Foi num almoço, algures no primeiro semestre de 1992, oferecido pelo embaixador português em Londres, António Vaz Pereira, ao ministro dos Assuntos Europeus britânico, Tristan Garel-Jones. Portugal detinha presidência das instituições comunitárias e era de regra juntar os embaixadores europeus com o responsável governamental britânico do setor.
Garel-Jones, que hoje ascendeu à Câmara dos Lordes, era um homem muito simpático, dialogante e inteligente, com forte pendor eurocético. Ficara na pequena história britânica por ter organizado na sua casa, em St. Catherine's Place, dois anos antes, uma célebre reunião conspiratória que seria o início da revolta conservadora que viria a derrubar Margareth Thatcher. Uns anos mais tarde, em 1997, a convite de João Carlos Espada, eu viria a debater com ele a Europa, num ciclo organizado em Serralves, no Porto.
Um dos temas desse almoço, a que eu assistia como então ministro-conselheiro da embaixada, era Schengen e a recusa britânica de integrar aquele espaço de livre circulação europeia. Garel-Jones explicava-nos que era precisamente o desejo de preservar em plenitude a liberdade individual de que se usufruia no Reino Unido que levava à recusa de um acesso incontrolado da travessia das respetivas fronteiras. No seu país (aliás, tal como nos Estados Unidos), não existiam bilhetes de identidade e um qualquer cidadão britânico só era obrigado a identificar-se perante uma autoridade policial (por exemplo, através da carta de condução - que nos EUA não tinham fotografia...) em caso de flagrante delito. Mesmo um estrangeiro que trabalhasse no país não era forçado a revelar a sua nacionalidade, a menos que estivesse sob fundada e juridicamente apoiada suspeita. Ficou-me para sempre a resposta que disse que devia ser dada a um polícia britânico que inquirisse alguém sem razão: "Mind your business!" (Meta-se na sua vida).
Com o tempo e o agravamento das questões migratórias e de segurança, imagino que não seja hoje muito prudente responder "Mind you business!" a um "bobby" londrino...
Lembrei-me desse mítico Reino, agora um pouco menos Unido, essa pátria de liberdades e de proteção de direitos individuais, ao ver hoje o título da capa do "Times", que dá conta da intenção oficial de obrigar as empresas a listar os trabalhadores estrangeiros nas suas fileiras, com vista a avaliar se não haverá postos de trabalho que britânicos poderiam ocupar em seu lugar.
Não era esse exatamente o tema que Garel-Jones referia naquele almoço, mas tem algo a ver com a mudança drástica de mentalidades que hoje atravessa o Reino Unido em matéria de direitos. Uma medida como esta seguramente que agradaria muito a uma figura sinistra como Oswald Mosley, o líder fascista britânico, mas posso imaginar que bastante menos a Winston Churchill. E se Marine Le Pen nela se inspirar?
O mundo está perigoso.
Garel-Jones, que hoje ascendeu à Câmara dos Lordes, era um homem muito simpático, dialogante e inteligente, com forte pendor eurocético. Ficara na pequena história britânica por ter organizado na sua casa, em St. Catherine's Place, dois anos antes, uma célebre reunião conspiratória que seria o início da revolta conservadora que viria a derrubar Margareth Thatcher. Uns anos mais tarde, em 1997, a convite de João Carlos Espada, eu viria a debater com ele a Europa, num ciclo organizado em Serralves, no Porto.
Um dos temas desse almoço, a que eu assistia como então ministro-conselheiro da embaixada, era Schengen e a recusa britânica de integrar aquele espaço de livre circulação europeia. Garel-Jones explicava-nos que era precisamente o desejo de preservar em plenitude a liberdade individual de que se usufruia no Reino Unido que levava à recusa de um acesso incontrolado da travessia das respetivas fronteiras. No seu país (aliás, tal como nos Estados Unidos), não existiam bilhetes de identidade e um qualquer cidadão britânico só era obrigado a identificar-se perante uma autoridade policial (por exemplo, através da carta de condução - que nos EUA não tinham fotografia...) em caso de flagrante delito. Mesmo um estrangeiro que trabalhasse no país não era forçado a revelar a sua nacionalidade, a menos que estivesse sob fundada e juridicamente apoiada suspeita. Ficou-me para sempre a resposta que disse que devia ser dada a um polícia britânico que inquirisse alguém sem razão: "Mind your business!" (Meta-se na sua vida).
Com o tempo e o agravamento das questões migratórias e de segurança, imagino que não seja hoje muito prudente responder "Mind you business!" a um "bobby" londrino...
