sexta-feira, janeiro 31, 2025

Hello!

Há muitos anos, fingidamente confundido com as diversas vozes que falavam com os EUA em nome do Velho Continente, Henry Kissinger comentou: "Qual é o número de telefone da Europa?". Hoje, com Trump, o problema está resolvido: ninguém nos liga...

Notas breves sobre Belém

1. Luís Marques Mendes anunciou que vai apresentar a sua candidatura. O PSD vai apoiá-la, pressentindo que necessita de tentar segurar o seu eleitorado, de onde sabe que está a fugir muita gente para ir atrás do almirante. É injusto para Marques Mendes que o apoio do seu partido seja feito "faute de mieux". É um homem sério, será um candidato competente e, se acaso fosse eleito, estou certo de que teria um comportamento à altura do sentido de Estado que se exige a um presidente. Mas acho que, nesta fase, ele próprio tem plena consciência de que esta é uma candidatura sem a menor hipótese de sucesso. 

2. A candidatura de António José Seguro está muito longe de poder vir a mobilizar o Partido Socialista, isto é, entusiasma apenas aqueles que, dentro do PS, vivem ainda numa espécie de vingança virtual face a António Costa - tal como acontece com o próprio Seguro. Da mesma forma que Marques Mendes, Seguro é uma pessoa íntegra e que sempre revelou um sentido de Estado que, a meu ver, não colidiria, em tese, com o perfil necessário para o exercício da função presidencial, embora o que há semanas disse a propósito de o OGE não necessitar de aprovação parlamentar tivesse revelado uma estranha pulsão propositiva, que se aproximou de alguma irresponsabilidade. As suas hipóteses de ser eleito são próximas de zero, por muito que algumas sondagens ainda o promovam. Diria mesmo mais, algo que julgo não ser necessário explicar: a maioria das pessoas que, num outro circunstancialismo, se poderiam sentir motivadas a votar em António José Seguro já se decidiram pelo almirante.

3. A meu ver, sem mais reflexões que escondem hesitações, o Partido Socialista tem, muito rapidamente, de "fechar" o seu apoio em torno de uma candidatura de António Vitorino. A larga distância de outros potenciais candidatos oriundos da mesma área - e eu votaria, sem a menor dificuldade, em Augusto Santos Silva, Mário Centeno ou Elisa Ferreira -, António Vitorino, embora tendo por ora um evidente défice de notoriedade, dado ter estado afastado do país muitos anos, é, no plano substantivo que importa para o perfil de um chefe de Estado, uma personalidade com preparação e conhecimentos que só António Guterres suplantaria. Vitorino seria um excelente presidente da República. Possui uma experiência internacional que o qualifica como aquele que, a grande distância, melhor representaria Portugal pelo mundo. Quem o conhece, nomeadamente o mundo partidário fora do PS e os setores económicos e sociais, sabe que a sua capacidade de diálogo seria uma garantia de o país poder vir a ter em Belém uma figura moderada e moderadora. O que Portugal bem precisa, nos tempos que se avizinham.

quinta-feira, janeiro 30, 2025

Dois mais dois

Já pensaram que, se o futebol fosse uma ciência exata, o Casa Pia podia dar uma abada à Juventus?

... e não têm vergonha?

Em lugar de se prestarem a promover as óbvias manobras de diversão temáticas que estão a ser montadas pelo Chega, para disfarçar o embaraço do caso do deputado Samsonite, será que as televisões não sabem que nada as obriga a irem ouvir o senhor Ventura, quando a este lhe dá na gana chamá-las?

Será?


Será que as autoridades policiais são realmente incapazes de detetar quem está por trás destas tentativas de vigarice?

De fato...


Se o Bin Laden tivesse tido juízo, tinha contratado um alfaiate em Damasco e era meio caminho andado. Mas não, embrulhou-se naqueles panejamentos e foi o que se viu. Este rapaz - cujo currículo "agora não interessa nada", como diz a outra - é tudo menos vestuariamente parvo. 

Sair das mãos


O meu pai era um fraseador. Não lhe herdei o génio, mas guardei dele algumas expressões que passei a usar.

Um irmão da minha mãe, que vivia em Lisboa, era um perfecionista, fazendo emendas sobre emendas em tudo quanto tentava alinhavar no papel. Notei que, quando o ia visitar, o meu pai olhava com estranheza para aquele esforço do seu cunhado em torno dos textos, no trabalho profissional que este sempre teimava em trazer para casa. Um dia, desabafou comigo: "O teu tio escreve bem, mas perde muito tempo, porque nada lhe sai das mãos!" Guardei a expressão.

Ontem, ao constatar que estava a perder minutos a mais, à volta de três ou quatro simplórios parágrafos de um texto que tinha pressa em acabar, e já depois de voltar atrás não sei quantas vezes, dei comigo a pensar: "Nada me sai das mãos!" 

Foi então que deduzi que isto deve ser da idade. Não no sentido em que, malevolamente, estão a pensar, mas para concluir que, para o ano, tudo me vai passar a sair das mãos, com toda a certeza, bem melhor e mais rapidamente. Ou será que não?

É só saúde!


Imagem dos EUA, depois do país abandonar a Organização Mundial de Saúde.

"Faithfull"


Com 78 anos, morreu hoje a cantora Marianne Faithfull. A sua vida pessoal e o modo como ela olhava Alain Delon, na fotografia em que também figura o seu então namorado Mick Jagger, confere forte significado ao título que ela escolheu para o seu livro de memórias: "Faithfull"...

Kallas

Admito que Kaja Kallas possa ter sido uma meritória PM da Estónia. Mas a sua prestação à frente da diplomacia da UE tem sido tão fraca que já criou saudades de Borrell e até quase de Ashton. Alguém que explique à senhora que a russofobia é um sentimento, não é uma atitude política.

80 anos de "A Bola"


O jornal "A Bola" fez 80 anos. Que bela idade!

Há já uns anos, em Paris, alguém me contou esta história (detesto o neologismo palopiano estória), que vendo como me a venderam. Ter-se-ia passado nos anos 60 ou 70. 

Três ditos "terroristas" tinham sido detidos numa operação militar, no Norte de Angola. Estavam alinhados, na parada de uma unidade militar portuguesa. Eram homens que combatiam pela independência da sua terra, contra o nosso "ultramar". O exército tinha-os neutralizado e aguardavam transporte para Luanda.

Num determinado momento, um dos "turras" (era assim que, popularmente, os independentistas eram chamados nesses tempos) deu um salto em frente e como que voou alguns metros, para apanhar um papel que se lhe escapara e que o vento havia feito deslocar na parada do quartel. A rapidez do seu movimento corporal apanhou de surpresa os militares à guarda de quem estava, que puxaram logo de arma, numa reacção que, por muito pouco, não foi trágica para a vida do homem. Mas o "turra" rapidamente regressou à formação alinhada com os seus camaradas, recolhendo o papel no bolso.

Os militares portugueses não brincavam em serviço e, de imediato, exigiram a entrega da folha de papel. Quem sabe, podia tratar-se de um documento estratégico, a revelação de planos militares. Se o "turra" tinha corrido o risco de avançar para agarrar o papel, numa ousadia que podia ter-lhe custado a vida, alguma valia ele teria. O detido ainda hesitou mas, face ao óbvio imperativo, acabou por entregar o papel.

O resultado foi mais simples do que se esperava: tratava-se de uma página do jornal "A Bola", esse federador "avant la lettre" do grande e imparável mundo que é a lusofonia desportiva.

Muitos talvez não tenham consciência do importante papel desempenhado por "A Bola", não apenas na ligação entre Portugal e os portugueses que vivem no exterior, mas igualmente na manutenção de uma permanente relação de afeição pelos principais clubes portugueses, que persiste em muitos países africanos de língua portuguesa. 

Pensando bem, talvez "A Bola" tenha feito mais pela preservação de um vínculo dessas pessoas a Portugal do que muitos atos oficiais da nossa política externa...

