sábado, junho 04, 2011

"Diplomatas"

A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar.

17 comentários:

Anónimo disse...

Enfim, um trambiqueiro investido no cargo de 'vice-cônsul' deixou a diplomacia, o país e os portugueses pelas ruas da amargura.
O resto é...semântica.
Cumprimentos e votos de bom fim de semana, sr. Embaixador.

Dulce disse...

Oportuno esclarecimento... e a propósito, o mesmo vale para a função de 'adido'.

Anónimo disse...

Já era tempo de alguém criticar a passividade da ASDI (Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses).
Oportuna clarificação que deveria ter sido feita pela tal ASDI.
"Adido de Embaixada"

Anónimo disse...

Gostei imenso do post, sabe a reposição de verdade...E convenhamos legitimidade.

Isabel Seixas

patricio branco disse...

A entrada fez-me lembrar "o cônsul honorário" de graham greene, em que um ch do reino unido no paraguay é raptado por guerrilheiros montoneros (ou tupac amaru, não sei bem)com intenções politicas - chamar a atenção internacional, pedir um resgate.
O pobre homem defendia-se então junto dos sequestradores dizendo-lhes que se tinham enganado, tomando-o por ignorancia por um diplomata, coisa que ele não era nada.

Anónimo disse...

Tem toda a razão, caro Embaixador.

É mais um caso de ignorância ou, se quiser, de falta de rigor.

Mas não é caso unico, fique descansado!

Agora, a propósito do surto infeccioso da bactéria E.coli detectado na Alemanha ainda não vi escrito em lado nenhum que se trata de uma doença tipica do 3º Mundo.

É isso mesmo, meu caro Embaixador: uma doença do 3º Mundo, num país do 1º Mundo (a rica, a rigorosa Alemanha que foi tão lesta a culpar os espanhóis - um desses países do sul!...).

E também é curioso que um país do primeiro mundo, tão rico, tão rigoroso (os do sul é que são pobres, desleixados e...) ainda não tenho descoberto a origem do problema

Se fosse num país do sul (eufemismo que eles dão a certos países que consideram do Terceiro Mundo) já tinha caído o Carmo e Trindade.


Um dia se tiver oportunidade, diga-lhes diplomaticamente que eles apesar de tao ricos , rigorosos e competentes estão a ver-se á nora com uma doença do Terceiro Mundo

Poderemos ser pobres, mas não somos parvos!

Cumprimentos

Anónimo disse...

É incorrecto a comunicação social tratar o Vice-Cônsul de Portugal em Porto Alegre por diplomata, mas também não é menos incorrecto a ASDI não se pronunciar (e nem sou da carreira).

Os seus Corpos Gerentes devem ter outras prioridades, nomeadamente as colocações uns dos outros.

Isabel BP

Anónimo disse...

Trata-se em ambos os casos de elementos exteriores à carreira, à qual trouxeram grande valor adquirido pelo seu engenho financeiro, com resultados obtidos que se podem quantificar objectivamente. Não vejo razão para os condenar. Classificá-los antes como excelentes.

a) Madoff

Anónimo disse...

Deveria ter sido escrito assim: "Vice-Consul de Portugal roubou". Qual seria a diferença? Em relação a Portugal, claro, que os nomeia a todos, "diplomatas" e "vices"? Percebo a preocupação do senhor Embaixador, mas a opinião tem apesar de tudo algum interesse: ficamos a saber que existe diferença entre um Consul e um Vice-Consul...Afinal quem reoubou foi um "vice"!

Anónimo disse...

@ Anónimo das 19.57: Tal como o autor do blog assinalou, nesses supostos 'diplomatas' há de tudo: bom, mau e... assim assim. O engenho financeiro de muitos deles é, as mais das vezes, tipo Madoff! Lamentavelmente os nossos media são de uma ignorância enciclopédica e nem perguntam quem é quem.
@ Isabel BP: A ASDP não dizer nada será, talvez, "discrição diplomática"...
Não sou diplomata 'a sério' nem 'ofício correlativo', mas ao ler a notícia senti uma enorme indignação e lamentei o silêncio (habitual) do MNE que não defende os seus diplomatas, que constituem, quiçá, a elite do nosso funcionalismo público. Pensei que neste blog deveria aparecer qualquer coisa. E assim foi. Congratulo-me. Um blog tem pequena repercussão... mas mais vale pouco do que nada!
(Nota: essa categoria de vice-consul contratado localmente devia desaparecer. São demasiados os que só deixam mal visto o país e os seus legítimos representantes. Que me desculpem os outros!)

Anónimo disse...

Caro Anónimo das 00:13,

A ASDP pode pautar-se pela "discrição diplomática" e pronunciar-se. Aliás, nestes casos, trata-se de elucidar a opinião pública e defender a carreira que representam... Para isso é que existem as estruturas sindicais.

