quarta-feira, abril 29, 2009

O Quarto

Era o tempo das negociações para a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias, essa primeira década dos anos 80 em que, com muito esforço e dedicação, vários sectores da sociedade portuguesa foram chamados a dar o seu testemunho sobre as práticas em vigor no nosso país, a fim de as procurar tornar compatíveis com as que eram seguidas nessa Europa a que pretendíamos aderir.

A vida europeia tem regras, padrões e medidas que, parecendo bizarrias a muitos, têm como objectivo garantir uma presença no mercado comum comunitário dos produtos originários dos vários países, em moldes susceptíveis de garantirem uma livre e equilibrada concorrência.

Nesse dia, eram os nossos produtores de leite que explicavam qual o tipo de vasilhame que era usado em Portugal. O técnico que tinha ido a Bruxelas falava um francês razoável, porém com algumas falhas que, não sendo trágicas, eram, pelo menos, cómicas. Uma delas teve graça. Ao referir-se ao tipos de garrafas utilizadas em Portugal para a venda de leite, terá dito mais ou menos isto: "Au Portugal, nous avons des bouteilles de litre, de demi-litre et de chambre de litre".

O espanto dos auditores de língua francesa terá sido muito, ao serem confrontados com esta criativa forma de se referir ao quarto de litro...

terça-feira, abril 28, 2009

Jornalistas

Jean Lacouture é das grandes personalidades do jornalismo francês, com uma carreira brilhante que passa pelo histórico Combat, pelo Le Monde e pelo France Soir, antes de se afirmar como um dos mais notáveis colunistas do Nouvel Observateur. Apaixonado pelas lutas anti-coloniais, foi um feroz anti-gaullista, antes de se converter num admirador do General. A sua obra no campo da biografia é imensa e variada, sempre servida por uma escrita ágil e rica.

Ao 88 anos, acaba de publicar uma excelente memória biográfica de 14 grandes jornalistas franceses. A escolha é porventura polémica, por alguns que lá estão - Mauriac, Pivot - e por alguns que não estão - como Camus, Fauvet, JJ Servan-Schreiber ou mesmo Aron. Uns por umas razões, outros por outras. Não deixa, contudo, de ser um livro fascinante, uma verdadeira pequena história do jornalismo francês.

O título do livro é, em si mesmo, uma definição magnífica dos jornalistas: os impacientes da História. E bem verdadeiro, para alguns.

Leixões


O site da TSF titula: Leixões empatam com Guimarães.

A isto se chama pluralismo desportivo.

segunda-feira, abril 27, 2009

Racismo

As conclusões da Conferência da ONU sobre o Racismo, que teve lugar em Genève, deram plena razão à posição do Governo português que, desde muito cedo, entendeu, no seio da União Europeia, que era importante distinguir entre o essencial e o acessório, evitando que este último pudesse colocar em causa o esforço, longo e meritório, que a comunidade internacional tem vindo a fazer desde a reunião de Durban I.

O nosso país sempre afirmou que não deixaria de estar presente na Conferência, desde que o documento final mantivesse um padrão globalmente positivo, como veio a acontecer. Não foi esse, infelizmente, o entendimento de um escasso número de parceiros europeus, o que, não sendo dramático, configurou uma dissonância numa dimensão importante da acção externa europeia.

Nestas como em outras temáticas centrais da cena multilateral, importa sempre estar presente e actuante, trabalhar bem a montante das reuniões finais e não deixar que elas venham a ficar reféns fáceis de gestos mediáticos e espectaculares que, lançando uma imagem de conflitualidade e polémica, não reflectem a qualidade do trabalho efectivamente realizado. E não devem pô-lo em causa.

O documento final da Conferência sobre o Racismo, segundo todos os especialistas, configura uma salto qualitativo muito significativo na matéria, desenha um conjunto objectivo de compromissos e prolonga a responsabilidade internacional num processo de execução de medidas fundamentais na luta contra o racismo, xenofobia e todas as formas de discriminação e intolerância.

Agora, o esforço principal deverá ser tentar reconduzir a nova Administração americana, que se sabe ter uma particular sensibilidade perante esta temática mas encontrou o processo negocial num estádio já muito avançado, a trabalhar de forma conjugada com os principais actores que podem levar a bom porto as medidas que agora foram acordadas. Nestas como em outras questões de natureza global, a experiência prova que faz toda a diferença ter os Estados Unidos no grupo impulsionador.

domingo, abril 26, 2009

Bartolomeu

Este 25 de Abril já não teve o Bartolomeu, o Bartolomeu Cid dos Santos.

