domingo, julho 12, 2009

Armstrong

A Volta a França já não desperta por aqui o entusiasmo de outros tempos, embora uma parte do país mantenha ainda uma nostálgica imagem dos tempos de Anquetil, Merckx, Hinaut, Induráin e de outras grandes figuras que, a partir da França, ajudaram a fazer a história do ciclismo mundial. Os sucessivos escândalos do doping, com a noção de que algumas das melhores corridas podem ter sido falseadas, bem como a concorrência mediática de outros eventos, acabaram mesmo por diluir o fantástico feito de Lance Armstrong, vencedor sucessivo de sete "Tours" (1999-2005), e que, este ano, decidiu regressar à competição.

Armstrong, em toda a sua glória-tragédia, desde o "record" de vitórias em "Tours de France" à ainda mais admirável vitória pessoal sobre o cancro, converteu-se, definitivamente, numa figura altamente polémica, que suscita emoções de dimensão irracional, potenciadas por um estilo pessoal com alguma arrogância. Por isso, a somarem-se às obras de cariz hagiográfico, que o louvam quase à escala dos deuses, aparecem, em paralelo, libelos impressos pelos seus detractores radicais, ambos quase no limiar do ridículo.

O "óscar" da paranóia anti-Armstrong deve ir, contudo, para "Lance Armstrong, l'abus!", um requisitório assinado por Jean-Emmanuel Decoin, chefe de redacção do "L'Humanité", órgão do velho Partido Comunista Francês, que considera que o "Tour de France" foi "desnaturado" pelo "imperialismo do post-Reagan". Segundo uma recensão do livro feita pelo "Le Monde" (confesso não ter tempo para a leitura destes exageros editoriais), o livro, epicamente dedicado "ao ciclista desconhecido", avança mesmo com um imperativo "Armstrong, go home!".

O anti-americanismo é uma arte que certa França cultiva com um requinte tal que, por vezes, chega a ser interessante de observar, pelo que releva de idiossincrático e quase identitário. Mas há limites!

sábado, julho 11, 2009

Duas rodas

Eu consigo perceber, sem dificuldade, que se tente privilegiar quem viaja de bicicleta, dando-lhes faixas de circulação próprias, protegendo-os e estimulando o seu uso, mesmo se, por vezes, o comportamento dos respectivos condutores fica algo à margem das regras comuns de trânsito. Porém, trata-se de um meio de transporte que, além de saudável, é não poluente e cuja utilização com velocidades razoáveis tem, sem contestação, um impacto global positivo sobre as sociedades.

O que eu não entendo, por mais que me esforce, é por que diabo temos de sofrer, cada vez mais, uma espécie de assédio de tráfego por parte dos veículos motores de duas rodas, que enxameiam as nossas ruas e estradas. Que eles por aí andem, muito bem: têm um direito como qualquer outro. Mas é inexplicável a impunidade com que não cumprem as regras mais elementares de trânsito, como ultrapassam por ambos os lados das nossas viaturas, como não respeitam os traços contínuos, como se enfurecem e se tornam violentos se nos limitamos a exercer esse direito básico que é podermos ocupar a totalidade das nossas faixas de rodagem.

Em cidades como S. Paulo, no Brasil, os chamados "motoboys" são hoje uma raça humana verdadeiramente terrorista, que obriga a um aturado esforço de concentração dos condutores automóveis para deixarem o espaço necessário a "suas excelências" circularem como lhes aprouver, pela esquerda ou pela direita, zigzagueando em frente às viaturas, sem o menor respeito pelos limites de velocidade, buzinando a todo o momento e assumindo comportamentos de elevada agressividade se acaso consideram, com razão ou sem ela, que os seus "direitos" adquiridos (e eles estão, de facto adquiridos, porque o grupo faz hoje forte chantagem política) estão a ser limitados. Para além de, com frequência, pontapearem os carros e quebrarem deliberadamente espelhos retrovisores.

Porém, um fim-de-semana por estradas de França provou-me que o problema tem por aqui uma dimensão já muito similar, obrigando a um esforço particular de atenção por forma a permitir que os "senhores das motos" se possam passear à vontade entre os automóveis, num comportamento sem rei nem roque, desde os distribuidores de pizzas aos cultores canastrões que vão "on the road" num estilo "Easy Ryder", na melhor das hipóteses ufanos nas suas Harley-Davidson. E como, em França, se não vê um polícia de estrada por centenas de quilómetros, a lei da selva está hoje por aqui instituída.

Resta dizer que, em Portugal, as coisas vão por caminho perfeitamente idêntico. Pior: em certas zonas, há mesmo uns selvagens, com ou sem capacete, que transportam crianças entre adultos, numa impunidade total, ficando-se com a sensação de que estão protegidos por uma espécie de benévola antropologia ruralista.

Um ortopedista dizia-me, há anos, com algum sadismo, que a anarquia da circulação das motos em Itália tornava o país num "paraíso" para os médicos da sua especialidade. Eu, confesso, não lhes desejo mal, mas começo a ficar farto. E que dirá o meu amigo e "motard" Manuel Serra a tudo isto?

quinta-feira, julho 09, 2009

Robert McNamara (1916-2009)

Julgo que foi a primeira das várias vezes em que, por dever de ofício, tive de passar longas horas num já célebre barracão de conferências que existe em Maastricht, cidade holandesa encravada na Alemanha, que dá pela sigla de MECC. E nunca pela melhor razão: a excelente feira de antiguidades que lá tem lugar, no primeiro semestre de cada ano.

Estavámos em meados de 1990 e recordo-me que se tratava de uma qualquer conferência sobre questões de cooperação para o desenvolvimento, tema a que então especialmente me dedicava. Robert McNamara era um dos conferencistas e, devo confessar, a minha atenção ao que iria dizer havia sido mobilizada na razão directa da imagem, quase fotográfica e caricatural, que eu dele tinha - uma figura de cabelo oleadamente penteado para trás, qual ministro de Salazar. Lembrava-me, e lembro-o aqui, a mostrar um mapa do Vietnam, nos seus tempos de secretário da Defesa dos EUA, com um ponteiro que devia assinalar bombardeamentos e "santuários", no auge dessa carnificina sem sentido, para a qual a lógica cega da Guerra Fria tinha conduzido a América. E da qual o orgulho do país saiu com uma profunda ferida, que veio a conduzir à posterior eleição de Ronald Reagan.

Ao meu lado, lembro-me bem, estava sentado Abdul Magid Osman, então ministro das Finanças de Moçambique, velho amigo dos tempos em que ambos trabalhávamos na Caixa Geral de Depósitos, no início dos anos 70. E foi com Abdul que comentei aquilo que já sabíamos ser a surpreendente transfiguração de McNamara: do infatigável "warrior" anti-vietcong, tínhamos perante nós um homem sensível à situação do mundo em desenvolvimento, atento às suas necessidades, titulando a alteração da matriz dos estáticos "programas de ajustamento estrutural" do Banco Mundial, o organismo a que McNamara agora presidia. O jingoísta McNamara era agora um homem quase sereno, a caminho da reconciliação com o seu passado.

Seis anos mais tarde, Robert McNamara publicou "In Retrospect - The Tragedy and Lessons of Vietnam", um livro que aconselho vivamente a quem não tiver a fraqueza de se não querer enfrentar com a verdade. Um livro que honra um homem que não teve o receio de reconhecer os seus erros, por mais trágicos que hajam sido.

Em 2001, tive o privilégio de ouvir de novo McNamara no Council on Foreign Relations, em Nova Iorque, apontar, a tempo e horas, os perigos que detectava na equipa do recém-eleito George W. Bush. Recordo a sua lucidez, que não era minimamente incompatível com o seu patriotismo, que alguns neo-mccaristas, num certo momento, quiseram pôr em causa.

McNamara morreu agora, com 93 anos. Desconheço se chegou a ter a consciência da esperança que Obama representa para uma certa América. Porque Obama é hoje - e esperamos que possa continuar a sê-lo - a América que a contrição de McNamara também ajudou a construir.

quarta-feira, julho 08, 2009

Terrorista

A história foi-me contada ontem em Paris, no intervalo de uma função oficial.

Estava-se nos anos 60 ou 70. Três "terroristas" tinham sido presos, no Norte de Angola, e mantinham-se alinhados, na parada de uma unidade militar portuguesa. Eram homens que combatiam pela independência da sua terra, contra o "nosso ultramar". O exército tinha-os neutralizado e aguardavam transporte para Luanda.

