É um dos mais reconhecidos e prestigiados diplomatas portugueses, em cuja carreira ascendeu até ao topo. Inteligente e culto, tem um humor rápido e uma ironia subtil. É o Rui Quartin Santos, um embaixador que, nos dias de hoje, goza uma merecida jubilação.
Conheci-o em Nova Iorque, nos anos 70 do século passado, quando um dia por ali passei como "correio de gabinete", uma função de transporte de documentos de elevada confidencialidade, que, ao tempo, era executada casuisticamente pelos diplomatas mais jovens. Voltando uma tarde a esquina da 5a Avenida com a rua 58, tendo-me eu queixado do "wind chill factor" naquele gélido inverno, ele retorquiu-me, seriíssimo: "É verdade, mas nada que se compare com a esquina da Loja das Meias com a rua Augusta, lá por Lisboa, que está cotada, sem contestação, no topo dos registos meteorológicos mundiais de ventanias..." (Na altura, a Loja das Meias era ali). Por esses tempos, o Rui divertia-se também a relatar as míticas expressões de "inglês mais-ou-menos" atribuídas a um colega nosso, que falava aos nova-iorquinos da sua mulher-a-dias designando-a por "my wife-a-days"...
Mas é sobre um dos mais conhecidos "vícios" do Rui que eu quero aqui falar, porque o assunto veio hoje à baila num almoço de amigos, neste dia de Santo António.
Vou dar um exemplo concreto, para mais facilmente se entender o assunto. Imaginemos que o Rui analisava um debate recente na Assembleia da República. O seu comentário poderia ser uma coisa como esta: "Faz muita falta por ali o Francisco Anacleto. A vida seria muito mais difícil para o António Luís se o tivesse como opositor." Perante a nossa eventual estupefação, face à menção daqueles nomes, o Rui esclareceria que se estava "naturalmente" a referir ao Francisco (Anacleto) Louçã e ao António (Luís da) Costa. É que o Rui especializou-se, desde há décadas, em saber os segundos nomes de imensa gente, criando um glossário onomástico que ficou clássico nas conversas dos claustros do ministério. "Ó Francisco Manuel! Que achaste do discurso de ontem do Jaime José? O António Vitor disse-me que gostou imenso!". Foi sempre assim, durante anos, sendo que, neste caso, o "Jaime José" seria Gama e o "António Vítor" seria Monteiro.
Já não vejo o Rui há bastante tempo, mas, conhecendo-o, tenho a certeza de que não deixou de manter aquele seu curioso "vício", que aliás ecoa uma prática antiga que nos habituámos a detatar nos romances clássicos russos. Quando o encontrar de novo e ele me tratar, como sempre faz, por Francisco Manuel, não deixarei de lhe chamar "Rui Manuel" ou "Rui Bernardo" ou "Rui Valentim", porque o Rui, useiro e vezeiro em chamar à colação o segundo nome dos outros, não tem, ele mesmo, nenhum segundo nome próprio, o que abre um espaço quase infinito à nossa imaginação.
Um abraço para ti, caríssimo Rui, para o caso de alguém te mostrar este escrito que inspiraste.
5 comentários:
Foi um bom Secretário-Geral do MNE (que paciência a dele!). E, sem peneiras, preferiu Pequim e Camberra a Roma, Paris, Londres, Nova Iorque, Washington, Berlim, Madrid, por exemplo. Qual o Diplomata com a categoria de Embaixador que aceitaria aqueles 2 Postos, em vez daqueles que atrás se enumeram? Nenhum. Só mesmo o Rui Quartin Santos. O que só o favorece.
Boa jubilação!
Rui Rui?
Penso que o Embaixador se quer referir ao "wind chill factor" e não ao "wind shield". Que existe, claro.
O Anónimo das 23.21 tem toda a razão. Agradeço e já corrigi
Deixou saudades, o que não se pode dizer de muita gente! Adorava essa particularidsde do querido Embaixador embora às vezes fosse difícil perceber de imediato a quem se referia....
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