Para ele, para quem a data era talvez a sua mais importante estação da vida, aqui fica a memória de uma sua gravura.

Poemas de Abril

O magnífico Tim Tim no Tibet traz-nos uma bela memória poética do 25 de Abril.

Para além de uma homenagem a Melo Antunes. Coronel, claro.

sábado, abril 25, 2009

O herói


Quando abrimos a porta, o Ramos dormitava numa sala de instrução, cabeça sobre a mesa, barba por fazer. Horas antes, tinha sido detido. Ele era o oficial de dia e, não estando no segredo do golpe, sendo imprevisível a sua reacção e não havendo tempo para operações de recrutamento por convicção, foi essa a decisão que os responsáveis pela tomada da unidade militar assumiram como a melhor, até para sua própria defesa, se algo corresse mal.

O Ramos era um tenente miliciano que decidira integrar a carreira profissional, uma facilidade a que o corpo militar recorria com cada vez mais frequência. Era um homem jovial, um pouco “militarão”, mas boa pessoa, com excelente relação com todos nós. Nada indicava que pudesse ser hostil à nova situação. Ora as coisas começavam a serenar, a unidade estava sob total controlo, Marcello Caetano estava cercado no Carmo, não havia razão para lhe prolongar o sofrimento. Foi solto.

De início ficou um pouco confuso, mas foi-lhe explicado o que acontecera, as razões da sua detenção e que, naturalmente, se contava com ele, dali em diante. Ficou outro. Foi tomar um banho e juntou-se-nos, com uma alegria genuína.

Perdi-o de vista durante o dia mas, ao final da tarde, venho a encontrá-lo na RTP, objectivo estratégico que a nossa unidade ocupara nessa noite. Tinha sido, entretanto, encarregado da segurança da entrada dos estúdios de televisão, com um grupo de soldados cadetes.

Quando se aproximou a hora da chegada à RTP da Junta de Salvação Nacional, para fazer a sua proclamação ao país, o Ramos montou aquela que viria a ser a guarda de honra para a chegada de Spínola, Costa Gomes e os outros membros do novo poder. Por curiosidade, confesso, para poder estar presente nessa ocasião com laivos de histórica, juntei-me a ele na entrada da RTP, onde, à época, havia uma bomba de gasolina. Como eu era aspirante e ele tenente, fiquei sob o seu episódico comando, para o exercício de protocolo militar que se iria seguir.

O grupo de cinco ou seis soldados cadetes que compunham a “tropa” do Ramos, que passei a “subcomandar”, estava num estado de cansaço que não augurava uma grande dignidade ao momento que se iria seguir. Bom conhecedor da poda militar, o Ramos relembrou a todos a forma de proceder na cerimónia de apresentação de armas.

Todos os soldados tinham G-3. Eu, porém, ainda hoje estou para saber porquê, tinha andado todo o dia com uma metralhadora FBP (na qual eu tinha “forçado”, por lapso, um carregador de balas errado, creio que de uma Vigneron, o que, mesmo que fosse preciso, me teria impedido de dar um único tiro durante todo o 25 de Abril...), arma que exigia um gestual protocolar diferente. Mas que lá aprendi, graças ao Ramos.

Chegado o grande momento, o Ramos afina a guarda de honra à Junta. Do primeiro carro, que me recordo de ser acinzentado, saiu Spínola, grave como sempre. O Ramos, com garbo, deu as vozes de comando necessárias e lá fizémos a melhor “apresentação de armas” que nos foi possível organizar.

Spínola perfilou-se face ao Ramos, fez continência, fixou o monóculo e olhou-o, por um imenso instante. O resto dos membros da Junta pararam, um pouco atrás, expectantes do momento. Spínola lançou então, para o perfiladíssimo Ramos, sempre em continência:

- "Eu não o conheço da Guiné, nosso tenente?".

O Ramos só conseguiu balbuciar, esmagado de comoção:

- "Meu general, efectivamente tive a honra de servir com V. Exa. na Guiné".