Não sou um leitor regular de jornais desportivos. Mas no dia de hoje, nos 80 anos de "A Bola", que me preencheu muitos anos da adolescência, já prometi a mim mesmo que vou fazer uma coisa que não faço há bastantes décadas: vou comprar "A Bola". Será a minha modesta homenagem a um grande jornal português.

quarta-feira, janeiro 29, 2025

Ficam a saber

As pessoas que se expressam em termos que revelam que, para elas, a segurança e o bem-estar do povo israelita prevalecem, em absoluto, sobre a segurança e o bem-estar do povo palestino adotam uma atitude que é, muito simplesmente, racista. Se não sabiam, ficam a saber

"DeepSeek"


O DeepSeek é a nova coqueluche da Inteligência Artificial. É chinês e parece que abalou os mercados mundiais.

Decidi experimentar e, numa atitude que admito pode ser vista como algo egocêntrica, mas que me pareceu um teste fácil para avaliar do rigor dessa plataforma, perguntei ao DeepSeek que livros é que eu tinha publicado. E o DeepSeek respondeu assim:

"Francisco Seixas da Costa é um autor prolífico, tendo escrito diversos livros sobre temas relacionados à diplomacia, política internacional, integração europeia e reflexões sobre a sociedade contemporânea. Alguns dos seus livros mais conhecidos incluem:

1. "Crónicas de uma Guerra Improvável" (2003). Uma análise sobre a guerra no Iraque e o contexto internacional que a envolveu.

2. "Portugal na Transição do Milénio"(2004).Reflexões sobre o papel de Portugal no mundo no início do século XXI.

3. "A Europa e os Outros" (2006).Um ensaio sobre as relações da Europa com o resto do mundo, abordando desafios e oportunidades.

4. "Diplomacia"(2007). Uma obra que explora o papel da diplomacia no mundo moderno, baseada na sua vasta experiência como diplomata.

5. "O Fim da Inocência: A Europa depois do Não" (2008). Uma reflexão sobre o impacto do "Não" no referendo ao Tratado Constitucional Europeu e o futuro da União Europeia.

6. "A Europa em Tempos de Crise" (2012). Análise dos desafios enfrentados pela Europa durante a crise económica e financeira.

7. "Diário de Bordo: Crónicas de um Tempo Incerto"(2016). Uma coletânea de crónicas e reflexões sobre política internacional e a sociedade contemporânea.

8. "A Diplomacia de Portugal e os Novos Desafios Globais" (2018). Um livro que aborda os desafios da diplomacia portuguesa num mundo em rápida transformação.

9. "O Mundo em Voo Baixo: Crónicas de um Tempo de Incerteza" (2020). Reflexões sobre as incertezas e transformações do mundo atual, incluindo temas como globalização, populismo e crises internacionais.

Belos títulos, excelentes descrições do respetivo conteúdo. Há apenas um pequeno problema: EU NÃO ESCREVI NENHUM DESSES LIVROS. É tudo falso, tudo inventado!

Se é esta a maravilha da Inteligência Artificial chinesa, vou ali a Xangai e já venho!

terça-feira, janeiro 28, 2025

Um homem com pressa


Regressemos a janeiro de 2017, ao tempo em que Donald Trump iniciou as primeiras funções como presidente. Já poucos recordarão hoje a amálgama de temas que o candidato vitorioso então suscitou, durante a sua furiosa campanha contra Hillary Clinton. 

O caos que envolveu a nova administração, nos anos seguintes, tornou tudo mais confuso. A relutância de Trump em abandonar o poder, rejeitando a derrota e o estímulo que deu ao criminoso assalto às instituições, revelou algo que sempre pareceu ser mais uma obstinação, uma doentia afirmação pessoal, do que a definição de um projeto com um mínimo de coerência. 

Goste-se ou não dele – e ele é, com certeza, o último a estar preocupado com o modo como o mundo exterior o olha –, o Trump de janeiro de 2025 parece ter algo de diferente. O primarismo das formulações, repetidas à exaustão, gongoricamente adjetivadas num léxico limitado, recheadas de exageros patrioteiros, não perdeu o seu caráter simplório. Mas, ouvindo-o, fica evidente que alguma coisa mudou. 

A “filosofia” básica de Trump nunca se afastou muito do mantra que aduba as agendas da extrema-direita, embora se note, nos analistas europeus, uma contínua relutância a qualificá-la como tal, talvez por alguma rotineira subserviência ao mito da bondade da democracia americana. Se, por um segundo, pensássemos nas imensas ditaduras que Washington continua a proteger pelo mundo, nos Abu Ghraib e Guantanamo, talvez nos contivéssemos mais nessa admiração. 

O que quer, afinal, Trump? Em síntese, três coisas. 

Desde logo, quer polarizar na sua pessoa, que deseja fique como salvífica nas páginas da História em que ambiciona figurar, a reação a um mundo progressista e igualitário que, nos últimos anos, tinha desafiado de modo crescente alguns tabus do extremo conservadorismo americano. O Trump II libertou-se do republicanismo rotineiro de aparelho e passou a ser a bandeira do reacionarismo mais ideológico, hiper-religioso, moralista, “back to basics”, às vezes com laivos quase cavernícolas. 

Além disso, o cultivo da ideologia do sucesso terá convencido Trump de que sentar à mesa do poder os mediáticos gurus das grandes empresas do mundo digital, associar a isso uma exploração intensiva dos recursos energéticos e minerais, próprios ou mesmo alheios, pode ser uma receita para o bem-estar quase imediato dos cidadãos americanos que nele confiam. E esse é claramente o único critério que importa a quem não revela uma gota de solidariedade humanista perante os problemas dos outros. É a América, só a América, que interessa a Trump. 

Depois, muito depois de tudo, surge, finalmente, o resto do mundo. Um mundo onde os aliados são meras entidades dependentes dos humores do suserano, onde os quadros regulatórios há décadas criados na ordem global, para evitar a selva da luta entre poderes, aparecem hoje como mero estorvo para quem reivindica, sem o menor pudor, não apenas uma excecionalidade, mas que exige ser aceite como a nova e indisputada tutela ordenadora. 

Não tenho visto sublinhado, com suficiente ênfase, o facto de este comportamento à escala global, que se anuncia despudoradamente ditatorial, não ser compaginável com as “amplas liberdades” dos cidadãos americanos. Voltamos assim à iluminada democracia só para os atenienses! 

Trump tem pressa. Quer ficar na História. Percebe que não tem estofo para ser Roosevelt, nem gente à volta que o faça um Reagan, nem tem a efémera estrelinha de Camelot de Kennedy. Quer garantir, com rapidez, uma onda egoísta de progresso para os seus cidadãos, à custa do que for necessário, doa a quem doer. E vai doer. 

Sabe que, daqui a dois anos, a Câmara e parte do Senado regressam a votos, e que pode deixar de ter as mãos livres no equilíbrio legislativo. E que não pode ser reeleito. Por isso, Trump tem toda a pressa do mundo, porque já não vai para novo e porque a morte não espera por ninguém.

(Artigo publicado a convite do Jornal i)

segunda-feira, janeiro 27, 2025

Auschwitz


A Alemanha, país responsável pelo extermínio organizado de milhões de pessoas, durante a 2ª Guerra mundial, e que era então dirigida por um partido de extrema-direita, chefiado por Adolf Schickelgruber, depois chamado Hitler, havia criado, em Auschwitz-Birkenau, na Polónia ocupada, um campo de concentração. 

Há 80 anos, as tropas do regime comunista da União Soviética, dirigida por Josef Vissariónovitch Stalin, ocuparam o local e libertaram os prisioneiros que aí estavam.

(Estas coisas não costumam ser ditas assim. Mas eu faço-o)

Brasil

O Brasil vive um período de crescente vazio político. Este mandato de Lula não tem sido um sucesso, a sua reeleição oferece muitas dúvidas e não tem um sucessor político óbvio. Com Bolsonaro quase fora de jogo, não emergiu ainda uma figura alternativa à direita. O centro parece que morreu.

