domingo, janeiro 17, 2010

A leste


Em 2002, um "think tank" que apoia as Nações Unidas, a "International Peace Academy", dirigido então por esse magnífico diplomata canadiano que dá pelo nome de David Malone, organizou um "retiro" de dois dias, num hotel a umas horas de Nova Iorque, juntando quinze embaixadores.

O objetivo, se bem me lembro, era discutir a ideia "impossível" de articular melhor a actividade do Conselho de Segurança com a do Conselho Económico e Social (ECOSOC), de que eu era então um dos quatro vice-presidentes. Era uma ideia antiga, que surgia de tempos a tempos, ressuscitada por um qualquer pretexto de conjuntura. O exercício estava, uma vez mais, condenado ao fracasso porque, por razões curiosamente opostas, quer Cuba quer os Estados Unidos discordavam do aprofundamento dessa cooperação.

Por um motivo que não importa agora para aqui, eu havia-me empenhado em organizar uma sessão especial do ECOSOC dedicada à matéria, para a qual consegui "arrastar", não sem algum esforço, o meu colega britânico, Jeremy Greenstock, que nesse mês presidia ao Conselho de Segurança. O resultado foi o que foi, mas excitou o interesse da "International Peace Academy", que sabia que o tema agradava ao SG da ONU, Kofi Annan.  Dada a minha actividade nesse contexto, fui "upgraded" para o grupo, onde predominavam os embaixadores dos chamados P-5 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança) e de outros "key" ou "major players" internacionais.

Mais para equilibrar geograficamente o debate do que por qualquer outro motivo, foi convidado um embaixador de um grande país "do sul", um antigo político, pouco vocacionado para reflexões especiosas sobre matéria técnicas de relações internacionais. Desde o início, verifiquei pelo seu "body language" (ou melhor, pela sua visível sonolência) que estava muito pouco interessado no tema, que não intervinha e que revelava um enfado com as discussões - que, aliás, foram bem interessantes.

Logo ao final do primeiro dia, cruzei-me num corredor com o nosso homem, de malas aviadas  de regresso a Nova Iorque. Disse-me, na sua língua, que "estava farto" e que a discussão lhe parecia "estéril" - no que podia ter alguma razão, num plano imediatamente prático, se se  esquecessem algumas dimensões políticas mais subliminares. E acrescentou, ao despedir-se: "Só me faltava vir para aqui discutir a Alemanha de Leste!"

Não percebi o que quis dizer e não tive tempo para me esclarecer, porque desapareceu, apressado. Mas fiquei com a frase na cabeça. C'os diabos!, que eu me lembrasse, ninguém tinha falado da Alemanha de Leste, nem tal vinha a propósito, tantos anos depois da queda do muro de Berlim, ainda por cima na presença do embaixador alemão.

Dias depois, encontrando-o na ONU, não resisti e perguntei-lhe: "A que propósito, há dias, no "retreat", referiste a Alemanha de Leste? Esse tema nunca foi discutido...". O homem abespinhou-se: "Em bem vi na agenda da reunião que vocês, no dia seguinte, iam falar disso! Era o único tema para metade dessa manhã. Estava lá bem escrito: DDR! Ora, para o meu país, isso agora já não interessa nada!"

Não sei se ele me perdoou alguma vez a sonora gargalhada que dei no Delegates Lounge. Na linguagem "onusina" e não só, DDR significa "demobilization, disarmement and reintegration"...  

7 comentários:

Helena Oneto disse...

:):):) enfim! :) uma boa gargalhada nestes tristes dias faz muito bem. Muito obrigada!

Embaixadores e politicos "a leste" ainda hà, mas eles não têm consciência disso.

Helena Sacadura Cabral disse...

Assino por baixo da outra Helena. Só que com um pequena diferença. Tiro-lhe o "ainda". "Há Embaixadores e políticos "a leste", mas eles não têm consciência disso".
Acrescento que se tivessem consciência disso não estavam lá.
Salvam-nos honrosas excepções, como a do Embaixador que provoca e abriga esta tão saudável troca de impressões.

Julia Macias-Valet disse...

"A leste", nao.
COMPLETAMENTE A LESTE !

O problema é que em todas as àreas profissionais hà gente "Completamente a Leste". Fazem parte dos que têm um "emprego" em fez de terem "trabalho".

Helena Sacadura Cabral disse...

E, já agora Júlia, um trabalho em vez de uma vocação!

Julia Macias-Valet disse...

Cara Helena SC, tem piada que entre dois cliques no "Duas ou três coisas" recebi um convite do CIO (Centre d'Information et d'Orientation do Ministério da Educaçao Francês - Académie de Paris) para estar presente numa reuniao dentro de alguns dias.
O objectivo do encontro é abordar a orientaçao depois da 3ème (antigo 9°ano em Portugal), as novas modalidades d'inscriçao no ensino superior francês e sobretudo a "mise en place" dos PDMF (Parcours de Découverte des Métiers et des Formations dans les établissements).

Neste momento, estou a organizar (juntamente com outros pais benevolos e a administraçao) a 7°Ediçao do "Forum des Métiers" do Liceu Jean-Baptiste Say no XVIème em Paris.
Este encontro com profissionais de diferentes sectores de actividades permite aos alunos descobrir os pros e os contras de
determinadas profissoes e facilitar-lhes escolhas futuras.

As vezes é necessario ajudar os jovens a encontrar a sua vocaçao. Depois é tudo uma questao de deontologia e de vontade de trabalhar.

Sera ou nao sera ?

Anónimo disse...

Convenhamos que as siglas utilizadas verbalmente como se fossem do domínio de todo o público geram em determinados contextos algumas duvidas, principalmente as que se afastam fora do âmbito do nosso contexto profissional.

Já me aconteceu ler um livro técnico sem siglas e abreviaturas codificadas nas páginas preliminares, e ter que fazer pesquisa para perceber na integra a génese das siglas e abreviaturas mencionadas ao longo do texto, e não me basear em conjecturas feitas pelo Tino...

Claro que presumo que cada profissão terá a sua linguagem técnica do domínio dos Seus Profissionais.

Uma Senhora ia ser intervencionada numa cirurgia de técnica relativamente simples para a equipa cirúrgica, não para Ela claro!...
A enfermeira de anestesia, informa que a Sra. está pronta...

A intervenção decorre como previsto sem qualquer intercorrência,mas a Senhora tem um acordar difícil e manifestamente angustiada...

A enfermeira do recobro tranquiliza a Sra. dizendo que correu tudo Bem, não percebendo a angústia e ansiedade manifesta...

Oh! Sra enfermeira Eu bem Sei como estou... Bem ouvi a outra sra. enfermeira a dizer que eu já estava pronta...
Isabel Seixas


Isabel Seixas

Helena Sacadura Cabral disse...

Deve ser Júlia. Quase todos os dias, me regozijo por trabalhar realizando vocações várias que, ao longo da minha vida foram aparecendo. Primeiro, fui economista, com gosto. Depois, dei a mão ao jornalismo, mas sem abandonar o primeiro amor. E, hoje, tenho a bem aventurança de escrever e de estudar. Para ensinar. Para continuar a aprender. Que, julgo, é mesmo a minha verdadeira vocação!
Força, Júlia, porque ajudar os jovens a descobrir os caminhos da realização profissional, é um nobilíssimo trabalho.

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