantos legitimamente decidem deixar o boletim em branco, como forma de marcarem o seu desagrado pelo leque de opções que lhes é proposto. Mas quem opta, pura e simplesmente, por não votar, por não "dizer" algo da sua vontade, perde um pouco a razão para depois vir a protestar contra as políticas que (quem vota) lhes impõem, torna-se num irrelevante "zero à esquerda" (ou "à direita") na vida cívica. 

sábado, maio 25, 2019

Dia de reflexão


Leonardo Padura


O escritor cubano Leonardo Padura esteve em Portugal. Por compromissos fora de Lisboa, e com muita pena minha, não consegui ir ouvi-lo.

Há doze anos, tive em Havana uma longa e interessante conversa com Leonardo Padura, num jantar proporcionado pelo então embaixador português em Cuba, Mário Godinho de Matos. Padura é uma personalidade suave, com um sorriso amigável e tinha um modo muito sereno de olhar para a complexa realidade do seu país. Teria gostado muito de o ouvir falar sobre a Cuba dos dias de hoje, das suas dificuldades e atuais desafios.

Nessa conversa, demos conta de que ambos havíamos vivido, simultaneamente, em Luanda, na primeira metade dos anos 80. O escritor fizera parte dos "cooperantes" que Cuba enviava para apoio ao regime angolano. Nessa troca de recordações, perguntei-lhe se, como então se especulava, esses cubanos expatriados tinham fortes incentivos económicos, bem como de apoio às famílias que deixavam para trás, como compensação pela execução da sua missão. Confirmou-me que essas atividades lhes proporcionavam, de facto, algumas vantagens mas, enfatizou, nesse tempo havia em Cuba um alargado espírito de "missão internacionalista", que mobilizava muitos dos seus compatriotas. Para acrescentar, muito realisticamente, que, nos dias que então corriam, esse sentimento havia desaparecido quase por completo, pelo que era praticamente impossível recrutar técnicos cubanos para ações no exterior numa base predominantemente ideológica. As alternativas, nos dias de hoje, também não devem ser muitas...

Nessa bela noite de Havana, recordo bem que Padura nos falou num trabalho em que andava envolvido, em torno de documentação de Ramón Mercader, o homem que, no México, em 1940, assassinou Trotsky, às ordens de Stalin. Mercader viveu a parte final da sua vida em Havana, onde morreu, em 1978, tendo mais tarde sido sepultado, com honras soviéticas, em Moscovo. O livro que Padura estava então a escrever, centrado na figura de Mercader, viria a chamar-se “O homem que gostava de cães” e foi um grande êxito. Mas a obra de Padura não se ficou, desde então, por aí.

sexta-feira, maio 24, 2019

A Europa depois de domingo

                                             
A integração europeia foi, desde o início, uma aventura que combinou objetivos práticos com ideias generosas. Consolidar a paz e a democracia e, ao mesmo tempo, promover o bem-estar e a prosperidade de um número crescente de habitantes do continente eram finalidades que apontavam para um saudável modelo de sociedade transnacional. Até à queda do Muro de Berlim, os sucessivos alargamentos, uns mais do que outros, foram mudando a natureza daquilo que unira os “seis” fundadores, mas o essencial continuava preservado. A Europa ia sendo capaz de viver com as suas diferenças e idiossincrasias nacionais, talvez porque o grau de aprofundamento das suas políticas, à época, ainda não testava ao limite as suas soberanias.

Se a Guerra Fria havia funcionado como um cimento inicial do projeto europeu, as decorrências do seu termo vieram a consagrar um tempo em que este passou a ter perante si desafios de inédita dimensão. O mundo que aí vinha ia ser muito diferente e as lideranças europeias pressentiram isso: Maastricht, com o aprofundamento político que desenhou, foi a resposta ousada e ambiciosa. A Europa procurava dotar-se de meios para se afirmar como potência, num tempo em que Moscovo parecia ter mudado de natureza e em que a relação com o outro lado do Atlântico podia, finalmente, processar-se num registo menos tutelar do que aquele que, por razões securitárias, as últimas décadas tinham determinado. 

Por coerência e imperativo geopolítico, a Europa comunitária foi obrigada a absorver, no seu projeto, os Estados que, no centro, leste e sul do continente, lhe batiam à porta, alguns recém-saídos de traumáticos tempos. Há a certeza de que ninguém teve então a noção de quanto esse imenso alargamento iria mudar a sua natureza. Aquilo que inicialmente parecia ir ser uma espécie de “colonização política”, sob o “template” do projeto antes aculturado a ocidente, acabou por revelar-se um fator de pressão sobre a própria génese da União.

Numa outra dimensão, as coisas correriam um pouco à revelia do desejado. O facto do aprofundamento de políticas, que saíra de Maastricht, ter começado a tocar em alguns aspetos ligados ao “core” tradicional da soberania dos Estados (da moeda à política externa e outras áreas) fez soar campainhas de alarme em alguns países, suscitando reflexos nacionalistas e pulsões para a repatriação, ou, pelo menos, para a travagem na cedência de competências. A assimetria de alguns efeitos das políticas contribuiu para agravar esses reflexos.

A mágica agregadora da União foi-se, assim, perdendo. No passado, o projeto comum tinha ambições limitadas no âmbito das políticas públicas. À medida que estas se assumem como “europeias”, o grau de exigência das opiniões nacionais, mobilizadas por agendas diversas e até contrastantes, mas todas ansiosas por respostas satisfatórias a esse nível, foi aumentando. Face às dificuldades, muitos governos nacionais foram “passando a bola” à Europa, tornando-a “bode expiatório” das suas insuficiências. A Europa perdeu em popularidade o que ganhou em críticos.

Com tudo isso, a ideia da “bondade” natural do projeto europeu foi-se desvanecendo. Reticências residuais, passíveis de controlo, foram tratadas com alguma sobranceria. Sopradas por agendas demagógicas, exploradoras de inseguranças, cedo se transformaram em tendências bloqueantes, em vários Estados membros, condicionadoras das vontades nacionais, já com forte impacto nas instituições europeias. O Brexit está aí a prová-lo, as posições desafiantes que emergem em países como a Itália ou a Hungria também. E a emergência de reflexos radicais noutros Estados é um magma hoje com forte significado político à escala da União.

O Parlamento Europeu que sair destas eleições dar-nos-á melhor a medida da Europa que se afastou da ideia europeia. E vai permitir avaliar em que grau as forças de sinal contrário serão capazes de nele encontrar um denominador comum para se oporem ao projeto integrador. Se isso acontecer, em termos que também afetem a capacidade futura da Comissão e do Conselho, então o caso muda de figura.

Forum Demos



Uma excelente iniciativa de Álvaro Vasconcelos, que nos reuniu em Viana do Castelo para um estimulante debate, envolvendo pessoas oriundas de vários países, com experiências diversificadas. Este texto representa um esforço para refletir em conjunto o que devemos ajudar a construir na Europa.