Ainda há Europa?

A proposta de Trump de afastar os palestinos de Gaza vai ser um belíssimo teste para se perceber se ainda resta um pingo de vergonha e de decência, no seio da União Europeia, face à questão Israel-Palestina, depois do comportamento miserável da Europa nos últimos meses.

Sob teste

Vai ser interessante observar que Estados da Liga Árabe irão tomar iniciativas, no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, com vista a oporem-se ao processo de limpeza étnica dos palestinos de Gaza agora proposto por Trump. E será muito curioso ver a reação da Rússia e China.

Bielorrússia


Lukashenko foi reeleito na Bielorrússia. Está no poder desde 1994. Se a vodka lhe der vida e saúde, ficará até 2030. Ou mais.

A Bielorrússia é, nos dias de hoje, um Estado vassalo da Rússia. Chegou a ganhar alguma distância face a Moscovo, mas, após a aventura russa na Ucrânia, Lukashenko sabe que o seu futuro está cada vez mais ligado ao de Putin. Para o seu bem e para o seu mal.

Confesso que sempre achei muita graça aos bonés militares bielorrussos. Nem o porteiro-mor do excelente Marriot de Minsk tem um com tanta pinta.

domingo, janeiro 26, 2025

O outro Trump

Uma discreta mas nunca assumida simpatia por Trump era detetável numa certa esquerda, que alimentava a ilusão de que, como presidente, ele faria o jogo de Putin na Ucrânia. Agora, Trump parece arrastar os pés no jogo com Moscovo. Essa rapaziada, compreensivelmente, anda agora um pouco triste.

sábado, janeiro 25, 2025

Ramalho Eanes


Quando cheguei a Angola, ido da Noruega, em maio de 1982, para trabalhar na nossa embaixada em Luanda, fui obrigado a viver, por alguns meses, no Hotel Trópico, então uma sombra do que já fora e, em especial, do que hoje é.

Os tempos eram difíceis, nesses dias de guerra civil, e o abastecimento de Luanda era muito precário, com a hotelaria a ressentir-se fortemente disso. No Trópico, o vinho servido era português, mas escasso e muito mau. "Deve ser bom para usar como decapante de pintura de carros", ironizava o Sebastião Gomes, um técnico que ali estava destacado pelas OGMA, o qual, com o Hélder Martins e o Alfredo Esteves, da STAR, muitas vezes abancava comigo nas sinistras refeições de peixe frito com arroz, que era o prato nosso de cada dia no Trópico.

Um dia, veio almoçar connosco um amigo angolano. Ao queixarmo-nos do vinho servido, ele saiu-se com esta: "Já sinto saudades dos Ramalho Eanes!". Ficámos a olhar para ele, surpreendidos por aquele plural majestático: "Os Ramalho Eanes"! O que é que ele queria dizer com isso? 

A explicação veio de seguida. Pouco tempo antes, o presidente Ramalho Eanes estivera de visita de Estado a Angola, a convite do seu homólogo José Eduardo dos Santos, uma ocasião que teve um grande impacto político. Na ocasião, o governo angolano colocara à venda uma larga importação de garrafões de vinho português. Mas foi sol de pouca dura: acabada a visita, eles logo desapareceram do mercado. Nunca consegui apurar que espécie de vinho traziam esses garrafões, que a voz pública luandense logo crismou como "os Ramalho Eanes"! 

Hoje, 25 de janeiro de 2025, dia em que o general António Ramalho Eanes cumpre a bela marca de 90 anos de idade, deixo aqui, com os meus sinceros parabéns e nota de respeito ao aniversariante, esta historieta que liga o seu nome a um leve aligeirar das dificuldades que os angolanos atravessaram nesses anos bem dramáticos. 

Mas é necessário sermos rigorosos e justos: o nome de Ramalho Eanes, em Angola, foi muito mais do que isso. Eanes é alguém que, desde o seu histórico encontro com Agostinho Neto, em 1978, em Bissau, tudo tentou para que as relações entre Portugal e Angola avançassem por um bom caminho. Esse caminho, infelizmente, revelou-se muito mais tortuoso e difícil de percorrer do que então parecia possível. Mas ele teve esse indiscutível e assinalável mérito.

Bola

Em termos de "jogo jogado" (adoro futebolês saloio, saído da "cultura de balneário"), o (meu) Sporting está longe de convencer. Mas, vá lá!, o novo "mister" conseguiu inverter um pouco as coisas. E há uma rapaziada que, em outras bandas, tem dado um simpático contributo relativo.

Dar a cara

O PM espanhol vai propor o fim do anonimato nas redes sociais. Há anos que defendo o mesmo. Os riscos decorrentes do uso dos pseudónimos ultrapassam, em muito, a sua suposta "graça", favorecendo os cobardes que não têm coragem de assumir o que dizem com o seu verdadeiro nome.

... e ainda não chegámos à Madeira

O PS deveria estabelecer uma regra de prescrição sobre o número de vezes que está disposto a perder as eleições na Madeira mantendo o mesmo candidato. É que já vai em nove derrotas consecutivas...

Trump e Montenegro

Trump aprendeu bem as lições do caos que foi o início da sua anterior administração. Desta vez, parece estar tudo muito mais oleado, seja em decisões legislativas, seja em nomeações. E, claro, nas demissões de quem estava lá antes. Terá pedido assessoria a Montenegro?

California...

 


A esfinge do Cairo

Os dois únicos países do mundo que escaparam à suspensão temporária da ajuda americana ontem decidida por Trump foram Israel e ... o Egito. "O Egito?" reagirão alguns. Isso acontece em todos os tempos políticos americanos e nos vários ciclos ditatoriais egípcios. Realpolitik...

Artista

O Brasil está a alimentar uma esperança tal de que Fernanda Torres obtenha um Óscar que, no caso de isso não vir a acontecer, pode converter-se numa tragédia nacional.

Nada mais, nada menos

Por muito que isso custe aos preconceituosos, é preciso afirmar, alto e bom som, que, aos imigrantes, se deve exigir exatamente o que se exige aos cidadãos nacionais: que cumpram as leis do nosso país. Nada mais, nada menos. Tenham eles a cultura, a língua e religião que tiverem.

sexta-feira, janeiro 24, 2025

Afinal...

Fico com a impressão de alguns que, desde há vários meses, estavam convencidos de que a chegada de Trump à Casa Branca significaria a imediata cessação do apoio militar americano à Ucrânia andam já um pouco nervosos com alguma ambiguidade discursiva que agora chega de Washington.

Se eu fosse...

Se eu fosse militante do Partido Socialista, seria obrigado a afirmar, no dia de hoje, o meu desacordo com a forma e, em especial, com a oportunidade das palavras do seu secretário-geral sobre a questão imigratória, na sua entrevista ao "Expresso". Como não sou...

Será respeitinho?

Apelidam-se de extrema-direita as figuras europeias que têm esse iniludível recorte ideológico. Mas por que será que não se usa o mesmo qualificativo para Trump, o qual, aliás, não hesitou em convidar a fina flor extrema-direita para a sua posse? Será que é respeitinho à América?

A sério?

Um país em que os jornaleiros para quem o crime compensa abrem noticiários com um político pilha-malas, um país que está prestes a entregar a chefia do Estado a um fulano que ganhou fama por ter feito uma eficaz distribuição de vacinas, é um país que não pode ser levado a sério.

"Forum Demos"


A voz lúcida de Celso Lafer, jurista, académico e antigo ministro das Relações Exteriores do Brasil, animou mais um jantar-debate do "Forum Demos", um grupo de reflexão criado por Álvaro Vasconcelos, dedicado à análise das grandes questões globais. Trump esteve bastante por lá.

