segunda-feira, agosto 23, 2010

Brecht

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho o meu emprego
Também não me importei

Agora estão a levar-me a mim
Mas já é tarde

Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo


Poema de Bertolt Brecht, por amabilidade de Gil

domingo, agosto 22, 2010

Voleibol

Era uma Embaixada pequena, idêntica a muitas que Portugal tem pelo mundo. Para além do "staff" administrativo, nela só havia o embaixador e um jovem diplomata, o chamado secretário de Embaixada.

Naqueles tempos, a agenda diplomática portuguesa era bastante limitada, com a Europa comunitária ainda distante e a defesa da política colonial já na história. Assim, e não havendo uma comunidade portuguesa relevante, o trabalho da Embaixada resumia-se ao acompanhamento das então escassas questões económicas e culturais, para além do reportar rotineiro a Lisboa da vida política do país, em especial nas suas relações externas com algumas áreas ou países que nos fossem mais relevantes.

Nestas circunstâncias, para o secretário de Embaixada, com o sangue-na-guelra dos primeiros anos de profissão, desejoso de aprender algo, qualquer trabalho que aparecesse acabava por ser bem-vindo, por forma a cortar a monotonia dos dias. 

Já o mesmo se não podia dizer do embaixador, que, à medida que o trabalho rareava, parecia apostado em fazer cada vez menos. Aparentemente, mostrava-se mesmo deliciado com a ausência de quaisquer tarefas.

Um dia, chegou de Lisboa uma instrução para se praticar uma "diligência" (as chamadas "démarches" diplomáticas) junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros local, inquirindo da posição do país perante uma situação internacional qualquer. Foi aí que o secretário teve uma surpresa: viu o seu  embaixador, com um empenhamento que até então desconhecia, pedir uma audiência urgente ao chefe de departamento relevante, com um caráter expedito que parecia exceder em muito a importância objetiva do assunto.

Mas o espanto não se ficou por aí. Nem um dia era passado e o embaixador já estava dependurado ao telefone com o seu interlocutor diplomático local, insistindo por uma resposta breve. Obtida a mesma, num final de tarde, seguiu de imediato para Lisboa um telegrama detalhado, encerrando o assunto.

O nosso jovem estava siderado. Da placidez imobilista habitual, que tanto o irritava, o seu chefe passara a uma agitação quase frenética, numa matéria que talvez o não justificasse. Esta alteração de atitude intrigou-o. Com jeito, dias depois, numa conversa com o embaixador, deixou "cair": "Desculpe dizer isto, senhor embaixador, mas acha que o assunto merecia um tratamento tão urgente? Da comunicação de Lisboa, não se deduzia nenhuma pressa..."

Foi então que o jovem secretário recebeu uma magistral "lição" diplomática: "Meu caro. A vida numa Embaixada é como num jogo de voleibol: o grande risco é você ter a bola no seu lado do terreno. Assim, logo que você a recebe de Lisboa, passa-a de imediato ao parceiro (neste caso, o Ministério de cá) e não descansa enquanto não a remete para o outro lado da rede. Com a bola desse lado, você não perde pontos e pode ficar descansado...".

Pensando bem, não deixava de ter alguma razão!

sábado, agosto 21, 2010

Aldeia

Três histórias pessoais, verídicas.

Ia num taxi, em Paris, com um português, conhecimento muito recente. Toca o meu telefone, atendo, falo com uma amiga de Portugal. Ao desligar, o meu acompanhante pergunta: "Era 'fulana'?". Respondo que sim e pergunto: "Conhece-a?" "Fui casado com ela quase vinte anos..."

Outra história.

Almoço de trabalho em Lisboa. Falo de uma pessoa e, por uma qualquer razão, acrescento: "Ele tem várias irmãs". Resposta do meu interlocutor: "Eu sei, sou casado com uma delas".

E ainda outra.

