A figura que a União Europeia indicou para negociar, em seu nome, com o governo britânico, a saída do Reino Unido da União Europeia é o antigo comissário europeu (e também, embora breve, MNE francês) Michel Barnier. Conheço Barnier desde 1996, quando ambos representámos os nossos respetivos países na negociação do Tratado de Amesterdão. Não deixa de ter graça que o ministro britânico que está encarregado de negociar o Brexit, David Davis, tenha sido também, à época e por algum tempo, o negociador britânico desse tratado.
Porém, a razão porque hoje trago aqui o nome de Barnier é outra: acabo de ler no "Independent" que ele propôs que as negociações com Londres venham a decorrer em francês. Imagino o "agrado" com que a notícia deve ter sido recebida no governo de sua Majestade... E é preciso não conhecer o "estado da arte" em Bruxelas, em matéria do uso de línguas, para pensar que esta ideia tem pernas para andar. É, claramente, uma afirmação de natureza política, numa "guerra" que a França já perdeu, a meu ver, infelizmente.
(Há dois dias, na reunião da OSCE em Viena em que participei, fiz a minha primeira intervenção em inglês. Convidado no final da sessão a intervir de novo, falei em francês. A embaixadora da França junto da OSCE saudou de imediato no Twitter o facto de eu ter falado na sua língua, repetindo-mo pessoalmente durante o almoço. De facto, fui o único a fazê-lo e a outra língua que ouvi falada na reunião foi... o russo!)
Quando me iniciei nas lides europeias, há 30 anos, o francês competia perfeitamente com o inglês nos trabalhos comunitários. 15 anos depois, quando saí dessa área diplomática, o francês estava já em acelerada perda de força. Dizem-me que hoje, em especial por efeito do alargamento, que trouxe para Bruxelas culturas onde a língua francesa tem já muito escasso acolhimento, a situação é bastante pior. Os ingleses podem sair da União Europeia, mas o inglês tem hoje um lugar eterno garantido como "língua franca" no seio da UE.
Deixo ainda uma historieta, a propósito de Michel Barnier e das línguas.
Um dia de 1996, convidei-o a vir a Lisboa e ofereci-lhe um jantar nas Necessidades. Estendi esse convite a alguns membros do governo português a quem, em razão dos dossiês que titulavam, poderia interessar conhecer o ministro francês. À entrada, um jovem (e brilhante) secretário de Estado português inquiriu: "O Barnier fala inglês?". Achei que fazia a pergunta por curiosidade, atenta a escassa apetência dos políticos franceses (e ingleses e americanos e espanhóis e alemães, etc) para línguas estrangeiras. Expliquei-lhe que o inglês de Michel Barnier, não sendo (à época) excecional era, contudo, aceitável, inquirindo da razão da sua pergunta. A resposta deixou-me siderado: "É que eu não falo uma palavra de francês!".
Foi nesse instante que me dei verdadeiramente conta de que uma nova geração portuguesa (e europeia), com uma idade bem inferior à minha, já não tinha o francês como essencial e, pura e simplesmente, não falava, e muitas vezes não compreendia sequer, aquela bela língua. Se assim era há duas décadas, bem pior será hoje. Se Barnier quiser conduzir as negociações com os britânicos em francês, vai ter de arranjar um intérprete...
20 comentários:
« vai ter de arranjar um intérprete... “ Exacto ! Como muitos Portugueses quando vão ao Algarve passar férias ..em certos hotéis !
Dito isto, a culpa é certamente dos Franceses, que “acolhem” a língua concorrente demasiado facilmente por toda a parte, nas ruas, do “pressing” e do “parking” ao “fast-food”, do “briefing” ao “news”, ao “prime-time”, e ao “meeting” na televisão e nos jornais, sem falar do horrível “week-end” …
Os Franceses deviam ter aprendido com os seus primos do Quebeque, mesmo se por vezes em Montreal preciso de pensar duas vezes na significação de certas palavras “francesas”!
Também me lembro que no tempo em que comecei a ir a reuniões na Comissão, há 25 anos, estas eram conduzidas em inglês ou em francês, dependendo de quem coordenava a reunião e de quem estava presente. Muito poucos anos mais tarde, por volta de 1995, reparei que eram exclusivamente conduzidas em inglês. Na altura, costumávamos ironizar que os que tinham mais dificuldade em segui-las pareciam ser os próprios nativos. Os outros tinham maior tolerância para com pronúncias, expressões idiossincráticas e irregularidades gramaticais.
PS - pergunto-me s a notícia não é uma distorção dos media ingleses...é que não me parece boa ideia começar uma negociação com uma guerra perdida...