Se isso o motivar, leia o texto aqui.

Televisões amigas


Foi mais uma campanha eleitoral em que a maioria das televisões, em lugar de apresentarem verdadeiras reportagens, com planos reveladores da real dimensão das mobilizações, fizeram quase sempre o frete às candidaturas, filmando de molde a criar a ilusão de multidões. É muito triste.

Comissão para lamentar


Se a Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa (e as outras também) fosse conduzida sem comunicação social a sua eficácia seria bem maior.

Assim, aquilo não passa de um palco para os deputados mostrarem as suas "habilidades" retóricas, candidatando-se às listas eleitorais futuras

Tomar nota


Em Portugal, com escassas exceções, os partidos que estão no governo costumam perder as eleições autárquicas e europeias. Ora o PS já ganhou as primeiras e prepara-se para ganhar as segundas. O segredo estará nos adversários?

quinta-feira, maio 23, 2019

Desventuras


Estou certo de que a grande maioria dos adeptos do PSD recusaria, com grande sinceridade, que o seu partido fizesse uma aliança com o Chega/Basta. 

E, contudo, é capaz de ter esquecido que André Ventura foi o candidato do PSD, confirmado por Pedro Passos Coelho, à presidência da Câmara de Loures.

Fora dos carris



Detesto parecer rezingão, mas, como passo o tempo a dizer coisas bem simpáticas sobre este país, acho que tenho algum crédito para poder ser crítico quando é preciso sê-lo.

Não haverá ninguém, lá pela CP, que, de uma vez por todas, ponha a funcionar, de forma decente, o WiFi que é anunciado nas carruagens do Alfa Pendular, entre Lisboa e Porto, uma coisa que qualquer tasca tem?

E que perceba que oferecer “A Bola” ou o “Vida Económica” a turistas de outras línguas é quase ofensivo e revela desdém? Ter um jornal inglês ou espanhol seria o mínimo!

Ontem disse aqui mal dos atrasos da TAP (e podia ter falado do caos dos nossos aeroportos) e logo tive comentários, no meu blogue, de que o fazia pelo facto da empresa ter sido aberta ao capital privado.

Hoje digo mal, com convicção, desta terceiro-mundista CP, com carruagens incómodas, refeições abaixo de qualquer classificação, casas de banho imundas, ar condicionado muitas vezes a não funcionar. E trata-se de um serviço público.

Há anos que isto é assim, não muda. E o que ouço, de muitos dos frequentadores, é um “não é mau de todo”! Não é mau de todo?! Só se o “benchmark” forem os bancos de sumopau da antiga linha do Corgo! Já andaram de comboio pela Europa? Sejam exigentes, caramba!

Há décadas que anseio por um governo que, de uma vez por todas, ponha a CP “nos carris”. E, já agora, a Refer, que me dizem responsável pelo estado das linhas férreas.

quarta-feira, maio 22, 2019

Declaração de voto


Nasci para a política a desconfiar da Europa comunitária. Por anos, olhei-a como um braço do domínio americano, um instrumento da Guerra Fria destinado a limitar as escolhas de vida dos europeus. Como as liberdades “burguesas” pouco me diziam, via os nossos europeístas “a soldo de” alguém, na melhor das hipóteses uns ingénuos reformistas, num tempo em que a palavra estava proscrita por onde eu andava. Não tendo Portugal vivido a Segunda Guerra, não entendia o cimento que essa memória traumática havia representado para muitos. A aventura da unidade europeia era, para mim, uma ideia estrangeira.

Um dia, comecei a andar bastante por essa Europa. Fui-me apercebendo da importância do seu modelo social, das garantias e direitos que os cidadãos ganhavam com o progressivo aprofundamento das suas políticas, do bem-estar coletivo que visivelmente ela ia construindo, dos ganhos de escala em crescimento que a integração induzia, da filosofia de solidariedade que então estava subjacente ao projeto. O pedido de adesão de Portugal, não me tendo galvanizado, pareceu-me uma opção geopolítica imperativa. Dei comigo a pensar que iria ser sempre tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificassem. Nem mais, nem menos.

É que a Europa continuava a inspirar-me alguma precaução. Inquietava-me deixar que parte importante da soberania do meu país fosse “raptada” por uma “casa comum” onde os condóminos tinham um poder muito diverso na sua gestão. Eu era ainda produto de uma certa escola defensiva de pensamento, a qual, ironicamente, combinava os meus preconceitos ideológicos com uma filosofia de sinal inverso que Franco Nogueira deixara a pairar pelos claustros das Necessidades.

Com alguma surpresa, fui um dia convidado a integrar um governo. Ofereciam-me a pasta dos Assuntos Europeus. Amigos meus, conhecedores das reticências que eu nunca escondera, mostraram a sua perplexidade pela minha aceitação do cargo. Decidi assumir o risco. Passei, a partir de então, a conhecer as coisas europeias mais intimamente. Perdi algumas ilusões mas ganhei bastantes convicções. Aprendi que a Europa é um espaço de luta e confrontação de projetos mas é, sem a menor dúvida, o melhor terreno para a defesa e promoção dos interesses portugueses, um fator essencial para a sobrevivência do nosso modelo democrático, dos valores que cultivamos e sob os quais quero continuar a viver. Esta Europa é o outro nome da nossa liberdade.

Domingo, vou votar pela Europa que foi de Mário Soares. A Europa de António Costa.

(Artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias”)

terça-feira, maio 21, 2019

Camões


A Chico Buarque acaba de ser atribuído o Prémio Camões.

Uma excelente, justa e oportuna decisão.

Atrasos


Atraso de 45 minutos à saída de Lisboa. Um tripulante não se apresentou ao serviço e largas dezenas de pessoas ali ficaram, pelo atraso de sua excelência.

Atraso de uma hora à saída de Faro. Devido “à chegada tardia do avião”. Ou podia ser congestionamento de tráfego aéreo ou outra desculpa qualquer.

Que saudades tenho da TAP que conhecemos e de que nos orgulhávamos.

Que bom seria um mundo sem isto!


segunda-feira, maio 20, 2019

Flores e folhas


Uma grande e bela novidade: a Livraria da Travessa, essa magnífica realidade livreira do Brasil, abriu uma loja na rua da Escola Politécnica. Já por lá passei, nestas que são as suas primeiras horas. Vou ser cliente, muito atento, esperando nos possam trazer a imensa variedade do muito que se edita no Brasil. Saravá, Travessa!

E, claro, já fui ver os jacarandás que estão lindíssimos pelas ruas de Lisboa. Apanhei-os no fundo do Parque Eduardo VII, em transversais da Alexandre Herculano, na dom Carlos e, daqui a horas, vou ver os das Necessidades, porque a diplomacia também se alimenta de flores.