Jantar em Brasília. Sou apresentado a um engenheiro português, que vive no Brasil há mais de três décadas. Pergunto-lhe onde se formou. No Porto. "Em que ano entrou para a faculdade?". Em 1966. Eu também frequentei Engenharia nesse ano. No Porto. Tínhamos andado no mesmo curso, nas mesmas aulas e lembrávamo-nos de histórias comuns...

Se isto não é uma aldeia...

Em tempo: Recomendo vivamente a leitura do comentário de Helena Oneto

Burla

A placidez da vida de Vila Real foi abalada, nas últimas horas, por uma aparente burla, que envolveu os organizadores do festival "Querido mês de agosto", que prometia algumas dezenas de horas de música.

O escândalo surgiu com o cancelamento de um concerto de Pedro Abrunhosa, que já se encontrava na cidade, mas que se recusou a atuar por falta de pagamento do "cachet".

Ontem, ao comentar estes factos, um irónico interlocutor dizia-me: "O Abrunhosa não cantou? De qualquer forma, ele nunca cantaria..."

sexta-feira, agosto 20, 2010

Ciganos

Na segunda metade dos anos 90, Pedro Bacelar de Vasconcelos era Governador Civil de Braga e, nessa qualidade, protagonizou a defesa de uma comunidade cigana que estava a ser diabolizada, na sua totalidade, por virtude de crimes cometidos por alguns dos seus integrantes. Tratou-se de um caso muito mediático em que a atuação de Bacelar de Vasconcelos foi fortemente criticada por alguns setores, não tendo então sido apoiado pelos dirigentes locais do seu próprio partido.

Uns tempos mais tarde, Portugal teve de designar um representante para o Observatório Europeu para o Racismo e Xenofobia, com sede em Viena. Não hesitei, contra muitos ventos e claramente contra todas as marés prevalecentes, em designar Pedro Bacelar de Vasconcelos para esse lugar - onde, como era de esperar, fez um excelente trabalho.

Ele ajudar-me-ia, mais tarde, durante a presidência portuguesa das instituições europeias, em 2000, a dar corpo à ideia de organizar em Lisboa, em articulação com o comissário europeu Gunther Werhaugen, uma jornada de reflexão sobre a condição das populações ciganas - uma iniciativa até então inédita nos programas das presidências comunitárias, no quadro do debate sobre os problemas das minorias no futuro alargamento.

Lembrei-me ontem disto ao ver notícias sobre a situação dos ciganos romenos em França. Este é um tema complexo. As culpas nunca estão só de um lado e não vale a pena esconder que há questões de segurança pública que, por vezes, têm de ser ponderadas. Mas vale a pena atentar no facto de que, como dizia ontem, no "Diário de Notícias", Pedro Bacelar de Vasconcelos, "houve retrocesso na opinião pública em relação aos ciganos". Em Portugal e na Europa em geral. Os ciganos sofrem, como outras minorias, de uma subida exponencial da intolerância no continente europeu e da busca, por parte dos seus governos, de alguns bodes espiatórios para procurarem mostrar que não estão indiferentes às legítimas inquietações sociais das suas populações.

É triste constatar que esta Europa que temos, tão atenta ao financiamento dos aspetos materiais da sua modernidade, se revela incapaz de pôr em prática algumas políticas públicas eficazes, especificamente dedicadas à promoção social das suas minorias. É que, no fundo, e salvo alguns preconceitos que não nos devem merecer o menor dos respeitos, tudo isto se reconduz a meras questões de desenvolvimento.

Diplomacia e poesia

Não percam, no Tim Tim no Tibete, um excelente poema sobre os diplomatas, os poetas e os poetas diplomatas ou vice-versa.

Dalton

Ficou-se agora a saber que o governador do estado americano de New Mexico decidiu perdoar postumamente a Billy the Kid, o histórico bandido que morreu em 1880, com 22 anos de idade, e que povoou o imaginário do "far west" a muitas gerações.

Dentro do mesmo espírito, acho que seria de elementar justiça haver um gesto de clemência familiar para os irmãos Dalton, de cujos crimes concretos não há registo e que já foram punidos com regulares humilhações por parte de Lucky Luke.

