Começo por um “disclaimer”: não percebo rigorosamente nada de prevenção florestal, nem de combate a incêndios, não sei se se deve favorecer ou rejeitar o eucalipto, não tenho a menor ideia sobre o que será mais correto fazer para o futuro – salvo o óbvio, que é achar que há interesse em encontrar uma maneira de ter as matas mais limpas e organizadas (mas também não sei como e por que meios), haja em vista os Verões cada vez mais quentes que aí virão. Neste tipo de questões, entrego-me confiadamente nas mãos de quem sabe, de quem estuda estes temas, de quem trabalha no terreno, de quem gere o país. E, perante os factos ocorridos, aguardo serenamente as conclusões que deles devem ser extraídas.
Não posso, assim, deixar de ficar espantado por ver surgir, em especial na nossa classe jornalística, imensos e inusitados “especialistas” no tema, rapaziada que escreve em tom grave, imagino que com o mesmo saber com que se pronunciará sobre a cultura de caracóis na ilha do Corvo. E então nas redes sociais - que estão para os opinadores de hoje como os “cafés centrais” estavam para as tertúlias do antanho - é um fartar de indignados “tudólogos”. Feliz país que tais e tão sapientes filhos tem!
Responder-me-ão: mas um cidadão, a começar pela comunicação social, não tem o direito de se interrogar sobre a razão de dezenas de mortes, sobre o que seguramente falhou, sobre o que de tão incontrolável possa ter ocorrido? Claro que sim! Deve perguntar, tentar perceber, obrigar à responsabilização de quem gere a coisa pública. Mas também deve fazê-lo sem partir do princípio de que o senso comum lhe dá alguma particular autoridade, sem presumir respostas que ainda ninguém tem e que apenas resultarão dos inquéritos, que infelizmente demorarão tempo. Deve agir com serenidade e seriedade, não deixando a impressão de que os poderes públicos são afinal o “adversário”, o “inimigo” que está ali para esconder coisas inconfessáveis, para proteger interesses suspeitos, enfim, para nos enganar a todos.
Esta visão da democracia como um palco onde só há incompetentes, corruptos e mentirosos é uma perspetiva doentia da política, uma pandemia cívico-mediática que dá pasto às mais alucinadas teorias conspirativas. E quem, no seio da classe política, cavalgar oportunisticamente estas ondas (hoje fá-lo alguma direita, como no passado o fez alguma esquerda, porque aqui não há inocentes), não está a perceber que, face aos seus ganhos imediatos, há um preço político muito maior que irá pagar – que é a descredibilização geral da máquina pública, que só vai aproveitar aos demagogos.
7 comentários:
Tens razão, é azar, dez milhões de peritos em prevenção e extinção de incêndios e aparentemente nem um nos serviços de bombeiros e proteção civil! Que raio (salvo seja)
Fernando Neves
Totalmente de acordo!
Realmente é de ter muita confiança nos nossos políticos!? O seu comentário é muito politicamente correcto, o que é normal em quem está dentro de um grupo, neste momento no governo. Mas seria importante saber o que foi e é neste momento o siresp, responsabilizar os serviços que não funcionaram e sempre os responsáveis superiores (não o operacional que sem meios e diretivas escolheu a opção errada no momento ou fez declarações menos felizes).
Está muito bem posto, mas quando afirma «...haja em vista os Verões cada vez mais quentes que aí virão.», não está a fazer exactamente aquilo que critica ?
JRodrigues
morreram 67 pessoas e estão outras feridas, talvez em estado grave algumas, talvez fiquem inutilizadas, e o ministério publico não abre um processo crime por 67 homicidios, ou 67 processos crime, contra criminosos, pessoas ou instituições, não identificadas por agora? isso é o mais grave, a carnificina. e o mp tem de começar a interrogar as centenas de pessoas que podem com os seus testemunhos dar pistas, cronologias, sobre o sucedido.
e as empresas agrícolas ou industriais pequenas ou medias que foram destruidas?
o eucalipto vamos lá a ver é uma árvore economicamente importante, celulose para pasta de papel, carvão vegetal, medicamentos dos componentes das folhas, etc, etc, vamos agora banir o eucalipto e importar pasta de papel, etc? é plantá-los ordenadamente, cada cultura tem as suas regras, é segui-la, as empresas grandes e responsaveis até o fazem.
downburst, ao fim de décadas ficamos a saber de fenómenos atmosféricos maldosos de que nunca tinhamos ouvido falar, vconheciamos os ciclones, os tufões, os ventos, o granizo, a neve, a chuvva, os raios, relampagos, coriscos e trovões, os nevoeiros, mas o down não sei quê é novidade, tentam impigir-nos esses ventos para baixo e para o lado que trazem fogo e destruição, tudo em segundos, e foi bem aceite, foi o down, ali naquele ponto, e instantaneamene tudo ardeu até longe.
pois foi um fenómeno ultra-terrestre disseram ontem na quadratura do O esse fogo ventoso vingador vindo dos ceus...
pois é muito triste os 67 mortos, as familias orfãs, e pronto, foi a natureza, passemos a outro ponto.
e tantas outras povoações nas mesmas circunstancias, eucaliptos ou outros bosques até à porta das casas ou até ao começo do alcatrão das estradas, o governo não monta já equipas com maquinas para cortar arvores e fazer uma zona de segurança, assim como existe entre as 2 coreias ou osv 2 chipres, pois uma zona isolante, as arvores são um dos lados, os povoados ou estradas são o outro lado, imagem internacional, pois quem é o kim juongh ou como se chama ele dos incendios?
e venham os kamov que parece são do melhor que há e os sirespes baseados nas telecomunicadoras comerciais, pois, façam relatórios e inqueritos, sempre entretem...
A ler, "Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro - Carlos Moreno" , Outubro de 2010.
Ex-Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional.
Está lá tudo o que devia conhecer ou que "não convém conhecer"......
Também eu não percebo nada de florestas e incêndios. Também eu não gosto dos populismos necessariamente demagógico e assim aproveitados de que isto é tudo uma choldra. Mas sei pelo menos uma coisa: um incêndio como este, carregado com o inusitado número de mortes, não devia ter existido num país com a dimensão do nosso. E é somente aqui que me desvio do que me é usual: a culpa disto tem nome, ou melhor, vários nomes, por sinal todos coletivos: são os vários governos que, durante décadas, não conseguiram implementar uma coerente e lúcida política florestal, de acordo com a dimensão do país, dos solos, do clima e de tudo o resto que os variadíssimos estudos científicos exaram.
Adenda: pode parecer da minha parte injusto e até cruel, mas estou um bocadinho cansado deste endeusamento dos bombeiros. Eles estão a fazer o trabalho que lhes compete. Umas vezes fazem-no bem; outras, não muito bem.
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