sábado, junho 08, 2013

Dia de Portugal

Vem aí mais um Dia de Portugal. Infelizmente, não vou poder aceitar o convite para estar presente na cerimónia em Elvas, experimentando a minha nova e curiosa qualidade de membro do corpo diplomático em Portugal, enquanto diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. O avião que me trará do Brasil não chegará a horas que me possibilitem a deslocação a Elvas.

Todos os anos, olho sempre com alguma curiosidade para a lista dos condecorados no Dez de Junho. Por ela confirmo juízos sobre pessoas cuja ação meritória o país entendeu finalmente dever reconhecer publicamente (lá figura um nome que, como embaixador, eu próprio já havia proposto por mais de uma vez), aprendo a respeitar nomes de compatriotas que se distinguiram em domínios às vezes insuspeitados e encontro, aqui ou ali, escolhas que me parecem francamente deslocadas, num juízo de aquilatação relativa. Outros, nomeadamente os que tomam essas decisões, pensarão de forma oposta à minha, claro. É da natureza destas coisas nunca serem totalmente consensuais, embora o bom senso recomende que devam sempre tender a sê-lo.

Há precisamente uma década, também eu subi ao palanque para receber, das mãos do chefe do Estado, a mais elevada comenda a que qualquer servidor público pode ambicionar, atribuída por razões então divulgadas, que me não cabe a mim julgar ou agora reiterar. Digo isto para que se compreenda que o que a seguir vou dizer não pretende vantagens em causa própria.

Ao longo dos anos, um pouco como acontece com os militares, havia-se criado a regra de distinguir, no Dia de Portugal, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, um embaixador de Portugal que, por uma carreira distinta ou por ações diplomáticas "valerosas" (como disse o poeta que marca o dia), se houvesse destacado na execução dessas suas funções públicas. Era um testemunho de reconhecimento do Estado em domínios de soberania que, pela sua seletividade e raridade, funcionava, entre nós, como uma espécie de "benchmark" de mérito (embora, também aqui e uma vez mais, a doutrina por vezes se dividisse quanto à justeza da escolha feita). E era um gesto que, do mesmo modo, não deixava de ter algum significado perante os nossos pares estrangeiros, bem como face aos países onde estávamos ou iríamos ser acreditados. Os outros Estados, onde estas coisas também se praticam, frequentemente em moldes similares, sabem bem interpretar o que significava terem, como representante diplomático português, um embaixador titular da mais elevada condecoração do seu país.


Agora, de há uns tempos para cá, ou é desatenção minha ou desapareceram embaixadores nas listas dos condecorados no Dia de Portugal. Não quero fazer disto uma polémica, mas, com esta realidade, pode criar-se a impressão de que a função diplomática terá decaído nas tabelas de apreciação dos poderes públicos. Se assim fosse, isso seria de uma imensa injustiça e motivo de grande estranheza. É que, com ênfase, regularidade e de uma forma que não quero crer ser apenas retórica, quer o chefe da diplomacia quer o chefe de Estado têm vindo a destacar o importante e cada vez mais difícil trabalho que, em particular nos últimos anos, é discretamente realizado pela carreira diplomática portuguesa, na tentativa de salvaguarda do prestígio e dos interesses do país na ordem internacional. Assim, só posso deduzir que, não devendo essa perceção negativa corresponder à realidade, haverá novos critérios, seguramente ponderosos mas que, para mim, não são nada evidentes.

12 comentários:

Isabel Seixas disse...


"Não se muda já como soía"

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Luís de Camões

Portugalredecouvertes disse...


Talvez o Sr. Embaixador receba também alguma informação que venha esclarecer esse ponto.

Helena Sacadura Cabral disse...

Belo texto que prova bem que um diplomata é-o para sempre. Aqui diz-se tudo o que importa dizer, referir ou estranhar, com uma enorme diplomacia. Parabéns, Francisco!

Anónimo disse...

Há pelo menos uma condecoração que me apraz em particular, embora o devesse ter sido antes de outros bem mais novos e com menos provas dadas pelas comunidades portuguesas.

Mário Castilho presidente da Associação Portuguesa Cultural e Social de Pontault Combault e do Instito Lusófono é um dos novos comemdadores (Ordem de Mérito) e é mais que merecido.