Com este sol, com este tempo, Lisboa está imbatível!


sábado, maio 18, 2019

Noites da Beira

Casas do Côro, Marialva



Convento do Seixo, Fundão



Pousada Convento de Belmonte


Casa das Muralhas, Covilhã

sexta-feira, maio 17, 2019

Medalhas

Vai por aí uma forte demagogia, velha parceira da ignorância, na questão da condecoração de Joe Berardo. E, no entanto, as coisas são bem simples.

A uma determinada figura, pública ou não, pode ser atribuída uma distinção honorífica, por decisão do chefe de Estado, em função de uma avaliação, feita num determinado momento, de que o seu percurso de vida ou alguma sua ação é relevante e merece ser destacado pela sociedade, no quadro de quantas estão tipificadas no regimento de cada Ordem. O mesmo se aplica às instituições. Deixo de parte as condecorações atribuídas “ex oficio”.

Mas uma coisa me parece óbvia: ninguém pode prever o comportamento futuro de um agraciado, após lhe ter sido atribuída a distinção. E, naturalmente, no momento de atribuí-la, não foram tomados em conta quaisquer atos por ele praticados que, a ser conhecidos, poderiam ter inviabilizado essa decisão.

Por essa razão, um caso como o que agora envolve Jo Berardo tem um modo de tratamento muito transparente, mas, sempre e só, dentro da lei.

Se acaso ele tivesse sido condenado por um crime, com sentença transitada em julgado, a uma pena de certa natureza, ser-lhe-ia retirada a condecoração, numa decisão praticamente automática. Não foi esse (ainda?) o caso, pelo que, neste domínio, o assunto está por ora encerrado.

A única outra possibilidade, prevista na legislação, de Berardo ter a sua comenda em risco prende-se com a circunstância do seu comportamento poder ter infringido alguns dos deveres a que os agraciados estão obrigados. Isso implica a instauração de um processo disciplinar, com a audição do próprio, que pode levar a uma posterior decisão, a ser tomada sob proposta do respetivo Conselho das Ordens. Um processo que pode demorar algum tempo, porque não pode ser de ânimo leve, sem uma forte ponderação, que se retira uma distinção que, num determinado contexto, foi decidida pelo chefe do Estado.

Portugal é um Estado de direito. Nem o Presidente da República, nem o Governo, nem a Assembleia da República, nem sequer os tribunais (e muito menos o “clamor” público) podem retirar uma condecoração atribuída a alguém sem que sejam seguidos todos os passos que acima referi (e nem precisei de consultar os pormenores da lei para escrever o que aqui escrevi). Tudo o resto releva do reino das reações emotivas, por mais compreensíveis que estas possam ser.

Querem saber se fico escandalizado pelo facto de Joe Berardo continuar a ser designado como “comendador”? Fico, claro, mas, indignações à parte, eu quero é que se cumpra escrupulosamente a lei. É no país da estrita legalidade que eu gosto de viver.

quinta-feira, maio 16, 2019

Costa Braz


Nos anos 70, a Líbia de Kaddafi estava longe de ter a imagem negativa que, anos mais tarde, viria a adquirir, em especial pelo envolvimento com ações terroristas. O coronel e os seus colegas, recém-emergidos de um golpe militar que havia deposto a monarquia do rei Idris, eram vistos como um nasserismo modernizante, que pretendia colocar a riqueza do petróleo nas mãos do povo, nesses tempos em que o terceiro-mundismo fazia escola. Se os americanos estavam desagradados com o fim da base militar de Wheelus, que tinham mantido perto de Tripoli, os poderes europeus faziam então crescentes gestos de abertura ao novo regime, rico e fonte de negócios. 

Nas suas deambulações para promover o novo regime democrático português, Mário Soares deslocara-se à Líbia, em 1974, onde se encontrara com Kaddafi. Talvez daí tivesse ficado alguma ligação ao PS português.

Um dia de 1977, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros foi alertado para o facto de que uma delegação líbia, chefiada por um ministro, que se deslocava a Lisboa para um congresso do PS, pretendia ser recebida oficialmente. Ao que nos chegou, traziam propostas de cooperação económica interessantes. Nessa altura, tinha a meu cargo o pelouro das relações económicas com os países árabes e fui encarregado de montar toda a operação. 

Parte dela consistia em organizar os contactos para o chefe da delegação. Esta era presidida pelo ”ministro dos Municípios” da Líbia. Por esse tempo, o nosso Ministério da Administração Interna mantinha uma estrutura importante ligada ao nascente poder local. Assim, foi considerado adequado pedir uma audiência para ele ao seu “homólogo” português, o ministro Costa Braz.

A conversa entre os dois, a que assisti, acabaria por ser surreal. O ministro líbio era afinal uma espécie de ministro das Obras Públicas e o poder local, na Líbia, não era mais do que uma ficção. Enquanto Costa Braz falava das virtualidades do novo municipalismo português, gabando-lhe as vantagens e sublinhando o esforço da democracia para diluir o centralismo, o líbio elaborava sobre a necessidade de pôr termo ao poder tradicional das tribos, através de um poder central forte. As obras públicas, ordenadas por Tripoli, funcionavam como fator de legitimação do novo regime. Foi uma verdadeira cacofonia, entre chá e “misunderstandings”.

Acabada a audiência, Costa Braz pediu-me que ficasse para trás e, divertido, perguntou-me o que é que ele estava a fazer “naquele filme”. Eu, embaraçado, expliquei toda a confusão. Ela, contudo, iria continuar: Costa Braz ainda viria ser convidado, mais tarde, para ir à Líbia... 

Verdade seja que, no seu todo, aquela operação luso-líbia iria funcionar às mil maravilhas: uma missão portuguesa (que integrei) deslocou-se à Líbia semanas depois, voltámos para concluir o acordado no ano seguinte e isso seria o início de uma importante presença empresarial de Portugal naquele país, que durou décadas, empregando muita mão-de-obra portuguesa. Isso continuaria até ao fim do regime de Kaddafi, bem como da própria Líbia, enquanto existiu como um estado funcional.

Há dias, por um mero acaso, acabei por ter um contacto indireto com o coronel Costa Braz, um homem de abril que tem sido menos lembrado. Uma figura distinta e impoluta dentre os militares da Revolução, que, não por acaso, viria a ser Provedor de Justiça e Alto-Comissário contra a Corrupção. A sua saúde não andará famosa nos dias de hoje, mas aproveito para daqui lhe enviar um abraço de admiração e respeito. E esta singela recordação.

16 de maio de 2009 - publicado há 10 anos neste blogue


“LE MONDE”

“Ontem, revelei a minha ligação afectiva ao jornal "Le Monde". Mas tenho uma história que prova bem que essa afectividade não é um exclusivo meu.

