Com o tempo, tenho vindo a aprender que, afinal, quem não se descolonizou fomos nós. Trinta anos passados sobre a independência das colónias portuguesas, alguns continuem a olhar para elas como se tivéssemos um "droit de regard" sobre o que por lá se passa, com juízos condenatórios, dando-nos, por cá, ao luxo de escolher os "bons" e os "maus que por lá estão. À esquerda e à direita, porque nisto de “bitaites” sobre as antigas colónias, a lateralização ideológica é indiferente.
O caso de Angola é exemplar. Depois de 13 anos de conflito colonial, o país entrou, em 1975, numa terrível guerra civil que, com uma pausa ligeira, só terminou em 2002. Angola esteve na linha da frente das últimas décadas da Guerra Fria, com a Rússia e os EUA a decidirem, por intermédio de mortos e estropiados angolanos, as suas últimas batalhas. A paz tem, por lá, pouco mais de 14 anos. A experiência democrática local, seja ela o que for, e todos sabemos o que é, tem exatamente a mesma idade..
As estruturas do Estado, a gestão patrimonial dos bens nacionais e o modelo de governação não podem ser medidos pelos padrões de um qualquer assético país nórdico. Angola está em África, o seu "benchmark" são os países africanos, os seus vizinhos continentais. Isso é válido para a democracia, para a corrupção, para o nepotismo, para a pobreza e para as chocantes desigualdades. E até é válido para a sua comunicação social, para o nível das suas diatribes contra o ex-colono, que tanta urticária provocam em Lisboa. Só se pode comparar o comparável.
O Estado de direito em Angola é discutível? A separação de poderes existe? Eu pergunto: contribuiu Portugal, preparando quadros e estruturas, para uma transição pacífica do período colonial para a independência ou, ao invés, prolongou estupidamente um conflito com os angolanos, que se viram forçados a lutar de armas na mão?
Quando a guerra colonial começou não havia uma única universidade nas colónias e a educação primária dos negros era da responsabilidade das missões religiosas. Alguém se lembra que o Tarrafal foi reaberto em 1961, depois de encerrado para os anti-fascistas portugueses, para lá colocar os nacionalistas angolanos, os "turras" de então? Ah! Mas não fomos nós! Foi a ditadura do Estado Novo. E não era Portugal? Do Minho a Timor?
Angola entrou agora em grave crise. O FMI volta a ser chamado em auxílio do país. É fruto de má governação? Claro que sim. E nós? Nesse mesmo período já tivemos o FMI por cá, não duas mas três vezes! Foi fruto de quê? De boas políticas? Acho que um pouco de humildade e sentido da medida, sem pretendermos dar lições aos outros, não nos ficaria mal.