Ou há moralidade...

quinta-feira, agosto 19, 2010

Guido de Marco (1931-2010)

Acabo de saber que morreu Guido de Marco. A última vez que nos encontrámos, em 2002, num jantar em Nova Iorque organizado pelo então meu colega maltês Walter Balzan, prometeu fazer-me uma visita em Viena, para onde eu iria a seguir. Tal não aconteceu e, durante alguns anos, perdemo-nos de vista. Em 2008, teve a gentileza de me mandar, para o Brasil, o seu "The Politics of Persuasion", memórias em cuja simpática dedicatória recordou que éramos "parceiros nos valores de uma Europa mediterrânica". Tinha intenção de o voltar a encontrar, daqui a meses, em La Valetta, onde devo ir fazer uma conferência.

Apesar da diferença de idades, estabeleci com Guido de Marco uma forte relação de amizade, desde que nos conhecemos em Barcelona, em Novembro de 1995, no lançamento do Processo que levava o nome da cidade. Diversas outras vezes nos vimos, em Bruxelas e em Estrasburgo. Ele era então ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta e o governo português, de que eu fazia parte, mostrava-se abertamente favorável à entrada do seu país nas instituições comunitárias - um sonho que ele perseguia há muito tempo, tendo para isso que lutar contra a linha dominante nos trabalhistas malteses, muito tributária de um soberanismo isolacionista que vinha dos tempos de Dom Mintoff.

Com a conjuntural vitória eleitoral dessa linha socialista anti-europeísta, no ano seguinte, de Marco, que era de um partido conservador, passou à oposição. Numa visita que fiz a Malta, em 1997, pedi para incluir no meu programa um encontro formal com ele, gesto cujo sentido não escapou aos meus anfitriões do então governo socialista local. E, pelos vistos, esse foi também um gesto que Guido não esqueceu quando, em 1999, tendo entretanto sido já eleito Presidente da República do seu país, fez questão de me receber de forma muito calorosa, aquando de uma outra deslocação minha a La Valetta, excedendo, em muito, aquilo que o protocolo justificaria para um simples secretário de Estado.

De Marco foi uma figura destacada na vida política de Malta, tendo exercido vários cargos ministeriais, para além de ser um dos mais reputados advogados do seu país.  Era uma das personalidades maltesas mais conhecidas no mundo, tendo ocupado o cargo de presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas. Era um homem sábio e de diálogo, cordial e solidário, era um europeísta que tinha um sentido muito profundo daquilo que poderíamos designar por "mediterraneidade", o que lhe concedia uma audição muito fácil em  ambas as margens desse "lago". Com Portugal, manteve sempre uma relação de grande afinidade, contando políticos portugueses, como Jaime Gama e Durão Barroso, entre os seus amigos*, de quem sempre me falava com grande estima.

*Uma oportuna nota num comentário revela que Freitas do Amaral e Mário Soares estavam igualmente entre os amigos portugueses de Guido de Marco.

Eça no Panteão

A sugestão que fiz no post anterior, no sentido de ser lançado um movimento para a trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, mereceu vários e gratificantes apoios.

Que fique claro que essa ideia partiu da nota que esse ímpar queiroziano que é Luis Santos Ferro deixou num comentário a um anterior post. O seu a seu dono!

Como não tenho o "know how" informático para colocar uma petição naquele sentido, desafio quem o saiba a que o faça. Pelo que me toca, procurarei apenas tentar gerar um apoio parlamentar alargado à ideia, desde que pressinta que ela pode ter pernas para andar.

quarta-feira, agosto 18, 2010

Vinicius e Eça

Com a graduação formal à categoria de embaixador, agora decidida pelo presidente Lula, o diplomata, escritor e compositor Vinicius de Moraes recuperou, postumamente, um estatuto a que poderia ter ascendido se a ditadura militar o não tivesse afastado prematuramente da carreira diplomática brasileira, numa decisão tomada à luz do odioso Ato Institucional nº 5.

