terça-feira, agosto 27, 2013

A senhora loira

Era um jantar com umas dezenas de convidados, na residência do embaixador egípcio, na "asa norte" de Brasília. Tínhamos chegado ao Brasil há poucos dias, nesse ano de 2005. O meu colega do Egito quis ter a amabilidade de nos convidar, quase de imediato, dando-nos assim as primeiras boas-vindas.

(Para quem não saiba, a diplomacia egípcia tem uma tradição de grande qualidade, servida por profissionais de alto gabarito, muito bem preparados, quase sempre com uma atividade social intensa, à altura da importância que o seu país foi criando à escala regional e global. Agora, só podemos desejar que esta boa tradição se não perca).

O jantar era um esplêndido "buffet". À entrada, soubemos a mesa que nos competiria mas, mais tarde, quando lá chegados, verificámos que não havia cartões, que era "free seeting", o que não nos permitia conhecer com facilidade o nome dos comparsas da refeição. Uma das exceções era eu. A embaixatriz, delicada, convidou-me para ficar à sua direita. No meu outro lado, sentou-se uma senhora, cujo nome e nacionalidade não entendi bem, na rápida e algo atabalhoada apresentação que fizémos, com outros convidados à mistura. Ouvi que se expressava em inglês. Era uma mulher loira, de uma beleza serena, madura, com pele muito clara e um bonito sorriso.

Durante alguns minutos, conversei com a nossa agradável anfitriã. Depois, na protocolar alternância, voltei-me para a vizinha do outro lado e troquei algumas palavras de circunstância, de elogio sobre a comida, sobre a casa ou qualquer outro tema para "entreter". As conversas seguiam em inglês. Não tinha percebido a sua nacionalidade, mas não lha perguntei, porque não queria dar a ideia de que estivera desatento, quando ela se apresentara. Disse cá para mim: com o tempo, lá "chegarei". E fui-me divertindo com o processo de adivinhação, como por vezes faço. Desde o início, fiquei com a sensação de que devia ser nórdica. Talvez mulher de diplomata (pela idade dela, imaginei que o "partner" já podia ser embaixador), porque tinha um discurso cosmopolita. Não entrou no "talking shop" típico das "chères collègues", pelo não era, ela própria, embaixadora (eu ainda não conhecia a maioria dos meus colegas). Estava muito bem vestida, num estilo clássico, o que excluía que fosse de uma qualquer ONG. Não tinha também a linguagem viciada de algum pessoal de organizações internacionais. Não lhe notei aquelas "inspirações" quase asmáticas, tipicas das interjeições que as norueguesas costumam fazer. E não tinha o toque "viseense" do falar islandês. O seu inglês (que não era o típico americano ou outro "nativo", o que excluía que fosse britânica ou irlandesa) não tinha o "arranhado" dos dinamarqueses, nem a tonalidade algo rural que identifica, "por uma pinta", os finlandeses. Fez um comentário simpático sobre qualquer coisa da Rússia, pelo que, de imediato, deduzi que não podia ser originária de um país báltico. E, claro, também não seria polaca. Aliás, algumas ideias que perpassavam no seu discurso, com alguma "rightousness" um tanto puritana e pouco "free-marketeer", fizeram-me afastar, em definitivo, a hipótese de ser de um antigo país comunista da Europa. É isso, por exclusão de partes, devia ser sueca! Pela certa. Arrisquei:

- How long have you been in Brazil? Did you come straight from Stockholm?

Olhou-me, surpreendida:

- Stockholm? No! I came from Uruguay!

Uruguaia? Não tinha ar disso! No meu melhor castelhano, pedi desculpa pela confusão e disse-lhe do meu equívoco, confessando que tinha achado que ela era sueca. Era o seu ótimo inglês que me tinha levado a essa ideia, disse eu, tentando um "charme" desculpabilizante. Não tinha percebido que era uruguaia, mas, assim, ainda bem!, podíamos continuar a falar em espanhol.

A sua resposta desarmou-me:

- Pero yo no soy uruguaia. Yo soy brasileña!

Aí dei uma gargalhada do tamanho da mesa. Revelei que era português (ela explicou depois que achara que eu era, imagine-se, grego!) e a "loira sueca", nascida em Curitiba, contou-me então que era casada com um diplomata brasileiro, há poucos meses chegado de Montevideu, e que estava sentado noutra mesa.

Convém ter sempre muita atenção nas apresentações...

23 comentários:

iseixas disse...

Bem o apanhado é giríssimo (refiro-me ao penteado da Sra. da foto, claro)...

O suspense também, mas eu já estava a imaginar a Sra.Portuguesa ou eventualmente filha de portugueses, no contexto, ser do próprio País é mais interessante ainda. Bem engraçado o episódio, aliás passível de interpretação psicológica sem grande margem de erro.

Hum... Suecas...

Anónimo disse...

Singularidades de uma mulher loira....

Anónimo disse...

O embaixador português, no Brasil, preferia falar espanhol com uma uruguaia...

Eduardo Saraiva disse...

"Muita atenção..".
Atenção diplomática, julgo eu.

Anónimo disse...

Bela estória ó Seixas. E esse livro quando vem?

Anónimo disse...