Estávamos em 1976. Surgira em S. Tomé e Príncipe uma greve dos professores cooperantes portugueses... por cuja pré-selecção eu próprio tinha sido responsável, pouco tempo antes. Aparentemente, os nossos docentes sentiam estar a haver alguma discrepância entre as condições que lhes haviam sido prometidas, antes de partirem de Portugal, e a realidade local com que então se defrontavam. A coisa parecia séria, as aulas estavam suspensas e a "batata quente" foi passada para as minhas mãos, porque eu fora o elo de ligação com as autoridades santomenses. E aí fui eu despachado de Lisboa, viajando através de Paris e de Libreville, no Gabão, para o cumprimento da minha primeira missão externa. Cinco meses depois de entrar para o MNE, imaginem!

Chegado a S. Tomé, o embaixador português, Amândio Pinto, homem simpatiquíssimo, sem dar mostras de qualquer agastamento por terem mandado um "miúdo" para resolver um problema diplomático, perguntou-me logo se eu queria encontrar... o primeiro-ministro, Miguel Trovoada, que era também responsável pela pasta da Cooperação. "O primeiro-ministro!?", inquiriu o recém-admitido adido de embaixada que eu era. "Claro, não há qualquer problema", disse o embaixador. E, com a maior naturalidade, pegou no telefone e ligou ao primeiro-ministro. Para meu espanto, de neófito, meia hora depois, lá estávamos no respectivo gabinete.

Ao cumprimentar o chefe do Governo de S. Tomé, que veio depois a ser presidente da República, dei-me conta de que, sobre a sua secretária, tinha um exemplar do jornal português "O Século". E, pelo título de uma notícia, percebi que aquele jornal teria, pelo menos, duas semanas. Aí, não resisti: "Vejo que está a ler um Século antigo. O senhor primeiro-ministro quer o Monde de ontem?". Trovoada fez um olhar surpreendido: "Mas como é que você tem o Le Monde ontem?". Expliquei-lhe que saíra de Paris na tarde da antevéspera, já com o Monde desse dia (aliás, com a data do dia seguinte) debaixo do braço. Miguel Trovoada, homem que muito frequentara a França, sorriu, encantado com a possibilidade de ter notícias frescas da Europa, e, logo ali, disse que mandaria um carro à nossa Embaixada, para recolher a novidade informativa. O nosso embaixador prontificou-se a ser ele a mandar entregar-lhe o jornal, de imediato.

Para a pequena história, assinale-se que o governo santomense fez algumas concessões que permitiram acomodar as reivindicações dos nossos professores e me deram ensejo de com eles negociar o fim da greve. E que o jovem adido de embaixada que eu era regressou, impante, a Lisboa, com a missão bem cumprida.

Será que o "Le Monde" teve alguma coisa a ver com isso?”

quarta-feira, maio 15, 2019

Agustina


Agustina Bessa Luís, escritora, vive hoje os seus dias afastada do mundo, por uma doença incapacitante e irreversível. Figura maior da cultura portuguesa, dela fica uma obra notável, que lhe concede um lugar cimeiro, de entre os prosadores nacionais contemporâneos. Ao seu conservadorismo político, que a conduziu a atitudes e opções que frequentemente a distinguiram de muitos dos seus pares das letras, somou-se sempre o orgulho numa afirmada condição nortenha, que marca a sua escrita e o imaginário que a suporta. Agustina é também alguém que fugiu à banalidade, ao cultivo de grupos e capelinhas, sempre totalmente senhora de si mesma.

Nunca fui um fã incondicional da sua obra, mas reconheço-lhe uma grandeza rara. É feita de uma escrita rica, muito inteligente e culta, capaz de inesperadas ousadias e, deliberadamente, com um rigor moral que sempre pretendeu sem concessões, mesmo que, pelo meio, emirjam  às vezes algumas contradições, nada impróprio nas pessoas geniais.

Há dias, caiu-me nas mãos uma muito recente biografia de Agustina, escrita por Isabel Rio Novo, intitulada “O Poço e a Estrada”. É uma obra muito interessante, tão completa quanto lhe foi possível fazê-la sem o apoio dos familiares da escritora. Um trabalho pelo qual perpassa uma admiração genuína pela autora, o que não impede um grande rigor de execução e metodologia.

Ao ler o livro, veio-me à memória a única conversa que tive com Agustina, num almoço organizado no Rio de Janeiro, em 2005, depois de, nesse dia, ter sido entregue o prémio Camões a Lygia Fagundes Telles. Fiquei sentado entre as duas, tendo colhido a sensação de que ambas viviam em mundos literários tão distintos que isso afetava o apreço estético entre si. Mas admito que possa ter sido uma perceção errada.

Lembro-me de ter puxado a conversa para o trabalho de complementaridade entre a obra da escritora e o cinema de Manoel de Oliveira. Para minha surpresa, Agustina, que acabava de me conhecer, fez um requisitório de queixas sobre o cineasta, sobre as dificuldades em trabalharem em conjunto, sobre os “abusos” de Oliveira na utilização de alguns dos seus textos. Através de um dos capítulos desta biografia, percebi agora melhor o que Agustina me disse naquela conversa.

Nessa noite, fui jantar com o escritor Helder Macedo, que estava de passagem pelo Rio. No final da noite, ao nos cruzarmos com Agustina no hall do hotel, Helder Macedo cumprimentou-a e, delicado, comentou: “A Agustina é uma pessoa fantástica: consegue não ter inimigos”. A escritora, divertida, retorquiu: “Não tenho, mas faço-os!” E deu uma bela gargalhada.

(Artigo hoje publicado no Jornal de Notícias)

As flores e o Mondrões


Nos meus tempos de Vila Real, algumas ruas da cidade atapetavam-se de flores, creio que pela Páscoa. Não faço ideia se o hábito se mantém. Ao que lembro, duas artérias disputavam então o título das mais bonitas passadeiras de flores: a rua Avelino Patena e a rua Alexandre Herculano. Tenho a "glória", que julgo única, de ter nascido e vivido na primeira e de ter depois passado alguns anos na segunda.

Os desenhos da rua Alexandre Herculano (na imagem) eram da autoria do senhor Lima, proprietário do Café Imperial, na Rua Direita. Com fama de ter “ideias avançadas”, leia-se, de comunista, sempre mal encarado e algo desagradável para com os clientes (chegava a bater-lhes!), só enchia o seu café na noite de Consoada, e apenas por ser o único que abria em toda a cidade. Por ali, tradicionalmente, se alojavam os "hereges" que insistiam em tomar uma bica profissional ou os muito viciados, a caminho da missa do Galo. Fui um bom cliente dessas noites, pela primeira das razões. Os desenhos das passadeiras do Lima, dizia-se, eram dificilmente batíveis. A mão artística da familia Claro, recordo, orientava a execução da passadeira da rua Avelino Patena, a sua grande competidora. 

