É costume dizer-se que são os homens quem faz os cargos. Nem sempre isso é verdade, em especial quando os “coletes” institucionais são um espartilho que deixa pouca margem para a afirmação das personalidades que os habitam.
A Constituição portuguesa, revista pela experiência histórica posterior à sua entrada em vigor em 1976, acabou por desenhar um cargo que, tendo embora um espaço de manobra inferior ao modelo original – esse sim, um claro semi-presidencialismo –, deixa ainda uma apreciável capacidade de atuação ao titular do cargo, a qual, no entanto, varia sempre na razão inversa da força parlamentar de que os governos dispõem. Se Eanes foi o executante do primeiro modelo, Soares, Sampaio e Cavaco, cada um a seu modo, protagonizaram a plenitude civil do exercício do poder. Cada um teve a conjuntura política que lhe calhou em rifa.
Soares viveu quase sempre com governos maioritários alheios à sua família política, ungidos de fundos e loas europeias, mas nem por isso deixou uma marca política impressiva, tendo para tal contribuído bastante o facto de ter sido o alegre notário do declínio do cavaquismo.
Sampaio e Cavaco conviveram ambos com as áreas políticas contrastantes. Sampaio foi discreto durante os governos não-maioritários de Guterres e demonstrou uma medida firmeza, de grau nem sempre apreciado pela sua família política, quando teve de confrontar-se com orientações governativas de que estava ideologicamente mais distante.
Cavaco foi prudentemente institucional quando, do lado do executivo, estava uma maioria de sinal oposto e, enquistando mal as crises, perdeu a tramontana perante o desvario de Sócrates, parecendo viver depois bem mais confortável com o governo maioritário da sua cor sob tutela externa.
Que sobra dos três presidente na memória coletiva? De Soares, o estilo, as presidências abertas e o garbo com que presidiu ao funeral do cavaquismo governativo. De Sampaio, o incansável escrúpulo funcional, o rigor institucional endémico e o faz-desfaz do período Santana Lopes, que o afastou muito da direita e acabou por semi-reconciliá-lo com a esquerda. Cavaco Silva ficou marcado por um penoso segundo mandato, em que não soube representar um país sofrido que também o tinha elegido e pactou, de forma imperdoável e silenciosa, com ataques inomináveis à corte constitucional, de cuja autonomia também devia ser garante.
Marcelo é um presidente de tipo novo. Segue o sentido instituicional de Estado de Sampaio, tem uma genuinidade, na proximidade às pessoas, que pede meças a Soares, descuidando a distância presidencial que este não dispensava. De Cavaco, a meu ver felizmente, herda pouco. A Marcelo, o presidente mais tranparente da nossa democracia, parece aplicar-se, na perfeição, a fórmula anglo-saxónica: “what you see is what you get”. Mas é fixe ou não? Por ora, tudo indica que sim. Vamos falando…
5 comentários:
Para quem apoia o descalabro da politica economica deste governo, tirando a fé no credo e clibismo, espanta-me que se consiga dizer sem se rir que o governo anterior do P.Coelho massacrou os cidadãos. Contadinho do socrates que foi um excelenete... e deixou o país na banca rota. que lata....
Mais uma análise totalmente partidária igual a um novo ataque à credibilidade própria!
João Vieira
Senhor Embaixador
No terceiro parágrafo do seu (como habitualmente) magnífico escrito não ficaria melhor, em vez de "...nem por isso...", ...apesar disso...?
Marcelo não tem biografia. É um produto mediático. Durante a ditadura já era crescidinho mas andava distraído e não deu por ela. Compará-lo com Mário Soares é profundamente insultuoso para a memória do lutador que foi MS, a quem devemos a liberdade e a democracia. A Marcelo devemos o quê? Umas selfies???
Ariane
Em vários sectores do aparelho do Estado, parecem existir demasiados cruzamentos, entre quem é eleito e quem anda de avental, não se sabendo quem manda o quê.
Os aventais meteram Portugal ao fundo, na 1ª República, estão a fazê-lo outra vez, corroem e são predadores do que não lhes interessa.
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