sábado, junho 29, 2013

O especialista

Com um amigo, diplomata português, passei há pouco pela magnífica Kléber, a mais completa livraria de Estrasburgo. Como ambos teremos de ir, no início de setembro, em representação do Conselho da Europa, a um pouco vulgar país euro-asiático, comprámos um guia turístico sobre esse destino remoto. Só havia na prateleira os dois exemplares que adquirimos e, por isso, ironizámos com a circunstância de, com grande probabilidade, ninguém, nessa delegação do Conselho da Europa, vir a ter acesso a tanta informação sobre esse Estado como aquela que o livro nos iria proporcionar. Ainda a brincar, comentámos que, se lêssemos com cuidado alguns aspetos mais bizarros da história daquele país, até poderíamos fazer um "brilharete" durante a visita, dando aos restantes delegados uma ideia magnificada da imensa "profundidade" da cultura dos diplomatas portugueses.

Esta conversa trouxe-me à memória uma historieta que um saudoso colega, há muito já desaparecido, o embaixador Luís Martins, me contou um dia, passada na nossa embaixada em Washington, nos anos 60, onde ele era então um jovem secretário. 

O ministro-conselheiro da embaixada, um homem bastante mais velho que a generalidade dos colegas, decidia organizar, de quando em vez, um almoço com todo o pessoal. Nesses repastos, acabava sempre por puxar para a conversa um tema de política internacional muito específico, sobre o qual revelava um conhecimento invulgar. Todos os colegas passaram a admirar a cultura político-diplomática desse diplomata, o qual, a avaliar pela amostragem revelada nessas conversas, era seguramente das pessoas da carreira com uma mais vasta sabedoria.

Até um dia. Alguém, uma vez, deu-se conta da regular coincidência entre a data da organização desses almoços e a publicação da última edição da "Foreign Affairs". É que, invariavelmente, os respastos eram convocados para os dias seguintes à publicação de um novo número dessa famosa revista de relações internacionais, no qual, não por acaso, vinha sempre publicado um especioso artigo sobre o tema que o ministro-conselheiro escolhia para desenvolver e deslumbrar os seus interlocutores. Sem citar a fonte, claro.

6 comentários:

Isabel Seixas disse...

Há tantos especialistas "feitos desse modo"...

patricio branco disse...

é o que se chama aproveitar bem a revista e compartir com os amigos e colegas o que nela aprendeu.
na verdade, ninguem numa conversa é obrigado a revelar as fontes, coisa que ele fazia com elegancia.
entretanto vejo que deve ser interessante o ensaio sobre putin e merckel, mas trata-se de revista que embora respeite não leio, por isso não sei o que dirá, apenas conjecturo...

Isabel Seixas disse...

"Magnífica Kléber, a mais completa livraria de Estrasburgo" in FSC

Pffff grande coisa, aposto que não tem as luzes de Leonor muito menos uma segunda opinião já nem falo nas Lendas da Índia nem no tempo dos afetos...


Enfim...Megalomanias,oh...
Faltava-nos agora essa de que o que há em Estrasburgo é que é bom.

Joaquim de Freitas disse...

Se consideramos que a cultura faz parte do saber, e que este se adquire com a experiência e o ensino teorico , devemos admitir que aprendemos todos nas mesmas fontes. O problema que o saber pode criar é quando este é fonte de poder. E os dois operando em conjunto, podem ser prejudiciais para aqueles que nao têm nem o mesmo saber nem o poder.Mas também admito que é ainda mais perigoso quando os que detêm o poder nao têm o saber!

Alcipe disse...

Ah, Isabel Seixas, a Kléber tem Camões, Eça, Fernando Pessoa, Lobo Antunes, Saramago, Agustina, Maria Judite de Carvalho, Gonçalo M.Tavares, José Luis Peixoto, Nuno Júdice... tudo traduzido para francês. Faltam as luzes da Leonor e as lendas da Índia? Pois traduzam-nas para francês e encontrem editor! Olhe, estou a tratar da vinda aqui do Miguel Miranda... sim, ele foi traduzido para francês! A Dom Quixote não promove os seus autores, sabia? Pois é!

Isabel Seixas disse...

De facto Sr. Embaixador Poeta, sendo assim, também não estamos nada mal representados não senhor...

E o Miguel Miranda que boa aposta, decerto levará "ganhos em saúde" na difusão da escrita e escritores portugueses.

Que pena a Dom Quixote como grande editora que é, não promover os seus autores,não faz sentido, não sabia.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...