Nem imaginam com que “raiva” de infância, no dia da procissão, eu assistia à passagem do bispo de Vila Real, dom António Valente da Fonseca, pisando aquela “obra de arte”, que tanto trabalho tinha dado a fazer. Não lhe perdoava!

Para a composição das passadeiras, ia-se, na semana anterior, pelos montes, em busca de flores. Bem industriado pelo senhor Lima, um grupo de senhoras avançava de carro para zonas rurais onde se sabia ser possível colher as cores das pétalas desejadas pelo "designer". 

Quem então as conduzia era o Mondrões, um motorista reformado cuja contribuição para o empreendimento era manobrar um grande automóvel emprestado à organização. Era um homem baixo, encolhido sobre si mesmo, com um boné castanho. Vivia num baixo da nossa rua, entre o Benites da sapataria e o Marques do liceu.

O Mondrões era homem de poucas falas, resmungão, pouco aberto a aceitar comentários sobre o modo como dirigia a viatura. Durante as noites em que, no "Ninho" (uma instituição de educação de crianças pobres, também lá na nossa rua, dirigida pela “Lurdinhas do Ninho”) se fazia a separação das flores, as senhoras relatavam então, entre gargalhadas, episódios proporcionados pela condução do Mondrões, durante essas expedições rurais. Ao que parece, o modo peculiar de conduzir do Mondrões proporcionava momentos de incómoda emoção, fruto do estado de quase permanente embriaguês em que o homem andava. Mas a história foi-lhe justa: não há nota de qualquer acidente ocorrido, pelo menos nessas jornadas floridas.

Quase em frente ao Ninho ficava o Morrinha, um tasco que recordo dirigido por um cavalheiro que mancava muito de um pé, tutelado por uma autoritária mãe (o que a gente guarda, do passado!). O Morrinha foi talvez o último lugar de Vila Real onde ainda se podiam comprar rebuçados de “meio tostão”. (Em teoria, e pela taxa oficial de conversão euro-escudo, um euro daria para comprar 4.008,964 rebuçados de meio tostão). 

Um dia, no Morrinha, terá sido proposto ao Mondrões que experimentasse um vinho branco cuja pipa acabara de chegar do produtor. Pedia-se a sua abalizada opinião sobre a nova “pinga”. O homem, porém, tinha acabado de emborcar uma dose idêntica de vinho tinto, pelo que, no seu estómago, terá sentido um ligeiro incómodo, como resultado da mistura dos dois líquidos. Acariciando o seu ventre proeminente, o motorista profissional teve então um "diálogo" com os dois vinhos, que ficou nos anais da vizinhança: "Ou vos aguentais os dois aí dentro ou vamos os três para o chão!"

Uma aliança etílica ligeiramente menos bem “réussie”, no meu almoço de hoje, e os campos floridos à beira das estradas da Cova da Beira levaram-me assim ao Mondrões, ao Morrinha, aos tapetes de flores, à Lurdinhas do Ninho, ao Lima do Imperial e até ao bispo que lhe pisava as obras de arte. É que isto é como as cerejas - umas levam às outras -, as quais, agora, por aqui, já se comem bem boas!

15 de maio de 2009 - publicado há 10 anos, neste blogue


ANGOLA

“O embaixador do Congo em Paris, Henri Lopes, contou-me, há dias, uma história curiosa, passada em 1974.

Na capital do Congo, Brazaville, estava situada aquela que era a principal representação externa do MPLA no exterior. Nesse tempo, o movimento defrontava-se com uma cisão chamada Revolta Activa, então chefiada por Mário Pinto de Andrade. A Organização de Unidade Africana (OUA) procurava encontrar uma solução para aquela fractura política e Henri Lopes, que era então primeiro-ministro do Congo, havia sido encarregado de tentar uma reconciliação. Em algumas conversas, Neto dera sinais de poder aceder a essa ideia, pelo que foi marcada uma reunião no gabinete do primeiro-ministro congolês.

Assim, numa manhã, Neto e Lopes falavam do tema, com o presidente do MPLA a dar indicações claras de que, nos termos de algumas condições, um compromisso era possível. Num determinado momento, porém, chega a notícia de que uma revolta tinha tido lugar em Portugal. Era dia 25 de Abril.

Ao espanto de Agostinho Neto sucedeu-se, de imediato, a sua decisão de pôr fim a qualquer mediação ou entendimento. O MPLA e a Revolta Activa acabaram por agravar as suas tensões, que chegou a momentos de alguma violência, mesmo em Brazaville. Os membros da Revolta Activa não viriam a ter qualquer papel no início da independência angolana.

É curioso como, aqui por Paris, se encontram histórias esparsas que se ligam à nossa aventura africana.”

terça-feira, maio 14, 2019

O tempo das cerejas


“Já estamos no tempo das cerejas, sabia?”, disse-me hoje a empregada do hotel, algures na Cova da Beira, terra afamada das melhores cerejas. E acrescentou: “Na minha terra, em Alpedrinha, elas amaduram mais cedo”. Gostei do orgulhoso “amaduram”, em lugar do “amadurecem”. 

Não lhe perguntei se conhecia a canção de Montand e hino da Comuna de Paris, “Le temps des cerises”, porque, nos tempos que correm, já ninguém conhece o que eu conheço e, a cada dia, dou-me conta de que cada vez conheço menos coisas que quase todos conhecem. E também não ousei recordar-lhe que, como lá se diz no poema, “é bem curto o tempo das cerejas”. 

Ontem, no Souto da Casa, ofereceram-me cerejas. Ouvi então a voz de Montand: “Quand vous en serez au temps des cerises / Si vous avez peur des chagrins d'amour / Évitez les belles!”. Sábio conselho, difícil de seguir. Diz quem sabe dessas coisas.

Serra da Estrela



O Carvalho da drogaria


No meu tempo, em Vila Real, as duas principais drogarias da cidade eram propriedade de dois irmãos, de apelido Carvalho. As voltas da vida tinham-nos afastado. Os feitios também. Um era uma figura de perfil discreto, que recordo de chapéu na cabeça e um porte sereno: era “o senhor Carvalho da drogaria”. O outro era uma personalidade que tinha tudo de oposto: bigode ao vento, brincalhão, “blagueur”, de verbo e riso fáceis: era “o Carvalho da drogaria”. A cidade era cruel. Mas não havia que enganar!