Num determinado instante, um dos "turras" (era assim que os "terroristas" independentistas eram chamados nesses tempos) deu um salto em frente e voou para apanhar um papel que o vento havia feito deslocar na parada do quartel. A rapidez do seu movimento corporal apanhou de surpresa os militares à guarda de quem estavam, que puxaram logo de arma, numa reacção que, por pouco, não foi violenta. Mas o "turra" rapidamente regressou à formação alinhada com os seus camaradas, recolhendo logo o papel no bolso.

Os militares portugueses não "brincavam em serviço" e, de imediato, exigiram a entrega do papel. Quem sabe, podia tratar-se de um documento estratégico, a revelação de planos militares. Se o "turra" tinha corrido o risco de avançar para agarrar o papel, numa ousadia que podia ter-lhe custado a vida, alguma valia ele teria. O detido ainda hesitou mas, face ao óbvio imperativo, acabou por entregar o papel.

O resultado foi mais simples do que se esperava: tratava-se de uma página do jornal "A Bola", esse federador "avant la lettre" do grande e imparável mundo que é a lusofonia desportiva.

Lula

Foi uma "festa da lusofonia", como alguém qualificou a jornada que, na UNESCO, consagrou no dia 7 de Julho o presidente brasileiro, Luíz Inácio Lula da Silva, como o detentor, em 2009, do Prémio Houphouet-Boigny para a paz.

O chefe de Estado brasileiro, perante uma entusiástica assembleia de líderes políticos do mundo e uma multidão de admiradores, recebeu o preito de respeito da comunidade internacional, pela sua contribuição à causa da paz, do desenvolvimento e da redução das desigualdades.

Ando há muitos anos nesta vida internacional e, como é óbvio, tenho sido testemunha de diversas cerimónias de consagração de personalidades, sendo algumas mais elegias do que outras, quase sempre encadernadas na forma de exercícios de retórica elogiosa. Mas, devo confessar, raras vezes pude testemunhar um movimento de tão espontânea e genuína adesão ao sublinhar das qualidades de uma personalidade como o presidente Lula da Silva.

Portugal teve, nesta cerimónia, dois momentos marcantes. O primeiro no depoimento do primeiro-ministro José Sócrates, num improviso emocionado, que sublinhou a contribuição do chefe de Estado brasileiro para as grandes causas da modernidade e do progresso. O segundo no testemunho de Mário Soares, presidente em exercício do prémio, que substanciou as razões da atribuição deste galardão ao chefe de Estado brasileiro.

E foi muito bom ouvir a língua portuguesa, em toda a cerimónia, reconhecida por uma plateia global. Este dia fez muito bem ao estatuto do Português à escala multilateral.

terça-feira, julho 07, 2009

Imbecilidade

Um jornalista do Público considera que a entronização do Cristiano Ronaldo no Real Madrid mais não é senão o "O Triunfo da Imbecilidade". Porém, não concordo que isso seja a "alarve disponibilidade das multidões para perderem minutos, horas, das suas vidas a seguir de perto qualquer banalidade quotidiana da vida de um ídolo".

Posso compreender o sentimento de alguma estupefacção perante um exercício mediático de sacralização de um habilidoso com um bola de couro, esta espécie de hagiografia prematura de um miúdo apenas fisicamente talentoso, investido de um enorme poder de sedução e esperança. Mas eu coloco-me no lugar dos adeptos do Real e imagino, desde já, a ânsia das vitórias que a figura de Ronaldo terá provocado nos mais de 80 mil "merengues" que estiveram no Santiago Bernabéu.

A felicidade faz-se hoje bastante desta adesão aos sucessos que outros protagonizam, de quem nos assumimos próximos, colectivamente juntos na vitória, sempre com a derrota de outros como aparente contraponto indispensável. Para quem, como eu, tem a anti-competição como sólida e permanente doutrina de vida, confesso-me um tanto perdido neste ambiente. Mas será isto a alienação de que falava um clássico fora de moda? Talvez seja, mas esta comemoração das vitórias mais não é, para muitos, do que o complemento natural de existências simples, que seriam ainda menos relevantes se não se juntassem nessa onda gloriosa colectiva. É triste reconhecer isto, mas é a realidade.

Só posso desejar que o nosso madeirense de sucesso, do alto dos seus 24 anos, consiga suportar a carga de esperança agora nele investida. E, com clara consciência desta minha debilidade afectiva, sem qualquer ligação particular ao Real, lá estarei, nos fins de semana, à espera dos seus golos e dos seus êxitos, exultando com os primeiros e ansiando pelos segundos. Como estive nos tempos do Manchester, sucedâneo do que deixou de fazer no Sporting. Da mesma maneira que estive com Figo, no Barcelona e, mais tarde, no mesmo Real Madrid. Por isso, com total serenidade, não consigo condenar os adeptos do Real, hoje em delírio, nem lhes chamo imbecis.

Quantos de nós não sofremos de taquicardias patetas pelo nossos clubes, pelas nossas selecções nacionais, pelas nossas bandeiras desportivas? No futebol como no hóquei (lembram-se das jornadas de Montreux?), no atletismo (recordo a Rosa Mota ou o Carlos Lopes), na natação (eu dei braçadas morais a acompanhar Baptista Pereira, nas travessias da Mancha) ou no ciclismo (quem não sofreu pelo Agostinho?), quantos não alinhámos nessa magnificação dos ídolos desportivos, transformando meros eventos em casos-de-vida-ou-de-morte?

O desporto pode ser e é, muitas vezes, um tempo de evidente irracionalidade. Mas, ao fim de não poucas décadas de experiência, concluí que a mobilização colectiva da afectividade faz parte da nossa vida e, bem-pensantes à parte, constitui parte do sal de todas as sociedades contemporâneas.

Boa sorte, Cristiano Ronaldo! Só espero que a conversa com esse mago "merengue" que se chama Alfredo Di Stefano lhe venha a ensinar algumas das regras do jogo, não do futebol, mas dessa outra coisa bem mais complexa que é ser-se um nome público em Espanha: amado, odiado ou uma coisa depois da outra, qualquer que seja a ordem dos factores.

segunda-feira, julho 06, 2009

Grave

Há dias, dei por mim a perguntar-me de onde viria aquele fácies grave que quase todas as modelos assumem na "passerelle", aquele ar de zangadas com o mundo que parece ser estilo obrigatório da profissão. Porque não sorriem, quando muitas delas (e nós, por tabela) só ganhariam com isso?

E cheguei à conclusão de que, sendo Paris a capital da moda, talvez tenham apanhado aquele trejeito no "carão" fechado que caracteriza a grande maioria dos empregados de café e restaurantes desta cidade, os quais, em geral, levam esta forma de antipatia snob a um grau de sofisticação que quase se transformou já numa caracterização antropológica da espécie.

Livros


Chegou-me uma petição para mobilizar a opinião pública com o fim de evitar que, "em especial", a Imprensa Nacional / Casa da Moeda proceda à destruição de livros velhos e invendáveis do seu fundo editorial.

Acho esta acção muito meritória, mas pergunto-me por que razão a "sociedade civil" não tem zelo e exigência exactamente idênticos junto das editoras privadas, que, de há muito e ao que sei, levam a cabo esse mesmo tipo de acção. Será que se singulariza a IN-CM porque é "Estado" e reivindicar contra o Estado está no "l'air du temps"?

Com o devido respeito, pergunto-me mesmo se não poderia lançar-se um Banco Editorial contra o Analfabetismo (ou contra a Iliteracia, o que seria mais realista), onde pudessem ser recolhidos os fundos editoriais que por aí andam a ser vendidos ao quilo. E, quem sabe, poder oferecê-los pelo mundo de língua portuguesa, para locais onde há imensa falta de coisas escritas em português. E não apenas literatura portuguesa, como o viés patrioteiro de alguns apenas quer promover.

sábado, julho 04, 2009

Terreiro do Paço

O Público de ontem trouxe várias sugestões arquitectónicas alternativas ao projecto oficial existente para o Terreiro do Paço, em Lisboa. O preço que este último vai implicar será, aos olhos de alguns, pouco compatível com os tempos de austeridade em que vivemos.
Tudo ponderado, confesso que não posso eximir-me à tentação de avançar com uma outra hipótese: e se deixassem ficar tudo como estava, antes das obras?