Aí está uma condecoração que dá dignidade ao seu sentido e valor, depois da banalização das últimas décadas.

Parabéns ao Mário Castilho pela obra e, acima de tudo, pelo excelente ser humano que é.

Isabel BP

Carlos Fonseca disse...

"(...) com esta realidade, pode criar-se a impressão de que a função diplomática terá decaído nas tabelas de apreciação dos poderes públicos.(...), escreveu o senhor embaixador.

Quanto a mim, o que, de uma forma geral, decaiu na apreciação da opinião pública, não foi a função diplomática: foram os poderes públicos.

Anónimo disse...

Tem toda a razão !

Mas como já notei aqui, o tempo é dos farsantes-governos-jotas-a-reinar-desde-2000 !

Um Embaixador de Portugal não constitui para oe média (?) um produto, assunto, de valor para "alimentar" o "pagode" da treta, esquerda /direita ou vice/versa.

Se o Sr.Embaixador tivess encontado uma ideia "fracturante" e ia ver que a medalha vinha "ter" consigo !

Alexandre


paulo disse...

Senhor Embaixador,
Por razão que a razão desconhece não consigo enviar-lhe um mail. Aproveito esta oportunidade, o tema deste post, para o informar que fui agraciado com a L'orde national du mérite grade d'officier.
No passado dia 3, na Embaixada de França, o Sr. Embaixador Pascal Teixeira da Silva, em nome do Pesidente da Republica Francesa, condecorou-me.
Nada nesta vida, quase nada, se faz sozinho e se o meu trabalho foi reconhecido não tenho duvida que se deve á orientação e apoio de todos aqueles que comigo serviram Portugal em Paris.
Muito obrigado pela orientação, apoio e cumplicidade.
Forte abraço,
PM

Anónimo disse...

O benchmark diplomático escusa de ser anual… Deve ser essa a razão…
Também será uma enorme dor de cabeça formar a lista!... Mas apesar da copiosa fabricação de numismas, apreciando as notícias de hoje, ainda se pode propor mais uma:
Mário Nogueira devia ter uma medalha: Já deve ter batido todos os records de ministros combatidos (e abatidos)! Nenhum lhe agrada!... Seria uma espécie de earmark…

Anónimo disse...

É no que dá escrever comentários a "correr" - comendador e Instituto não estão bem escritos :))

Isabel BP

patricio branco disse...

há celebrações que apodrecem, não por culpa do dia ou do que se comemora, mas pelo modo como as autoridades decidem celebrá-lo, de forma fechada, pseudo-grandiosa, com discursos balofos que já não se usam, resguardando-se da população entrincheirados pois sabem que vão ser vaiados, rodeando o poder dum cerimonial exterior que já não significa nada para ninguem, tipo bandeira de pernas para o ar...
pena de facto um diplomata já não ser condecorado, ele representa a politica externa do país e muito se fará de util nesse sector.
todos sabemos como muitas pessoas movem influencias e se esgatanham, expressiva palavra, para ter uma condecoração...
bem devia sempre ser condecorado um artista ou intelectual, escritor, pintor, cantor; um cientista ou investigador cientifico; um militar; um representante da igreja (e não só da cristã), um politico que se retirasse, um empresario e outras personalidades que se tivessem distinguido dentro ou lá fora como bons portugueses ou portugueses bons, seja em que área for...

Alcipe disse...

Os diplomatas não são populares. Para além da ideia feita que não fazemos nada a não ser comer croquetes ("faz-se alguma coisa na sua embaixada?" perguntou-me um dia uma médica, que eu tinha acabado de conhecer; "faz-se alguma coisa no seu hospital?" foi a resposta mais gentil que me ocorreu dar-lhe), a própria ideia de soberania nacional tem vindo a ser posta em causa, por razões óbvias, e temos de compreender que o povo não entenda já para que serve o Estado ter funções de soberania. É menos desculpável essa ideia por parte das elites. Mas por aqui já não posso ir...

Anónimo disse...

Sou um cidadão de bom gosto.
Farto-me de procurar blogues que valha a pena ler.
Talvez seja mal informado pois só agora encontrei este que me encantou.
E não é que encontro também uma senhora que me delicia com a sua escrita: Helena Sacadura Cabral!
Parabéns Senhor Embaixador.
Serei leitor assíduo.

João Miguel Tavares no "Público"