Sucedendo à credibilização iniciada com Fernando Henrique
Cardoso, a política externa de Lula da Silva havia colocado o Brasil no mapa
dos poderes mundiais. A crise económica provocou um recuo nessa ambição e a gestão inábil de Dilma Rousseff
fez "sumir" o Brasil da
agenda internacional.
José Serra, o novo chefe da diplomacia brasileira, escolhido
pela imagem moderada que projeta, tem uma tarefa difícil. Desde logo, compete-lhe fixar a ideia - que
está longe de adquirida pelo mundo - de que o afastamento de Dilma cumpriu o
espírito constitucional. Cabe-lhe
ainda « vender » as inflexões drásticas nas políticas públicas que
vão ter lugar e o modo como o novo governo irá controlar as reações expectáveis.
Depois, tem de estruturar um
novo discurso diplomático, consonante com a forte viragem conservadora interna, tornando-o compatível com o
tecido de alianças preferenciais em que o "outro" Brasil tinha assente
toda a sua estratégia durante mais
de uma década. A vizinhança
« bolivariana » fez já sentir essa incomodidade e ninguém esqueceque,
há um ano, Serra chamou ao Mercosul « um delírio megalomaníaco ».
Finalmente, o Brasil vai ser confrontado com os péssimos sinais que a
constituição do novo governo trouxe para as políticas ambientais, para a
igualdade de género e para o respeito pela diversidade.
A prevalência
dos forte interesses económicos do país faz presumir que uma certa « realpolitik » acabará por prevalecer. O facto do novo ministro juntar nas suas
competências o principal instrumento de promoção económica externa é um sinal
claro. De uma coisa estou bem certo : por mais liberal que seja a agenda interna,
não se verificará uma quebra significativa no tradicional protecionismo
brasileiro, em especial com um governo abertamente promovido pelos interesses
empresariais.
Serra tem alguns
trunfos. Desde logo, a simpatia da máquina diplomática, onde a maioria dos
quadros nunca esteve muito confortável com a agenda imposta por Celso Amorim e,
depois, com a irrelevância a que Dilma condenou a casa. Vai contar também com a
boa vontade potencial de algum mundo internacional, que vivia irritado com a
complacência brasileira face à Venezuela, Cuba e outras derivas « sulistas »,
em matéria de democracia e de direitos humanos. EUA, Argentina e Chile irão
prová-lo. A Europa, que não tem a menor «espinha» diplomática, irá «aos soluços»,
colando-se ao governo Temer se este tiver sucesso.
Uma nota
final : a esquerda portuguesa tem de ter juízo. No tocante às relações
Brasil-Portugal, carpir mágoas pelo fim de Dilma não é a mesma coisa do que ter
saudades de Lula, que era um amigo de Portugal. Vou dizer uma verdade pouco
simpática para alguns, mas que creio incontestável : em regra, a direita
brasileira é bastante mais favorável ao reforço dos laços com Portugal do que a
esquerda. As Necessidades sabem isso bem.
(Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")
13 comentários:
Embaixador, bom post. O dogmático ideológico Joaquim Freitas, não vai gostar de ler a parte final do seu post. Mas talvez lhe tenham dado o prozac.
Ao Anónimo da 01.08: a mim tanto se me dá como se me deu que gostem ou não daquilo que eu escrevo. Aqui entre nós, às vezes, até eu não gosto, pode crer. Mas é o que eu penso e isso é mais importante do que tudo o resto
E é o Senhor Embaixador que tem razão : dizer o que se pensa é isso que importa. Mas há gente que nem isso sabe fazer: pensar. Porque pensar por si mesmo é difícil. Pensar é dizer não. Mas nem toda a gente leu Alain.
...em regra, a direita brasileira é bastante mais favorável ao reforço dos laços com Portugal do que a esquerda.
Verdadji!
Reforço e digo mais, com a esquerda portuguesa, nem o MPLA, nem o PAIGC, nem a FRELIMO.
E reforço ainda mais, com a esquerda portuguesa, nem o PS se entende, só mesmo António Costa.
Prezado sr. Francisco. Não vai aqui um comentário, mas apenas uma curiosidade para a qual não foi encontrado espaço mais adequado, cujo conteúdo solicito que não seja publicado. Sou brasileiro e gostaria de entender melhor o troço final de seu texto no DN de hoje; "[...] carpir mágoas pelo fim de Dilma não é a mesma coisa do que ter saudades de Lula, que era um amigo de Portugal. Vou dizer uma verdade pouco simpática para alguns, mas que creio incontestável : em regra, a direita brasileira é bastante mais favorável ao reforço dos laços com Portugal do que a esquerda. As Necessidades sabem isso bem." Nas relações internacionais Lula deixou saudades, ao contrário de Dilma? Algum exemplo em especial? E o que seriam "As Necessidades"? Muitíssimo grato. Gustavo. E-mail: guferre@uol.com.br.