Em tempo: dizem-me, de Portugal, que alguém quis ver neste singelo post uma crítica ao meu Amigo e meu Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa. Será que preciso de dizer algo mais?

Agostinho

Começa hoje o Tour de France - a Volta a França. Embora envolta em muitos problemas e polémicas, continua a ser a prova ciclística maior à escala mundial.

Para nós, portugueses, a Volta à França teve um nome que lhe ficará eternamente associado: Joaquim Agostinho, com dois 3.ºs lugares e seis outras presenças nos primeiros dez lugares. Muito embora, convém recordá-lo, uma grande figura do ciclismo português, Alves Barbosa, tivesse obtido, ainda antes de Agostinho, um honroso 10.º lugar. Mais tarde, José Azevedo obteve um 5.º e um 6.º lugar e um homem saído a emigração portuguesa para o Luxemburgo, Acácio Silva, teve também participações honrosíssimas, sendo, aliás, o único português a ter usado a "camisola amarela" de liderança do Tour.

Mas o caso de Joaquim Agostinho foi muito diferente. Como ontem me lembrava alguém que por aqui anda há muitos anos, a presença de Agostinho e os seus êxitos foram um sopro de orgulho para os portugueses que andavam emigrados por esta Europa. No seu estilo rude mas simples, na expressão da sua força e teimosa determinação, Agostinho era "a cara" desses homens que os tempos difíceis em Portugal tinham atirado para a nobre aventura da emigração. Eles reviam-se em Agostinho e os seus feitos ajudavam a compensar as dificuldades do seu quotidiano e a servir de moeda de troca face às discriminações preconceituosas que muitos sofriam.

Ao tempo, em Portugal, as crónicas de Bruno Santos e Carlos Miranda, na "Bola", contavam-nos o dia-a-dia das peripécias de Agostinho em terras de França, nesses Tours onde conquistou várias etapas mas onde nunca obteve a vitória final, em luta perante a fina-flor do ciclismo mundial. A jornada épica do Alpe d'Houez, no ano em que terminou em 3º classificado, mas igualmente os momentos do Tourmalet, de l'Aubisque, do Galibier ou do Balon d'Alsace, bem como a chegada ao Puy de Dôme, fazem parte do meu imaginário de desportista de sofá. E estou certo que isso será comum a muitos portugueses.

Neste dia em que mais um Tour se inicia por aqui, é um grande gosto para o embaixador de Portugal em França lembrar a honrada figura de Joaquim Agostinho.

sexta-feira, julho 03, 2009

Credenciais

A apresentação por um embaixador das suas cartas credenciais, perante um chefe de Estado estrangeiro, é um acto simbólico que, com os tempos e em alguns locais, foi perdendo muita da solenidade de que se revestia. Noutros, porém, mantém-se ainda rodeado de um certo formalismo protocolar, em especial nas monarquias. O acto é, em si mesmo, a simples entrega de uma carta, na qual o chefe do Estado do país de onde provém o embaixador dá conhecimento ao seu homólogo, no país onde esse diplomata vai trabalhar, da decisão de o nomear como seu representante.

Quando apresentei as minhas credenciais ao presidente Nicolas Sarkozy, não pude deixar de lembrar-me daquela que terá sido a mais épica das cerimónias do género em que esteve envolvido um embaixador português, curiosamente alguém que também já chefiou a Embaixada portuguesa em França.

A história data do início dos anos 80. Esse meu colega prestava serviço num país do Oriente e competia-lhe apresentar as suas cartas credenciais num outro Estado, uma pequena monarquia vizinha, na qualidade de embaixador não-residente. Não obstante diversas tentativas, tinham-se passado já largos meses sem que conseguisse obter uma data para a cerimónia perante o rei desse país. Um dia, depois de bastantes insistências, lá lhe explicaram que havia um problema de muito difícil solução: é que, de acordo com os sábios locais, ele estaria em conjugação astral negativa com Sua Majestade, pelo que o encontro entre os dois poderia ter repercussões trágicas, presume-se que para o rei.

Recordo-me da noite, em Luanda, em que esse meu colega, de passagem por Angola, me contava a situação que vivera, comentando: "Eu já nem sabia o que dizer a Lisboa, mas, como deves imaginar, não me arriscava a colocar, numa comunicação escrita ao nosso Ministério, que não conseguia apresentar as credenciais, por estar em "conjugação astral negativa" com o rei. Seria um gozo geral..."

Como era uma pessoa muito obstinada, acabou por obter um compromisso, que permitia a realização do acto de entrega, embora com algumas limitações: ele não se aproximaria do rei, ficando apenas à entrada da sala, havendo um portador que levaria as suas cartas credenciais a Sua Majestade.

O dia da cerimónia lá chegou, mas o meu colega, que achava aquilo tudo uma "chinesice" sem sentido, sentiu-se, de repente, tentado a não respeitar o acordo. E, chegado ao salão protocolar, avançou em direcção ao rei. A sala entrou numa agitação frenética, embora sempre num total silêncio. À medida que se aproximava do rei, levantavam-se mãos atrás do soberano, intimando-o a recuar. As caras dos cortesãos estavam lívidas de terror, mas o nosso homem lá levou a sua avante: entregou as suas credenciais, cumprimentou o rei e com ele teve uma pequena conversa. Aparentemente, o soberano desconheceria o "perigo" que o embaixador português representava para o equilíbrio da sua situação astral e ter-se-á comportado com majestática normalidade.

O que se passou depois, foi pouco simpático, embora compreensível. Até à sua saída do país, as autoridades do protocolo trataram-no com uma aberta hostilidade e, ao que soube, o frustrado negociador, com quem ele se comprometera, ter-se-á evaporado.

Nada sei do curso imediato das relações de Portugal com aquele pequeno país oriental, mas imagino que, por algum tempo, também terão ficado algo afectadas...

Curiosidade

Ontem, durante uma cerimónia de atribuição de um doutoramento honorário na Universidade do Havre, o "padrinho" de um dos agraciados considerou, no seu discurso, que as ciências se dividem em "humanas" e "inumanas". A sala agitou-se, embora sem sururu de maior por parte dos "inumanos" presentes.

No final, apurei que o autor da distinção se chamava Pierre Thorez. Nada mais nada menos, filho de Maurice Thorez, o legendário secretário-geral do Partido Comunista Francês.

quinta-feira, julho 02, 2009

Rui Paula

Foi ontem à tarde, na Comédie Française. Rui Paula, o "chef" duriense que tem feito a glória do seu restaurante DOC, na estrada entre a Régua e o Pinhão, recebeu o prémio "O Melhor Primeiro Livro de Cozinha", durante o "Gourmand World Cook Books Awards'09".

O livro premiado foi "Rui Paula - Uma Cozinha no Douro", com textos de Celeste Pereira e fotos de Nelson Garrido, obra que foi igualmente seleccionada para a "short list" do prémio "Melhor Fotografia".

Note-se que o responsável pelos prémios, Édouard Cointreau, expressou publicamente na cerimónia que, na sua opinião pessoal, considerava o DOC "o melhor restaurante do Norte de Portugal".

Parabéns à equipa portuguesa, que esteve em peso no palco da Comédie Française, com o apoio moral do embaixador de Portugal na assistência.

Ah! Resta dizer que o livro traz um artigo da minha autoria, que pode ser ligo aqui.

quarta-feira, julho 01, 2009

Airbus

Há dias, tive a interessante oportunidade de ver voar, no Salon du Bourget, os quatro modelos do Airbus. Aí estiveram, em exibição aérea, um A310 igual ao que anteontem caiu nas Comores, um A340 igual a outro em que, há semanas, atravessei o Atlântico, um A330 similar ao que caiu, nesse mesmo Atlântico e nesse mesmo dia, bem como o A380, o novo gigante dos ares, que pode levar até 853 passageiros.

As viagens aéreas continuam a ser das formas mais seguras de deslocação. Mas a ocorrência de acidentes sequentes com aparelhos da mesma marca tem um impacto psicológico iniludível. Assim, os tempos não estão nada fáceis para a Airbus.