Spínola grunhiu algo, do tipo "logo vi!", e afastou-se, de capote e pingalim, rampa acima, a caminho dos estúdios.

Aí, o Ramos virou-se para mim, impante:

- "Estás a ver, pá, ele reconheceu-me, lembra-se de mim. Este gajo sempre foi o meu herói!".

E continuou a sê-lo, a partir daí. Para o Ramos.

A Festa

É diferente o 25 de Abril em França.

Os portugueses comemoraram, um pouco por toda a França a Revolução de Abril, em algumas dezenas de festas populares, que se iniciaram ontem e cujos eventos se prolongam, nalguns casos, por toda a próxima semana. Alguns não deixam de lembrar a ditadura, a censura, os presos políticos, a PIDE e o obscurantismo anti-democrático, bem como os capitães de Abril que ajudaram a pôr um ponto final a tudo isso e às três guerras coloniais. Eu próprio o fiz, ontem à noite, em Fontenay-sous-Bois, numa magnífica jornada de alegria e cravos, com muita juventude, mobilizada pelo entusiasmo democrático de Baptista de Matos, após um desfile à luz de archotes que terminou naquilo que é o único monumento ao 25 de Abril erigido no estrangeiro.

Mas, repito, há algo de diferente no 25 de Abril em França.

Por aqui, para além da Revolução, comemora-se a recuperação da cidadania dos portugueses que a ditadura obrigou a sair de Portugal. Celebra-se o início de um caminho para a atribuição do estatuto pleno de que hoje beneficiam na sociedade francesa, graças à sua pertinácia, à sua força, à sua capacidade de afirmação, eles que entraram para as Comunidades Europeias bem antes de Portugal a elas ter aderido formalmente. Celebram a sua liberdade. Um jantar-encontro na noite de hoje, organizado em Ivry-sur-Seine por essa figura indomável da cultura portuguesa em França que é João Heitor, recheado de músicas de Abril e de boa disposição, com a presença honrosa do antigo embaixador português, Coimbra Martins, provou-me que a festa é, por aqui, o outro nome do 25 de Abril.

Histórias do 25 de Abril - O comandante

As ordens tinham sido claras: os portões da unidade ficavam fechados e ninguém entrava sem uma autorização, dada caso a caso. A surpresa foi, assim, muito grande quando vimos o comandante da unidade, em passo lento mas firme, arrastando o corpo pesado, a subir a ladeira que levava à parada onde nos encontrávamos. O sargento de guarda ao portão ter-se-á amedrontado com a aparição da sua figura e, perante um berro hierárquico, lá o teria deixado entrar.

Ao ver surgir o comandante, o capitão do quadro que assumira as funções de oficial de dia, desde as primeiras horas do golpe, ficou lívido.

- “Ora bolas! E agora, que fazemos?”, voltando-se para o António e para mim, que o acompanhávamos na parada.

Não deixava de ter a sua graça: nós, meros aspirantes a oficial miliciano, a aconselhar um profissional que era o responsável máximo de uma unidade militar amotinada.

Entretanto, o comandante ia-se aproximando, tínhamos poucos segundos para reagir.

- “Prenda-o de imediato, mal ele chegar ao pé de nós”, disse-lhe eu, em tom baixo, delegando comodamente a minha coragem.

Ainda era muito cedo, nesse dia 25 de Abril, não fazíamos a mais leve ideia de como estava a situação pelo país, não sabíamos mesmo se não seríamos das poucas unidades amotinadas.

- “Você está doido, então eu ia lá prender o homem!”. Pela disposição do capitão, eu e o António percebemos que as coisas não iam ser nada fáceis.

O comandante aproximou-se de nós e estacou, aí a dois metros. Trocámos as continências da praxe, com o António, dado que tinha a boina displicentemente no ombro, a fazer um mero aceno com a cabeça.

- “O que é que você está aí a fazer de oficial de dia?”, lançou o comandante, em voz bem alta, ao vê-lo com a braçadeira encarnada da função. “Não era o Ramos que estava de serviço? E o que é que andam os cadetes a fazer pela parada? Porque é que a instrução ainda não começou?”.

Eram aí oito e meia da manhã e, desde as oito, os soldados cadetes deveriam, em condições normais, estar a ter aulas. O capitão, sempre ladeado por nós os dois, estava, manifestamente, sem saber o que fazer, com o quarteto já sob os olhares gerais.