"Viver com Trump"


Trump tem fortes razões para estar orgulhoso. E isso ficou claro no seu discurso de posse. Regressar ao poder, com a forte legitimidade eleitoral que conseguiu arregimentar, com confortável base legislativa e judicial, deve dar uma muito agradável sensação de poder. Um poder que recuperou depois de ter descido aos infernos, com uma derrota eleitoral sofrida mas nunca aceite, com processos judiciais cumulativos e humilhantes, depois de ter sido exposto como cúmplice de uma agressão constitucional sem precedentes ao Capitólio. Capitólio esse onde agora reentra pela porta principal, sob o olhar impotente dos seus inimigos, com esse passado conflitual recente colocado entre parêntesis. Como vingança, reconheça-se, Trump não poderia ter desejado mais e melhor.

Ele também sabe que pode olhar o mundo de cima, desde os seus adversários aos seus atarantados aliados, com a noção clara de que é a sua palavra que verdadeiramente vai contar no futuro imediato, o que lhe confere um estatuto quase único, à escala internacional. E pressente que muitos americanos se revêem, com gosto, nesse tipo de discurso afirmativo, que mistura nacionalismo, arrogância com um sentido de excecionalidade, que cai bem na imagem que se habituaram a ter de si próprios.

O discurso de entronização de Trump mereceria uma exegese cuidada – política, sociológica e psicológica. O que ali ficou dito, no tom, na forma e no conteúdo, é o espelho de uma liderança que encenou, com todo o cuidado, uma coreografia de sucesso, de confiança, de ausência de dúvidas, de uma certeza inabalável no êxito. Trump parece quase não antever obstáculos para os seus projetos, como se a simples afirmação da vontade fosse garantia de resultados. Com Trump, o destino americano, que confunde com o seu, é só um e não há escolhos que o possam limitar.

Para muitos observadores estrangeiros, designadamente europeus, habituados a um outro registo de linguagem do poder, o discurso chega a parecer ridículo, em certas passagens mais gongóricas e auto-congratulatórias. Se a isso somarmos os aspectos místicos e o culto hiperbólico das virtudes do povo americano, fica criada uma coreografia algo bizarra para ouvidos alheios. Se um líder europeu, numa intervenção daquela solenidade, ousasse anunciar que ia renomear uma entidade geográfica de fronteira, provocando gratuitamente o Estado vizinho com o qual tem a maior carteira de relações comerciais, cairia no ridículo. Até Hillary Clinton, ao ouvir a proposta, caiu em gargalhadas. Mas Trump considera-se imune ao ridículo – e isso, goste-se ou não, acaba por ter um forte significado político.

Trump e o mundo

De há muito que o mundo sabe que depende dos humores da América. Mas talvez nunca tenha dependido tanto como nos dias de hoje.

Trump é um presidente para a América, eleito pela América, que só pode ser condicionado por ela. Só os americanos podem vir a travar Trump. As entidades exteriores podem opor-se a Trump, mas, nesse caso e com todas as consequências, terão de correr o risco de vir a enfrentar a força dessa mesma América.

No seu discurso de posse, o mundo exterior só esteve presente naquilo que tinha real importância para o público americano. As taxas alfandegárias, o mito de um mundo que se “aproveita” dos EUA, o papão chinês e algumas atitudes simbólicas surgiram no texto, elaborado por “speech writers” que souberam dosear ideologia com anúncios que tocaram cordas sensíveis de uma certa América, desses mais de 70 milhões de pessoas que confiam em Trump.

A Europa não apareceu no discurso? Biden, há quatro anos, também ignorou os aliados europeus. Mas, ao recusar o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, ao decidir, horas mais tarde, abandonar a Organização Mundial de Saúde, o presidente americano sabe que está a dar um sinal de desvalorização do mundo multilateral, que é tido como vital por parte da União Europeia. E, ao dizer que os EUA, em lugar de gastarem dinheiro a defender as fronteiras dos outros, devem defender as suas, está a “matar dois coelhos com uma só cajadada”: prenuncia o fim do financiamento à Ucrânia e assinala o reforço do policiamento à fronteira com o México, tida como ponto essencial para a travagem da imigração, que Trump e muitos americanos identificam com a insegurança nas ruas.

E agora?

Donald Trump declinou a sua agenda. Deixou evidente que ela vai depender pouco da vontade dos outros, o que quer dizer que tem a intenção de que a sua própria vontade seja a regra do novo jogo.

Não sendo estranho que este tipo de intenção procure prevalecer perante os adversários e inimigos, poderia parecer menos curial que Estados amigos e aliados sejam tratados desta forma.

A América, contudo, não é conhecida por ter uma relação equilibrada com os países que lhe são teoricamente próximos. Os EUA têm uma tendência, que não é de hoje, de considerar que os seus interesses, nomeadamente os de ordem estratégica, devem ser em absoluto seguidos por quantos têm a sua segurança dependente do poder armado americano. E assumem essa atitude de forma muito aberta, quase chocante. E, em geral, esse mundo de amigos da América resigna-se. Embora, verdade seja, raramente isso seja feito num registo de “bullying” tão brutal como o que Trump pratica.

No que diretamente interessa à Europa, o que se pode fazer? A União Europeia tem de tentar preservar a todo o custo a sua unidade, em especial no terreno negocial que aí vem. O passado provou que os EUA conseguem, se quiserem, fazer uma espécie de “pesca à linha” dentro da Europa. O poder americano é politicamente “afrodisíaco” e a sedução de uma fotografia na Sala Oval com o presidente de turno é irresistível, em especial para os poderes que, na Europa, se habituaram a fazer de conta que são “grandes” neste mundo. Já para não falar dos outros.

Não vale a pena ter ilusões no plano militar e de segurança, nomeadamente no que toca à questão ucraniana: os EUA de Trump já deixaram claro que têm em escassa consideração a obsessão europeia perante a agressividade russa. E expressaram de forma muito óbvia que não estão dispostos a suportar o custo da segurança alheia, perante um adversário que não vêem como o seu inimigo principal. A mensagem de Trump não pode ser mais cristalina: os Estados Unidos, sob a sua liderança, entendem que a segurança europeia é, basicamente, uma obrigação da Europa, a ser suportada pelos contribuintes europeus, com os EUA dispostos a venderem armamento e tecnologia, embora mantendo, por tempo a determinar, a rede de bases militares que têm no Velho Continente.

No resto, na economia, a Europa sabe que continua a ter algumas outras armas para responder à pressão de Trump, dado que o mercado europeu é bastante importante para os EUA. Mas a América é sempre muito fria com os números: a balança comercial está desequilibrada em seu desfavor e isso vai ser posto em cima da mesa de modo frontal. Além disso, a regulação europeia é um estorvo a alguns gigantes tecnológicos americanos, que Trump, um tanto surpreendentemente, cooptou para o seu serralho de amigalhaços e financiadores. Vai ser uma negociação muito difícil e todos os tabuleiros – económicos, tecnológicos e de defesa – tenderão a confundir-se. E não é seguro, bem antes pelo contrário, que a vantagem esteja do lado de cá do Atlântico.

Resta o fator tempo e o peso dos factos. A realidade é sempre muito mais imaginativa do que os homens e, mais dia menos dias, algumas das ilusões grandiloquentes em que se apoia a narrativa eufórica de Trump irá confrontar-se com um banho frio na sua prática. E, à medida que as coisas se tornem mais difíceis para o novo inquilino da Casa Branca, o seu apoio político interno pode vir a ser afetado. Foi sempre assim no passado e nada indica que o não venha a ser de novo. A escassa maioria de que Trump dispõe na Câmara dos Representantes dificilmente poderá ser preservada nas “midterm elections” de 2026, com efeitos na sua capacidade de implementação legislativa. E isso não será sem consequências para a sua margem política de manobra. Mas essas são contas para uma “bolsa de futuros” e, até lá, o mundo vai ter de viver um longo dia-a-dia com Trump. Será como uma tempestade: teremos de nos precaver até que passe.

