Leio que os três promotores iniciais da manifestação de jovens prevista para dia 12 de Março, destinada a consagrar o protesto da chamada “geração à rasca”, são licenciados em relações internacionais. Sou levado a supor que algum deles possa ter pensado que, um dia, chegaria a ser diplomata. Também por esta razão, não posso deixar de ter uma certa simpatia pelas suas preocupações. Mas, sem querer ser paternalista, a sua iniciativa suscita-me algumas interrogações.
Reconheço, sem dificuldade, que a vida não está fácil para as novas gerações – e não só em Portugal. A democratização do ensino leva hoje às universidades uma cada vez maior percentagem de população jovem, sem que isso se traduza na sua automática empregabilidade. A retração no crescimento limita o emprego e as exigências de competitividade conduzem à opção por formas de recrutamento marcadas por elevada precariedade e instabilidade contratual.
Num tempo em que, internacionalmente, se tende a dizer que Portugal deve aceitar um receituário laboral marcado por uma maior flexibilização do mercado de trabalho, a auto-qualificada “geração à rasca” afirma o seu desejo de “direito ao emprego, o fim da precariedade e o reconhecimento das qualificações espelhado em salários e contratos justos”. Temo que estejamos perante um perigoso “wishful thinking”, induzido por algum irrealismo programático. Os tempos da densificação do modelo social em que se apoiava esse tipo de cenário idílico de segurança laboral já lá vão. Com o Estado a limitar o seu próprio crescimento e a caminhar para modelos de contratação menos constrangentes, com as empresas a tentarem garantir ganhos de competitividade para fazerem face à globalização, pergunto-me se será viável - embora fosse, sem dúvida, mais do que desejável - promover garantias ao primeiro emprego como as que são reclamadas.
Num tempo em que, internacionalmente, se tende a dizer que Portugal deve aceitar um receituário laboral marcado por uma maior flexibilização do mercado de trabalho, a auto-qualificada “geração à rasca” afirma o seu desejo de “direito ao emprego, o fim da precariedade e o reconhecimento das qualificações espelhado em salários e contratos justos”. Temo que estejamos perante um perigoso “wishful thinking”, induzido por algum irrealismo programático. Os tempos da densificação do modelo social em que se apoiava esse tipo de cenário idílico de segurança laboral já lá vão. Com o Estado a limitar o seu próprio crescimento e a caminhar para modelos de contratação menos constrangentes, com as empresas a tentarem garantir ganhos de competitividade para fazerem face à globalização, pergunto-me se será viável - embora fosse, sem dúvida, mais do que desejável - promover garantias ao primeiro emprego como as que são reclamadas.
Há dias, na UTAD, universidade a cujo Conselho Geral presido, pediram-me para fazer uma palestra sobre uma temática ligada a questões estratégicas internacionais. No final, dentre as cerca de duas centenas de auditores, muitas perguntas surgiram, algumas bem longe do tema da minha intervenção, centradas na própria condição laboral futura dos nossos estudantes, no termo dos seus cursos. Devo dizer que fiquei algo angustiado por não conseguir produzir respostas concretas para esses problemas, que reconheço como muito prementes e quase existenciais para esta geração.
O grupo Deolinda fez um tema musical que parece estar a converter-se no hino conjuntural deste movimento. Ele aqui fica registado.
14 comentários:
Penso que uma das soluções seria a humanização da distribuição "equitativa" de emprego...
Tendo em conta o saber conhecimento sustentadode todos os trabalhadores, também dos reformados que querem continuar a trabalhar,sendo obrigatório incluir os jovens em conformidade com a naturalidade do ciclo vital da força/sinergia claro que deve começar aos 24 e não aos 30, incluindo a energia física e de otimização da capacidade inovadora dos jovens licenciados...
Há uma desfaçatez crescente na moralização de práticas inibidoras de constituição de famíliae propulsão de natalidade através da fixação nos seus locais de residência, promoção de que quem sai do sua região é que é bom in e moderno quando a globalizaçãodo conhecimento já chegou a quase todas as áreas do planeta.