- “Ó meu comandante, é que houve uma revolução…”, titubeou o capitão, em tom baixo, como que a desculpar-se. Não explicou que o oficial de dia, que ele substituíra, havia sido detido nessa madrugada e estava fechado numa sala.

O comandante, sempre ignorando-nos olimpicamente, olhou o capitão nos olhos e atirou-lhe, com voz forte e bem audível à volta:

- “Qual revolução, qual carapuça! Você está-se é a meter numa alhada que ainda lhe vai arruinar a carreira! Ouça bem o que lhe digo!”.

O momento começava a ser de impasse. O comandante olhava já em redor, num ar de desafio, consciente de que recuperara algum terreno, mas também sem soluções óbvias para retomar a autoridade. Não havia mais militares do quadro à vista, alguns tinham ido para a missão externa que a unidade tivera a seu cargo, outros ter-se-ão prudentemente esgueirado, para evitar a incomodidade deste confronto com o comando legal. O capitão quase que empalidecia de crescente angústia.

É então que o António, com o ar blasé de quem já estava a perder paciência, lança um providencial:

- “Ó meu capitão, vamos lá acabar com isto!”.

O comandante olhou então finalmente para o António e para mim, dois mero aspirantes, com uma fácies de extremo desprezo, como se só então tivesse acordado para a nossa presença em cena.

Aproveitei a boleia da indisciplina, aberta pelo António, e fiz das tripas coração:

- “Ó meu coronel, e se fôssemos andando para o seu gabinete?”.

O coronel olhou-me, com uma raiva incontida:

- “Coronel? Então já não sou comandante?”.

A crescente nervoseira deu-me um rasgo, com uma ponta de sádica ironia:

- “Não, não é, ainda não percebeu? E a conversa já vai muito longa, não acha, meu capitão?”.

Mas o capitão continuava abúlico. O impasse ameaçava prosseguir.

- “Então você deixa-se comandar por dois aspirantes?!”, lançou o coronel, numa desesperada tentativa de puxar pelo orgulho do pobre oficial.

Mas o vento já tinha claramente mudado e achei que tinha de aproveitar a minha inesperada onda de coragem, até porque, no fundo, já pouco tinha a perder:

- “O meu coronel quer fazer o favor de nos acompanhar até ao seu gabinete? É que, se não for a bem, tem que ir a mal e era muito mais simpático que tudo isto se passasse sem chatices”.

Confesso que me espantei com a minha própria firmeza mas, pronto, o que disse estava dito. O capitão não reagiu, para meu sossego. O coronel entendeu então, talvez pela primeira vez, a irreversibilidade da situação. A sua voz baixou para um limiar de resignada humilhação:

- “Então eu estou preso, é isso?”, disse, num tom muito menos arrogante.

- “Mais ou menos. Vamos andando, então”, cortei, rápido, dando o capitão por adquirido, mas sem fazer a mais pequena ideia se ele queria ou não prender o coronel.

Nesse segundo, dei-me conta que, se tudo acabasse por correr mal, o meu futuro iria ser complicado.

E lá fomos para o gabinete do comando. Duas horas depois, mandámos um carro levar o coronel de volta a casa.

Só o voltei a ver, anos mais tarde, ao entrar no Café Nicola. Recordo o olhar gélido que me lançou, com porte ainda altivo, barriga saliente, muito na reserva. Já com toda a liberdade, pedi uma bica.

Canções de Abril (3)

... e foi assim, com a "Grândola, Vila Morena", que o Portugal democrático renasceu em 25 de Abril de 1974.

Ouça a canção aqui.

Histórias do 25 de Abril - O Telefone


Estava-se nas primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974. Todo o pessoal que dormia no quartel tinha sido acordado e mandado formar no escuro da parada. De megafone na mão, o capitão que liderava a revolta, anunciou que a unidade ia integrar um movimento militar que tinha como finalidade “acabar com a ditadura”, competindo-lhe atacar um determinado objectivo.


Os soldados, quase todos ensonados, alguns ainda a despistar a hipótese de se tratar de um mero exercício, ouviram em silêncio as palavras do capitão: quem quisesse alinhar que fosse buscar a sua arma, os restantes podiam voltar para a cama.