Voltando ao cargo de Vice-Cônsul, também há a juntar os vários que lá chegaram, talvez, pelo "mérito" de fazerem parte dos Corpos Dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e Missões Diplomáticas (STCDE).

No meu outro comentário, escrevi ASDI porque fui na "onda" do comentário do "Adido de Embaixada", mas a ASDI era a Acção Social Democrata Independente - um partido fundado no meu tempo de "menina e moça".

Isabel BP

Anónimo disse...

Sabendo nós como funciona o jornalismo e como os jornalistas se têm de sub-dividir em mil peças ao mesmo tempo, o MNE bem podia, de uma forma fácil, evitar esta confusão, colocando no seu sítio da Internet, a lista dos diplomatas — que infelizmente é pequena — ou o anuário, onde constam todos os seus funcionários diplomáticos e não diplomáticos, incluindo a categoria do antigo "vice-cônsul" em causa.

Adelo disse...

Note-se que o tal Vice-Consul em Porto Alegre (a contas com a polícia local) não é vice-consul contratado local, como por aqui foi sugerido. O Sr Vera-Cruz Pinto é funcionário do MNE em Lisboa, técnico superior do Protocolo (do palácio das Necessidades).
Só foi mandado para aquele posto, redesignado de vice-consulado, porque foram criados tais postos sem existirem suficientes vice-consules de carreira (que estão em vias de extinção, até pelo decurso do tempo, - idade - reforma).
Nalguns casos, até travestiram consules honorários (não funcionários) em titulares desses postos. Tudo isto, porque entregaram a chamada "reforma consular" ao presidente da AM de Braga! Não haveria ninguém mais competente para tal tarefa?
E convirá dizer à D. Isabel BP, que os VC com ligações ao seu sindicato foram nomeados titulares de alguns postos não por isso mas pelas suas capacidades para assumir a tarefa. E se a não cumprirem cabalmente, serão certamente removidos para as suas funções anteriores. Ou já não haverá Inspecção Diplomática e Consular?

Anónimo disse...

@ Isabel BP: pensei que a"discrição diplomática" entre aspas e a frase terminada com reticências seriam suficientes para ver ironia. Parece-me que isso não sucedeu.Aqui fica o esclarecimento.
Da próxima vez porei um sorriso enviezado :/ ou então uma piscadela de olho ;)
Quando não se é escritor talentoso... :)

Anónimo disse...

Caro Anónimo das 00:13 e 02:15,

Mea culpa, li enviezado com a pressa de ir votar :)

Isabel BP

Anónimo disse...

Em todas as funções, em todas as carreiras, há indivíduos - a que não posso chamar de profissionais - que mancham os seus pares e quem representam. E a carreira que não tiver telhados de vidro que atire a primeira pedra.
Parece-me, por isso, injusto confundir-se a árvore com a floresta. Nesta carreira, categoria, grupo, ou lá que lhe queiram chamar, ou noutra qualquer. Tal como é incorrecto confundir-se consulados honorários com Vice-consulados. Ainda mais por quem sabe bem a diferença. Para quem não sabe, o Regulamento Consular está aí disponível.
Nada me move contra quem, Cônsul Honorário, Vice-Cônsul, Cônsul, Cônsul Geral, etc., com honra, competência, trabalho, dignidade e sentido de Estado desempenha a sua função. E em todas estas “categorias” a maioria o faz. E o senhor Embaixador sabe muito bem disso.
Se houve um cônsul honorário na Alemanha que meteu dinheiro ao bolso, o senhor Embaixador sabe bem que muitos metem dinheiro do seu bolso para representar Portugal. E por vezes, nem um obrigado recebem.
Se houve um Vice-Cônsul no Brasil que desviou dinheiro e manchou o nome de Portugal, outros há que, apesar de serem filhos de um Deus menor, pautam o seu dia-a-dia para o dignificar. E asseguro-lhe: não pretendem ser confundidos com aquilo que não são! Seja com diplomatas, seja com trafulhas.

JR

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro JR: É sempre difícil, em textos deste género, não deixar que o tom geral se imponha sobre o pormenor, o que pode abafar este em detrimento do primeiro.

Mas quero deixar claro que afirmei que, em geral, a atividade "é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade".

Por outro lado, sabe bem que sempre manifestei (e julgo ter sido o único a fazê-lo de modo formal) a minha forte oposição à "recriação" da figura do "vice-cônsul" como titular de postos. Não necessariamente por estar à espera de "trafulhices", que podem ocorrer em quaisquer carreiras.

Netanyahu

Tal como vários dos seus contrapartes já fizeram, seria interessante que Luís Montenegro anunciasse que, se Benjamin Netanyahu puser um pé e...