O senhor anonimo o faz favor em que língua e que se deve falar com as uruguaias? E so para saber...

a) Feliciano da Mata, poliglota

Anónimo disse...

Posed by a model?

Anónimo disse...

"Uma mulher perdoará um homem por tentar seduzi-la, mas não o homem que perde essa oportunidade quando ela lhe é oferecida."

Charles Talleyrand-Périgord


Alexandre

Anónimo disse...

São estes textos que me fazem aparecer por aqui. Quanto ao resto... já conheço o fraseado e até o pensamento.

Anónimo disse...

Uma história bem contada, que nos deixa intrigados até ao final. E tinha que ser com uma loira, pois se fosse morena não nos prendia tanto...

ignatz disse...

pois é, se fosse preta não tinha suspense de ser sueca e não rimava com cueca.

Francisco Seixas da Costa disse...

Ó Ignatz: você tem cá um feitio, que nem lhe digo!

Anónimo disse...

Feliciano da Mata, provavelmente na língua em que elas devem falar com os portugueses, ainda mais no Brasil...


Ass:

João Espinha Reta

Anónimo disse...

Caríssimo Francisco

Esta é mais uma estória verdadeira que me foi contada pelo Eduardo Solano de Almeida, comandante da TAP, filho do Solano de Almeida que aos comandos do seu TAIP conseguiu cavar de Goa já com as forças indianas a chegar ao aeroporto de Dabolim.

Pois o Eduardo, acompanhado do seu segundo e de mais membros da tripulação, chegou um dia a Estocolmo e ficou (ficaram) alojado(s) no Hotel Sven Vintappare.

Depois de term feito o check in ele e o seu segundo dirigiram-se ao elevador. Ao lado uma sueca boazona (a qualificação é dele...) e grávida também aguardava o ascensor.

O Eduardo disse para o vice: "Que suecaaaa!!!! E alguém já lhe bufou para dentro!!!...

A sueca soltou uma gargalhada e respondeu no mais puro português: Bufou, bufou, mas foi o meu marido... Foi quando chegou o elevador que ele, Solano, envergonhadíssimo, pediu muitas desculpas, mas, enfim quero dizer,...pensei que a Senhora fosse sueca e não entendesse... Ela interrompeu, que crescera em Portugal e patati, patatá e convidava-os a irem até ao Bar, para conhecerem o marido.

Mais tarde, no Bar, juntamente com o marido, um engenheiro português, para além das gargalhadas pelo acontecido, a Senhora explicou que era realmente sueca, mas que fora com os pais para Carcavelos, quando tinha três anos... e lá casara.

Ele há dias em que um homem não deve sair de casa - à noite...

Alcipe disse...

Portunhol, senhor Coluna Direita?

Carlos Fonseca disse...

Mais um post que nos deixa água na boca enquanto esperamos pelo seu livro de memórias (cuja publicação espero que não fique para as calendas).


Achei um piadão à farpa que lança, ao escrever com a sua característica ironia (corrosiva?):

“Estava muito bem vestida, num estilo clássico, o que excluía que fosse de uma qualquer ONG. Não tinha também a linguagem viciada de algum pessoal de organizações internacionais.”

Anónimo disse...

Esqueça Anónimo, entre lusófono e hispânico há uma hierarquia muito bem estabelecida que poucos ousam contrariar...

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu amigo, garanto-lhe que depois de ter anunciado e chorado a morte de um amigo que, afinal, está bem vivo, este seu post fez-me rir a bom rir!
É que "adorei" as duas alfinetadas, a sua e a do Carlos Fonseca, que se antecipou a mim, nas vestes das Organizações...
De costas, a senhora até parecia a nova namorada do Miguel Pais do Amaral, la Esther Koplovitz. E esta?!

Anónimo disse...

Dra. HSC gostei da sua comparação com a espanhola, descendente de polacos. Mas atenção, faltou dizer que esta parecia ser filha ou neta da outra...ah ah ah.

Um Jeito Manso disse...

Embaixador, permita-me que me dirija a outra bela loura, sua visita, a Helena, e que, aqui abaixo trocou a loura Koplowitz pela morena. É que a loura é Alicia e não Esther. Não é por nada mas é que, pelo que consta, o Conde de Alferrarede prefere mesmo a mana loura, a Alicia.

Boa noite!!!

opjj disse...

As mulheres loiras e bonitas devem ter muitas estórias para contar.
Conto tb uma mas um pouco mais triste.
Agosto 2012 fazendo o meu passeio matinal de bicicleta, na margem do Guadiana estava uma jovem loirinha lindíssima nos "teens" pescando no dreno do saneamento onde abundava peixe. Esforcei-me no meu mau inglês para lhe chamar à atenção do local. Por fim lá me diz que era francesa de Paris. Não voltou ao local com pena minha.

Anónimo disse...

Sr. Embaixador: As madamas das ONG (não ONG's)vestem assim tão mal? E são feias ou bonitas? Vão à missa ou só têm jipes?

Julia Macias-Valet disse...

As loiras enganam muito... :)))

A Helena SC : de costas a mim parecia-me a Meryl Streep.

A Um Jeito Manso :
Vê-se logo quem nao perde um n° da "Hola !" ;)
E não da "ihola!" como sismam em dizer 99,99% dos portugueses !!! :((

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