Nunca percebi se o Bill Stevens era ou não da CIA. O rumor de que era corria no corpo diplomático em Oslo, mas isso nunca impediu que ele e a Judy se contassem entre os nossos melhores amigos. Em casa deles - uma moradia de madeira e vidro, na bela encosta de Holmenkollen - comemos o perú no Thanksgiving (festa em que os americanos só juntam a família e os muito próximos), eram visitas regulares lá de casa e fizemos divertidas excursões de fim-de-semana. Que será feito deles?
Um dia, o Bill teve a ideia de organizarmos um jantar comemorativo de qualquer coisa, num determinado restaurante de Oslo. A capital norueguesa, nesse início dos anos 80, não tinha muitos restaurantes. Os "de topo" eram uma meia dúzia, e extraordinariamente caros. O meu "subsídio de representação" - o acréscimo que é pago aos diplomatas, a somar ao salário-base recebido no país, para alugar casa, fazer "representação social", compensar o diferencial do custo de vida no exterior e o atenuar o facto do cônjuge ter de abandonar o emprego para nos acompanhar - era muito baixo para os preços praticados na Noruega, pelo que eu vivia os meses "a contar os tostões". As extravagâncias eram assim limitadas, com as idas aos restaurantes confinadas a umas pizzarias e coisas desse nível.
Mas não resisti à ideia do Bill, que, esclareça-se, não era um convite, era um jantar "a meias", que ele reservaria. Avisou que teríamos uma surpresa. O repasto era num primeiro andar frente ao Studenterlunden (não, não era o Annenetagen ou o Theatercaféen - para os conhecedores de Oslo). Sentámo-nos e ele revelou-nos a surpresa: tinha decidido pedir um "vinho português". Fiquei siderado! De facto, ao tempo, nunca havia visto qualquer vinho português nas cartas dos restaurantes norugueses, se bem que três ou quatro marcas estivessem à venda no Vinmonopolet - para quem não saiba, na Noruega, tal como na Suécia, as bebidas alcoólicas com graduação acima da cerveja são vendidas exclusivamente em lojas de um monopólio do Estado, a preços altamente marcados pelos impostos.
Fiquei satisfeito pelo gesto do Bill, claro. Um jantar com vinho do meu país! E estava curioso em saber o que aí viria. Não demorou muito: chegaram garrafas de... Mateus Rosé! Na realidade, era um produto nacional, mas eu nunca o "vira" como um vinho português. Com um sorriso que imagino amarelo, agradeci o gesto e lá acompanhámos a refeição, uma carne de rena, que era o "pão-nosso-de-cada-dia" da gastronomia local, com aquele produto. É que, para além de eu não apreciar "Mateus Rosé" (estou no meu direito, não estou?), de entender ser uma bebida pouco adequada para acompanhar uma refeição, o preço de cada garrafa era estratosférico, para a minha bolsa. Ah! Só que, sendo um produto português, eu tinha de dizer bem dele, claro.
Anos mais tarde, ouvi um colega espanhol numa diatribe contra a música de Julio Iglésias, que achava delicodice e para gostos parolos. Alguém, no grupo em que estávamos, lhe fez notar que era um pouco chocante ouvir de um diplomata espanhol propósitos de denegrimento de um dos mais bem sucedidos "produtos de exportação" do seu país. Eu concordei e disse-lhe: "Faz como eu faço com o Mateus Rosé: promovo e até sirvo em casa, mas não consumo..."
13 comentários:
O senhor Embaixador deveria ter retribuído o jantar, oferecendo sandes de mortadela, um tradicional produto da charcutaria americana.
O Mateus Rosé é um vinho bem bom. Cá em Portugal aprecia-se mais o tinto e o rosé é desprezado mas, para paladares estrangeiros, que frequentemente só consomem vinho branco, o rosé é muito bom.
Sou pouco viajado ao estrangeiro. Mas sempre tive curiosidade em saber como estavam por aquelas paragens, por onde eu andei, os vinhos portugueses. Na minha pequena pesquisa, o Mateus Rosé quase sempre estava por lá. Certamente porque tinha os seus apreciadores. Também não sou grande apreciador desta marca. E então para acompanhar uma refeição de carne... Valha-nos Deus!
Aconteceu-me o mesmo a primeira vez que fui a uma reunião do comité de que fiz parte em representação da nossa querida CGD que tantos tratos de polé anda a levar.
O assim chamado almoço não era mais ao que um simples "catering" de sandes variadas e não se serviam bebidas alcoólicas (ao contrário dos jantares que eram bem regados).
Nesse dia, o mais tarde amigo, John Ormerod ("chairman" do comité) anunciou com pompa e circunstancia que, em honra do novo membro, iriamos beber vinho.
Pois lá veio o Mateus Rosé.
Eu fiz a mesma cara que o Sr. Embaixador porque tenho a mesma opinião.
Mais tarde recordando o episódio, demos umas boas gargalhadas à volta de um tinto de que não digo o nome.
Cumprimentos
Senhor Embaixador,
Uma história sobre o Mateus Rosé. A SOGRAPE, pela década 80 do século passado era o fornecedor de vinhos da Embaixada de Portugal em Banguecoque e todos os anos oferecia 20 caixas, 240 garrafas, de Mateus Rosé, que eram servidas aos convidados na recepções.