Eu devia ter aí uns 13 ou 14 anos quando comecei a “parar” na loja do “Carvalho da drogaria”. Era na rampa de S. Pedro, perto de minha casa. Pelas tardes de férias, com a cidade a ferver de calor e tédio, enquanto ele “aviava” quem por ali aparecesse, eu ficava, da parte de fora do balcão, à conversa, sei lá bem sobre quê. O Carvalho - para mim, o “senhor Carvalho”, dando-me ele a “importância” de sempre me tratar por “senhor Costa” - era levado da breca com as criadas (era assim que se dizia, claro) que as patroas mandavam por lá buscar água oxigenada ou bicarbonato de sódio ou pedra-pomes. Cheio de rapapés, elogiava-lhes o penteado ou a blusa sob o avental branco ou o que lhe viesse à gana. Às mais inocentes, sob um pretexto qualquer, convencia-as a irem “lá dentro”, à zona mais íntima da loja, onde era certo e sabido que lhes mostrava umas certas revistas trazidas por amigos de França. Era então ouvi-las: “Ó senhor Carvalho! Que indecente!” E de lá saiam, coradas, cheias de risadinhas nervosas, com o Carvalho, lúbrico, a lançar-lhes: “Volte sempre, menina Odete! Ainda não viu nada!”. E acrescentava, para mim: “Jeitosa, esta pequena! Não acha, senhor Costa?”. Eu devia achar, ao que me lembro desses tempos de inquietas descobertas.

O Carvalho mudou um dia a sua drogaria para a Rua Direita, então a artéria comercial mais importante da cidade. Eu já não vivia em Vila Real. Por muito tempo, aquele continuou a ser um ponto de passagem obrigatório nas minhas idas pela cidade. Como eu o tinha “apanhado”, um dia, na Régua, num “tête-à-tête” romântico num café, provocava-o: “Tem ido muito à Régua, senhor Carvalho?”. Ele soltava uma gargalhada, comprometido, mas sempre livre, na vida de solteirão que levava. “O senhor Costa sabe-a toda, ó se sabe!”, respondia-me ele. 

E assim nos fomos dando, até que um dia notei que a drogaria tinha fechado. Informei-me e soube que o Carvalho tinha zarpado para Barcelos, sua terra de origem, reformando-se das drogas. Num telejornal dos “anos da brasa”, vi então, uma noite, o meu amigo Carvalho como porta-voz de uma manifestação sei lá bem sobre quê. Já deve ter morrido há muito.

Há dias, dei comigo a dizer, na minha casa, em Lisboa: “Acho que devíamos mudar o Carvalho da drogaria de parede”. Ao leitor, a frase pode soar a estranha. Em minha casa, não. O “Carvalho da drogaria” é o nome simplificado que o óleo de Gracinda Candeias (na imagem) ganhou depois do meu pai, um dia, entrando na sala de jantar da casa onde eu vivia, em Londres, ter dito: “Este vosso quadro faz-me sempre lembrar o Carvalho da drogaria”. Parece que era o bigode do Carvalho que ele identificava naquela pintura. E assim ficou, para sempre. Mas ainda não houve consenso para a saída do “Carvalho da drogaria” daquela parede.

14 de maio de 2009 - publicado há 10 anos, neste blogue


HOLOCAUSTO

“Hoje de manhã, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, Eduardo Lourenço dizia que, se pensarmos bem, a escravatura pode ser considerado o primeiro holocausto. Nunca me tinha ocorrido, mas, como quase sempre, ele tem razão.”

segunda-feira, maio 13, 2019

Pérolas da eloquência


Amanhã vou a Manteigas. Aproveitarei para recordar essa figura estupenda da retórica lusa que foi Américo Tomás, que dela dizia: “É uma terra bem interessante, porque estando numa cova está a mais de 700 metros de altitude...”

domingo, maio 12, 2019

Contrastes



Viana, no dia que agora termina, estava soberba. Um sol magnífico pairou sobre a cidade. Cheira já a verão.

Numa conversa, a anteceder o trabalho de um “retiro” em que estive por ali, sobre questões europeias e internacionais, veio à baila a outra Viana, a Viana invernosa, com chuva e vento, uma cidade muito diferente. Vir por ali em novembro ou março é ter a experiência de uma outra cidade.

Alguém lembrou então que um ambiente desses é, afinal, o ideal para se escrever um livro, ao calor da lareira, saindo pouco de casa. Logo outra pessoa comentou que, para alguns, um tempo pouco acolhedor é, ao contrário, deprimente, desmotivador, indutor de tristeza. Uma leitura contrastante.

Lembrei-me então de uma história.

"O senhor embaixador não acha este clima deprimente?: cinzento, pesado e que obriga a ficar em casa a maior parte do tempo. As pessoas aqui devem sofrer muito com isto, não?" O secretário de Estado português, de visita a uma capital nórdica, fazia este comentário, na tarde escura de um mês outonal, em frente do nosso embaixador, na respectiva residência.

"Nem imagina!, senhor secretário de Estado", responde o diplomata. "Estes climas nórdicos, para além de serem muito incómodos, criam uma pressão psicológica terrível sobre as pessoas, levam a alguns desregramentos, como o alcoolismo, e chegam a originar doenças do foro psiquiátrico. Há por aqui imensos suicídios!" E o embaixador continua, por vários minutos, a discorrer sobre as óbvias desvantagens das longas noites, da ausência de sol e dos respectivos impactos negativos.

O secretário de Estado deve ter regressado a Lisboa com a plena confirmação daquilo que sempre suspeitara, sobre os malefícios do tempo na Escandinávia.

Algumas semanas depois, o nosso embaixador recebe um almirante em fim de carreira, homem bonacheirão e "bon vivant". O clima local continuava o mesmo, claro.

"Sabe, senhor Embaixador? Eu acho que é muito confortável sentir este contraste entre o tempo frio que faz lá fora e o ambiente simpático dentro das casas, nestes países nórdicos. De certo modo, este clima ajuda-nos muito à concentração, a apreciar os bons momentos da leitura de um livro, de uma conversa à lareira, com um copo ao lado. Eu devo confessar-lhe que sempre achei muito estimulante, intelectualmente, este tipo de tempo". E o almirante tira uma baforada do Cohiba e bebe mais um golo do "Royal Salute", que o embaixador guardava para os grandes visitantes.

O anfitrião sorri e anui, de imediato: "Tem o senhor almirante toda a razão! Isto de se estar em casa - e as casas aqui são quase sempre muito cómodas, como sabe -, com a neve e o frio como pano de fundo, é um estímulo fantástico para o bem-estar, para a relação dentro das famílias, para criar um ambiente muito saudável. Estas sociedades nórdicas não são ricas por acaso: é porque as pessoas se sentem bem e, naturalmente, isso estimula o trabalho e a eficácia. O clima é uma das chaves da felicidade nestes países, pode crer!".

Woody Allen criou a figura de Zelig, a personagem que mimetizava aqueles de quem ficava próximo. Este embaixador não era um homem hipócrita, nem sequer vivia na busca obsessiva de ser bem visto pelos seus visitantes, colando-se-lhes às opiniões. Pela minha experiência, tinha apenas uma despojada ausência de opinião própria, vivendo na eterna hesitação entre inteligentes argumentos contraditórios, relativamente aos quais não se conseguia decidir, mas que era capaz de aprofundar genuinamente, sempre com o entusiasmo das grandes convicções.

