sexta-feira, dezembro 02, 2016

O dilema comunista

Não deve ser fácil a reflexão que o PCP leva a cabo, no quadro deste seu XX Congresso. (Caramba! Quem se lembra de um outro histórico XX Congresso?). Depois de se ter aliado à direita para derrubar o detestado governo PS, em 2011, abrindo caminho ao que aí veio, o PCP terá aprendido uma imensa lição: nem sempre a lógica do "quanto pior melhor" compensa. Com o país à beira de um sufoco, com a "troika" a mandar cá dentro, com a exceção a ser regra, com os direitos adquiridos a irem por água abaixo, o eleitorado comunista estava desejoso de se ver livre da funesta coligação que, de uma penada, aproveitara o alibi externo para desmantelar alguma coisa do que restava das "conquistas de abril". Sem expressão política para impor uma alternativa, contando quase só (o que, contudo, não é pouco) com a força negativa da rua sindical, o PCP viu-se tentado a apanhar a oportuna "boleia" que o PS lhe sugeriu - muito embora tivesse de ir na incómoda companhia do Bloco, que sempre lhe rói algum eleitorado à esquerda e na juventude. Na construção da "gerinçonça", o PS pagou o caro preço das reversões das privatizações dos transportes públicos de Lisboa e Porto, que assim puderam continuar a alimentar os cofres sindicais. Outras cedências, na Educação, aquietaram esse grande "dirigente operário" que se chama Mário Nogueira. E outras houve. No resto, nas pensões e em certas reversões, o PS fez apenas o que muito lhe apetecia fazer. E, para os socialistas, o negócio não era mau de todo: muitas bases do partido, e parte importante do eleitorado, reveem-se abertamente numa agenda de esquerda e isso acabou por fidelizar votos que a deriva segurista parecia estar a fazer fugir. A acreditar nas sondagens, isso é hoje uma realidade. Mas essa é também uma realidade muito preocupante para o PCP. É que ver grande parte da esquerda a tender a votar PS numa próximas eleições é algo que inquieta bastante os comunistas, um partido muito feito de lições da História, entre as quais se inclui a da nulificação do PCF que François Mitterrand conseguiu, associando-o ao poder. Assim, neste XX Congresso, um fantasma, na forma de um dilema, deve andar a pairar por lá. Continuar a apoiar o PS, deixando-lhe os louros das medidas populares da governação, podendo com isso erodir a sua base eleitoral de apoio? Ou começar a pensar a hipótese de romper com estrondo, com a Europa ou um incidente qualquer como pretexto, obrigando o país a ir a votos, com o PCP a reivindicar os louros de esquerda da "geringonça"? Como sempre acontece nas decisões burguesas - e não há nada de mais burguês na vida política nacional do que o PCP -, no meio é que está a virtude: Jerónimo de Sousa deve vir a conseguir um mandato para uma navegação à vista, com um crescendo de tensão, adubado por via sindical, que, se oportuno, pode levar à rutura no orçamento de 2018. É o esticar da corda, que pode vir a ser atenuado com mais algumas concessões futuras, que o PCP dirá ter arrancado a ferros. O PCP, honra lhe seja, cumpre sempre o que promete, em termos de negociação política. Mas não pode prometer ser contra a sua natureza e essa é a de uma cultura de taticismo obsessivo, de "ir andando", lutando pela preservação do "statu quo", enfim, lá no fundo, por esse seu grande e permanente objetivo, na respeitável leitura que faz da bondade do seu papel político: sobreviver.

20 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde e cuidado com o revisionismo da história.

PCP e BE na legislatura de Sócrates sempre se posicionaram contra a austeridade e a ingerência FMI/UE.

PSD sempre foi apoiando o PS na austeridade e na ingerência FMI/UE.

Até ao dia em que tirou o tapete ao PS e algumas excelências consideram normal que PCP e BE tomassem o lugar do PSD e mantivessem ao PS o tapete da austeridade e da ingerência FMI/UE.

No dia das últimas eleições legislativas algumas excelências do PS já antecipavam e ansiavam um governo PSD/PS até que Jerónimo de Sousa sinaliza em directo na TV: “o PS só não forma governo se não quizer”, uma vez que a direita não dispões de maioria.

PCP e BE estenderam a mão ao PS e não o contrário.

Sérgio Martins

Anónimo disse...

Sabe, muitos que votaram PS devido ao chamado voto útil, sentir-se-ão mais à vontade para votar PCP, pois também passou a ser um voto útil.

Anónimo disse...

Enquanto houver o PC o bloco não se transforma nos meninos e meninas imberbes do podemos.

Valha-nos, a todos, esquerda e direita, o PC.

cumprimentos

JS disse...