Pelo contrário, eu acho que a posição de Barnier revela uma fina ironia e não visa mais do que irritar os Britânicos (May já se viu obrigada a responder dizendo que recusa o Francês como língua de trabalho). No fundo, destina-se a lembrar-lhes que eles agora estão em posição de fraqueza (e a mostrar que geralmente não sabem uma palavra do que quer que seja que não seja Inglês). O Guardian ontem já se fartou de gozar com a situação...
Eu acho muito bem que Michel Barnier só fale francês com os ingleses. O francês dele é excelente, como o Francisco e eu ouvimos em Paris há alguns anos. Foi escolhido por isso. Mais uma coisa que os ingleses vão ter que tratar para o brexit: Aprender francês.
JPGarcia
A compilação do Guardian de frases úteis para T May durante as negociações do Le Brexit, é de facto impagável, Jaime Santos: https://www.theguardian.com/politics/2016/oct/21/brexit-a-linguistic-guide-for-theresa-may
Só os ingleses.
No entanto, Barnier já negou ter tomado qualquer decisão a esse respeito.
Presumo (desejo) que se os politicos e cientistas souberem trabalhar, o espanhol será a 2ª lingua no mundo anglofono.
Está a ver, Ana Vasconcelos, como se tratou só de uma 'blague' destinada a semear a confusão? Os tabloides ingleses devem ter rebentado de fúria e Theresa May deve estar de nervos em franja. Quem disse que só a Albion é pérfida? Os Franceses têm imenso a ganhar de um Hard Brexit (para começar a transferência da Banca Internacional de Londres para Paris) e se forem os Britânicos a exigir isso, tanto melhor para a França que não tem que sujar as mãos nas negociações. Por outro lado, um Soft Brexit a la carte cairia como sopa em mel nas ambições da Sra Le Pen. Espere por mais picardias deste tipo. A rivalidade entre as ex-potências de cada lado do canal está bem viva e recomenda-se... On va bien s'amuser pendant le Brexit!
já vi comentários de franceses que passeiam por Portugal e que informam os outros que em Portugal, os mais velhos é que falam francês!
bom fim de semana ou bom weekend ! :)
Angela
Ó Freitas, nós agora também ficamos a pensar meia dúzia de vezes no significado de "significação"...
Vai ser estranho realmente no futuro a UE usar a lingua inglesa quando nenhum país tem esse idioma. O brexit tem que ser também englishexit!
Lembra-me o incómodo momentâneo de interpelar alguém no estrangeiro no idioma local e o interlocutor, com um sotaque beirão, dizer: pode falar português, sou de Moimenta da Beira!
Ao anónimo corajoso das 22:30
Desta vez tem razão ! O significado de significação é que vivi cinquenta anos sem praticar a minha língua. E isto explica que a maltrate de vez em quando. Mas você diz que pensa? Incrível!
O problema dos franceses é viverem numa ilusão... Pensam que ainda contam mas já não contam!...
Ó "22 de outubro de 2016 às 23:58", você, para além de ter um raciocínio um bocado estranho, também está mal informado: Irlanda e Malta têm como idioma o inglês.
E, quanto à sua estapafúrdia ideia, tente lá pensar: faria mais sentido uma língua estrangeira à UE do que estar a privilegiar a de um membro, não?
Que cambada de elitistas desejosos de ressuscitar os tempos do "tocar piano e falar francês"!
"“Vamos, também aí, mostrar à Europa – se calhar até vamos cumprir melhor os compromissos do que outros países e pode ser que depois se entretenham com outros países e não connosco"......humor do mais fina inteligência..centeno dixit....
O mal é quem um centeno destes origina centenas de frases destas.....
Pronto há de tudo. Até há quem prefira "tocar gaita-de-foles e falar irlandês"!
Caro Joaquim Freitas:
Utilizou significação e fê-lo muito bem.
A palavra existe e quer dizer:
«Acto ou efeito de significar; Significado»; etc.
Ver Dicionário Houaïs da Língua Portuguesa, Editora Temas & Debates, 2003, p. 3325.
Mas se o provocador, ignorante e cobarde Anónimo das 22:30 preferir um dicionário português, também se arranja, não um, mas dois:
«Aquilo que uma coisa significa ou representa; sentido que uma palavra encerra; significado».
Ver Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2008, p. 1541.
Ou ainda: «Acto ou efeito de significar; Aquilo que significa alguma coisa».
Ver Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo, Bertrand Editora, 1986, p. 1032.