Mangabeira

Demitiu-se do governo brasileiro o ministro para os Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Foi sempre uma figura com contornos algo polémicos no seio da classe política brasileira, onde tinha um forte e dissonante recorte intelectual no discurso público. Professor de Harvard, com uma pronúncia de português onde nunca deixaram de ressoar os efeitos da sua longa permanência nos Estados Unidos, introduziu no debate público brasileiro algumas curiosas propostas de natureza prospectiva, muitas delas com um cariz de ruptura com o statu quo, a principal das quais disse respeito à sensível questão da Amazónia.

Conheci pessoalmente Mangabeira Unger numa semana de reflexão política realizada na Grécia, nos idos de 90. Na ocasião, ao saber que havia um brasileiro no grupo, tive a imediata tentação, por um vulgar tropismo lusófono, de ir ter com ele. A surpresa foi imensa: deparei-me com um brasileiro que falava um português "macarrónico", muito mais à vontade em inglês, e que estava a anos-luz do esteriótipo do brasileiro "cordial" com que vulgarmente nos confrontamos. As suas teses, na área da ciência política, impressionaram-me então mais do que me convenceram, mas revelaram-me estar perante um intelectual de mérito. Isso mesmo confirmei, anos mais tarde, quando estive em Harvard, ao encontrar a estante de uma livraria recheada de obras de Unger.

Após chegar ao Brasil, em 2005, verifiquei que Mangabeira escrevia regularmente, na "Folha de S. Paulo", artigos fortemente críticos do presidente Lula. Foi, por isso, com alguma surpresa que o vi entrar no segundo Governo do Presidente brasileiro. Voltámos a encontrar-nos, e a recordar os dias comuns na Grécia, já em Brasília, quando pude tê-lo como convidado na Embaixada.

Mangabeira Unger regressa agora a Harvard. No futuro, pode vir a ser curioso ler o que terá recolhido deste seu efémero mergulho na política real.

Maria João Pires

Foi já no dia 24 de Junho. Não pude ir, porque tinha um outro compromisso inadiável. Mas - diz-me quem esteve - o espectáculo que Maria João Pires apresentou em Paris, no Théâtre des Champs Elysées, terá constituído um enorme sucesso.

Chopin e Liszt foram os compositores escolhidos nesta apresentação da pianista portuguesa, actualmente residente no Brasil.

Maria João Pires, por razões que não cabe aqui referir e sobre as quais não me compete a mim elaborar, terá uma espécie de contencioso afectivo com um certo Portugal. É pena mas, no que se refere à Embaixada de Portugal em Paris, poderá sempre contar com todo o apoio que considerar útil da nossa parte. Para além de ter, no próprio embaixador, um fã incondicional.

Em tempo: Leio agora que Maria João Pires afirmou a um repórter português que vai renunciar à nacionalidade portuguesa. É pena, mas eu acho que o contrário não é verdade: os portugueses não vão renunciar a Maria João Pires

Crise

Teve ontem lugar na Embaixada de Portugal em Paris um seminário sobre as consequências da crise económico-financeira para a empresas de capital português em França.

A organização deste evento, que resultou de uma sugestão que eu próprio fiz à Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa, presidida por Carlos Vinhas Pereira, teve o economista Christian de Boissieu na coordenação do debate, o qual envolveu bastantes empresários, com a participação da AICEP.

A continuidade desta "aliança" entre a Embaixada e a Câmara, iniciada pelo meu antecessor, é, a meu ver, um ponto essencial para garantir uma estratégia coordenada para a nossa presença em França.

Madoff

Mais do que os 150 anos de cadeia que o sistema judiciário americano aplicou ao escroque Madoff, surpreende-me a rapidez com que o processo decorreu.

A celeridade também define a qualidade da Justiça de um país. E a morosidade também.

Muitos não saberão, mas uma das piores imagens que Portugal projecta de si próprio no estrangeiro, com largos efeitos no investimento estrangeiro e na fiabilidade dos processos de contratação, liga-se à conhecida lentidão do seu sistema judicial.

La Lys

A foto mostra a casa onde esteve instalado o Quartel-General do Corpo Expedicionário Português (CEP), em Saint-Venant, perto de La Lys. É uma propriedade excelentemente cuidada, com um magnífico jardim e lago, onde existe um turismo de habitação e se preserva com carinho a memória da presença portuguesa. Assumindo, sem complexos, a publicidade, aqui fica uma sugestão de hospedagem para quem quiser fazer uma romagem completa a La Lys, que deve incluir ainda o Cemitério militar português de Richbourg e o monumento evocativo em La Couture, da autoria de Teixeira Lopes.

Acompanhado do Adido de Defesa e da Conselheira Cultural da Embaixada, estive ontem em Saint Venant a estudar com os proprietários do antigo Quartel-General, a família Rousseau, as possibilidades de reforçarem os traços desse singular tempo militar de Portugal em França e de ajudar a transformar o local num traço de união cultural futura franco-portuguesa.

Aproveitando uma indicação dada pelo proprietário da casa, Didier Rousseau, deixo aqui a ligação para um interessante site francês que rememora a Batalha de La Lys.

terça-feira, junho 30, 2009

Honduras

No mundo internacional, ninguém parece ter dúvidas de que o presidente Manuel Zelaya, das Honduras, afastado do país por um movimento militar, e posteriormente substituído na chefia do Estado, continua a ter toda a legitimidade constitucional para se manter à frente do país.

Sem pôr isso em causa e sem pretender ser mais papista que o Papa, pergunto-me, contudo, se não seria prudente a essa mesma comunidade internacional deixar cair uma palavra sobre a importância de ser dado, de uma vez por todas, o direito aos povos da América Latina de não serem confrontados, quando isso dá jeito aos seus líderes, com propostas para o prolongamento ou renovação de mandatos, através da alteração das constituições. Como Zelaya pretendia fazer.

É claro que sempre se dirá que, se as mudanças constitucionais se fizerem nos termos dos próprios textos ou por referendo livre, estará salvaguardada a legalidade do acto e garantida uma cobertura de legitimidade democrática para o mesmo. Mas já começa a ser tempo de as lideranças latino-americanas se conformarem com essa coisa simples que é saberem viver com a limitação temporal do poder prevista nas constituições à luz das quais foram eleitas.

O exemplo de Lula da Silva, no Brasil, recusando a hipótese de um terceiro mandato, quando tem mais de 70% de aprovação popular, é um caso que deve ser exibido como exemplar.

segunda-feira, junho 29, 2009

Talento

Aqui deixo um abraço muito especial para os portugueses, residentes em França, que na passada sexta-feira receberam Prémios Talento. E, desde já, esse abraço é extensivo aos que não foram premiados, mas se encontravam qualificados.

Na categoria de Artes Visuais, foi distinguida a pintora Maria Cristina Tavares. O prémio Divulgação da Língua Portuguesa foi atribuído a Pierre Léglise-Costa, professor, linguista e crítico literário. Finalmente, na categoria Humanidades, foi distinguida Elisa das Candeias Borges, religiosa da Congregação de Nossa Senhora da Caridade, em França, que ajuda presos da cadeia de Fresnes, nos arredores de Paris.

Piolho

O "Piolho" fez 100 anos e, pelo que sei, está de boa saúde, com muita gente nova a animar-lhe a sala e a esplanada. O "Piolho", ou melhor, o "Café Âncora d'Ouro", é uma bela instituição do Porto, estrategicamente situada junto aos Leões, ali à beira dos Clérigos, de Carlos Alberto e do início de Cedofeita.

É um local de profundas tradições culturais e académicas, que muito frequentei na segunda metade dos anos 60, do século passado. Por ali aportava então muita gente de esquerda, os sócios da cooperativa livreira Unicepe, os pró-associativos (não tínhamos ainda direito a associação académica), os estudantes das Faculdades de Ciências e de Economia, logo em frente, bem como os de Letras e Medicina, um pouco abaixo. E todo o Teatro Universitário do Porto, por onde andei, bebia por ali o seu café de saco. É que o "Piolho", durante muito tempo, não teve "cimbalino" (essa portuense expressão para o "expresso", derivada das máquinas italianas "La Cimbali", que já equipavam a modernidade dos cafés da cidade, a começar pelo "Montarroio" e a acabar na "Brasileira").