Mas já ninguém conseguiria dormir. Ouviram-se alguns comentários e apartes mais entusiastas, de milicianos com tarimba das lutas do associativismo universitário, alguns dos quais já previamente contactados, para o que viria a ser uma das primeiras operações militares que o Movimento das Forças Armadas iria efectuar nessa madrugada.


O pessoal foi mandado destroçar e, em pequenos grupos, regressou, cochichando, às camaratas, em busca da arma ou do travesseiro para a vigília.


Foi então que um soldado, discretamente, se aproximou da cabina telefónica que existia num canto da parada. Abriu a porta e, nessa altura, alguém, mais atento, atirou-lhe um berro:


- "Eh! pá, o que é que vais fazer?".


O rapaz olhou, meio apalermado, largou a porta da cabina já entreaberta e disse, com toda a candura, que só queria avisar a família, não fossem ficar em cuidados quando ouvissem as notícias.


- “Nem as penses! Pira-te daí!”, ouviu logo.


Desapareceu de imediato, rumo à camarata. Alguém entrou na cabina e arrancou o fio do telefone.


Como se faria hoje uma revolução, na era dos telemóveis?


sexta-feira, abril 24, 2009

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
0 dia inicial inteiro e limpo
onde emergimos da noite e do silêncio
e livres habitamos a substância do tempo

Sofia de Mello Breyner

Canções de Abril (2)

Hoje à noite, precisamente há 35 anos, uma canção funcionou como a primeira senha para os militares que, por todo o país, se preparavam para lançar aquela que viria a ser a Revolução de 25 de Abril.

Foi João Paulo Dinis, uma voz agora histórica da rádio, que a Comunidade portuguesa em Paris pôde ouvir durante algum tempo na Rádio Alfa, quem sugeriu e colocou "no ar" o som de Paulo de Carvalho, cantando "E depois do adeus", a canção que, pouco tempo antes, havia sido escolhida para representar Portugal no festival da Eurovisão.

Ouça-a aqui.

Politicamente correcto (2)

Agora foi a vez de Coco Chanel (na foto).

Um filme sobre a sua vida, que dizem ser excelente, teve a sua publicidade impedida no metro de Paris pelo facto da actriz que a representa aparecer a fumar.

Tenho cá para mim que, um destes dias, vamos acabar por ter "westerns" sem Colt 45, numa qualquer campanha contra as armas.

Histórias do 25 de Abril - Testemunho


Parece que foi ontem, mas passaram já 35 anos sobre o movimento do 25 de Abril, a data que mudou Portugal e os portugueses.

Eu prestava serviço como oficial miliciano numa unidade militar de Lisboa. Desde os últimos meses de 1973, era patente que uma agitação atravessava os militares profissionais com que diariamente contactávamos. Inicialmente, sabíamos tratar-se de reivindicações corporativas, precisamente de protesto contra as facilidades concedidas aos milicianos de poderem vir a integrar o quadro profissional, modelo a que a instituição militar crescentemente se via obrigada a recorrer, perante as exigências de uma guerra em três frentes.

Mas, a partir de determinado momento, demo-nos conta de que as coisas tinham já uma amplitude maior, que os militares profissionais estavam cada vez mais conscientes da sua força potencial e de que começava a consensualizar-se, no seu seio, uma vontade de provocar uma mudança política no país. Se bem que não merecesse um apoio generalizado dos oficiais com que convivíamos, tornava-se claro que o general António de Spínola, recém-regressado do cargo de Governador da Guiné, acabava por funcionar como um polo de referência para muitos, em especial pela frontalidade que vinha a demonstrar nos últimos anos. A publicação do seu livro “Portugal e o Futuro”, que conduziu à sua subsequente demissão, terá sido a gota de água que terá feito acelerar a agitação que já era latente. Menos claro era, para muitos de nós, o sentido em que essa mesma inquietação caminharia e se ela teria, ou não, condições para conduzir a uma mudança democrática consequente.

Com efeito, o espectro de que um golpe mal preparado pudesse levar a uma rigidificação do regime assustava muitos de quantos tinham uma experiência de associativismo universitário e alguma formação política, que temiam que Marcelo Caetano acabasse por ser substituído por um “ultra” – nome que utilizávamos para designar os radicais conservadores do regime. O fracasso do movimento de 16 de Março, iniciado e acabado nas Caldas da Rainha, permitiu perceber que a força de resposta do regime tinha, contudo, sérios limites. E, não obstante o malogro dessa intentona, o sucesso de um golpe bem organizado pareceu mais próximo.