Em qualquer das potenciais evoluções no País haverá uma dvisão entre um Centro: esquerda funcionários estado socialismo, um Norte: industrial pequenos empresários e um Algarve:turismo e fora de isto tudo.
Todos fora de qualquer das Europas possíveis.
O PCP já percebeu. Será o dono do Centro?.

dor em baixa disse...

Permita-me contestar diversos pontos:
2.ª tese: "aliado à direita para derrubar o detestado governo PS". A aliança que ocorreu foi a do PSD que, votando sempre com o PS nos PEC's, subitamente traiu-o, mudou de campo e foi votar com o PCP e o BE. Estes, que sempre e coerentemente tinham votado contra esses PEC's, que poderiam fazer? Renegar todas as posições que tinham assumido e ir votar os PEC's do PS para o salvar? Acha isso possível?
4.ª tese: "força negativa da rua sindical" Negativa, a rua sindical? Negativa seria se os sindicatos se enfiassem nos gabinetes a atuar como a UGT.
"oportuna 'boleia' que o PS lhe sugeriu". Foi o inverso. PCP e BE declararam logo após os resultados das eleições que votariam contra o programa do governo e ele cairia. A. Costa declarou que não votaria nada por simples negativismo, só votaria contra se dispusesse de uma alternativa. Não dispunha dela e nunca dispôs até surgir a famosa frase de Jerónimo S."O PS só não governa se não quiser" E tudo mudou. No dia seguinte começaram as reuniões partidárias.
6.ª tese: "nas pensões e em certas reversões, o PS fez apenas o que muito lhe apetecia fazer"[...e]isso acabou por fidelizar votos que a deriva segurista parecia estar a fazer fugir". O PS não tem convicções, é isso?
Num ponto estou inclinado a dar-lhe razão e a extrair as consequências: quando o PS arrebanhar parte dos votos do PCP e do BE, alcançar a maioria absoluta e dispensar os apoios que o salvaram de ser o instrumento de segurança da PAF na prossecução da sua política, voltará a governar como sempre fez, reconduzirá Portugal à situação que acabou de viver, será de novo reduzido a uma fraca expressão e nessa altura a oposição ao neo-neo-ultraliberalismo triunfante talvez não consiga implantar-se.

Isabel Seixas disse...

Pois então vamos à questão de perspetiva...

Bloco e PCP obrigaram-me a admitir que são idóneos e responsáveis, que conseguem sair da sua rigidez de conforto e com grande flexibilidade fazer cedências a bem das vontades da maioria incluindo o universo de população que os abomina porque sim,de uma honestidade politica a toda a prova conseguem fazer trabalho de grupo assumindo a sua honrosa parte sem perder a dignidade da sua identidade...

É de facto o governo que eu gosto e embora me custe muito engolir a proliferação de clinicas privadas em alternativa ao investimento nas instituições públicas de saúde, me custe a engolir a frivolidade das nomeações de faz de conta numa passerelle de cargos de vaidade inoperantes e de habilitação simpatia politica e dos velhos amigos,mesmo assim, continuo a confiar neste governo e a sentir-me confiante por estarem lá os Sr.s que se seguem Catarina Martins e Jerónimo de Sousa a quem desde logo e em nome dos portugueses que necessitam de ajuda sou muito grata.

Ah ... António Costa... Gosto dele incondicionalmente é da minha idade e quase do meu signo...

Anónimo disse...

Líricos.....

Francisco Tavares disse...

Totalmente de acordo com o comentário de Sérgio Martins. Quem abriu a porta à Troika e às correntes dominantes da austeridade (uma ideia perigosa como diz Mark Blyth)? De facto, o PS (e a chamada social-democracia europeia, vidé PSOE, PS francês, SPD) há muito tempo que tinham "comprado" as receitas neo-liberais (austeridade, menos Estado, desregulamentação financeira, desregulamentação laboral com baixa salários e despedimentos, privatização da segurança social, etc. etc.).
O caro Embaixador mantém a sua perspetiva negativista sobre a geringonça. E não tanto pelas razões que me parecem ser as mais evidentes, ou seja, um exercício que é uma espécie de quadratura do círculo. Mas que alternativa tem a maioria do povo português (traduzida na "geringonça")? Pode chamar o que quiser, bem entendido, aos sindicatos (força negativa, interesses estabelecidos, etc.), mas o que é facto é que aquilo a que temos assistimos até agora (antes da geringonça) foi ao ataque organizado (também pelo Estado), e não só em Portugal evidentemente, ao trabalhador com as consequências que estão à vista: empobrecimento de largas camadas da população........e fortalecimento da extrema direita. Fascista, claro! Enquanto se mantiverem as atuais condições, nomeadamente a correlação de forças existente na UE, longa vida à "geringonça", ou seja, ao PS, ao PCP e ao Bloco.

BONITO , BONITO disse...