Para muitas gerações desaguadas da província para estudar no Porto, os cafés representavam um espaço de acolhimento, socialização e convívio. O "Piolho" era um expoente desse universo, que também tinha o "Aviz" (algo intelectual) e o "Ceuta" (em frente ao Rádio Clube Português, onde eu também "actuei"), como fóruns clássicos de conversa, o "Progresso" com o melhor café de saco do mundo (dizia-se que punham bacalhau salgado) mas com professores a mais, o "Estrela" com os seus belos bilhares no 1.º andar e o "Bissau" de Cedofeita, um oásis de serenidade onde se concentrava a gente de Engenharia e dos lares da Torrinha e Rosário. Para estudo, tínhamos o "Saban" e o "Diu" (sempre cheio de "pequenas" de Farmácia). Mais para namoro, havia o "Guarany" ao fim da tarde, o "Orfeu" na Rotunda, o "Pereira" no Marquês, ou os recatados e distantes "Bela Cruz" do Castelo do Queijo e o "Chalet" do Passeio Alegre. Na baixa, onde se parava em outras diferentes ocasiões (ao domingos, ao final da tarde, à espera do "Norte Desportivo"), ficavam os institucionais "Rialto", "Embaixador" ou "Imperial", com a estudantada menos presente. E também o "Astória", ali no passeio das Cardosas, que abria às 6 da manhã, meia hora depois de fechar a "Stadium". Curiosamente, o "Majestic" não tinha então o "glamour" turístico de hoje e, bem perto, na Batalha, já preponderava o "Chave d'Ouro", onde a gente nova não ia muito.

Grande Porto!

Torres

Deparei, na imprensa portuguesa, com uma recolha de fundos para a família de José Torres, o antigo jogador do Benfica, hoje atingido pela doença de Alzheimer, em grandes dificuldades de vida.

As novas gerações talvez não entendam o que representou, para o nosso imaginário de adeptos do futebol, aquela serena e alta figura, de extrema correcção desportiva, com um passo desengonçado, que voava com eficácia sobre os centrais.

Não deixa de ser chocante, num tempo de transferências hipermilionárias de futebol, confrontarmo-nos com situações como esta. Chocante e triste, para a imagem que Portugal projecta de si mesmo.

sábado, junho 27, 2009

Migrações

Numa excelente edição, a Afrontamento acaba de publicar "Migrações - Permanências e Diversidades", um volume coordenado por Beatriz Rocha-Trindade. Trata-se da recolha de intervenções feitas num seminário, onde, nomeadamente, podemos encontrar a caracterização das comunidades portuguesas no exterior e a presença estrangeira em Portugal.

Uma nota muito particular para o grande interesse que merece o capítulo "Portugueses em França (1980-2000). Uma comunidade integrada?", da autoria de Jorge Portugal Branco, um sociológo ao serviço da Embaixada portuguesa em França.

Gratidão

Contrariamente ao que se possa pensar, e por mera falta de tempo, não sou um frequentador assíduo da blogosfera, razão por que me escapam muitas coisas, mesmo algumas que se referem a este próprio blogue.

Assim, não me havia chegado a simpática inclusão do "Duas ou Três Coisas" nas listas de preferências avançadas pelo confrades "Criativemo-nos" e "Verde Côr de Alface". Muito obrigado a ambos pela distinção.

E, estando em maré de sinceros agradecimentos, aproveito para deixar aqui expressa uma idêntica palavra de gratidão, embora tardia, aos destaques feitos, já no passado, por Pedro Rolo Duarte, aqui, e por Jorge Ferreira, aqui. É bom ler o que escreveram.

Estas foram apenas algumas das notas amáveis que este blogue tem recebido e que alimentam a vontade de ir andando. Devo ter falhado outras, mas espero absolvição.

sexta-feira, junho 26, 2009

Circuitos

Num fim-de-semana, durante a reunião da UNCTAD, que teve lugar em Genebra no Verão de 1987, um grupo de delegados alugou um carro para um passeio fora da cidade. Íamos no caminho entre Genebra e Nyon, à borda do lago, quando a conversa derivou para o trajecto sinuoso da estrada em que rodávamos, através de localidades. Alguém referiu que certas partes do percurso eram mesmo bastante perigosas. Aí, um dos membros do grupo comentou: "E pensarmos nós que se faz aqui uma prova automobilística de tão grande importância...".

Nenhum dos outros comparsas de viagem fazia a menor ideia de que havia uma prova automobilística que passava por ali, pelo que pensámos que o nosso interlocutor se estaria a referir a algum rally. E, claro, pretendemos ser esclarecidos sobre o evento a que se referia.

O nosso homem - porque era um homem... - assumiu então um tom de connoisseur e, com ar de quem nos ia esmagar com a humilhante exposição do nosso tão óbvio desconhecimento, avançou: "Então vocês não sabem que passam por aqui as '24 horas de Le Mans'"?

Um ou dois segundos, para "digestão" mental da revelação, mediaram entre a frase e o coro de gargalhadas dos restantes viajantes. O lago à volta do qual passeávamos era o lago Léman, e o nosso interlocutor estava plenamente convencido que era nas estradas à volta desse lago que se disputavam as "24 horas de Le Mans". Ora Le Mans é uma localidade francesa a sudoeste de Paris...

Até ao final da viagem o nosso homem embatucou...

Há dias, ao passar por Le Mans, lembrei-me da história e também do facto de a Dra. Helena Sacadura Cabral, comentadora activa deste blogue, ter participado, pelo Banco de Portugal, nas reuniões preparatórias da delegação portuguesa àquela reunião da UNCTAD. Lembra-se?

Karzai

Só a peculiaridade da vida política do Afeganistão poderia dar origem ao título que o "International Herald Tribune" de hoje consagra ao artigo sobre as perspectivas em matéria de eleições naquele país: "Deeply unpopular, Karzai is likely to win".

Números

Esta bela imagem de números não ilude os que ontem a OCDE apresentou, relativos à (não) saída da crise, e que o sempre atento blogue Fio de Prumo nos refere aqui.

quinta-feira, junho 25, 2009

Música

Mais de uma centena de pessoas - algumas tiveram mesmo de ficar em pé - assistiram, na noite de ontem, ao terceiro espectáculo da série "Entre-pautas/entre-partitions", realizado no salão da Embaixada de Portugal em Paris.

Desta fez foi o som da guitarra de Paulo Vaz de Carvalho, que, durante uma hora, se passeou com arte por compositores do século XVII ao século XXI, com portugueses como Carlos Seixas, as gerações Paredes (Gonçalo, Artur e Carlos), Lopes-Graça e Jorge Peixinho, para além de Gaspar Sanz, Villa-Lobos e Leo Brouwer. Obrigado, Paulo, por esta excelente noite.

Vamos tentar que mais espectáculos regressem na "rentrée", sempre com intérpretes ou compositores portugueses.

Escolas


"O especialista canadiano em tecnologia Don Tapscott aponta Portugal como um exemplo a seguir na educação, elogiando o investimento em computadores individuais nas salas de aulas.

Num artigo de opinião publicado no blogue Huffington Post - onde já escreveu Barack Obama -, Tapscott dirige-se directamente ao presidente dos Estados Unidos da América: 'Quer resolver os problemas das escolas? Olhe para Portugal!'".

(Jornal "Público", 25.7.09)

quarta-feira, junho 24, 2009

Mollat

Confesso a minha perdição por livrarias, para quem ainda não tivesse desconfiado. Ontem, de manhã, regressei por breves minutos à livraria Mollat, no centro de Bordéus, uma das mais bem organizadas e profissionais que conheço. Onde me falaram de Mário Soares por lá ter passado, por mais de uma vez.

Como habitualmente faço, fui ver a estante de literatura portuguesa, traduzida em francês. Alguma óbvia: Eça, Saramago, Lobo Antunes, Pessoa e Agustina. Mas também Cardoso Pires, Torga, Ferreira de Castro, Carlos de Oliveira, Graça Moura e José Luís Peixoto, para além de antologias. Nada mais, o que é escasso, embora bem melhor do que em muitas livrarias em Paris.

