A escolha do secretário-geral da ONU foi sempre um processo de alguma complexidade. Encontrar alguém em quem, simultaneamente, se revejam Estados com interesses contraditórios é uma verdadeira quadratura do círculo. No passado, esse compromisso chegou a ser obtido através de cedências em outras áreas do funcionamento da ONU, atribuindo discretamente a alguns dos principais países envolvidos, isto é, aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, cargos importantes, em jeito de compensação.
Este ano, o novo processo de audições públicas prometia trazer alguma transparência e uma maior objetividade. O método evidenciaria, em princípio, os mais qualificados, o que, no entanto, poderia não garantir os objetivos de quantos entendiam que, desta vez, o lugar deveria ser ocupado por uma mulher, oriunda da zona centro-oriental da Europa, que nunca tinha produzido um SG.
À luz da leitura que faço do modo de funcionamento da ONU e dos seus equilíbrios geopolíticos, sempre achei que seria muito difícil António Guterres vir a ser eleito. Porém, Portugal, nunca tivera alguém tão qualificado e prestigiado para ocupar aquele cargo. Valia a pena tentar! Por isso, fui e continuo a ser um convicto apoiante dessa candidatura, embora, tal como o próprio Guterres, moderadamente otimista quanto ao êxito do empreendimento.
O modo como as audições ocorreram, e as fantásticas «performances» de Guterres, tornaram-me mais confiante, sentimento que se reforçou com as sucessivas votações indicativas, em que o candidato português se destacou dos demais. Mas algo me dizia, intimamente, que as coisas estavam a correr «bem demais»... Por isso, o surgimento de uma nova candidatura, já numa fase adiantada do processo de seleção, não me surpreendeu.
Quem segue estas coisas sabia que germinava em setores da direita europeia, em especial no «pangermanismo», a vontade de encontrar uma forma de contrariar, com um golpe de bastidores, o sentido do novo modelo de avaliação, cuja resultante final não produzira o resultado «esperado». Com o argumento, simplório e oportunista, de que assim se quer ultrapassar o «impasse» criado, Kristalina Georgieva avança do «banco», a poucos minutos do fim do jogo.
Agora, a palavra decisiva vai competir a Moscovo: um SG da ONU é sempre alguém que o mundo ocidental propõe e a quem o Kremlin não diz que não.
Ora qualquer brasileiro conhece o significado da frase que serve de título a este artigo. É uma expressão famosa de Mané Garrincha quando, tendo-lhe sido explicado o que deveria fazer para ultrapassar a defesa russa, e achando a tática do treinador simples demais, terá perguntado : «E já combinaram com os russos?». Acho que seria prudente Georgieva inquirir o mesmo de Merkel.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")