( Artigo hoje publicado a convite do "Jornal Económico" )

quarta-feira, janeiro 22, 2025

Trumpe

Tenho sincera inveja do modo como Nicolás Maduro pronuncia o nome de Trump. Em vez de se subordinar, como todos disciplinadamente fazemos, à forma anglo-saxónica de dizer a palavra ("trâmpe"), o patusco ditador dos fatos de treino coloridos fala de "trumpe" sem se rir. Valente! 

terça-feira, janeiro 21, 2025

Davos

Deve ter graça estar em Davos, por estes dias. Os maluquinhos das teorias da conspiração, os mesmo que acham que Bilderberg tem qualquer importância, devem estar rapidamente a perceber que quem de facto manda não anda por ali.

segunda-feira, janeiro 20, 2025

Pensem nisto

Trump talvez conseguisse assegurar um lugar na História se, do alto da posição de força de que agora dispõe, levasse a Rússia a envolver-se numa nova arquitetura de segurança, da qual a NATO europeia fizesse parte. Mas não estamos com gente disso, como se diz na minha terra.

domingo, janeiro 19, 2025

Uma descoberta e um agradecimento


Pessoa amiga chamou a minha atenção para esta lista, datada do início de dezembro de 2024, que me tinha escapado. 

Fico muito grato pela simpatia do blogue de João Eduardo Severino, "Pau para toda a obra".

Palestina e Israel


Este episódio de "A Arte da Guerra" foi gravado na quarta-feira, dia 15 de janeiro. A questão do cessar fogo e da troca de reféns por prisioneiros teve, entretanto, desenvolvimentos, relativamente ao que ali foi dito. Mas aqui o deixo, como registo.

Toscânia com coentros

 


"Fago" (Marvão)


Se estiverem interessados, pode ler aqui a minha apreciação sobre uma visita ao restaurante "Fago", em Marvão

sábado, janeiro 18, 2025

Lynch

Na morte de David Lynch, espero não ser "linchado" se revelar que não vi nenhum episódio do Twin Peaks e que não faço a menor ideia de quem era a tal de Laura Palmer que parece que morreu. Mas nunca lhe agradecerei suficientemente o Blue Velvet.

Trump - the movie...

Serei só eu que, no "remake" de Trump, sinto ainda e já saudades dos cromos da sua anterior presidência - do Sean Spicer que divertia os jornalistas, dos "factos alternativos" de Kellyanne Conway, do patético e breve Anthony Scaramucci e do "strangelove" de comédia Michael Flynn?

Marvão


Em outros tempos, nos anos 70, a Pousada de Marvão tinha sete quartos. Hoje tem 31. Chegava-se no sábado, pela tarde, com o "Expresso" debaixo do braço (não havia saco), que trazia as especulações sobre o governo mais ou menos provisório de turno, assinadas na página dois por um cronista que inicializava (a palavra não tinha então o significado informático de hoje) como MRS. Os cavalheiros iam vestidos com calças de veludo e camisolas de losangos, oferta das legítimas pelo Natal, compradas na Lanalgo, com as suas "três entradas para uma saída feliz". Nesse tempo, para o chá com torradas em pão de forma (não havia a modernice de as fazer com pão saloio), só se servia Lipton. Ao final da tarde, bebia-se um gin, mas também só havia Gordon's, claro. Jantava-se junto às janelas magníficas sobre o vale, com o comboio Lusitânia a passar lá ao fundo, vindo da Madrid onde fervia a transição e declinavam as Lolas do Pasapoga, onde os ricaços alentejanos tinham garrafa, desde o tempo do Franco e do MDLP. A carta da Pousada trazia umas propostas gastronómicas estafadas e dois ou três vinhos manhosos. Com os bons fígados que à época tínhamos, fechávamos a noite com uma CRF em balão aquecido, a ouvir o Fialho Gouveia a dar-nos as últimas do Portugal a-preto-e-branco a que tínhamos direito. Eram bons tempos? Eram os tempos que havia e boa, boa era a idade que então tínhamos.

A soberba vista continua a ser a mesma. Como ontem me dizia um amigo: "Vais a Marvão? Lá de cima, veem-se as costas das águias". Bem procurei, mas, com este frio, devem ter ido todas em romagem à Luz, ver o Lage vingar-se sobre o pobre Famalicão, com esperança de poder beneficiar da lesão muscular do Gyökeres.

sexta-feira, janeiro 17, 2025

Trump - "take two"


Análise do regresso da América de Trump. Ver aqui

Vítimas da estatística

A propósito da demissão do diretor do SNS, temos de ser justos: com tanta gente que tem vindo a ser saneada pelo governo PSD, torna-se estatisticamente mais provável que apareçam cada vez mais falcatruas. Este governo, no fim de contas, é apenas uma pobre vítima da estatística.

PSF bem

A partilha pela esquerda francesa da obsessão presidencial de Jean-Luc Mélenchon começava a ser um tapete vermelho para Marine Le Pen entrar no Eliseu. Em nenhuma circunstância Mélenchon teria o voto de 51% dos franceses. Mesmo para derrotar Le Pen. O PSF fez bem em afastar-se.

Biden

Não é muito popular lembrar que Barack Obama deixou uma herança desastrosa em matéria de política externa. Contudo, isso não nos deve coibir de dizer que Joe Biden disputa fortemente aquele "benchmark" negativo. Salva-se a sua prudência ao ter procurado evitar um conflito global.

"Bougain"


No meu blogue "Ponto Come" ficou uma nota de apreciação do restaurante "Bougain", em Cascais.

A solidão socialista

Ontem, o PS francês decidiu arriscar. Viabilizando o governo Bayrou, rompeu a aliança à esquerda, ficando numa "terra de ninguém". Ganharam em credibilidade, mas, se houver novas eleições, Mélenchon colocará candidatos contra eles e podem voltar a desaparecer.

quinta-feira, janeiro 16, 2025

Estudem!

Repita-se, para que não fiquem dúvidas: Portugal fez muito bem em não estar representado na transição presidencial em Moçambique pelo presidente da República e fez igualmente muito bem em fazê-lo através do ministro dos Negócios Estrangeiros. Quem não percebeu, estudasse!

Radicais à solta

Já se percebeu que a linha argumentativa do PSD para combater a liderança do PS, com a luta pela câmara de Lisboa como passo intermédio, é vir acusá-la de radicalismo. 

Para um partido que anda a mimetizar o Chega em matéria de segurança, isto não deixa de ter alguma graça.

As mentiras da IA


Apanhei a Inteligência Artificial a mentir. Vejam a resposta que me deu.

A Trump o que é de Trump

Ouça aqui.

Gaza


Goste-se ou não, é simplesmente isto. 

Mistério

Alguém me há-de um dia explicar a razão pela qual este blogue, depois de ter suspendido a publicação de comentários, ter passado a ter mais visitantes: estamos numa média de três mil / dia.

quarta-feira, janeiro 15, 2025

Diplomacia


Tive hoje o gosto de fazer uma palestra ao grupo de diplomatas que acaba de ingressar no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no início de um curso intensivo de preparação que se prolongará por várias semanas. A sua seleção foi feita através daquele que é o mais exigente concurso de acesso ao serviço público que existe no nosso país.

Com a assumida limitação do caráter datado da minha experiência - entrei no MNE é precisamente 50 anos e saí do serviço ativo já há 12 anos -, atrevi-me a dar alguns conselhos, mais comportamentais e menos doutrinários, que me pareceu poderem continuar a ser minimamente válidos. As experiências passadas pode ter algum interesse, mas há que ter em conta que cada percurso profissional dependerá de uma multiplicidade de variáveis impossíveis de prever ou controlar. Alertar para alguns riscos e para a necessidade de estar atento a certas circunstâncias recorrentes foi o que procurei fazer. Espero que isso lhes possa ser de alguma utilidade.

Durante aquela hora de conversa, troquei impressões com quem vai ter o extraordinário privilégio, nas décadas que aí vêm, de defender o nome de Portugal pelo mundo e de interpretar os nossos interesses junto de outros Estados e em organizações internacionais. Só posso desejar muito boa sorte a todos aqueles jovens que apostaram a sua vida na nossa diplomacia.

terça-feira, janeiro 14, 2025

A segurança da Europa

O novo secretário-geral da NATO disse no PE que, para se poder substituir militarmente aos EUA, a Europa precisaria de gastar 10% do seu orçamento em defesa. Por muito grande que possa ser o susto europeu, depois da Ucrânia, não há a mais longínqua hipósese de isso vir a suceder.