0s comunas cairam na reaL

SAIRAM DE 1917 EM APENAS 1 ANO, PORRA


Anónimo disse...

Tanto alheamento da realidade. O que o preconceito faz a um especialista de relações e política internacionais.

Anónimo disse...

Se a geringonça provocar mais um resgate, estaremos na situação de "no clowns no money"...fica Portugal no caos ou no "costimo".....versão europeia de chavez, morales,etc

Anónimo disse...

Todos os indicadores que são mexíveis pelo Governo têm melhorado com o governo do PS, mas "3 de dezembro de 2016 às 15:08", espera um resgate. Pois, tá claro. É o diabo, buuuuuuuh!

Jaime Santos disse...

Eu sou profundamente crítico da teimosia do PCP em conservar o marxismo-leninismo, que as experiências autoritárias por esse mundo fora, associadas à penúria económica, já demonstraram até à exaustão não servir para outra coisa senão para ser deitado ao caixote do lixo da História. Esse apego tem laivos de dogma religioso e só se compreende como elemento identitário dos militantes do PCP. Mas, dito isto, discordo da suposta obrigação do PCP (ou do BE) de servir de muleta a Sócrates em 2011, eles que sempre criticaram a política do ex-PM socialista. É verdade que acabaram a apoiar o PS num Governo em que a política implementada não é muito distinta daquilo que estava no PEC IV, mas isto foi depois dos quatro anos de chumbo da Direita e com condições impostas aos socialistas pelas quais os comunistas e os bloquistas podem clamar em parte os louros. E como disse Jerónimo de Sousa, essas vitórias são necessárias para continuar o seu combate político. Era a própria sobrevivência do PCP, implantado no movimento sindical, que estava em causa, julgo eu. Depois, Sr. Embaixador, espero que o PCP não siga o caminho do PCF, se nos lembrarmos da transferência de votos deste último partido para a FN. O PCP é um Partido que não defende a subversão da ordem democrática, que dá voz àqueles que defendem uma via soberanista para o País (e numa democracia esta visão tem igualmente que ter direito de tribuna) e é insuspeito de defender qualquer ideia xenófoba. A sua principal fragilidade é que, tal como o BE, parece ser incapaz seja de detalhar a via alternativa que defende, ou no caso de dispor de planos concretos, de os assumir (o que é pior). E, embora, eu não pudesse estar mais longe da visão defendida pelos comunistas, reconheço o risco de uma desagregação da UE poder obrigar-nos a recorrer à dita via soberanista. Nessa situação, convinha ter as necessárias políticas de contingência e de médio-longo prazo bem estudadas. Mas suspeito que caso isso aconteça, o ónus de tal coisa vai acabar por cair sobre o PS...

Anónimo disse...

Ao Anónimo das 18:29:

Continue com o mexe-mexe-mexe ("cerebral") ,a ver a banda passar com as vacas voadoras!....


Vacas sagradas....... só na India.

Anónimo disse...

"o governo que eu gosto" - NÃO!!!

"o governo DE que eu gosto" - SIM!!!

Anónimo disse...

"Vacas sagradas....... só na India.", diz o anónimo de 4 de dezembro de 2016 às 00:12 traindo o Trump xenófobo que transporta no coração.


Se aquilo que lhe vem logo à cabeça para criticar o primeiro-ministro é que ele tem meia-origem indiana, estamos perfeitamente entendidos.

Anónimo disse...

"4 de dezembro de 2016 às 08:11",

Terá já reparado que agora na televisão não há quem não coma o "de". São anúncios, são auto-promoções dos canais com os "filmes e séries que mais gostas", são apresentadores, etc.


Faz-se aliás um uso miserável das preposições. Como se um "para", um "por", um "de", um "que" fossem a mesma coisa. Como se um "ter que" tivesse o mesmo significado de um "ter de". Como se "morrer por" fosse o mesmo que "morrer de".

Anónimo disse...

Para o 11:42, não necesita responder...:

"Democracia e o Socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualddae;

Mas note a diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura igualdade na restrição e servidão."


Alexis de Tocqueville

Anónimo disse...


Citar, para abonação de um ponto de vista acerca do socialismo, alegadas palavras de um fulano que morreu em 1859 tem tanto de risível como de rigor intelectual.

São grunhos, mas estão convencidos de que brilham. Julgam ter a beleza do papagaio, quando do bicho só têm a capacidade de papaguear umas frases lidas no facebook.

É o chamado Tocqueville todo-o-terreno ou para as quatro estações.

Anónimo disse...

Como me falta rigor intelectual, gostava de uma explicação correcta sobre a compatibilidade entre liberdade e socialismo.

Factos concretos, digamos, sec XXI.

Não frequento o Facebook, onde naturalmente cada grunho debita a respectiva verdade...

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