Por estes três exemplos se vê a ignorância do cromo, que a única contribuição que dá a este blogue sãs as suas provocações gratuitas em relação a um determinado comentador, no caso o senhor.
Se a criatura tem problemas psicológicos ou psiquiátricos mal resolvidos consulte um especialista: talvez um veterinário.
Não é por utilizarmos palavras menos comuns no uso diário que cometemos erros gramaticais.
Quer um conselho? Comente como entender e ignore a cavalgadura: um sujeito que só sabe dar coices não merece que se preocupe com os ataques insensatos e pessoais que ele lhe desfere aqui praticamente todos os dias.
--------------------------------------
P. S. Como sabe, não nos conhecemos pessoalmente, mas incomoda-me ver este reiterado e triste espectáculo dado por tal personagem contra si.
Acho que o MBarnier quis acima de tudo irritar os ingleses,mas também lembrar-lhes que o FR continua a ser uma das duas línguas diplomáticas em todo o mundo.
Se os FR quiserem negociar em FR, far-se-á o que sempre se fez: arranjar tradução simultânea.
Mas os FR são livres de conduzir a sua parte das negociações na sua língua. Não por que é a sua, mas porque é uma das línguas diplomáticas aceites na cena internacional.
Já nós teremos de escolher entre o FR e o ING, ou usá-las cumulativamente. Quando quisermos pressionar os ING poderemos falar FR. Quando quisermos distanciar-nos das posições FR, falaremos ING.
Nada disto terá importância dentro de uns meses, porque se optará no final por garantir a tradução em todas as línguas ( se houver equipas de tradutores bastantes, mas julgo que se está já a tratar de um reforço das mesmas ).
Ao Senhor Manuel Silva
Caro Senhor Manuel Silva
Muito obrigado pelo seu comentário e pelas indicações que me dá sobre a utilização da palavra “significação”. Sei bem que em meio século de ausência, perdi certamente uma parte importante do meu vocabulário. Mas o que pretendo é exprimir-me como sei. E este triste individuo não se apercebeu, que para além da diferença de opiniões, que aceito perfeitamente, prezo sobretudo a correcção.
No “post” seguinte do Senhor Embaixador, no “Jornal de Noticias” respondi, desta vez, a este pobre homem.
Com a permissão do Senhor Embaixador, transcrevo aqui o que escrevi. Senão poderá encontrar o mesmo texto no post “ Vêm ai os Russos”.
Mais uma vez muito obrigado. Cordialmente
Joaquim de Freitas Pereira.
“ Texto”:
Joaquim de Freitas disse...
De novo por aqui, anónimo das 00:29! Não dorme bem? Não me admira! Deve passar a noite a procurar o seu nome. Não o encontrará, porque você é um falso indivíduo. Não existe. Em inglês diz-se “fake”.
Você é um fenómeno da Internet. O fenómeno mais verdadeiro da Internet é o fake. Impossível não encontrar um fake a cada dia no twitter, no facebook, no e-mail ou num blog. Os fakes multiplicam-se, desaparecem estrategicamente, retornam e impõe a sua presença como uma verdade falsa indiscutível e indestrutível. O fake é pior do que um vírus.
O fake é um falso que se torna mais verdadeiro por ter esse nome em inglês. Um verdadeiro fake não poderia ser chamado simplesmente de falso. Isso soaria fake. Quero dizer, falso. Ou seja, fake
O interessante é pensar sobre a sua psicologia,caro anonimo,a psicologia do fake. O que leva um indivíduo verdadeiro – de carne e osso – a inventar um nome falso para enviar as suas mensagens a um mesmo alvo? Ódio? Falta do que fazer? Doença? Fixação? Bullying? Ter sido abusado sexualmente quando criança? Um cérebro de ervilha? Incapacidade de sair do armário? Obsessão ideológica? Mentalidade de psicopata? A tranquilidade do anonimato? A estupidez natural auxiliada pelo artificial? A psicologia do fake é um enigma. Todo fake é perigoso e inofensivo ao mesmo tempo.
Há tratamento para fakes. Usa-se, nalguns países, uma mistura de medicamentos anti..fakes. Todo fake é um coitado que, depois de ter adoptado um nome fake e de ter disparado a sua caca virtual, ri sozinho como se estivesse a soluçar ou a gozar sozinho no banheiro. Especialistas modernos explicam que os fakes não devem ser tratados como criminosos, mas como doentes.
24 de outubro de 2016 às 18:03
Ó Freitas, se calhar é apenas um enorme enfado pela sua figura. A aerofagia é um problema, como sabe.
Enviar um comentário