Má surpresa na zona da nossa literatura publicada em português. Muito pouca coisa e a fantástica revelação de que tiveram de importar os nossos livros via Brasil (!), dada a falta de resposta e a excessiva demora (além de imprecisão nas encomendas) dos seus fornecedores possíveis em Portugal. E foi-me dito que existe uma real procura, a que não conseguem dar resposta, por virtude dessas limitações. Apenas incrível! A ver vamos se é possível à Embaixada intervir.

terça-feira, junho 23, 2009

Remodelação

A cena teve qualquer coisa de queirosiano. O último convidado a chegar, num jantar na noite de ontem em casa de amigos franceses, trouxe a lista, acabada de divulgar, da remodelação ministerial. O ambiente era algo diverso, com empresários, figuras da administração e alguns diplomatas. Todos se inclinaram com avidez sobre as notas do recém-chegado, com comentários sonoros apreciativos por parte dos franceses presentes. As senhoras, muito curiosamente, eram as mais "soltas", com os maridos, por dever institucional, a revelarem-se mais prudentes.

As deixas foram as imagináveis: "Então fulano subiu? Não era de esperar...". "Espanta-me que sicrano tenha sido reconduzido". "O que significará a mudança de beltrano?". "X acabou por ter o lugar que queria". Ou, mais honestos: "Não gosto nada de Y" ou "preferia que Z tivesse entrado".

À saída do jantar, já num ambiente de cumplicidade corporativa, sem franceses à escuta, os diplomatas abriam-se um pouco mais opinativamente entre si e avaliavam as escolhas, mentalmente preparando os telegramas com que, amanhã, irão dar a sua opinião às respectivas capitais sobre o como e o porquê do que aconteceu. Como o autor deste texto, claro.

VinExpo 2009

É de grande qualidade a presença portuguesa na VinExpo 2009, que esta semana decorre em Bordéus. Bastante mais de uma centena de produtores portugueses, de todo o tipo de vinhos, naquele que é o mais importante certame mundial da especialidade.

A crise terá afectado apenas marginalmente o número de presenças na feira, embora seja opinião unânime que está a provocar uma pressão global para a redução de preços, que apenas favorece os produtores de vinhos de menor qualidade. Isto será principalmente válido para os vinhos de mesa, mas os nossos Portos estarão também a ser afectados. De qualquer forma, o ambiente geral entre os nossos produtores era positivo e a qualidade dos nossos vinhos justifica a sua crescente procura em vários mercados. O que é uma boa notícia.

República francesa

A França é um país curioso. Embora com uma matriz republicana muito forte, conserva um fausto e alguma liturgia que são tributários óbvios da monarquia e do império. A V República é, manifestamente, o tempo político em que esses sinais mais se evidenciam. E, como não podia deixar de ser, é nos momentos em que não há coabitação política (maioria e presidente com diferentes lateralizações ideológicas) que isso se afirma com mais intensidade. Ontem, o presidente francês dirigiu-se ao Congresso, a figura constitucional que agrupa a Assembleia Nacional e o Senado. E, seguramente não por acaso, fê-lo no Palácio de Versalhes.

Durante muitos anos, alguns pensaram que a liturgia do modelo da V República era própria de chefes de Estado da área conservadora. Mitterrand provou que essa ideia era perfeitamente errada e demonstrou como a esquerda, quando no poder, vivia bem confortável com a grandeza e os dourados da vida palaciana francesa.

Bordéus

A primeira vez que passei por Bordéus foi há mais de quatro décadas, de mochila às costas, quando me deu na veneta atravessar a Europa "à boleia", da rotunda do Relógio (era então outro relógio, bem mais bonito) à Noruega. Recordo-me de uma cidade voltada "para dentro", ruas estreitas à moda mediterrânica, criando-me a imagem de uma certa França, de orgulhosa e burguesa província. Das restantes vezes que por lá passei, a imagem foi-se repetindo, até porque o progressivo declínio do porto não contribuiu, durante muito tempo, para uma renovação da economia e da paisagem da região e da cidade, não obstante terem tido como figura tutelar uma das mais interessantes e influentes personalidades da V República, Jacques Chaban-Delmas. Mas Bordéus parecia-me, de certa forma, ter parado no tempo.

O contraste entre a cidade de então e a Bordéus de hoje é imenso. E para isso muito contribuiu a recuperação da área junto ao rio Garonne, dando visibilidade a um conjunto magnífico de edifícios, então tapados pelo acesso ao feiíssimo porto. Uma obra, entre muitas outras, que a cidade fica a dever ao espírito reformador do actual "maire", e antigo Primeiro-ministro francês, Alain Juppé. Compete-nos encontrar maneira de estimular a geminação existente entre o Porto e Bordéus, que há anos anda "enguiçada". Ontem mesmo, Alain Juppé me garantiu o seu empenhamento pessoal em avançar bastante nesta área.

domingo, junho 21, 2009

Prix des Ambassadeurs

Há mais de 60 anos, foi criado em França o Prix des Ambassadeurs. Um júri, composto por um máximo de 20 embaixadores estrangeiros residentes em Paris, atribui anualmente um prémio a um autor de língua francesa, geralmente por um livro publicado nesse ano, sempre sobre um tema histórico ou histórico-político. Um grupo de membros da Academia Francesa faz um pré-selecção de um conjunto de títulos, submetidos depois, durante semanas, ao parecer dos diplomatas. A exemplo de antecessores meus, tive o prazer de ser cooptado para esse júri, pouco tempo após a minha chegada a Paris.

Depois de bastantes horas de leitura e algumas mais de deliberações, escolhemos, há dias, para o prémio deste ano, "La Fin - La République des Tourmentes", o volume que conclui a monumental obra de Georgette Elgey sobre a IV República - esse complexo período da História de França que vai desde o fim da II Guerra Mundial até à chegada ao poder do General de Gaulle, em 1958.

Festa da Música

Paris foi ontem a capital da música, como acontece no dia 21 de Junho de cada ano. Imensos eventos de acesso totalmente livre, de todos os géneros musicais, foram motivo para várias centenas de milhar de pessoas encherem as ruas da cidade, desde manhã até bem dentro da madrugada desta 2ª feira. É uma espécie de S. João do Porto em grande escala, que abrange todos os bairros e transforma a cidade num insólito festival de sons e danças. Outras cidades francesas tiveram também programas de animação idênticos, num total estimado de 18 mil concertos.

Nada de estranhar num país em que há 2,3 vezes mais músicos amadores do que futebolistas, com 800 mil alunos a frequentarem 3 mil escolas de música e 1,4 milhões de pessoas a serem membros de coros.

Que pena não termos esta animação em Portugal!

Bolos

Ao deparar hoje com esta imagem de Wayne-Thiebaud, num álbum de Pop Art, deu-me para pensar nesse tempo, já tão longínquo, em que Herman José ainda era Herman José. Para ver aqui.

sábado, junho 20, 2009

Chile

Um dia destes, o blogue vai ser acusado de ser mobilizado pelos obituários, mas a verdade é que as coisas da vida são suscitadas, muitas vezes, por quem dela sai. E as pessoas só morrem uma vez.

Ao ler a notícia da morte de Hortensia Allende, não pude deixar de recordar a primeira visita que fiz, em 2000, ao Palácio de la Moneda e a profunda emoção que senti ao percorrer aqueles corredores, por onde havia passado um vento de tragédia que iria afectar, por muitos anos, a vida do Chile. E que, à época, me marcou imenso.

José Miguel Insulza, ministro chileno do Interior, que me recebeu no Palácio, disse-me então que entendia bem o sentimento da nossa "generación de los claveles" perante o golpe chileno.

Voltei a encontrar Insulza, no ano seguinte, numa livraria, em Nova Iorque, poucas semanas depois do 11 de Setembro. Lembrou-me: "nosotros también tuvimos el nuestro 11 de septiembre". De facto: 28 anos antes, em 11 de Setembro de 1973, data do golpe de Pinochet e da morte de Salvador Allende. Uma tragédia não apaga a outra, mas, por uma qualquer razão, vale sempre a pena lembrá-las juntas.

Dîner en blanc

É uma tradição parisiense, com mais de 20 anos. Há dias reuniu mais de 8 mil pessoas. Numa convocatória boca-a-boca (mais recentemente, por SMS), os "happy few" informados deslocam-se, vestidos de obrigatório branco, numa noite pré-anunciada entre eles, para um local de Paris, que só é conhecido à última da hora, e fazem um piquenique, com bebidas e comida que cada um traz, em mesas portáteis, decoradas à moda que entendem, com o branco como regra. É uma manifestação "não autorizada", mas que nunca foi proibida. Este ano, teve lugar na Place da la Concorde. Elitista? Talvez, mas com muita graça. Coisas de Paris.

sexta-feira, junho 19, 2009

O "Lisboa"

Reconheço que se trata, talvez, de uma atitude muito geracional. Mas, tenho de confessar, a desaparição, já há quase duas décadas, do "Diário de Lisboa" acabou por ser, para mim, algo traumática, no saldo de memória da imprensa portuguesa em que fui criado. Por isso, a morte do seu antigo proprietário e director, António Ruella Ramos, agora ocorrida, associa-se a essa tristeza e convida aqui a uma nota sobre o jornal.