Vinicius é uma daquelas figuras que - tal como Eça de Queiroz - teve a carreira diplomática como cenário de parte da sua existência mas cuja razão de vida foi uma obra literária magistral. 

Como seria a música e a poesia brasileiras sem Vinicius? Como seria a literatura portuguesa sem Eça?

O cônsul-geral José Maria Eça de Queiroz não necessita de ser ascendido a embaixador, mas, em compensação, justificava-se plenamente um movimento para colocar os seus restos mortais no Panteão Nacional. Se aí estão Almeida Garrett, Aquilino Ribeiro e Guerra Junqueiro, porque razão Eça de Queiroz não tem lá o seu túmulo? Quem quer alinhar numa campanha nacional nesse sentido?

terça-feira, agosto 17, 2010

Lápis

O jovem diplomata estranhou um pouco, mas alguma timidez levou-o a não inquirir, de imediato, da razão pela qual aquele seu primeiro chefe escrevia todos os seus despachos a lápis. Sempre que lhe chegava qualquer documento, que era necessário enviar a uma Embaixada ou a um outro serviço, lá vinham, no canto superior direito da página, as iniciais do seu nome, a ação a executar, a data e uma vaga rubrica do chefe. A lápis. A reiteração da prática anulou, quase desde o início, a hipótese de se tratar de  uma episódica falta de caneta.

Faria isso parte da "liturgia" do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Outras bizarrias havia já detetado, nesses seus primeiros dias nas Necessidades: o chefe queria que se usasse a palavra "estadia" apenas para paragem de barcos e aviões e "estada" para pessoas; tinha-lhe também explicado que se devia usar "muito se agradeceria" num qualquer pedido a um embaixador e apenas um seco "se agradece" se o destinatário fosse um cônsul. E, claro, aos primeiros chamava-se "Vossa Excelência" e, aos segundos, "Vossa Senhoria". A escrita dos despachos a lápis era, porventura, um desses estranhos hábitos da Carreira.

Mas não. Numa conversa com colegas, à hora do almoço, ficou a saber que os respetivos chefes usavam abundantemente a tinta, na elaboração dos seus despachos. Um deles, era mesmo famoso por despachar e assinar a tinta verde! Outras cores iria encontrar pela vida fora...

Esta constatação deu-lhe a coragem para, um dia, numa ocasião menos formal, perguntar ao seu chefe a razão por que despachava a lápis. A reação foi de uma cortante simplicidade: "Porque me posso enganar e, se assim acontecer, depois apago e corrijo o que tinha escrito".

O jovem diplomata, surpreendido, ousou retorquir: "Mas, se eu tiver cumprido o despacho e o senhor doutor depois o modificar, quem fica mal sou eu!".

Aí, o chefe, já impaciente e irritado com a inesperada impertinência do jovem colega, deu meia volta, fumegando nervosamente o seu eterno cigarro, e deixou, para trás: "Isso depois vê-se!"

Fogos e artifícios

Não quero parecer desmancha-prazeres, mas é impressão minha ou continuam a ser lançados, em todas estas noites quentes de verão, fogos de artifício, por esse país fora, com todos os riscos que isso implica para a geração de incêndios?

Eu sei que há tradições, expectativas de visitantes, uma indústria de pirotecnia que vive deste período do ano, mas (a imagem é capaz de não ser climaticamente a mais adequada) "não se pode ter chuva na eira e sol no nabal".

segunda-feira, agosto 16, 2010

Outro Queirós

Ainda no tema Queirós, tenho uma questão simples: por que razão não foi acautelada, no respetivo contrato, nenhuma forma de poder afastar o selecionador nacional de futebol, com base em razões de natureza técnica, ligadas aos resultados obtidos e, por essa via, à avaliação da sua eficácia no comando da seleção?

Mas sem truques. Ou alguém acredita que, se Queirós tivesse ganho o Mundial, teria este processo? 