Há trabalho mas não há emprego, a distribuição da riqueza continua a ser nos mesmos moldes obsoletos privilegiando quem já tem e mais quer e não partilhando com quem nada tem...
A economia centrada e focalizada no trabalho com cargas horárias insustentáveis que fizeram nascer o Burnout, vocacionada para a exaustão de alguns enquanto é distribuído o ócio a outros sem apelação...
É preciso é também premiar os geradores de emprego para os jovens... E pelo menos reprimir quem encerra postos de emprego para auferir de maiores ganhos para si próprio...
Basicamente economizar na separação de pessoas que funcionam melhor emocionalmente nos seus sítios e não se importam de ganhar menos dinheiro, mas de ganhar mais na continuidade da qualidade dos afetos.
Há ainda uma empresa geradora de maior emprego por exemplo a acrescer ao guarda para o guarda, as agências de acreditação para as agências de acreditação e assim sucessivamente...
Além de que é um trabalho apetecível e bem remunerado, acho eu.
Isabel Seixas
A Juventude sempre viu as manhas dos velhos
enquanto os velhos parecem não querer ver....
OU posto de outro modo
DAS BOLHAS DE IRREALIDADE QUE PARECEM EXISTIR
POIS SAI DE LISBOA UM ENXAME DE OFICIAIS
E SENDO NECESSÁRIOS MIL MOIOS RECOLHEM TRÊS MIL
E VENDEM DEPOIS EM ABRIL E MAIO OS DOIS MIL QUE SOBRAM
DOBRANDO-LHES O PREÇO COM A FOME QUE CAUSARAM
E REZAM ASSIM:
ESTE TRIGO É MUITO SUJO NÃO O HEI-DE LEVAR SENÃO JOEIRADO
PORQUE NÃO QUERO COMPRAR MÁ FAZENDA
PARA OS SOLDADOS DE SUA MAJESTADE, QUE É BEM ANDEM MIMOSOS
POIS NOS DEFENDEM DE NOSSOS INIMIGOS
MANDOU-O JOEIRAR LOGO O LAVRADOR
E TIROU DE DEZ MOIOS MAIS DE MEIO MOIO DE ALIMPADURAS
AS QUAIS COMPROU LOGO O MESMO MINISTRO
A VINTÉM CADA ALQUEIRE
E EM AS TENDO POR SUAS DEU COM ELAS NO TRIGO LIMPO
há aqueles que limpam o trigo
e os que o querem ensacar
O reconhecimento é devido. O princípio da solidariedade que não pode apenas ornamentar as prateleiras da geração Europa, exige-se que se cumpra. Quando os recursos são escassos há que os dividir. É por isso que não faz sentido manterem-se reformas duplicadas ou reformas acima dos 1500€. A Europa vive na hipocrisia. Deixa as suas empresas deslocalizarem-se enquanto abre ao mercado do dumping e das condições sub humanas o seu mercado, aniquila o seu tecido industrial e brada que é necessário precarizar e extinguir o modelo social Europeu, em nome dessa competitividade que não aceita dentro das suas fronteiras. A geração política que comanda a Europa é incompetente e corrupta vivendo de braço dado com o mundo da concentração. Quando se fala na China ou nos BRICS não se fala nos povos que são tão escravos como os que se querem escravizar na Europa, fala-se das grandes multinacionais e conglomerados, fala-se nos globalismos locais e localismos globalizados de B.Sousa Santos. Não é a Europa do modelo social Europeu que tem de mudar, mas a Europa do ultraliberalismo Europeu que tem de ser travada na Europa e no resto do mundo. Ou não fosse o modelo social Europeu aspiração dos povos mundiais!
A inteligência não está só no reconhecimento realista dos limites do existente : é também admitir que o que nasce à frente de nós é sempre o inesperado.
Há momentos em que temos que ouvir. O que não podemos nunca é auto-bloquearmos a nossa obrigação de pensar.
"Frères humains qui après nous vivrez / n'ayez pas les coeurs contre nous endurcis" (Villon)
A nossa geração fez o que pôde. E o que devia.
O tema do deolinda nao e um tema conjuntural e um tema nacional!