A União Europeia não é um país, são 27 opiniões públicas com agendas de interesses e perceções de risco diferentes, que jamais conseguiriam acordar simultaneamente numa medida dessa dimensão - nem sequer metade disso.

Porque nunca poderá ter uma defesa autónoma, a União Europeia vai continuar a "comprar" segurança aos Estados Unidos. O preço que Trump vai exigir vai ser elevado, em termos comerciais, de venda de armamento, de gás e outras concessões. A Europa vai esbracejar, mas vai ceder.

Trump, tal como fez no passado, vai desprezar a União Europeia como um todo e vai "pescar à linha" no seu diálogo com os Estados europeus que lhe convenham. Estes, como se viu já com Meloni, irão, um por um, comer à mão de Washington e, com isso, enfraquecerão a capacidade da UE.

E cá?


É pena que não haja coragem política em Portugal, no governo e na oposição, para defender e viabilizar uma medida idêntica.

"Público"

Tenho pena de ver José Alberto Lemos sair do cargo de Provedor de Leitor do Público. Acompanhei a sua tarefa com admiração. Essa admiração foi aumentando à medida que constatei que o seu trabalho se foi tornando mais difícil, perante a crescente resistência de setores da redação.

Alexandra Leitão

Dificilmente o Partido Socialista poderia ter encontrado um melhor nome do que Alexandra Leitão para candidata a presidente da Câmara de Lisboa. A atual líder parlamentar, que foi ministra no primeiro governo de António Costa, é um dos quadros mais qualificados do partido. 

segunda-feira, janeiro 13, 2025

Fernanda Maria


Lembrarei para sempre o seu clássico "Não passes com ela à minha rua", uma página ímpar da grande enciclopédia portuguesa do ciúme.

Com 87 anos, morreu hoje Fernanda Maria, um imenso nome de um fado de que eu gosto.

Assim tem de ser

Atendendo seguramente a uma avaliação prudente da atual conjuntura política no país, acho de muito bom senso que Portugal se faça representar na tomada de posse do novo presidente de Moçambique apenas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. 

Europa, querida Europa


Caiu na esparrela, caro Sebastião Bugalho. As listas para o Parlamento Europeu são tituladas por "iscos" no topo (foi o seu caso, desta vez) para atrair votos fora da bolha partidária, e depois compostas com pessoas menos cómodas que as lideranças querem manter longe de Lisboa e com outra gente, em geral muito capaz, mas que (bem ou mal) é considerada sem préstimo imediato para a política lisboeta. Somam-se uns amigalhaços políticos da liderança de turno que precisam de ganhar algum. Depois, cada vez mais e felizmente, olha-se ao equilíbrio de género, pedem-se dois nomes às ilhas e, finalmente, pergunta-se: quem é que se põe do Porto?

Xenofobia

Devemos ser o único país do mundo em que um conflito de rua que provoca sete feridos mobiliza todas as televisões. A menos que achemos natural que essa atenção se deva ao facto dessas pessoas serem estrangeiros. Ao atuarem como atuam, as nossas televisões ajudam à agenda xenófoba.

domingo, janeiro 12, 2025

Pensem bem!

Salvo para os "maduros" que apostam na China ou mesmo na Rússia, e partindo do princípio óbvio de que a Europa e o resto do mundo afim serão incapazes de travar as loucuras que Trump venha a tentar, já pensaram bem que só há uma entidade que o pode vir a suster? O povo americano.

Ofensa

Com o respeito institucional que qualquer primeiro-ministro do meu país me merece, por estar lá pelo voto popular, gostava que o Dr. Luis Montenegro soubesse que, como cidadão e como democrata, me sinto insultado ao ouvir-lhe a barbaridade de chamar extremistas quantos, no sábado, saíram à rua a condenar o racismo e a xanofobia.

Os presidentes da Junta

Em 2011, a "troika" mandou reduzir o número de freguesias. O país obedeceu. Passados todos estes anos, o bloco de interesses partidário resolveu retalhar de novo a geografia administrativa. Quantos mais vão agora poder dizer "eu é que sou o presidente da Junta" ? Que país este!

Ditadores e ditadores?

O mundo indigna-se com a posse do ditador Maduro, depois de eleições que quase todos concluíram terem sido fraudulentas. Mas por que será que ninguém mexe uma palha, por exemplo, face à Arábia Saudita, outra ditadura. Quando serão as eleições por lá? Há ditaduras boas?

Daniel Ribeiro



Tinha a sensação de conhecer Daniel Ribeiro muito antes de o ter encontrado pessoalmente, quando fui colocado em Paris como embaixador, em 2009. 

Havia-o lido com regularidade em "O Jornal" e depois no "Expresso". Ouvira falar a conhecidos comuns do seu longo percurso em França, da política ao diverso jornalismo que ali praticou. Por isso, quando o convidei a vir almoçar comigo à embaixada, no mês de fevereiro desse ano, acabava por ser, de certo modo, um "reencontro". 

Estabelecemos logo uma boa relação, cimentada, dias depois, num almoço em casa do pintor José David, de quem o Daniel era muito amigo. Ao longo dos quatro anos que vivi em Paris, essa relação nunca se perdeu, iamo-nos encontrando a espaços, tendo partilhado com ele dois jantares muito agradáveis no "Les Trois Maillets", onde íamos ouvir a sua amiga asiática Mieko.

A ligação entre os jornalistas e as embaixadas, devendo desejavelmente ser fluída, não é necessariamente fácil. O Daniel Ribeiro era um jornalista hábil. Procurava sempre "tirar nabos da púcara", como é da natureza da sua profissão. Como eu cedo prescindi de ter uma pessoa dedicada exclusivamente às relações com a imprensa, fiquei deliberadamente sem qualquer "filtro" nos contactos diretos que aceitava ter com os jornalistas, o que me dava algum trabalho mas também a garantia de que a "voz" da embaixada era sempre e só a minha. 

O Daniel, tal como qualquer dos outros jornalistas portugueses em Paris, ligava-me de quando em vez e, pelas perguntas que fazia, eu ia percebendo o que estava a mobilizar a imprensa face à embaixada e ao mundo português em Paris. Como é óbvio, dizia-lhe apenas o entendia, quase sempre bem menos do que ele pretendia. São essas as regras do jogo, que todos conhecíamos bem. E, ao que me ficou na memória, tudo correu sempre bem entre nós.

Um dia, creio que no final de 2011, o Daniel Ribeiro convidou-me a mim e ao cineasta Mário Barroso, para almoçar no restaurante português "Saudade". Achei muito simpática a sua iniciativa, tanto mais que não havia um motivo óbvio para esse convite. Recordo que o almoço foi muito agradável, com um animado bosquejo, quase geracional, por muitas gentes e algumas histórias passadas. O Paris dos portugueses é um mundo sem fim.

Lá para meio do repasto, que recordo ter sido longo, o Daniel perguntou-me se eu tinha o contacto de José Sócrates, que, desde há cerca de meio ano, vivia em Paris. Disse-lhe que tinha um número de telefone de Sócrates, creio que de um telefone português, mas que não lho podia dar. Pediu-me então se eu podia transmitir uma mensagem ao antigo primeiro-ministro: de que ele, Daniel Ribeiro, como correspondente do "Expresso", pretendia fazer uma longa reportagem para o jornal sobre a sua estada em Paris.

Expliquei-lhe que, desde que Sócrates vivia em Paris, tinha-o encontrado duas únicas vezes, que não mantinha um contacto regular com ele e que, mesmo que assim não fosse, nunca seria "go-between" entre ele e quem quer que fosse. A especulação em torno da vida de Sócrates em Paris estava então no auge, os nossos tempos políticos internos eram muito tensos e estava em absoluto fora de causa que o embaixador de Portugal viesse a envolver-se na trama. Recomendei que, através do seu jornal, em Lisboa, tentasse fazer esse contacto com José Sócrates. Estava certo que, seguramente, alguém o poderia conseguir. 

