Achei que tinha de ajudá-lo. Aquele meu velho
amigo, que já não via há muitos anos, sabendo-me colocado na embaixada em
Luanda, nesses idos de 80, procurou-me em férias. O seu pai, que há décadas
migrara para Angola, antes da independência, deixara de dar notícias. A sua mãe
tinha-se desligado afetivamente do marido, mas ele, como filho, não.
A última localidade onde sabia que ele vivera
era a milhares de quilómetros da capital angolana, nesse tempo de guerra civil.
Teria morrido? Estaria em dificuldades?
Em Luanda, em cujo
consulado ele estava inscrito, pedi que, se acaso aparecesse alguém da cidade
onde se supunha que o homem vivia, lhe pedissem para ir falar comigo, naquele
imenso prédio onde eu trabalhava e vivia, na rua Karl Marx, antiga rua Vasco da
Gama, hoje avenida de Portugal – porque o mundo é composto de mudança…
Semanas depois,
apareceu alguém da referida localidade. Confirmei que o pai desse meu amigo
estava de boa saúde e ainda trabalhava. Uma excelente notícia! Quando referi à
pessoa a razão da minha diligência, ela retorquiu-me: "Está bem, mas, por
ora, não diga ainda nada à família dele. Vou tentar que ele fale consigo".
Estranhei um pouco, mas as vidas têm razões que a lógica desconhece. E
respeitei o que o que foi pedido.
Os meses passaram, mesmo muitos. Um dia,
da portaria, dizem-me que o pai do meu amigo estava ali, para me ver. Rejubilei!
Mandei-o subir e recebi um homem tisnado, pequeno, magro mas com ar saudável,
olho vivo e cara seca, sem grandes sorrisos. Expliquei-lhe o encontro tido com
o filho, meu antigo colega. Tentei aligeirar a conversa, que sentia não fluir, com
um esforço para suscitar memórias comuns de Vila Real. Mas rapidamente comecei
a perceber que, para ele, o passado era mesmo o passado.
A certo ponto, foi claro: "É melhor
não dizer ao meu filho que me encontrou". Fiquei perplexo e, de certo
modo, desiludido. Porquê? "Eu não vou regressar nunca a Vila Real. A minha
vida é em Angola. Esta agora é a minha terra. Tenho aqui mulher e já cinco
filhos, tenho um negócio que vai bem, mesmo com a guerra. A mulher e o filho
que deixei em Portugal já não esperam ver-me, se calhar acham que eu morri. É
melhor assim. Nem eu tenho dinheiro para lhes mandar, nem era capaz de
abandonar a família que fiz por aqui. Diga ao meu filho que não me encontrou,
faça-me esse favor".
Percebi o drama do homem. À despedida, junto
ao elevador, de dentro daquela secura que os trópicos e as dificuldades da vida
haviam incutido no seu carácter trasmontano, disse uma coisa muito bonita:
"Vai agora no Natal a Vila Real? Se encontrar o meu filho, dê-lhe um
abraço forte, por mim. Mas não lhe diga nada, está bem?". Cumpri a
promessa.
Agora já não posso dizer. O meu amigo
morreu, há já alguns anos. O seu pai, soube-o há uns tempos, também. Lembrei-me
disto neste Natal, que desejo feliz para quem o possa ser.
6 comentários:
Agradeço e retrbúo os desejos de falicidades.
Francisco F. Teixeira
Acho que o Francisco procedeu mal. Fez feliz o pai, mas infeliz o filho.
Deveria ter dito ao filho que o pai estava vivo e de saúde. Só isso.
Um dilema dilacerante. Deixar alguém para sempre na incerteza ou expô-lo ao facto, se calhar mais cruel, de que era decisão do pai não manter contacto?
Tem razão: felizes os que podem ser felizes no Natal. Desejo-lhe um Bom Natal.
« Lembrei-me disto neste Natal, que desejo feliz para quem o possa ser.» Para quem o possa ser… Palavras solidárias. A solidariedade é, sem sombra de dúvida, a forma maior de alguém expressar o seu amor"
Muito bonito e comovente o seu texto.
Bem haja.
Desejo um Feliz Natal e um óptimo 2017 !
Canção de Bing Crosby , da minha infância:
https://youtu.be/aShUFAG_WgM
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