Parece-me um pouco injusto e cínico chamar de 'wishful thinking' ou irrealismo programático, ao simples desejo de 'direito ao emprego ou fim da precaridade'. Sim, a vida está dificil para todos e o tal 'cenário idílico de segurança laboral' já não existe. Nesta geração somos os primeiros a constatar esse facto, a senti-lo na pele, sem retórica. Somos os primeiros a aceitar a tal 'flexibilização' dos mercados, a trabalhar para call-centers, supermercados ou empresas de camionagem, com doutoramentos na gaveta. A aceitar que muito provavelmente nunca iremos ter direito a reformas, que temos que nos movimentar, emigrar, re-inventar, fazer o que for necessário para sobreviver. Somos a primeira geração que está 'pior' que as gerações anteriores, e mesmo assim 'desenrascamo-nos'. E tudo isto num contexto de uma crise económica provocada em grande parte pela ganância da industria financeira, passivamente acatada pelos governos. Num contexto em que cada vez há uma maior injustiça salarial, com os salários chocantes de poucos, contra os sacrifícios enormes de toda uma população. O argumento da 'competitividade' é muitas vezes usado como desculpa e carta branca para a exploração de trabalhadores jovens, que sabem bem não tem outra opção, porque há sempre alguém preparado para aceitar essas condições. Se protestar contra isto é chamado 'wishful thinking' então não percebo que tipo de ambição e esperança é suposto termos nesta geração. Flexíveis mas passivos? Somos os filhos da geração de abril, que lutou pela liberdade e oportunidades, e não foi esse o espirito que os nossos pais nos ensinaram.
eduarda lima
Ontem, um grupo meio carnavalesco ganhou um evento moribundo, chamado Festival da Canção, com uma (má) música ao estilo PREC. Hoje não se fala de outra coisa por estas bandas.
"A luta é alegria" vem juntar-se ao tema dos Deolinda e à manifestação de 12 de março, tema de um interessante artigo de Vasco Pulido Valente no Público. A geração dos 20-30 está farta e não aguenta mais. Os partidos à esquerda, o PCP e o BE, vão tentar cavalgar a onda mas a geração que sai agora das universidades quer mais que o discurso tradicional.
Dizer que "Portugal deve aceitar um receituário laboral marcado por uma maior flexibilização do mercado de trabalho" é algo que essa geração já conhece. No meu meio profissional, o do património e da arqueologia imperam a lei da selva e prática de salários que não fazem minimamente justiça à qualificação dos técnicos.
É irrealista pedir o fim da precariedade? É. Mas manter este estado de coisas e esquemas de exploração absolutamente vergonhosos são uma derrota. Para todos nós.
Por que não deveria esta geração também ter o seu 'wishful thinking'?
Já o deveriam ter manifestado há mais tempo e talvez não se tivesse chegado ao que se chegou...
Segundo a onda do novo mundo tecnológico, @s actuais crianças/jovens deverão ter, em média, 14 a 16 trabalhos durante a sua vida, até atingirem a idade da "prateleira". E digo prateleira, porque provavelmente já não existirá a "reforma", a não ser que o consigam através do cada vez mais propalado lema do "Quanto menos Estado, melhor Estado". Mas isto, claro, implicará que os trabalhos que venham a ter lhes possibilitem ganhar o suficiente para aceder ao pagamento desse "privilégio".
Fique bem e obrigada pelo seu interessante blogue que leio sempre que posso.
Quero apenas lembrar que, embora por motivos diversos, há hoje várias gerações à rasca dispostas a sair à rua num qualquer dia doze desde que não arregimentadas pelos de sempre e para os efeitos do costume!...
Cumprimentos.