O Daniel não deve ter apreciado a recusa, mas aceitou a minha atitude e lá pagou o almoço para que nos tinha convidado. Há uns anos, eu e o Mário Barroso lembrámos, no Procópio, essa refeição. "Só percebi a razão do convite do Daniel depois do bacalhau...", riu-se o Mário.

Chega agora a triste notícia de que o Daniel Ribeiro morreu, aos 71 anos. Vale a pena referir que o papel importante que ele desempenhou ao assegurar, durante décadas, a cobertura comentada da vida política francesa para os leitores da nossa imprensa. Tinha uma abordagem equilibrada, culta, sempre muito bem informada. O Daniel pertencia a um outro tempo do jornalismo, do qual, confesso, sinto cada vez mais falta.

sábado, janeiro 11, 2025

Simplesmente Coimbra


O Alfa em que estou a viajar, entre o Porto e Lisboa, acaba de fazer uma breve paragem em Coimbra-B. 

Este é o último dia em que a estação tem esta designação. A partir de amanhã, esta paragem do comboio, na Linha do Norte, passa a designar-se apenas por Coimbra. 

Há minutos, constatei que a placa da estação ainda era esta.

Desde 1885, Coimbra tinha uma outra estação, situada no centro da cidade, que fazia a ligação, num "shuttle" de cerca de cinco minutos, a esta Coimbra-B, por onde acabo de passar. E, daqui, acedia-se “ao mundo”... 

A estação central de Coimbra deixará de existir precisamente amanhã, 140 anos depois de ter sido posta em funcionamento. 

Daí esta nota histórica e nostálgica.

Essa estação mais central era oficialmente designada como Coimbra, embora muita gente da cidade lhe chamasse a "estação nova". Outras pessoas, como era o meu caso, chamavam-lhe Coimbra-A.

(Historicamente, era em Coimbra-B que os “caloiros”, arribados à universidade da cidade, eram pela primeira vez chamados de “doutor”, pelos carregadores de bagagem, à espera de uma gorjeta pelo “elogio”, que inchava esses incautos novatos.)

Mas hoje trago à baila as duas estações ferroviárias de Coimbra por uma outra razão: uma anedota que se contava no meu tempo de liceu.

Segundo a historieta, alguém de Coimbra quis, um dia, ir de comboio até Qianjin, uma cidade no norte da China. Dirigiu-se à bilheteira da estação de Coimbra-A, no centro da cidade, e pediu um bilhete. O homem do guichet respondeu-lhe: “Para isso, só em Coimbra-B. Eles é que têm as ligações internacionais”. 

Chegado a Coimbra-B, a resposta não foi muito mais promissora: “Só na Pampilhosa, meu amigo. Lá é que os comboios ligam a Espanha. Ali é que o podem informar”. 

Na Pampilhosa, de facto, as coisas começaram a compor-se, ainda que não em definitivo: “Vendemos-lhe um bilhete para Paris. Depois, eles lá o encaminham para a China”.

E o homem assim continuou. De Paris foi mandado para Moscovo, dali para Pequim e um dia lá chegou a Qianjin. E por ali ficou o tempo que tinha de ficar, sabe-se lá bem a fazer o quê.

Um dia, o coimbrão decidiu regressar. Dirigiu-se então ao guichet da estação ferroviária de Qianjin. A fila de pessoas era grande (tudo o que mete pessoas, na China, como se sabe, é “em grande”). Esperou pela sua vez e, quando esta chegou, pediu um bilhete para Coimbra, que explicou ser uma cidade em Portugal. Contava-se - mas “vendo-a como me a venderam”, como soe dizer-se - que o chinês, sem paciência de chinês, lhe retorquiu: “Mas o meu amigo acha que aqui não temos mais nada que fazer? Seja mais preciso, homem! Quer um bilhete para Coimbra-A ou para Coimbra-B?”

E agora? Já terão avisado a bilheteira de Qianjin?

Na rua


Nunca fui muito dado a participar em mobilizações de rua, mas, se pudesse estar hoje em Lisboa, iria com muito gosto e convicção a esta manifestação. As coisas estão a chegar a um ponto em que a indiferença e a neutralidade acabam por ajudar à festa dos outros. E eu não gosto, mesmo nada, da festa dos outros.

sexta-feira, janeiro 10, 2025

Coisas à letra


No final do jantar, no restaurante "Mito", no Porto, ao pedir um café à belíssima empregada loira que me serviu, que era brasileira, fui tentado a ironizar que esperava que esse café fosse mesmo "o melhor", a rimar com este azulejo numa parede ali bem perto. 

Mas calei-me, para evitar confusões, porque o mundo anda perigoso e nem tudo o que, no passado, parecia óbvio e natural, é hoje tomado de forma benévola. 

Schutt...!

Não poderia a CP lançar uma campanha de educação comportamental básica, com vista a fazer perceber aos passageiros dos seus comboios que é de uma extrema falta de respeito falarem alto ao telefone durante as viagens? Ninguém pode ser obrigado a ouvir as conversas dos outros.

E se...?

Na imprensa francesa, perante a ausência, por doença, da presidente da Comissão Europeia, fala-se que a Europa está "aux abonnés absents", a clássica expressão para significar incontactável. Mesmo sem forçar cizânias, não quererá o Conselho Europeu ir a jogo?

Não sou de cá


Havia uma expressão, muito usada em outros tempos, que transpirava uma atitude de desinteresse: “Não sou de cá, eu só vim à bola!”. Era assim a modos de um “não tenho nada a ver com isto!” A frase renasceu-me, na cabeça, a propósito de Lisboa e da rua onde vivo. Para concluir, precisamente, o seu contrário.

Há uns tempos, sob uma bátega que caía sobre a cidade, soprada dos céus, a que deram um nome de espanhola acompanhante de bar, comigo a caminho do carro, sem guarda-chuva, com as pingas a não darem espaço para fugir entre elas, matutava, a sério!, que esta é hoje, mais do que nunca e para sempre, a minha cidade. Disse isto para dentro com uma sinceridade tão enfática que até a mim me surpreendeu.

Não sou de cá, de facto. Nasci em Vila Real. A primeira vez que vim a Lisboa, o meu pai levou-me ao Jamor, numa tarde onde Portugal apanhou uma “abada” da Suécia, em futebol. Sou dos que vieram “à bola”, vistas bem as coisas. Com os meus sete anos da época, nem reparei que andava ali, na relva, o grande Matateu (um dia, contei isso ao Vicente, irmão dele, num estádio de Nova Jérsei, onde, há mais de vinte anos, fui gozar uma tarde de convívio com velhas glórias lusas em chuteiras). Por isso, nem sequer me recordo de ver o Costa Pereira “encaixar” os seis golos nórdicos, com o Águas a tentar salvar a honra do convento, com os dois da nossa parca resposta.

Vim para Lisboa no final dos anos 60. Morava nos Olivais. De manhã, ia a Moscavide apanhar o 28 para chegar perto da zona da Junqueira, onde estudava. Guardei, na minha organizada memória de cheiros, o fumo baixo e intenso que nos entrava no autocarro, vindo das refinarias que, muitos anos mais tarde, a construção da Expo iria fazer desaparecer. Seguíamos ali, ensonados, como sardinhas em lata, a embaciar de respiração, em tempo pré-covid, as janelas dos verdes carros da Carris.

Tempos mais tarde, sem ter mudado de morada, tinha mudado provisoriamente de vida e de rumo: apanhava o 21 para Entrecampos, depois o metro para os Restauradores, subia o elevador para o Bairro Alto, que atravessava a passo rápido, para entrar, até às 9 e 35, no meu emprego de funcionário da Caixa, no Calhariz. (Depois das 9 e 35, tinha de se pedir ao senhor Marques, com uma desculpa, para nos deixar assinar o livro de ponto). Comia, com os meus colegas bancários, nas tascas da Bica, de Santa Catarina e de coisas por ali à volta, no Bairro Alto.