Lembrei-me desse mítico Reino, agora um pouco menos Unido, essa pátria de liberdades e de proteção de direitos individuais, ao ver hoje o título da capa do "Times", que dá conta da intenção oficial de obrigar as empresas a listar os trabalhadores estrangeiros nas suas fileiras, com vista a avaliar se não haverá postos de trabalho que britânicos poderiam ocupar em seu lugar.
Não era esse exatamente o tema que Garel-Jones referia naquele almoço, mas tem algo a ver com a mudança drástica de mentalidades que hoje atravessa o Reino Unido em matéria de direitos. Uma medida como esta seguramente que agradaria muito a uma figura sinistra como Oswald Mosley, o líder fascista britânico, mas posso imaginar que bastante menos a Winston Churchill. E se Marine Le Pen nela se inspirar?
O mundo está perigoso.
8 comentários:
First we take Manhattan, then we take Berlin.
Há países que praticam
"o desejo de preservar em plenitude a liberdade individual de que usufruem os seus cidadão"
mas depois fora das suas fronteiras estão-se nas tintas para essas teorias
e na minha opinião se têm esses ideais, deveriam gostar que eles fossem seguidos para o resto da humanidade
Marine Le Pen tem primeiro que sair da UE para tal, e se isso será difícil para o RU, imagine-se para a França, que faz parte da Moeda Única. Sou muito crítico da sua estrutura, mas por uma vez, acredito que a pertença ao Euro fará a Sra Le Pen pensar duas vezes. A possibilidade de que uma boa parte das empresas francesas com créditos não sujeitos à Lei Francesa possa ter que ser nacionalizada não será muito do agrado da Sra Le Pen, parece-me. Claro que o Sr Melanchon provavelmente adoraria tal cenário, mas não haverá muito mais gente a votar nele do que em Hollande, se este tiver a coragem de se candidatar, isto é...
o desejo de preservar em plenitude a liberdade individual de que se usufruia no Reino Unido
Os ingleses hoje em dia querem liberdade só para si. Os outros, que se lixem.
Querem continuar a ser livres de migrar para o Algarve, mas que ninguém seja livre de migrar para Inglaterra.
Não sei qual é o problema por se dar preferência a cidadãos nacionais na ocupação de postos de trabalho! Qual o drama,Senhor Embaixador?
Sérgio Serrano,
Não sei qual é o problema por se dar preferência a cidadãos nacionais na ocupação de postos de trabalho
Se você fôr um empregador e tiver dois candidatos igualmente habilitados e der preferência ao candidato nacional, não há drama nenhum.
Mas as coisas raramente se colocam desta forma. Mais vulgarmente, num mercado de trabalho apertado (como é o do Reino Unido neste momento, sobretudo em profissões de alto perfil técnico), pode não lhe aparecer (imediatamente) nenhum candidato nacional, mas aparecer um candidato estrangeiro. Você contrata o estrangeiro e mais tarde é castigado nas redes sociais por ter estrangeiros ao seu serviço. O que é que você faz? Despede o estrangeiro para contratar um britânico sem experiência?
Todos os anos se formam enfermeiros e informáticos no Reino Unido. Mas, mesmo assim, todos os anos empregadores britânicos contratam enfermeiros e informáticos estrangeiros. Porque os candidatos britânicos não são suficientes e/ou não são igualmente bem habilitados.
Puro populismo de uma chefe de governo não eleita e com uma minoria pequena, como notou Suzanne Moore no Guardian. Houve algum recuo neste discurso face a reacções de empresários, mas acabámos de saber que peritos na London School of Economics receberam comunicação por e-mail do Governo britânico de que este deixará de usar os seus serviços em questões de aconselhamento sobre o Brexit, por serem ...estrangeiros - e, portanto, não isentos (!). O mesmo governo anuncia que haverá um 'crackdown' a alunos estrangeiros (aparentemente na total ignorância de que o seu sector universitário vive de alunos estrangeiros, e das elevadíssimas propinas que pagam, e de que a força das suas instituições depende do seu grau de internacionalização.
Irónicamente, foi a vilipendiada Chanceler alemã que revelou uma liderança minimamente decente na questão da crise de migração - e pagou o preço por isso.
Assustador, sim. E triste.
Pois é.
"Com o mal dos outros "passo" eu "bem"
Enquanto o BCE continuar a fornecer oxigénio-boca-a-boca ou de garrafa a Portugal, está tudo um mar de risonhas caras rosadas:
Haja bifanas & couratos....
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