O vespertino lisboeta foi, durante as décadas da ditadura, uma referência diária na imprensa democrática portuguesa. Tentou sempre representar, ao lado do "República", um espaço para as vozes dissidentes, muito mais do que o equívoco "Diário Popular" (que me desculpem os amigos que por lá tive) e bem antes de "A Capital" - um jornal que resultou da saída , em 1968, de um grupo de jornalistas do "Lisboa". Uma anedota oposicionista espalhava então que os ardinas, pelas ruas de Lisboa, anunciavam assim os quatro jornais da tarde: "Lisboa / Capital / República / Popular!".

O "Lisboa" era um jornal diferente de todos os outros. Menos "popular" que o "Popular", menos "reviralhista" que o "República", menos "à la page" que "A Capital". Para nós, os fiéis, tinha códigos de leitura muito próprios, tinha entrelinhas que nos animavam as tardes nos cafés, funcionava como um repositório de esperança democrática. E tinha gente nova, que aí escrevia, com quem nos cruzávamos, depois da saída do jornal, na "Brasileira" ou no "Monte-Carlo".

Para mim, que "aderi" ao jornal aí por 1966, marcaram-me muito os tempos de "Mosca" (um suplemento humorístico dos sábados, que fez história), do DL Juvenil (suplemento literário para jovens, por onde passou quase tudo quanto "foi gente" na cultura portuguesa imediatamente posterior) e do seu destacável cultural (creio que às 4.ªs feiras, num tempo em que todos os vespertinos mantinham espaços idênticos). Comprar o "Lisboa" era um "vício": imaginem o que seria, nos dias que correm, esperar pelo jornal de ontem, a meio da tarde do dia seguinte! Pois era isso que nos acontecia, pela província onde passávamos férias, disputando com ardor os escassos exemplares vendáveis. Eram outros tempos! Melhores? Claro que não, apenas muito diferentes.

O "Lisboa" teve na redacção nomes da literatura como Sttau Monteiro, Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Eurico da Costa, Fernando Assis Pacheco ou José Saramago (fazia inicialmente traduções...). E jornalistas como Álvaro Salema, Norberto Lopes, Artur Portela, José Carlos de Vasconcelos, Veiga Pereira ou Manuel de Azevedo. E a pena ácida e certeira de Mário Castrim ou Pedro Alvim, entre tantos e tantos outros.

Recordo, em particular, os tempos eleitorais, em que aguardávamos o "Lisboa", com aquele "lettering" de título idêntico ao "Le Monde", com grande ansiedade, para ver o que a censura tinha "deixado passar". E, valha a verdade, também lembro os tempos de uma menos saudável ortodoxia, após o 25 de Abril, onde a antiga pluralidade se diluiu - e que terá contribuído, entre outros decisivos factores, para liquidar o jornal.

Mas hoje é tempo de saudar o saldo bem positivo do velho "Diário de Lisboa", na hora da saída de cena de Ruella Ramos, um homem de bem, uma grande figura da imprensa portuguesa, que manteve o seu jornal até onde lhe foi sustentável.

quinta-feira, junho 18, 2009

Frase

"Os iranianos devem, de facto, acender uma vela aos Estados Unidos, que começaram por os livrar do seu pior inimigo, Saddam Hussein, para depois lhes oferecerem de bandeja um Iraque shiita e acabarem por consagrar o seu papel de potência mundial".

Jean Daniel, no "Le Nouvel Observateur" desta semana

Obama

O presidente americano tem vindo a demonstrar, para surpresa de muitos, que a política de diálogo construtivo no quadro internacional, que havia anunciado durante a sua campanha, era... para levar a sério.

Na questão de Guantánamo, no Próximo Oriente, no Iraque, na atitude face ao mundo islâmico e quanto ao Irão, ninguém poderá dizer que o presidente Obama não está a cumprir o que prometeu. E sem arrogância, procurando perceber as razões dos outros, com uma contenção face a certas provocações que representa um registo quase inédito na política externa americana contemporânea.

Dentro dos Estados Unidos, há muitos sectores positivamente motivados com este comportamento, enquanto outros parecem, cada vez mais, aguardar por um desastre desta estratégia internacional, havendo já quem a apelide de uma "carterização" da acção externa - sabendo-se o que isso significa aos ouvidos de quem só sentiu o seu orgulho pós-Vietname resgatado pela agressividade reaganiana.

Porque o presidente Obama tem de manter internamente uma forte credibilidade para poder prosseguir com a sua ousada agenda reformista externa é que mais importante se torna que Estados com especiais responsabilidades à escala global - e, entre estes, em especial, a China e a Rússia - venham a perceber a importância de ajudarem a "nova América" a não se sentir tentada a subordinar-se à agenda da "velha América". É que esta última está já à espreita de algo que possa ser lido como uma humilhação de Washington ou uma qualquer crise grave que consiga imputar a uma suposta fragilização introduzida por Obama na defesa dos interesses americanos.

Carlos Candal (1938-2009)

Morreu Carlos Candal, advogado e democrata de Aveiro, figura histórica da oposição ao Estado Novo e político saliente em vários tempos da nossa vida pública.

Era uma figura que nunca recusava a polémica, nada "politicamente correcto", dotado de uma ironia sarcástica, que muitos confundiam com arrogância, que intervalava com as baforadas do seu emblemático charuto. Tinha uma voz grossa e uma gargalhada forte, de quem sempre esteve de bem consigo mesmo. A certo passo, deixou-se tentar pela aventura do Parlamento Europeu, onde nos cruzámos diversas vezes e comentámos uma Europa que sempre me pareceu ver de soslaio político. O que confirmei, num debate que tivemos em Aveiro, há mais de uma década.

No início dos anos 60, havia sido líder da luta académica, em Coimbra. Jorge Sampaio contou-me que, num dia desses tempos, foi de Lisboa a Coimbra para um diálogo entre lideranças universitárias, em período de tensão política forte. Com todos os cuidados que a segurança recomendava, dirigiu-se à "República" onde vivia Carlos Candal, que não conhecia pessoalmente. Bateu à porta e atendeu uma governanta, que disse que "já ia chamar o Dr. Candal" - em Coimbra, à época, "era-se" doutor antes do curso acabado. O ambiente era muito diferente do contexto homólogo lisboeta, com desenhos humorísticos pelas paredes, garrafões e outros artefactos pendurados do tecto, enfim, toda a parafernália simbólica da boémia coimbrã. Minutos depois, Jorge Sampaio ouviu, do alto da escada, um vozeirão: "Olá, menino! Já desço". Sampaio olhou e lá estava, ainda de roupão indiciador de grande noitada na véspera, a figura do seu interlocutor político, Carlos Candal. Nesse momento, o futuro Presidente da República terá percebido melhor a diferença eterna entre a maneira de ser das academias de Lisboa e de Coimbra. E dos políticos oriundos de ambas, claro.

Sem fugas

O 1.º Tour de France Pénitentiaire acabará amanhã em Paris. Foram 2200 km de uma corrida ciclística que envolveu mais de duas centenas de detidos e alguns funcionários penitenciários, num esforço de reinserção social.

A grande regra desta corrida - interrogo-me por que será... - é que o pelotão deve manter-se unido, do início ao fim das 14 etapas do percurso. O director da corrida foi peremptório: "Ceux qui sont venus pour l'exploit sportif et faire exploser le peloton se sont trompés d'endroit". É pena, teria graça ver algumas tentativas de fuga, com alguns "na roda" dos fugitivos e outros tantos na sua peugada.

Não há camisola amarela, nem de qualquer outra cor. As camisolas dos ciclistas são brancas. Felizmente, ninguém se lembrou de utilizar um equipamento similar ao do Boavista...

José Calvário (1951-2009)

Era por muitos considerado uma figura genial no âmbito da música portuguesa, como compositor e orquestrador. Entre muitos outros trabalhos, escreveu a parte musical da canção com que Paulo de Carvalho representou Portugal no festival da Eurovisão, em 1974, e que acabaria por ser a primeira senha para os militares que fizeram a Revolução dos Cravos.