No fim do trabalho, mudava de registo. Parava na Opinião, entre livros e uma “Cuba libre”, bebida então na moda, cruzando nomes de quem lia coisas nos jornais. Ia a uns cursos no Centro Nacional de Cultura, ali perto. Ao cair da tarde, com as lojas a fechar e os caixeiros a apressarem-se, descia, até ao Rossio, um Chiado deserto, num cenário que o tempo da pandemia me fez recordar.

À época, verdade seja!, eu quase não conhecia aquilo que se pode chamar de lisboetas de gema, os tais alfacinhas, de que agora já ninguém fala. Tenho ideia, provavelmente errada, de que ninguém, das minhas relações de então, era de Lisboa. Uns eram da Beira, muitos amigos eram de Trás-os-Montes, gente que estudava comigo vinha de África, tinha minhotos conhecidos, de Viana, terra onde passava as minhas férias. 

Só uns primos, que por aqui tinha, eram mesmo gente de Lisboa. Recordo que eles ecoavam, nas conversas, um sotaque muito próprio, que por anos me pareceu bem bizarro e que, agora, dá ares de ter-se dissolvido - ou será o meu ouvido que entretanto mudou. E diziam umas palavras estranhas, para quem vinha do norte: algibeira para bolso, gelosias para persianas, cadeado para aloquete, telefonia para rádio, imperial para fino e coisas assim. 

Com todos eles, muito por causa deles, mas também porque me adaptava com facilidade e gosto às cenas urbanas em que projetavam as suas muito diferentes vidas, fui-me habituando a gostar das muitas Lisboas por onde me levavam. Fui-me tornando lisboeta assim.

Casado, passei a viver, depois, um pouco fora da cidade, naqueles caixotes a estrear, para a pequena burguesia, que se construíam então em Santo António dos Cavaleiros. O dia era passado em Lisboa, onde havia de ser a minha tropa e em que tive outros empregos.

A certa altura, fui-me embora para o estrangeiro, levado pela profissão em que, entretanto, ingressara. Regressei a Lisboa quando isso tinha de acontecer, vivi ao lado do Campo Pequeno, com lojas onde se conheciam as pessoas. Casas com vizinhos com nome, essa coisa boa que nos faz sentir parte de um mundo, como hoje felizmente de novo me acontece.

Um dia, já nem sei bem porquê, ou talvez porque me faltava espaço para os meus livros, fui viver para a Lapa.

Quando disse ao meu pai, lá para Vila Real, que tinha comprado (melhor: que iniciara a compra, porque demorou muitos anos a pagar ao banco) uma casa na Rua de S. Domingos à Lapa, ouvi, de volta, pelo telefone, com uma gargalhada: “Vê lá se não compras a casa do Dâmaso!”. 

É claro! Era isso! Tinha-me esquecido! O Dâmaso Salcede, o "sportsman" de “Os Maias”, tinha “morado” naquela que ia ser a minha rua. É lá que se passa a cena magnífica em que o João da Ega e o Cruges lhe foram exigir a carta de desculpas para o Carlos da Maia, com o Dâmaso a hesitar se “embriaguez é com um “n” ou com um “m” “? Quantas vezes, com o meu saudoso amigo Luís Santos Ferro, discuti onde é que o Eça teria pensado colocar a casa do Dâmaso. A doutrina comum foi assentando em que seria lá bem para o fundo da rua. Nem imaginam as manias que os queirosianos obsessivos podem ter!

“Olha lá, ó meu burguês! Ouvi dizer que agora vives na Lapa!“ Foi do vozeirão de um amigo esquerdalho, mas bem na vida, que saiu, numa noite do Procópio, esta ironia sobre a “traição” política de classe que o meu novo bairro simbolizava. Pois era! Tinha essa sorridente contradição. À defesa, eu argumentava que a “minha” Lapa era já inclinada para os lados da Madragoa, o que dava um ar fácil de poder esperar integrar uma marcha nos santos populares. 

Durante anos, a minha freguesia foi a de Santos, mas, depois, fez-se uma molhada geográfica, que passou a incluir os Prazeres, tudo embrulhado no nome de Estrela. Razão tinha uma amiga que achava que, à nova freguesia, assentava melhor o nome de “Santos Prazeres da Lapa”! 

A ”revanche” ideológica possível tinha-a descoberto muito cedo, mesmo antes de para ali ir viver. A minha rua, a Rua de S. Domingos, é cenário de uma das mais emocionantes fotografias de como se viveu, em Lisboa, o dia da vitória dos Aliados, no final da Segunda Guerra mundial. 

À direita de quem desce a rua, esteve sedeada, por décadas, a embaixada britânica, num excelente edifício, há anos vendido pelo “Foreign Office” a uma companhia de seguros, que hoje muito ganharia em ter quem lhe iluminasse profissionalmente a bela fachada. 

Alguém, nesse dia de júbilo democrático de 1945, de uma varanda da antiga embaixada, fotografou a multidão, onde se agitavam as bandeiras dos países vencedores. De todos? Não. Há alguns manifestantes que se vê terem um simples pau na mão, sem nele se vislumbrar qualquer bandeira. A verdade é que ousar mostrá-la, bem vermelha (não encarnada) como devia ser, com a foice e o martelo do estandarte soviético, era capaz de não ser muito prudente, atento o zelo de um pessoal que, como se vê em algumas imagens, colocara os carros um pouco mais acima e que, com certeza, iria acabar o dia a reportar o evento num certo endereço no Chiado. Tenho orgulho de ver as minhas janelas de hoje nas imagens daquela manifestação de coragem.

Há semanas, no 25 de Abril, lembrei-me de que, nessa data exata, em 1974, quando, como militar a prazo, andava, curioso, a espiolhar as instalações da RTP no Lumiar, que a minha unidade havia ocupado na madrugada anterior, quis saber qual era o gabinete de Ramiro Valadão, que presidia à televisão.

Foi então que, alguém, lá da casa, me esclareceu: “Não é aqui! Aqui são só os estúdios. O gabinete dele é na rua de S. Domingos à Lapa”. Só muitos anos depois fui a esse belo palacete, situado no lado sul da rua, encontrar-me com essa grande figura do bem que foi Mário Ruivo, que por ali trabalhava, no final da vida, nesses mares em que navegava sabedoria e jovial inteligência.

É assim, caro leitor, esta minha rua. Entra-se nela vindo da Buenos Aires. No alto, por alguns anos, sobreviveu uma loja com produtos da Transilvânia, que a pandemia terá ajudado a fechar. Nunca lá entrei e hoje tenho pena de não ter ali tido uma conversa sobre o Drácula, como se impunha. 

Um pouco mais abaixo, olhando ao fundo, vê-se o rio e a outra banda. A rua é longa, nela passam elétricos e muitos aceleras. Hoje, quase não tem comércio. Em outros tempos, houve por ali um café, com o épico nome de Valquíria. Se continuarmos a descer a rua a pé, vê-la-emos estreitar, ficar com um piso de bairro antigo, desaguando, finalmente, numa escada com corrimão, antes de chegar às Janelas Verdes.

É uma rua de muitas casas e poucas gentes. De muito alegre, verdade seja, a minha rua tem apenas um infantário, cuja paragem de atividade fez cessar, por alguns meses, a gritaria saudável que a miudagem por lá faz. Mas tudo isso já voltou, felizmente. Ligo o tempo do confinamento à falta desse chilrear.

Quero com isto dizer que a minha rua é uma rua triste? Ora essa! É a minha rua e a rua onde vivemos tem a alegria da felicidade que nela queiramos e possamos ter. E, já agora!, que fique muito claro: eu também sou de cá, da minha rua, desta Lisboa.

Na linha justa


Gosto de viajar em comboios em que me sinto confortável.

Preto

Hoje, apetece-me falar de coisas sérias. Aqui fica uma rara imagem de um pinguim preto. Digam lá se não tem elegância e distinção!