Em Angola,
quando se recebe como resposta a palavra “Ainda!” isso significa que a pessoa
pretende dizer “Ainda não!”.
Na passada
semana, o título desta coluna era “Já combinaram com os russos?”, na dúvida
sobre se os alemães, antes de darem ordem de marcha à senhora Kristalina
Georgieva para tentar ganhar a secretaria-geral da ONU quase ao bater do
gongue, tinham articulado previamente alguma coisa com Moscovo. Afinal, a
resposta era “Ainda!”
Não sendo a União
Europeia um país, tendo uma ação externa incipiente e coordenada apenas nos
mínimos, sendo que dois dos seus membros (daqui a uns tempos será só um) fazem
parte inamovível do Conselho de Segurança da ONU e não estão abertos a pôr isso
em causa em favor da União, a regra geral, na vida da organização, é que cada
Estado europeu “trate da sua vida”, nos vários processos eleitorais. Quando
representei Portugal na ONU, alguns dos adversários mais firmes que tivemos de
defrontar em processos de candidatura foram, precisamente, os chamados
parceiros europeus.
A haver algo
de patético neste processo de escolha do novo Secretário-geral não será, assim,
a circunstância de haver vários candidatos europeus na corrida, tanto mais que
uma certa doutrina destinava ao continente (ou a parte dele) o lugar em disputa.
Nem sequer o facto de Angela Merkel se ter mobilizado para promover a mudança
da candidata búlgara deve surpreender-nos: Berlim, que não votava em Nova
Iorque, estava no seu direito de escolher quem lhe apetecesse, embora fosse um
tanto bizarro ver a Alemanha a estimular outro Estado-membro a que mudasse a
candidata que vinha a apoiar.
O que me
pareceu inaceitável foi ver uma instituição europeia instrumentalizada em favor
de uma candidatura improvisada à última hora, com o presidente da Comissão
Europeia, a quem compete zelar neutralmente pelos interesses comuns dos
Estados-membros, numa desbragada promoção da sua vice-presidente,
facultando-lhe uma licença sem vencimento (!) de um mês para ir contrariar as
pretensões de outros países europeus, tendo antes promovido abertamente a
futura candidata perante Moscovo, deixando que o seu chefe de gabinete
utilizasse a sua rede social oficial para apelar ao voto na senhora. A qual,
diga-se, regressa agora a Bruxelas algo humilhada e fragilizada, desde logo na
sua interlocução futura com o Estados-membros cuja ação pretendeu obstaculizar.
Dir-se-á que
tudo está bem quando acaba bem. Talvez, mas se a racionalidade histórica
aconselha sempre a que o futuro não assente em ressentimentos passados,
tenhamos ao menos a esperança de que Bruxelas tenha aprendido alguma coisa com
esta insólita aventura. Tenho uma única certeza: conhecendo-o, António Guterres
terá a dignidade de nada fazer, ao longo do seu próximo mandato, que
minimamente reflita este momento infeliz da sua Europa.
10 comentários:
regressa agora a Bruxelas algo humilhada e fragilizada
No meu blogue escrevi que regressa enxovalhada. Receber oito votos (mais de 50% deles!) de desencorajamento é um verdadeiro enxovalho.
este momento infeliz da sua Europa
Desde 1989 que a Europa acumula momentos infelizes uns a seguir aos outros. Eu já nada espero dela a não ser momentos infelizes.
Guterres era sem dúvida o mais "kristalino" de todos os candidatos. Digo isto pelo que conheço dele e pelo que ouvi ultimamente dos outros, uma vez que os desconhecia por completo. O meu "universo" é onde vivo e as estrelas.
Guterres só foi um PM razoável pelo que veio depois, ao jeito do ditado "atrás de mim virá quem de mim melhor fará".
No entanto, como afirmei na devida altura, Guterres será o ÚNICO PM após o 25 de abril a ficar na história se for para a frente, como tinha sido a sua bandeira na campanha eleitoral, com a Regionalização.
Timorato, deixou-se enlear pelo Marcelo e, quiçá, pelos do partido, saindo do pântano pela porta pequena.
Marcelo quer pô-lo outra vez na história! Para "bem" das Portuguesas e dos Portugueses!... e dele...
Já se tem a certeza se deixou o modo hesitante e está pronto para dar murros na mesa, agarrando mais esta oportunidade de ficar na história?
AINDA!
Pelos seus apoios declarados (Bulgária, Hungria, Alemanha, Estónia) não me pareceu que a candidatura da senhora Kristalina Georgieva tivesse qualquer hipótese de agradar "aos russos", que deviam, de longe, preferir a amiga búlgara do Senhor Embaixador (e com razão, acho eu).
Perfeitamente de acordo com as suas críticas à actuação da União (?) Europeia, sobre quem recai também a "tareia" que levou a senhora Kristalina. O senhor Juncker fez uma triste figura e perdeu mais uma oportunidade de mostrar quão amigo de Portugal ele afinal é (será mesmo?).
Aquilo que a EU perdeu em respeitabilidade ganhou-o a ONU com esta eleição. A ONU e o seu próximo Secretário Geral foram os grandes vencedores. Esperemos que aproveitem bem o “momentum” positivo que se criou.
comentário brilhante
parabens, Francisco !
A
O único problema de Juncker e do sequaz Selmayer é de facto não poderem postar no fb : "Je suis Antonio". Má sorte terem sido Kristalina...
Sendo que V. Exa. foi daqueles que aplaudiu a subida ao poder do Juncker, dedicando-lhe, até, o título de "Amigo de Portugal".
Senhor embaixador Francisco.
Tenho uma noticia . Irei em Porto e em Lisboa nos dias 24 de outubro ate 5 de novembro. Sera que consigo lhe entregar pessoalmente uma lembrancinha?
O assunto que escreveu acima não consigo nem ler direito.Por isso nao vou comentar!
Com carinho Monica
Sr. Embaixador, que cena !!!
Felizmente que desta vez Portugal saiu-se melhor do que a canção portuguesa com o sistema de votos da Eurovisão :)
Fiquei muito feliz pelo Sr. António Guterres:)))
Vê lá tu bem: na generalizada embriaguês que ainda se vive em Portugal até Vicente Jorge Silva opina sobre o que deverá fazer Guterres... Não há pachorra...!
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