Dois interessantes comentários, os de Eduarda Lima e Santiago Macias. Que, a par do Post, faz-nos pensar. Não me parece que o futuro seja risonho, quer para a tal geração “Deolinda”, quer para quem se reforma agora (ou já se reformou). No fundo, é a falência, total, no nosso caso, do modelo de sociedade preconizada pelo pós-25 de Abril, em que muitos acreditaram (entre os quais o autor destas linhas). Curiosamente, quem enterra o tal modelo, hoje, é quem o defendeu há 37 anos. E, convém registar, quem passa ao lado de tudo isto, e não sofre grande beliscadela com os efeitos da tal globalização, é precisamente a mesma clique social de privilegiados que já o eram antes de 25/4/74 e continuam a ser agora. Continuam a usufruir de elevados “plafonds” nos cartões de crédito, de “prémios” avultados de produtividade, de salários obscenos onde não recai uma tributação fiscal mais equitativa, de viaturas para transporte pessoal, de telemóveis com chamadas ilimitadas, etc. Mas que se dizem “atentos à Crise e preocupados com o povo”.
Há hoje, para quem não saiba, uma cada vez maior corrente migratória para tudo o que é Mundo. A “malta”, actualmente, quer é “zarpar” daqui para fora. Compreendo-os. Tenho exemplos na família, no ciclo de amigos, etc. Mas, mesmo assim, conhecendo-se os números (há países que estão a absorver mais de mil nacionais por mês!) o desemprego está a atingir níveis preocupantes (mais de 11%!). É pena. Porque temos e somos um extraordinário país. Mas, infelizmente, sem futuro, nos tempos vindouros.
Não se vê da parte de quem quer que seja uma reflexão – séria - sobre esta triste situação. E pensar em soluções, com sentido - e sem demagogias. Mas com coragem. Sobretudo para impor justiça social. E vemos outros casos que chocam a alma mais desatenta. Como, a título de exemplo, o da Galp, a apresentar lucros extraordinários (e ainda bem), mas, logo de seguida, a infringir-nos pesados preços, que penalizam, sobretudo, o mundo empresarial, que, se desaparecer, deixa este pobre e debilitante país, numa situação de enfermo terminal, se não o está já.
Não sei qual será o futuro para as gerações mais jovens, entre os 25-35-40, mas afigura-se muito, mesmo muito, cinzento. Admirem-se se um dia se revoltarem!
P.Rufino
acho bem que haja novos movimentos civicos de protesto fora das estruturas habituais, partidárias, sindicais, profissionais.
Não para os/as substituir, mas para aumentar e reforçar o espectro do descontentamento visivel que se deve mostrar.
Agora que me atualizei com tão instrutivo – produtivo – distinto, inspirador e atualizado bloguista, junto-me aos seus muitos consultores e comentadores! Obviamente, o problema do emprego da juventude, como é alias apontado, não é só em Portugal! Que o digam a Espanha, a Irlanda e o Reino Unido, pelo menos aqueles países que melhor conheço e, com se sabe, antes deles os países do Leste! Aliás o problema do primeiro emprego, é grave principalmente em países como o nosso em que a competitividade e diversidade são escassas, mas, pior ainda, onde o indesejável sistema funciona na base das “cunhas” e, nos meios políticos, “jobs for the boys”. Obviamente, a emigração é o lamentável escoamento de talentos tão ncessários para um país em vias de desenvolvimento. Assemelho tal situação à Irlanda pré adesão ao então Mercado Comum, um país com elevados índices de educação da sua juventude e que, infelizmente, devido à situação económica, regressa ao mesmo estado. O problema do desemprego requer soluções adequadas e urgentes, não temporariamente combatido por subsídios, mas em termos de primeiro emprego particularmente aos formados, encorajamento financeiro para os primeiros passos empresariais e, noutro aspecto, aprendizados devidamente remunerados. O problema, aqui, creio, é a indesejável e anquilosante mentalidade sindicalista que atualmente predomina no nosso país. Cumprimentos!
Subscrevo os comentários do Santiago Macias e do P.Rufino.
Isabel BP
Caro embaixador,
concordo com a Eduarda e acrescento: a nossa geração não está à espera (ou espere sentada) que o tempo volte atrás e que haja um emprego à espera de cada canudo que sai na universidade. A flexibilidade do trabalho é uma realidade, e que eu pessoalmente valorizo muito. Mas basta do abuso, da exploração, e este olhar para o lado (não é nada connosco!, toda a gente faz o mesmo). É que este modelo é absolutamente insustentável!
Esta manifestação não é só para dizer basta, é para gritar BASTA!
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