Por essa altura, os nossos contactos com os militares profissionais começaram a intensificar-se, embora de uma forma um tanto caótica, unidade a unidade, dependendo das relações pessoais, sempre com precauções de segurança mínimas, que temíamos fossem detectadas facilmente pela polícia política. Nada aconteceu, porém.

Ao fim da manhã do dia 24 de Abril, um grupo de oficiais milicianos “de confiança”, que reuni na biblioteca (de que era responsável) da minha unidade militar, recebeu a indicação de que o golpe era para ter lugar nessa noite. Lembro-me de que, apesar de estarmos preparados para o facto de que esse dia iria chegar, mais cedo ou mais tarde, ficámos então num misto de excitação e ansiedade, tanto mais que nos não foram dados pormenores sobre as tarefas que nos iam ser pedidas. Apenas era requerida a nossa disponibilidade.


E foi assim que se avançou pela noite, para o dia seguinte, um dia a que, na altura, ninguém se lembrou de chamar “o 25 de Abril”.

quinta-feira, abril 23, 2009

Lusofonia

À volta de um bacalhau e de um Quinta do Cabriz, tive hoje em casa, a almoçar, os meus colegas da lusofonia. A gastronomia de matriz lusa é uma das raras unanimidades no seio dos "oito". A outra é o futebol, claro.

Que bom que é esta sensação de podermos discutir as nossas questões comuns na mesma língua! Mas há muito mais, para além dessa facilidade comunicacional: há cumplicidades, referências e um mundo que nos é próximo, que ganha com a diversidade dos vários mundos em que cada um de nós se move.

A ver vamos se, em Paris, vai ser possível garantir a conjugação de estratégias e a definição de planos para um bom trabalho conjunto. É importante que a CPLP não seja um grupo de países separados por uma língua comum.

quarta-feira, abril 22, 2009

Rota da Seda

A Ásia Central é uma região do mundo que vive sob o manto de um relativo desconhecimento, como que escondida atrás de uma Rússia com a qual tem uma relação complexa e ofuscada pela vizinhança mais mediática da China, do Irão e do Afeganistão. A antiga "Rota da Seda" é constituída por cinco dos 15 países que resultaram da implosão da antiga União Soviética e tem, dentro de si própria, fortes contradições, parte das quais resultantes de alguma arbitrariedade na definição de fronteiras que Estaline lhes impôs. O seu processo político, desde o fim da URSS, não tem sido linear e tem passado por convulsões diversas, quase sempre sob modelos políticos autoritários.

Portugal tem mantido uma escassa presença nessa área, onde não tem embaixadas mas com a qual, curiosamente, tem sabido sustentar um registo constante de diálogo, que é muito o fruto do trabalho que desenvolveu no quadro da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), da Cimeira de Lisboa, em 1996, até à sua presidência da organização, em 2002. Há dias, o ministro português dos Negócios Estrangeiros fez uma visita à região, tendo ficado desenhados vários instrumentos para uma possível cooperação bilateral entre Portugal e esses Estados, cujas instituições, bem como as estruturas da respectiva sociedade civil, se torna muito importante conseguir apoiar e reforçar.

Há uns anos, com outros três embaixadores da OSCE, viajei por todos esses países e pude aperceber-me que, por detrás de nomes com terminações similares que induzem à confusão dos não iniciados (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzebequistão), vivem realidades muito diferentes e, não raramente, conflituantes entre si. Petróleo, escassez de água, lixos tóxicos, questões religiosas e de minorias, para além das tensões estratégicas provocadas pelo radicalismo islâmico e pela fragilidade das culturas democráticas, são algumas das temáticas de que, sem qualquer dúvida, ouviremos falar muito no futuro. Os tempos da luta anti-terrorista acabaram por travar, em alguns deles, a abertura que já se pressentia nos respectivos regimes e, em certos casos, deram mesmo um álibi para novas vagas repressivas. Noutros, porém, tem vindo a detectar-se alguma dinâmica de inclusão cívica, que deve ser estimulada e relevada.

É a propósito da Ásia Central que deixo hoje uma pequena história.