Eça de Queiroz

Há 110 anos, foi a enterrar Eça de Queirós*. 

Eça de Queirós foi diplomata. Se, como escritor, Eça foi um génio, como diplomata situou-se numa mediania que nem o esforço laudatório de alguns conseguiu disfarçar. Eça utilizou a sua carreira consular para escrever algumas das obras-primas da literatura portuguesa e, só por isso, valeu largamente a pena que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lhe tenha pago o salário. O qual, no seu entender, não era suficiente, a crer no que escreve em "Uma Campanha Alegre":

Os diplomatas portugueses passam por agradar no estrangeiro pela sua palidez! Mas não se sabe que a sua palidez vem, não da beleza da raça peninsular, mas da fraqueza de legação mal alimentada. Onde um embaixador português mais se demora, não é diante das instituições estrangeiras com respeito, é diante das lojas de mercearia com inveja! E se eles não podem alcançar bons tratados para o País – é porque andam ocupados em arranjar mais rosbife para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as ceias dos bailes, a posição do diplomata português era insustentável. E ainda veremos os jornais estrangeiros, noticiarem:

“Ontem, na Rua de… caiu inanimado de fome um indivíduo bem trajado. Conduzido para uma botica próxima o infeliz revelou toda a verdade – era o embaixador português. Deram-lhe logo bifes. O desgraçado sorria, com as lágrimas nos olhos.”

Que o país atenda a esta desgraçada situação! Que tenha um movimento generoso e franco! Dê aos seus embaixadores menos títulos e mais bifes! Embora lhes diminua as atribuições, aumente-lhes ao menos a hortaliça. Eles pedem ao seus país uma coisa bem simples: não é um palácio para viver, nem um landau para passear, nem fardas, nem comendas! É carne! Que o País no número do pessoal diplomático – diminua os adidos e aumente os bois.”

*Como refere num comentário, com precisão, Luis Santos Ferro, entre a morte e o funeral de Eça de Queiroz mediou um certo tempo.


Portugal no mundo

Por uma referência cruzada na "net", encontrei, há dias, uma nota sobre uma cerimónia que, em 2006, teve lugar na localidade de Nova Mazagão, no Estado brasileiro do Amapá, junto à fronteira com a Guiana Francesa.

Num certo dia de Janeiro desse ano, recebi do governador do Estado um convite para estar presente numa solenidade, na qual iria ser feita uma homenagem aos fundadores de Nova Mazagão.

À época, eu tinha uma ideia muito vaga da história da localidade. Nova Mazagão foi criada, em 1775, para apoiar a fortaleza de S. José de Macapá, na defesa do norte do Pará. O nome advém do facto de ter sido fundada pelos antigos ocupantes da fortaleza de Mazagão (atual El Jadida), em Marrocos, a última que os portugueses haviam sido forçados a abandonar, já em 1769, dentre as várias que, desde os século XVI, haviam sido criadas na costa marroquina. É impressionante pensar, hoje, como Lisboa tomou a decisão de enviar, recém-chegado da costa africana, este contingente mais de 300 famílias, mistas de portugueses e familiares marroquinos, para o norte brasileiro. Porém, em termos práticos, pode concluir-se que terá sido a eficaz proteção dessa entrada do Amazonas que contribuiu para a preservação da soberania setentrional do que é atualmente o Brasil.

A data do evento era-me inconveniente: dia seguinte às eleições presidenciais em Portugal, o que me obrigava a sair de Brasília bastante tarde e chegar ao Amapá já bem dentro da madrugada, naqueles aviões noturnos que a insuperável imaginação brasileira crismou de "corujões". Porém, a amável pressão telefónica do governador Waldir Goes convenceu-me a ir. Cheguei a Macapá às três da manhã, acompanhado por um diplomata marroquino, e fomos brindados com uma ceia com convidados no hotel, tudo sem grandes pressas. No final, foi-nos dito que às sete (!!!) passariam a buscar-nos... Se dormi uma hora, depois do lauto repasto, foi já muito!