Porém o chefe de missão partiu, outro que chegou e não sei por cargas nunca fez uma encomenda de vinhos à SOGRAPE. A empresa estranhou e numa carta perguntava, ao embaixador, qual a razão que a embaixada deixou de fazer encomendas de vinhos.
Não tardou a resposta: “na minha mesa não entra o insípido Mateus Rosé”!
O embaixador de Portugal na sua mesa entravam os vinhos franceses! Durante a sua comissão, bastante longa, de 7 anos nunca fez encomenda de vinhos à SOGRAPE....
Voltariam mais tarde, com novo embaixador, a vender os vinhos e a oferta das 20 caixas do Matéus Rosé.
Saudações de Banguecoque
Luís Lavoura, o Mateus Rosé é um vinho bem bom? O Mateus Rosé nem sequer é bem, bem, um vinho, é mais um refresco. Digamos que é um bom refresco.
O meu pai, que era enólogo, dizia que, tirando a qualidade técnica dos vinhos, todos os vinhos, sem excepção, são bons para quem gosta deles. Hoje todos os vinhos tem qualidade técnica e ao Mateus Rosé nunca faltou!
João Vieira
Permita-me, senhor Embaixador, que partilhe uma situação embaraçosa por que passei,há quase meio século, ligada ao Mateus Rosé e à sua imagem no exterior.
Nos meus primeiros meses de trabalho depois de sair da Universidade, fui incumbido de acompanhar duas cidadãs americanas e o seu secretário (?), ao Algarve , convidadas para uma estadia de alguns dias no Hotel Alvor, inaugurado poucos meses antes.
No primeiro jantar coube-me escolher os vinhos. A minha experiência era nula, nula mesmo. Mas eu trabalhava numa empresa de navegação e sabia que as maiores exportações de vinho para os Estados Unidos eram o Lancers e o Mateus Rosé, que eram marcas muito apreciadas no mercado americano, sobretudo pelas senhoras . Pessoalmente, nunca provara nem um, nem o outro. Escolhi o Mateus Rosé, tendo em mente a estética da garrafa.
Eis senão quando, a Ms. Smith interrompe e diz : " I do want some wine, not a fresh beverage". Que o escanção acabou por escolher a contento.
Soube depois que pertenciam ao clã Rockfeller e que socializava com Palmelas , Cadavais e com as realezas europeias que por cá andavam.
O episódio serviu-me de lição e nunca mais o esqueci.
amf
Volto,
Há uma história contada em que o fundador do Mateus Rosé na hora de sua morte chamou os filhos e diz-lhe: "meus filhos tenho um segredo a desvendar-vos de que das uvas também se faz vinho"!
Saudações de Banguecoque
João Vieira, a máxima do "são bons para quem gosta deles" aplica-se a qualquer coisa, seja ou não boa tecnicamente. No vinho, lembro-me que era antigamente muito apreciado o "vinho novo" o vinho ainda cru, com sabor a mosto, logo após a vindima, saborosíssimo. Ou o carrascão. Era uma questão cultural, de um tempo em que ainda não se descobriam notas de caramelo no vinho ;). Já o Mateus Rosé ou o Lancers, são excelentes produtos de marketing, sem qualquer raiz cultural ou qualidade gastronómica, mais para exportação. Não deixa por isso de ser um produto tecnicamente bem feito, sem dúvida.
Tem o anónimo das 9,43 inteira razão, tanto o Mateus como a cópia Lancerrs, antes, Faísca, foram feitos para exportação e não para o "gosto comum" do português que, na nossa (portugueses) opinião é mais sofisticado. Ele é claro, há gostos para tudo!
João Vieira
No entanto: pode-se gostar de uma coisa técnicamente má mas nesse caso não se está a falar da mesma coisa: o vinho só se chama vinho se for técnicamente bem feito ( será uma zurrapa, um vinagre uma água pé do pioria etc, vinho é que não é) e só depois de ser vinho é que Se gosta ou não
Com tantos defeitos apontados ao Mateus Rosé, gostaria de saber porque é que se vendem milhões de garrafas todos os anos em todo o Mundo, desde os anos 50 do século passado?
Quanto à observação do José Martins:
Há uma história contada em que o fundador do Mateus Rosé na hora de sua morte chamou os filhos e diz-lhe: "meus filhos tenho um segredo a desvendar-vos de que das uvas também se faz vinho"!
não é verdadeira. Como ele diz "uma história" mas não história. Há também a versão "ainda há quem consiga fazer vinho a partir de uvas".
A realidade pura e dura é que o Mateus é feito com uvas. Na época das vindimas pode-se solicitar uma visita a um dos centros de vinificação da Sogrape.
Porque é que se vendem milhões de garrafas de Mateus Rosé todos os anos? Porque há milhões de pessoas que gostam do produto. Não tem defeito nenhum, nem consta que alguém tivesse ficado com dor de barriga ao bebê-lo. Exagerando um bocado, quase que até se podia dar às crianças ;)
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