Belmonte


Guarda


Trancoso


Aguiar da Beira


Granja



Viana




sexta-feira, maio 10, 2019

As armas da Venezuela



Naquela noite de 2007, em Brasília, eu juntara à volta de Mário Soares, num jantar, o antigo presidente da República, José Sarney, e o então vice-presidente, José Alencar.

Sarney era um velho conhecido de Mário Soares, que as voltas da política tornara, à época, um leal aliado de Lula. Alencar era um querido amigo pessoal meu, que achei que Soares gostaria de conhecer.

O jantar começou bem, com a bonomia e as histórias mineiras do vice-presidente a deliciarem o nosso antigo presidente. Este tinha vindo, na véspera, da Venezuela, onde entrevistara o presidente Hugo Chávez para um programa televisivo. Estava visivelmente entusiasmado com o líder venezuelano, por virtude das suas preocupações sociais e dos seus desafios a Washington, sentimento que eu sabia muito longe de ser partilhado pelos dois convivas brasileiros. Alencar mostrava-se mais parcimonioso nestas reservas do que Sarney, que, tempos mais tarde, acabaria por assumir no Senado brasileiro uma oposição forte à entrada da Venezuela para o Mercosul.

A certo passo do repasto, com a conversa quase sempre em torno da figura de Chávez, comecei a notar que o diálogo entre Soares e Sarney se estava a tornar um tanto tenso. Entre outras discordâncias, Sarney explicava a Soares que havia setores brasileiros muito preocupados com as aquisições de material militar que Chavez tinha recentemente feito, e procurava chamar Alencar em apoio das suas teses. Este, até meses antes, tinha acumulado o cargo com o de ministro da Defesa, mas, por não querer distanciar-se da atitude também pouco crítica de Lula face a Chávez, mantinha-se discreto.

Soares, contudo, acreditava piamente na boa vontade de Hugo Chávez, confiava nas suas boas intenções e no seureal interesse em manter um relacionamento positivo com o Brasil. Num determinado momento, voltando-se para Sarney, disse-lhe: "Ó José Sarney! Eu conheço muito melhor o Chavez do que você! E, por isso, posso assegurar-lhe que nunca uma arma venezuelana que ele controle se voltará alguma vez contra um interesse do Brasil".

Sarney fechou aquela cara de brasileiro que, do bigode ao cabelo negro com brilhantina, refletia uma imagem caricatural do brasileiro da sua idade a que o mundo dos anos 50 e 60 se habituara, e, longe de convencido, voltando-se para Soares, disse-lhe: "Ó Mário! Nem você nem eu já temos idade para acreditar nessas coisas! Não seja ingénuo!".

Mário Soares não gostou, retorquiu firme, mas com procurada elegância. Eu fiz um sinal a Alencar para me ajudar a amenizar a conversa. Isso foi conseguido, sem dificuldade, mas pode dizer-se que aquele que seria o último encontro entre os dois antigos presidentes não acabou em ambiente de grande euforia. Despedidos os convidados, Soares voltou-se para mim e disse: “Este Sarney está muito reacionário, não acha?”. 

Chávez já morreu há muito. Alencar e Soares também já desapareceram. Olhando as coisas à luz dos dias que correm, lembrei-me das preocupações de Sarney. E tenho a certeza, que sem apoiar minimamente as bravatas de Trump, Mário Soares seria hoje, se fosse vivo, um forte crítico de Maduro. Porque o seu lado era sempre o da liberdade.

Siglas


Dois dos últimos posts que publiquei tinham siglas como título. Hoje de manhã, durante um pequeno-almoço de trabalho, alguém lembrou que tantas são as siglas em que andamos mergulhados que quase se pode dizer que vivemos numa verdadeira “sopa de letras”.

Mas as siglas de que quero hoje aqui falar referem-se a uma realidade muito particular: a pessoas. É, de certo modo, uma consagração para alguém que a simples indicação de uma sigla a identifique publicamente.

Em França, há a sigla BHL para Bernard-Henri Lévy. Embora ande por estes tempos menos na moda, o antigo ministro das Finanças e diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, era igualmente identificado regularmente como DSK.

Quando vivia em Paris, dei comigo um dia a tentar recordar a quem mais esta simplificação nominal se aplicava por lá. Só me lembrei de Valéry Giscard d'Estaing (VGE), do desaparecido jornalista e político Jean-Jacques Servan-Schreiber (JJSS), da atriz Brigitte Bardot (BB), do jornalista televisivo Patrick Poivre d'Arvor (PPDA), da antiga ministra Michèle-Alliot Marie (MAM) e da (bela) ministra do Ambiente de Sarkozy, Nathalie Kosciusko-Morizet (NKM).

Nos Estados Unidos, surgem-me à ideia Franklin Delano Roosevelt (FDR) e John Fitzgerald Kennedy (JFK), ajudados, no presente, pelo facto de, no primeiro caso, dar o nome a uma importante artéria rodoviária de Nova Iorque (FDR Drive) e, no segundo, a um aeroporto da mesma cidade (JKF Airport). Com um grau diferente de popularidade, aparece LBJ (Lyndon Baines Johnson), vice-presidente e sucessor de Kennedy, que se presume tenha começado a ser designado por uma sigla na senda da daquele.

No Brasil, julgo que há apenas três nomes que a imprensa consagrou como siglas: os antigos presidentes Juscelino Kubitchek (JK) e Fernando Henrique Cardoso (FHC), bem como desaparecido político baiano António Carlos de Magalhães (ACM).

Desconheço o que passa noutros países, mas noto que, por exemplo, no Reino Unido não há esse costume, muito embora a importância da sua imprensa tablóide, com títulos garrafais a incitar à simplificação, pudesse ajudar a isso.

E em Portugal? Em termos de figuras públicas, creio que há apenas Miguel Esteves Cardoso (MEC), Baptista Bastos (BB), Pedro Queiroz Pereira (PQP), Eduardo Prado Coelho (EPC) e António-Pedro de Vasconcelos (APV). E, para quem tem memória futebolística, há ainda Jacinto João (JJ), um desportista do Vitória de Setúbal.

É claro que, neste âmbito, há ainda pequenos grupos privados, sem notoriedade pública, que se alimentam da sigla dada pelo seu nome. Composto pelos jornalistas Francisco Sarsfield Cabral e Filipe Santos Costa, o advogado Francisco Sá Carneiro e eu próprio - por minha iniciativa, quem se admira? - está em vias de ser criado o “clube FSC”. Infelizmente, há já quem tenha presumido o valor dessa marca e a tenha registado, como se vê pela imagem...


PS - Lembrei-me agora do poema de Bertold Brecht, "Do pobre BB"...

quinta-feira, maio 09, 2019

É tão fácil calá-los!


