Hoje, em mais um excelente artigo no "Diário de Notícias", Ana Sousa Dias fala das "cartas ao diretor" dos jornais, revelando o "segredo" de que, no passado, na ausência dessa correspondência, era aos próprios jornalistas que era pedido que "inventassem" textos para encher esse espaço.
Vou repetir uma história (que já uma vez aqui contei) de uma dessas cartas, de que eu próprio fui autor, embora sob pseudónimo - e logo perceberão porquê.
Nem sempre os funcionários diplomáticos portugueses
foram sindicalizados. Quando entrei para a profissão, em 1975, não havia
nenhuma estrutura sindical representativa dos diplomatas. Um dia, creio que
dois ou três anos mais tarde, foi criada uma Associação dos Diplomatas
Portugueses. Por algum radicalismo que à época partilhava, decidi não entrar
como associado dessa estrutura, por não ver a palavra "sindical"
incluída no respetivo nome, condição de representatividade que achava
indispensável. Cheguei mesmo ao ponto de mobilizar um grupo de jovens colegas
como forma de tentar obstruir essa iniciativa, que considerava "recuada"
e pouco ousada.
Mais tarde, nos anos 80, as coisas mudaram e foi,
finalmente, criada a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses. Dela
cheguei a ser vice-presidente, nos anos 90 e, nos últimos dois anos, fui
presidente da respetiva Assembleia Geral. Alguns colegas mais antigos não
apreciaram a mudança registada e reagiram fortemente à dimensão sindical da
nova Associação.
Porque o tema dos diplomatas terem um sindicato era
verdadeiramente novo e o "Expresso", por discreta sugestão de alguns
de nós, tinha trazido uma notícia sobre o assunto, tive a ideia de escrever uma
carta ao respetivo diretor, em nome do "ministro plenipotenciário Pedro
Leite de Noronha", na falsa qualidade de um dos contestatários do novo
sindicato. Nessa carta, escrita num tom snobe, expressava o
"desgosto" por ver os diplomatas do MNE "banalizarem-se" e
enveredarem "tristemente" pela via sindical, trazendo a público
questões que, no passado, eram sempre resolvidas "entre os claustros e a
tapada" das Necessidades. O "Pedro Leite de Noronha" ia mais
longe e considerava que o facto dos diplomatas andarem a colocar "nas
bocas públicas do mundo" as peculiaridades da sua vida profissional
refletia, muito simplesmente, "o facto do nível social do seu recrutamento
ter baixado", fruto dos "lamentáveis ventos de abril", de terem
"deixado, na sua maioria, de possuir fortuna própria", o que os
tornava "permeáveis às pulsões materiais da vida".
Nos dias subsequentes à publicação da carta, os
comentários sobre a mesma motivaram muitas conversas "entre os claustros e
a tapada", muito embora ninguém alimentasse a menor dúvida sobre a não
autenticidade do texto, porque não havia, nos quadros do ministério, nenhum
"Pedro Leite de Noronha". Procurei que o nome tivesse um toque
onomástico suficientemente "bem" para poder abrir caminho à sua
credibilização em áreas para fora da "casa". E todos perceberam que o
absurdo do argumentário da carta mais não era de que uma forma de ridicularizar
o reacionarismo primário de quantos se opunham à ação da nova associação
sindical.
Só tempos depois vim a saber que, por essa altura,
numa embaixada portuguesa numa importante capital europeia, por onde
curiosamente eu viria a passar alguns anos mais tarde, o embaixador comentara o
assunto com uma colega (hoje também já embaixadora) com uma observação do
género: "É evidente que este nome é falso: não temos nenhum colega que se
chame assim. Mas que ele tem bastante razão, lá isso tem!"
4 comentários:
Fui vice presidente e presidente da ASDP, que teve a certa altura como Presidente da Assembleia Geral nada mais nada menos que o Senhor conde de São Martinho e da Azambuja, grande senhor, em todos os sentidos que deixa o Leite de Noronha a milhas, com ou sem títulos...A realidade às vezes é melhor que a ficção. E lá que nem todos os sindicatos têm condes na direção, havemos de reconhecer que é verdade.
Fernando Neves
Faco minhas as palavras do dito Embaixador.
Solidariamente
F. Crabtree
Em Portugal é tudo por ciclos, ou se fala de fogos florestais de verão, ou de Maddie ou de BES ou da Caixa. A Caixa já fede e a nova lengalenga que lhe vai suceder vai ser igualmente enjoativa.
Bom bom é o nosso sol, nossa praia, nossa comida, um pouco como a França sem franceses.Não sou candidato a Jorge de Sena nem a José Rodrigues Miguéis.
"factos alternativos" avant la lettre
o Jaime S.
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