Durante a nossa viagem diplomática, num desses países sujeito a um regime muito autoritário, verificou-se ser impossível conseguir contactos com opositores ao regime de partido único, por óbvio receio de represálias. O máximo que se conseguiu foi falar com a representante de uma Organização Não Governamental local, dedicada ao acompanhamento da situação dos prisioneiros políticos. Ela entrou na sede da delegação da OSCE, onde nos encontrávamos, sabedora que tinha de aproveitar a presença de diplomatas ocidentais para dar conta da terrível situação que afectava alguns dos seus compatriotas. Relatou-nos, sempre sem recorrer a um tom dramático, algumas barbaridades cometidas pelo governo do país, deu-nos nomes e locais, detalhou as imensas dificuldades sentidas pela sua organização e o escasso apoio que conseguia junto das missões diplomáticas estrangeiras, muitas delas há muito convertidas à cínica lógica da "realpolitik". Todos ficámos impressionados pela serenidade grave desta mulher, pela sua dignidade e coragem, pelo muito que arriscara ao vir falar connosco. À saída, num tom quase neutro de voz, com uma naturalidade desconcertante, deixou-nos um simples pedido: "Se vos fôr possível, peçam às embaixadas ocidentais que existem aqui no meu país para estarem atentas ao que me pode vir a acontecer. É que estou segura que as minhas autoridades não me vão perdoar pelo facto de ter vindo falar convosco..."

Protocolo

A imaginação da gastronomia protocolar não tem limites. Ontem, fui convidado para uma exposição seguida de um "cocktail dînatoire". Conhecia a expressão, mas já não a via referida há muito. É como se se avisasse que a recepção será tão abundante que, depois dela, ninguém precisará já de jantar.

Lembrei-me que há, em Portugal, um termo similar, o "lanche ajantarado". Mas, como me dizia, na ocasião, um colega português, que tem por missão dar atenção prioritária às coisas da cultura, a nós nunca nos passa pela cabeça pôr isto num cartão de convite.

Soufflé

Era num desses países onde a tradição manda que o dono da casa, no início dos jantares formais, diga sempre umas palavras sobre cada um dos convidados, sem nenhuma excepção. O exercício parece fácil mas, para um embaixador estrangeiro, para quem muitas das pessoas presentes eram conhecimentos recentes, alguns com nomes bizarros, a tarefa era sempre algo complicada. O recurso a uma "cábula", discretamente colocada em frente do anfitrião, costumava ser a solução tradicional.

Mas o nosso embaixador - porque é de um embaixador português que falamos - rapidamente perdeu a paciência para seguir, nos seus jantares, o protocolo local e decidiu-se por um expediente, que considerou ser uma imbatível trouvaille. Um dia, levantou-se ainda antes do início da refeição, e disse: "Eu teria muito gosto de falar sobre cada um dos convidados, como mandam as regras locais, mas acabo de saber de um impedimento que, julgo, todos compreenderão: há um soufflé a sair! Ora um soufflé, como é sabido, não pode esperar e afirmam-me da cozinha que está pronto a ser servido. Assim considerem-se todos cumprimentados... e bom apetite!"

Os convidados entenderam a pressa do embaixador e o jantar decorreu da melhor forma. Tudo estaria muito bem se o embaixador não tivesse decidido enveredar, nos jantares seguintes, e quase sistematicamente, pela repetição do "truque" que lhe permitia evitar o discurso. Só que não se dava conta que alguns dos convidados eram, por vezes, os mesmos e, por isso, já tinham ouvido a estafada história do soufflé. Que se tornou famosa no corpo diplomático local...

Há uns anos, regressei a essa cidade e jantei com um desses convivas, que logo me perguntou: "Que é feito daquele simpático embaixador português que, durante anos, para evitar fazer discursos, dava sempre soufflé como entrada?"

terça-feira, abril 21, 2009

Amália e os poetas

É impressionante como a figura de Amália Rodrigues continua a mobilizar as pessoas, mesmo em Paris. Ontem, durante a apresentação do livro de Jean-Jacques Lafaye, "Amália e os poetas", uma animada discussão sobre Amália e o fado, com guitarradas à mistura, deu lugar a uma concorrida sessão no Centro Cultural Gulbenkian, na avenue de Iéna. E de notar que os portugueses presentes eram bem menos que os franceses.

Isto é verdade?