Anda para aí uma indignação pelo facto de, na maioria dos debates para as eleições europeias, os candidatos falarem uns “em cima” dos outros, criando uma cacofonia que resulta desagradável para alguns dos espetadores. E, no entanto, é tão fácil resolver o problema...

Na primeira vez que fui a uma reunião ministerial da OCDE, a Paris, foi-me dito que a minha intervenção teria de ser lida num máximo (creio que) de sete minutos. ”Aparei” o texto por forma a caber nesse tempo. 

Quando cheguei à sala, verifiquei que tinha, no centro, uma coluna, creio que cilíndrica, com três luzes. A de baixo, que me pareceu maior, era verde. No meio, havia uma faixa amarela. No topo, sobressaía uma lâmpada vermelha.

Não estou seguro da exatidão dos números que vou dizer, mas isso pouco importa. Durante os primeiros quatro minutos da intervenção, pelo canto do olho, eu ia notando que a luz estava verde. Depois, a certa altura, por dois minutos, o verde desaparecia e, na coluna, iluminava-se a luz amarela. Era sinal de que tinha de apressar-me: essa luz durava dois minutos. Finalmente, surgia a luz vermelha. Num rápido minuto, havia que concluir a intervenção. Mas o que é que aconteceria se acaso o não fizesse? Muito simples: o microfone desligava-se e eu deixava de ser ouvido.

Se os moderadores dos debates das eleições europeias quisessem realmente discipliná-los, bastava-lhes atribuir um tempo para cada intervenção e mandar desligar o microfone de cada candidato após este ter chegado ao limite desse seu tempo. É o ovo de Colombo! Mas não querem! As peixeiradas, em televisão, valem audiências.

BHL



Bernard-Henry Lévy, conhecido em França como BHL, esteve em Lisboa, onde apresentou, há dois dias, um monólogo teatral, no Tivoli. Teve casa cheia. Não estive lá, mas disseram-me que não perdi muito. 

Lévy foi o filósofo francês que estimulou Nicolas Sarkozy à invasão da Líbia e que, no auge da tensão ucraniana, surgiu em Kiev a mobilizar os nacionalistas anti-russos. Foi aliás na Ucrânia que o encontrei, em 2016 e 2017, em dois congressos em que ambos participámos.

A França é muito dada à gestação deste tipo de "guerrilheiros da palavra", de corajosos combatentes com os mortos dos outros, prenhes de gesticulação mediática e com uma avaliação das consequências das lutas ao nível das batalhas de soldadinhos de chumbo. Estou a ler um livro da filha de Régis Debray que fala desse outro exemplo.

Lévy é um intelectual que, como filósofo, diz quem sabe que tem apreciável mérito. É um esteta. Veste-se daquilo que os brasileiros qualificam de "esporte fino", isto é, fatos de fino recorte com camisa branca aberta até ao terceiro botão, a mostrar o peito, cabelo ondulado e falsamente esvoaçante, graças à eficácia da laca. Quando vivi em Paris, via-o regulamente no “Flore", preponderando numa corte de admiradores, acompanhado da vistosa mulher, a atriz e modelo Ariel Dombasle.

Um dia, em 2010, a vida intelectual francesa foi sacudida por uma imensa e cruel gargalhada. Numa obra de Lévy, "De la Guerre en Philosophie", este citou, a certo passo, as conferências proferidas por um tal Jean-Baptiste Botul, perante os neokantianos do Paraguai, a seguir à Segunda Guerra Mundial. Lévy já havia usado excertos de Botul numa conferência na Ecole normale supérieure, em 2009. Ambas as citações vinham da obra de Botul, “A vida sexual de Emmanuel Kant”.

Ora Botul era uma figura inventada, criada em 1995 por um jornalista do satírico Canard Enchainé. O filósofo caiu na esparrela e, mais do que do valor (que parece que era real) das 1340 páginas do livro, a França intelectual passou por algum tempo a falar de Botul e a rir-se de Lévy. Há que convir que deve ser uma grande ingenuidade acreditar na existência de uma massa crítica de neokantianos no Paraguai! Pensando melhor: talvez houvesse alguns, entre os refugiados políticos centro-europeus da época...

quarta-feira, maio 08, 2019

AOC


Ontem, Álvaro Vasconcelos apresentou no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa, o seu novo livro - “25 de abril no Futuro da Democracia”. Teresa de Sousa, Guilherme Oliveira Martins e Luís Moita fizeram a apresentação deste trabalho, em que o autor junta a uma interessante conferência proferida em Havana dois outros textos que, no seu conjunto, nos permitem olhar para a Revolução de 1974 numa ótica prospetiva.

Álvaro Vasconcelos é uma das figuras a quem Portugal muito deve, no campo da promoção da reflexão em matéria de política externa e europeia. Alma do saudoso Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI)(1980/2007), viria a dirigir, em Paris, o Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (2007-2012). Bem antes disso, durante a ditadura, esteve exilado na Bélgica e em França, tendo tido então um percurso político pela extrema-esquerda maoísta, que se manteve ainda por algum tempo depois do seu regresso a Portugal, no 25 de Abril.



Teresa de Sousa, que o acompanhou nesse ciclo político, lembrou que ambos haviam pertencido à AOC (Aliança Operário-Camponesa), uma organização “de massas” dependente de uma das fações do PCP-ML. 

A AOC foi uma sigla que se tornou popular nas eleições dos anos 70, quando a sua propaganda televisiva era “Vota no castelo!”. A AOC tinha uma agenda política fortemente contrastante com a dos comunistas do PCP. A sua palavra de ordem era “cada voto na AOC é uma espinha cravada na garganta do Cunhal”. 

Teresa de Sousa lembrou também que, curiosamente, AOC é hoje o nome por que é muito conhecida uma das deputadas democráticas americanas mais fortemente crítica de Trump, Alexandria Ocasio-Cortez.

Quando ouvi esta história, lembrei-me de outra. Um dia, em Paris, depois do termo das suas funções na estrutura da União Europeia, decidi convidar Álvaro Vasconcelos para almoçar, para lhe agradecer toda a colaboração que havia dado à embaixada que eu chefiava, enquanto havia ocupado aquele cargo. Escolhi uma zona que não era muito longe da residência dele. Não lhe disse o nome do restaurante, apenas o endereço, próximo do Instituto do Mundo Árabe, no final do boulevard Saint-Germain. 

Lá nos encontrámos, o almoço correu bem, brindámos ao futuro que, dentro de meses, ambos passaríamos a ter em Portugal. No final, disse-lhe que a escolha do restaurante era também, em si mesma, uma homenagem a ele. Nem imaginam a gargalhada que do Álvaro quando se deu conta de que o nome do restaurante era precisamente o AOC...


México

É interessante observar o futuro imediato da relação dos EUA de Trump com a nova presidência do México. O tema da imigração, tão importante ...