sexta-feira, dezembro 16, 2016

Soares


Por muitos anos, Mário Soares era um nome que surgia nas referências da oposição democrática à ditadura. Vi-o fisicamente, creio que pela primeira vez, em 1969, à porta da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, numa noite em que o então líder da oposição socialista pretendia aí fazer uma "sessão de esclarecimento". A polícia proibiu o "ajuntamento" e ouvi Soares, com voz forte e indignada, a contestar a decisão diante do famigerado capitão Maltez, antes deste ter ordenado a dispersão daquelas dezenas de pessoas, "por ordem do governo". Lembro-me bem de Soares perguntar, jocoso: "E que ministro é que deu a ordem? O da Agricultura?". Um grande jarrão à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo a vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.

Ainda iria cruzar Soares, nesse ano, em duas outras reuniões da oposição. Eu estava então noutra onda, longe das suas ideias, mas apreciava-lhe a coragem e a determinação políticas. Depois das "eleições" de outubro desse mesmo ano, em que Soares e os seus amigos socialistas tiveram um resultado bastante fraco, ele saiu do país e iria ser obrigado a permanecer no estrangeiro, sob pena de ser preso, se regressasse. Só cá chegaria em 29 de abril de 1974.

Nunca falei com o ministro ou o primeiro-ministro Mário Soares. Mas recebi-o na Noruega, como líder da oposição, em 1980. Passariam 13 anos até voltar a encontrá-lo. Foi em 1993, em Londres, na nossa embaixada, aquando da sua visita de Estado, como presidente da República. Falámos então bastante de episódios da luta contra a ditadura e dos muitos amigos comuns. Criámos, a partir daí, uma relação de simpatia, que nunca mais se perdeu.

Em outubro de 1995, Mário Soares empossou-me como membro do governo e, poucos dias depois, acompanhei-o a Israel e à Palestina, escassas semanas antes dele abandonar Belém. Lembro-me de uma frase que então me disse: "Sabe que, em 10 anos como presidente, esta é a primeira e a última vez vez que sou acompanhado, numa visita oficial ao estrangeiro, por um membro de um governo da minha família política?" Era verdade. Estávamos ambos com Arafat quando o primeiro-ministro Rabin, com quem tínhamos almoçado horas antes, foi assassinado. E fomos ambos representar Portugal no seu funeral.

Convivi depois bastante com Mário Soares. Prefaciou e apresentou um livro meu. Tive a sua solidariedade em horas difíceis. Integrei a "comissão de honra" da sua frustrada terceira candidatura à Presidência da República, em 2006, que achei inconveniente mas que entendi ter o dever moral de acompanhar. Andei com ele pelo mundo, de Oslo a Gaza, de Estrasburgo a Roma, de Londres ao Cairo, de Brasília a Paris. Tivemos muitas e longas horas de conversa - sobre pessoas, factos e ideias. Nem sempre concordei com Mário Soares, mas não me custa admitir que ele teve razão muitas mais vezes do que eu.

5 comentários:

josé ricardo disse...

A respeito da sua luta contra a ditadura, recordo Mário Soares num programa de televisão (coloco provavelmente umas abusivas aspas, mas com a certeza absoluta do sentido das frases): "Eu não sou um político qualquer. Estive trinta anos na oposição. E morreria lá, se fosse preciso". Adiantou ainda, com genuína sinceridade, que embora tivesse desempenhado vários e honrosos cargos públicos e institucionais, foi precisamente a sua luta contra a ditadura que mais o preencheu e orgulhou.
Pela minha parte, aprendi com Mário Soares o que é a política no seu sentido mais verdadeiro.

Anónimo disse...

Estive à porta do SNBA nessa ocasião e se não erro houve depois uma tentativa de realizar a reunião numa fábrica na Av. do Brasil que era se não erro do Miller Guerra qua PIDE também interrompeu. Pelo que representa Soares é o maior português de todos os tempos.
Fernando Neves

Anónimo disse...

Acólitos e maçons nunca faltaram a MS , principalmente em Macau e na Jamba.

Admiradores também, daqueles que não chegaram a ser atirados aos tubarões nas colónias.

Rui Mateus é que sabe.....

Reaça disse...

MS, ao lado de AC, contra OS, são os três grandes heróis portugueses dos últimos 80 anos.

Uns não 3 eram nada sem os outros.

Anónimo disse...

"(...) MUITO mais vezes do que eu" - e nisto tenho eu razão.

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