Falta dizer que Serra é o futuro Presidente.
Eu espero, Sr. Embaixador, que a pressão popular e da máquina judicial obriguem Temer a demitir-se a curto prazo e que sejam rapidamente convocadas eleições o que permitirá, espera-se, um render da guarda nos Partidos Brasileiros (é claro que Dilma e Lula estão esgotados) e uma clarificação da situação. Quanto ao estreitar de relações com o Brasil, pergunto-me sinceramente se interessa a Portugal estreitar relações com 'este' Brasil que agora chega ao poder. É que não se trata simplesmente da Direita corporificada num FHC, por exemplo. Na verdade, o 'tanto mar' de Chico Buarque parece-me neste momento claramente insuficiente...
As mulheres e os negros já se começaram a manifestar. Estranho país onde os Deputados mudam de opinião a troco sabe-se lá de quê. Estranha também a forma como o novo Presidente assumiu o poder sem o mais leve rebuço tal como a viúva que ansiava pela morte do marido para consumar a traição. Não creio que esta seja uma herança cultural portuguesa. O decoro exige maior dignidade.
Não me parece, Sr. Monteiro, que a herança portuguesa no Brasil seja propriamente recomendável, se nos lembrarmos de um exemplo tão egrégio como o tráfico de escravos, por exemplo. Os Portugueses não inventaram propriamente a Hipocrisia (que é uma invenção a duas mãos, do Catolicismo Romano e do Império Britânico), mas praticaram-na com frequência durante a sua História. Aquilo a que estamos a assistir, com uma Presidenta incompetente, mas ao que se sabe honesta, substituída por um Governo de Corruptos que clamam pela probidade da vida pública, enquanto dão loas ao Deus dos Coronéis, Cangaceiros e Pastores Evangélicos, é também um exemplo disso...
Serra, MNE do Brasil, ao qual, numa entrevista, chamou « Estados Unidos do Brasil », e insistiu mesmo ! Antes de ser obrigado, pelo jornalista, a dizer” Republica Federativa do Brasil”, que o jornalista lhe ensinou! Vê-se em quem ele pensa, como muitos brasileiros!
Os Portugueses “ ne font pas le poids” face à « presença » dos « yankees » !
Em Portugal, sobretudo no Algarve, são os « british » que os Portugueses têm na ponta da língua! Velha subserviência do passado histórico, legado pela monarquia.
Senhor Monteiro : Esse Temer, tem um CV : BRASÍLIA: O site de denúncias WikiLeaks publicou um telegrama diplomático na sexta-feira mostrando que o atual presidente em exercício do Brasil, Michel Temer, concedeu informações “sensíveis” à diplomatas dos Estados Unidos antes das eleições de 2006.
O telegrama publicado online – datado de 11 de Janeiro de 2006, e marcado como “sensível mas não confidencial” – contém resumos de conversas que Temer, deputado federal na época, teve com oficiais representantes dos EUA.
O WikiLeaks em uma mensagem no Twitter alegou que Temer agiu como um “informante para a embaixada para a inteligência norte-americana”. O telegrama está marcado como compensado pela embaixada dos EUA em Brasília mas não nomeia ou informa as pessoas que Temer brifou.
Nas informações cedidas estavam possíveis planos para o seu partido, o PMDB, de montar um desafio eleitoral ao então presidente de esquerda do país, Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com os resumos do telegrama.
Lula amigo de Portugal?Leia se faz favor o artigo do Onésimo Teotónio Almeida no último número do Jornal de Letras. Esclarecedor quanto ao sentimento que alguns responsáveis brasileiros entendem com respeito à herança deixada pelos Portugueses.
Acabou-se aquele Brasil romântico e cheio de entusiasmo tropical, do futebol e do samba carioca, da Brasília de Kubischec e do café e do Pélé, e do revolucionário Chico Buarque e dos baianos que ainda hoje enchem os nossos coliseus de Lisboa e Porto.
Brasília sim, mas contra natura tirar a capital do Rio, e jamais podia morrer Vinícius e deixar acabar a ditadura dos militares.
O Brasil tem que se re-inventar, mas só com uma boa ditadura que inspire novamente poetas e cantautores, jornalistas e sambistas à antiga.
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