O corpo pesado estende-se pela cadeira, por detrás da secretária. A custo, insiste em levantar-se. Para me abraçar, para agradecer a visita. O seu olhar perde-se naquela sala tão cheia de recordações, de histórias, de História. As palavras saem-lhe com alguma dificuldade, quase automáticas, sempre amáveis. Suscita os temas que o mobilizam, as emoções e as certezas últimas que lhe dão alento à vida, mas também as tristezas que o abatem. Escolho bem as minhas palavras, mas não sei se são as certas. Relembro tempos comuns, mas não tenho a certeza de me estar sempre a seguir. Procuro assuntos que o façam reagir, agarra alguns, deixa passar outros em silêncio. Os nomes fogem-lhe, vive já com essa realidade, organiza o discurso em torno desses espaços vazios. Pergunta-me pela vida, mais para se orientar do que por real interesse. Dou-lhe novidades que, há pouco tempo, seriam para ele banalidades. Instalam-se entre nós as pausas, cada vez mais longas. Fico muito triste, sem saber o que dizer. Despeço-me com a quase certeza de ser aquele o nosso adeus.
(Escrevi este post em 4 de agosto de 2015. O amigo, que então não nomeei, era Mário Soares. Morreu há pouco. O encontro que relatei foi a nossa despedida)
17 comentários:
Lembro-me perfeitamente desse post e lembro-me perfeitamente de ter pensado em Mário Soares. Devo muito a Mário Soares. A minha ideia de pátria, de democracia e, sobretudo, de política a ele se deve quase em exclusividade. Mas o que mais admirava no ex-presidente da República era a sua juventude. Neste momento, não me apetece escrever muito mais sobre Mário Soares. Morreu, infelizmente, demasiado cedo, como morrem sempre aqueles que muito amamos.
Apenas uma palavra : GRATIDÃO.
Senhor Embaixador,
Também estou triste...A minha vida foi cambiada em 1974, depois do Acordo de Lusaka de 7 de Setembro de 1974, onde Dr. Mário Soares entregou Moçambique a um bando de criminosos, que em 1976 tive que fugir da Rodésia, para salvar a pele, com uma caixa de ferramenta de mecânico, para recomeçar nova vida. A história não se apaga com uma esponja no quadro preto.... Mário Soares agradou a uns poucos (aos que favoreceu) e odiado por muitos.
Saudações de Banguecoque
José Martins
Sr José Martins:
Com enorme gratidão, saúdo Mário Soares, no favorecimento na minha vivência de quarenta anos de democracia. Obrigado Mário Soares.
Devemos-lhe, e a todos que com ele lutaram, mais do que podemos dizer. Até sempre.
Se, como diz o sr. Martins, Mário Soares agradou aos que favoreceu, então, ao contrário da sua afirmação, agradou a muitos, porque fomos milhões os favorecidos. E é justamente porque fomos favorecidos com um bem que está acima de todos - a Liberdade - que ontem foi um dia particularmente triste para esses milhões de favorecidos.
Sr. José Martins
Compreendo o seu sentimento pessoal. Estava a cumprir o serviço militar em Angola em 74/75 e vi o drama da fuga dos portugueses. Mas o responsável é quem, contra os evidentes ventos da História, permitiu e incentivou que fossem para África meio milhão de portugueses, quando a descolonização já tinha começado. O destino desses portugueses só não era óbvio para quem não cria ver. Mário Soares, a maior figura da História de Portugal, por encarnar a estabilização de uma democracia que inclui finalmente todos os portugueses, já nada podia fazer quando as nossas FA se revoltaram para acabar a guerra. Não há nada a negociar quando uma parte se recusa a combater.
Fernando Neves
@Carlos Fonseca
Da forma como voce se expressa até parece que foi ele que fez a revolução.
Um livro a reler
Contos proibidos, memória de um PS desconhecido
https://aventadores.files.wordpress.com/2010/12/livro_contos_proibidos.pdf
Para aqueles que não gostavam de Mário (os retornados), devem pensar que se ele não fosse interveniente nessas ações, outros o fariam posteriormente. Tinha que haver uma solução e ele teve a coragem de a enfrentar...
@ Anónimo 8 de janeiro de 2017 às 12:55
"...se ele não fosse interveniente nessas ações, outros o fariam posteriormente..."
Ou seja, para si o papel do ilustre personagem foi irrelevante pois se não fosse ele, seriam outros a fazer o mesmo.
Fernando Neves tem toda a razão. Tivesse Salazar iniciado, ele próprio, as negociações para a descolonização, logo no início de 61/62 e ter-se-ia evitado muita tragédia humana, quer par nós, quer para os angolanos. Mas, um Ditador não tem a capacidade de visão política para perceber isso. Essa também uma das razões porque é Ditador. Os ex-retornados que reconsiderem as culpas históricas e as atribuam a essa criatura miserável, rato de sacristia, que foi Salazar.
Luís Ramos Alves
@Luís Ramos Alves
O papel de Mario Soares é bem conhecido e esta bem documentado. Em relação a Salazar "apesar de não ter simpatia pelo defunto" admito que sempre teve os interesses da patria em consideração e fez por defende-los enviando as forças armadas para combater movimentos terroristas como a UPA (financiada e apoioda pelos eua) que assassinaram Portugueses. Em relaçaão a muitos retornados não esquecer que estes tambem se movimentaram e pretendiam a independencia de Angola de Portugal(independencia branca nao a independencia indigena) e viam com grande desprezo Portugal.
Eis uma boa oportunidade para acabar com esse absurdo que é o "Parque Eduardo VII", um rei estrangeiro que não só não fez nada por nós como ainda "conspirou" contra Portugal. Acabe-se com esta palhaçada e dê-se ao parque o nome de Mário Soares. No seguimento da Av. da Liberdade, só fica bem.
Como deve saber face á situação clínica de MS, o protocolo de estado estava a preparar o funeral de Soares de há várias semanas, sabendo-se, por isso, que estaria por dias a morte do fundador do PS.
A viagem à Índia não deveria ter sido adiada?
Na realidade, "a emenda pior que o soneto":
Santos Silva regressa a Portugal e António Costa continua a "passeata" pela terra dos seus antepassados.
Vem o número dois no avião que também poderia trazer o número um.
Costa não veio......
Se o Anónimo das 12.39 ler o post Nós e a Ïndia perceberá melhor.
Anónimo de 10/1, às 12:39,
Eu tenho cá em casa um livro muito útil: «O Grande Livro dos Provérbios», de José Pedro Machado.
Os provérbios são um bom repositório de uma sabedoria secular, às vezes milenar, e ajudam-nos a compreender o mundo e as pessoas.
Há um provérbio que diz: «Quem feio ama bonito lhe parece».
O contrário não existe, mas a ideia contrária é também verdadeira.
Por mais bonito que se seja, quando alguém não gosta de nós é escusado investir nessa pessoa: para ela fazemos sempre tudo mal.
Critica o Costa por não ter vindo, desvalorizando assim a figura de Mário Soares.
Se ele tivesse vindo criticava-o por pôr as relações pessoais acima dos interesses do país.
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P. S. Aposto que é dos que não gostam ou até detestam Mário Soares, servindo-lhe a sua morte apenas para fazer este combatezito pífio contra o Costa.
Há gente capaz de tudo.
we will always have Gaza ...
ab
J
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