Hoje, sabendo o que poderia ter perdido se não fosse ao Amapá, ficaria arrependido para toda a vida. Chegar a Nova Mazagão, ido de Macapá (distante escassas dezenas de quilómetros) numa piroga, acompanhado por um músico-cantor a entoar modinhas sobre os portugueses do século XVIII, sermos recebidos por toda a população do local chefiada pelo prefeito José Carlos "Marmitão" (nome que condiz, à justa, com a dimensão da amável figura), enquadrada por garbosos cavaleiros que reproduziam as lutas entre os cristãos e os muçulmanos, num evento que culminou com a inauguração de um memorial onde ficaram os restos mortais dos portugueses e das suas famílias marroquinas - tudo isso se transformou numa experiência inesquecível.

Resta notar, como curiosidade que, em Macapá, passa o Equador, o qual é a linha divisória do estádio de futebol, que se encontra assim nos 0º de longitude. Por isso, o seu nome oficial é "Zerão"...

Sobre o evento, pode consultar aqui, referência onde cheguei através daqui.

domingo, agosto 15, 2010

Era assim, ontem...

... o Douro, ao final da tarde (através de fotos de telemóvel). 

E pensar que há portugueses que ainda não visitaram esta região!

Gabriel Abrantes

Há semanas, falámos aqui do êxito em Paris de Gabriel Abrantes, um artista português com uma obra plurifacetada.

Ontem, chegou a notícia de lhe ter sido atribuído um Leopardo de Ouro, no festival de cinema de Locarno.

Boas notícias destas é o que nós precisamos.

sábado, agosto 14, 2010

Florestas (2)

No âmbito de um seminário sob o lema "Investir nas florestas portuguesas", realizado em Coimbra em 2005, moderei, a convite de Miguel Cadilhe, então presidente da Agência Portuguesa para o Investimento, um painel de especialistas internacionais sobre combate aos fogos florestais.

Foram largas horas de debate, com técnicos considerados entre os melhores do mundo, que deram origem a uma longa série de recomendações, muito bem fundamentadas - desde intervenções técnicas a propostas de alteração de legislação.

Seis anos passados, onde parará esse trabalho? Ou melhor: o que se aproveitou dele?

sexta-feira, agosto 13, 2010

Pedras Salgadas - Siza Vieira e a Unicer

Julgo que não necessita de quaisquer comentários a importante carta que o arquiteto Álvaro Siza Vieira faz publicar na última "Visão", sobre o projeto do hotel de Vidago, no quadro das suas relações com a Unicer. 

Comentando um anterior texto da revista, Siza Vieira refere que no texto publicado "não fica claro o que é e o que não é da minha autoria no projeto de Vidago", referindo ser abusivo dizer-se que o hotel "reabriu as suas portas após um restauro de quatro anos dirigido por Siza Vieira". O consagrado arquiteto informa ter comunicado à Câmara Municipal de Chaves a retirada da sua responsabilidade quanto a trabalhos executados.

O texto da "Visão", no quadro da promoção mediática que a Unicer tem feito das suas "obras" em Vidago e nas Pedras Salgadas, não refere o caso desta última estância balnear. 

Mas creio que seria importante que se soubesse que Siza Vieira retirou igualmente a sua responsabilidade quanto a obras executadas nas Pedras Salgadas. E - mais importante de tudo - Siza Vieira não tem atualmente em mãos nenhum projeto para um hotel nas Pedras Salgadas

Se a Unicer conseguir desmentir isto, que o faça.

Florestas (1)

Porque será que, acabado o verão, acabam de imediato as reuniões e reflexões sobre política florestal, ninguém mais fala da questão da limpeza das matas e tudo entra num total esquecimento até ao ano seguinte, até aos primeiros incêndios, altura em que tudo recomeça, da mesma forma, como no ano anterior?

Portugal tem mesmo de continuar a ser assim?

Em tempo: quem se preocupa, leia Ferreira Fernandes.

Isto é verdade?