Conheci-o vagamente em Londres, nos anos 90, cidade por onde ia muito nas suas andanças profissionais. Ficou-me então a recordação de uma personalidade que projectava uma imagem de inquietude e propensão para a acção. Desaparece agora, bem cedo.

Como singela homenagem, com um nome adequado, fica agora aqui o seu "E depois do adeus".

quarta-feira, junho 17, 2009

Sabiam?

São 16 PME portuguesas de altíssima craveira tecnológica, que se agrupam na PEMA - Portuguese SME for the Aerospace Industry. A partir de ontem estão, em stand próprio, na 100.ª edição do Salon de Le Bourget, aqui em Paris.

Claro que sei bem que a divulgação da afirmação e do sucesso internacional destas empresas vai a contraciclo do ambiente de "malaise" que é hoje o sentimento "politicamente correcto" prevalecente no quotidiano de um certo Portugal. Assim, e com um antecipado pedido de desculpas a quem se sentir ofendido na sua estimável depressão, aqui fica esta nota positiva.

Serviço público

No âmbito das informações recolhidas para a elaboração do livro "Les Portugais à Paris", a equipa de Michel Chandaigne acabou por criar um acervo muito interessante e actualizado de endereços portugueses na capital francesa, desde diversos tipos de lojas a restaurantes e instituições culturais. Uma "mina"...

Tornou-os agora públicos aqui e pede a quem possa e queira ajudar a completá-los que envie os dados que possuir.

A isto se chama um belo serviço público... privado.

Brasil e França

A nossa diplomacia no Brasil e na França, as comunidades portuguesas e o trabalho económico em Brasília e em Paris, medidas as respectivas diferenças, foram a base da minha entrevista ao site da Chambre de Commerce et Industrie Franco-Portugaise, que hoje foi publicada. Se acaso nisso tiver interesse, pode lê-la aqui em francês ou aqui em português.

Siza

É grande o prestígio de que Álvaro Siza Vieira desfruta em França. Ontem, ao ser-lhe atribuída a medalha de ouro da Académie d'Architecture francesa, foi impressionante ver um grande auditório, recheado das maiores figuras da arquitectura francesa, dispensar-lhe uma imensa ovação, depois de ter assistido a um filme sobre a sua obra. Siza falou, com modéstia e numa voz de portuense tímido, da sua carreira e do seu amor à profissão.

Um belo momento português em Paris.

terça-feira, junho 16, 2009

Cinema português

A propósito do "Aquele Querido Mês de Agosto", o Le Monde aborda os problemas e os sucessos da nova cinematografia portuguesa. Leia aqui.

Vinho

Contrariamente ao que se possa pensar, trazer vinhos portugueses para França não é a mesma coisa que "levar bananas para a Madeira". A qualidade da produção vinícola nacional - e não só do vinho do Porto - tem já hoje um lugar assegurado no exigente mercado francês e o seu reforço continua a constituir uma grande aposta nossa.

Ontem, com a Câmara de Comércio portuguesa em França, teve lugar uma prova de vinhos verdes portugueses, que concitou a atenção de muitos especialistas. E onde, para minha surpresa de não especialista, verifiquei a presença de vinhos verdes rosés, a corresponder a um novo gosto que o mercado parece alimentar.

Para a semana, em Bordéus, Portugal vai estar em grande força na maior feira vinícola do mundo. A França é a terra do vinho, mas Portugal tem hoje produções de grande qualidade, cuja afirmação temos de impulsionar neste mercado.

G8

"O G8 morreu, não representa mais nada. Não sei como vai ser o enterro, às vezes o enterro ocorre lentamente", disse Celso Amorim, ministro brasileiro das Relações Exteriores.

O chefe da diplomacia brasileira é um experiente político, com um conhecimento profundo da realidade internacional. As suas opiniões merecem sempre ser consideradas com bastante atenção. Mas, por uma vez, fico com a sensação de que toma os seus desejos por realidade, embalado no que foi o efeito político conjuntural da última reunião, a alto nível, do G20.

Durante muitos anos, o Brasil procurou aproximar-se do G8, não conseguindo melhor do que ser convidado para reuniões complementares do grupo dos países mais ricos. Isso foi provocando uma crescente irritação em Brasília, bem consciente de que as economias dos países emergentes cada vez mais representavam uma realidade que o modelo de "directório" do G8 não acolhia na medida merecida. A crise e a necessidade de encontrar um compromisso político susceptível de forçar medidas colectivas para lhe fazer face, a uma escala mais alargada que o G8, conduziram à reunião cimeira do G20, em Londres. Mas o sucesso dessa mesma reunião não pode iludir o facto de que, não obstante as suas virtualidades e representatividade, o G20 esteve sempre muito longe de ter uma coerência política sólida. Veremos o que sairá da sua próxima cimeira, mas,tudo indica que vamos ver criada, a prazo, uma entidade - que poderá ser um G13 ou um G14 - que pode funcionar como um G8 alargado - mas já não um G20, cujo destino funcional poderá revestir apenas a forma de modelos de coordenação ministerial. Mas, antes, haverá que ver se há consenso quanto a isto.

A menos que haja uma "revolução" no sistema de gestão político-económica global, que ainda nada indica que esteja aí ao virar da esquina, parece-me que, sobre o G8, se poderia utilizar a fórmula célebre de Mark Twain: as notícias sobre a sua morte são, por ora, muito exageradas.

segunda-feira, junho 15, 2009

Variações

Foi há 25 anos. Pouco se falava então da Sida, mas um excêntrico barbeiro de Lisboa morria já então dessa doença.

Deixou uma obra musical interessantíssima, como compositor e como intérprete, com uma voz estranhamente singular. Hoje, cantam-no alguns consagrados. Recordemo-lo no É p'ra amanhã.

domingo, junho 14, 2009

Irão

O resultado das eleições iranianas prova que a a balança pende ainda, naquele país, para um sector muito ligado à revolução islâmica dos anos 80, bastante ancorado nas zonas rurais.

Mas o que se passou durante o período eleitoral e na sua sequência, qualquer que seja o desfecho imediato que venha a ter, até em termos de repressão política, revelou que há muito mais na sociedade iraniana do que aquela caricatura de monolitismo religioso que Teerão havia feito passar para o mundo. E isso não vai ser indiferente para o próprio posicionamento futuro do Governo iraniano no quadro internacional. O Irão não é a Coreia do Norte.

Portugueses

As festas populares no seio da comunidade de origem portuguesa em França têm um carácter de grande autenticidade e de uma extrema fidelidade às raízes nacionais. Andei por várias nestes dias e pude falar com imensa da nossa gente que já tornou francês o seu sonho de vida.

Achei muito curioso nelas ver os símbolos do futebol português, com expressão nacional ou clubística, surgirem como "bandeiras" de orgulho português. Embora eu me pergunte se parte desse mesmo orgulho, expresso em alguns outros símbolos mais radicais de teor nacionalista, patente em peças de vestuário, não poderá vir a contribuir para um isolamento, no seio da sociedade francesa, de quem recorre à sua afirmação quase agressiva. A ver vamos.

A festa da Rádio Alfa, realizado no domingo, foi um desses momentos onde pressenti que os portugueses revelam hoje uma saudável serenidade face à livre e alegre expressão da sua identidade numa sociedade que, podendo pontualmente ser tentada a menorizá-los, no fundo os respeitam e até os admiram. Por razões que são cada vez mais óbvias, a França encontra, dia-a-dia, razões de sobra para reforçar essa atitude face aos "seus" portugueses.

Igualmente emocionante, mesmo para quem as coisas da fé nada dizem, foi o encontro dos portugueses que encheu a Notre-Dame de Paris, ao final da tarde de sábado, com os coros da comunidade de origem portuguesa a ressoarem, na nossa língua, naquele magnífico espaço, durante a cerimónia religiosa que lhes foi dedicada, celebrada a elevado nível eclesiástico. No final, alguns dos nossos compatriotas pediram-me para, no próximo ano, podermos ter por lá a nossa bandeira nacional. Confesso que estou hesitante: os portugueses que ali estiveram presentes são, por estas terras, a nossa verdadeira bandeira. Não é preciso nenhuma outra.

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...