terça-feira, janeiro 12, 2010

República(s)



Há dois dias, troquei impressões com um bom amigo português, de visita rápida a Paris, sobre a diferença de perspetiva em torno do conceito de República, existente em França e em Portugal. Concordamos em que, enquanto entre nós a República é muitas vezes vista apenas como um regime que se opõe à Monarquia, em França o ideário republicano é aceite como uma ética de cidadania, em que assenta a própria democracia.

A diabolização da I República, que o Estado Novo hiperbolizou pela sua rejeição dos partidos políticos e da Democracia, acabou por colar, para muitos, o conceito republicano à face trágica do regicídio, às perseguições religiosas e a algumas das "trapalhadas" do período 1910-1926. Deliberadamente, essa estratégia de propaganda, feita sem oposição doutrinária, tentou fazer esquecer que muita dessa instabilidade, originada no quadro de uma democracia jovem e em curso de implantação, foi ela própria fruto da ação destabilizadora dos seus inimigos - com alguns monárquicos sempre na primeira linha. Para além dos erros que os republicanos cometeram - e não foram poucos -, é importante deixar claro que foram os seus inimigos quem abriu as portas à ditadura, em 1926, e que construíram ou apoiaram o regime autoritário subsequente, que só o 25 de Abril derrotou, quase quatro décadas depois.

Lembrar alto e bom som esta realidade, revisitar e sublinhar todas virtualidades da República, constitui uma tarefa exigente que, durante este ano do seu primeiro centenário, todos os republicanos portugueses serão chamados a fazer, com vigor e sem concessões, denunciando, com frontalidade, os revisionismos da História.

A Embaixada de Portugal em Paris, para além de se associar a diversas comemorações e eventos alusivos aos 100 anos da República, irá organizar, durante 2010, iniciativas nesse quadro celebratório. 

7 comentários:

Anónimo disse...

Quase cinco décadas depois.

Helena Oneto disse...

Excelente iniciativa de recordar as dificuldades que a jovem república enfrentou no processo de implantação e consolidação suspenso a 28 de Maio de 1926 e de comemorar o 1° centenário.

Podemos estar certos que a Embaixada em Paris sabera dar a devida projecção (com ou sem c?), que esta data merece, à comunidade portuguêsa e luso-descendente residente em França.

Francisco Núñez disse...

Parece-me ser uma evidência que a I República falhou com tentativa de regeneração democratizantes do liberalismo monárquico e que a "ditadura" do Partido Democrático foi incapaz de democratizar o sistema político português. Acresce a estes factos que não foi criado um «projecto nacional» ou mesmo uma ideia de Estado republicano, mobilizador e viável(F. Rosas). De 5 de Outubro de 1910 a 28 de Maio de 1926 a República conheceu 45 governos e 29intentonas.

Não creio que Historiadores como Fernando Rosas, Pulido Valente, Severiano de Teixeira, Rui Ramos, Catroga e tantos outros, sejam perigosos agentes do revisionismo e branquedores do legado histórico da I República. Creio que o pior serviço que se poderá prestar a estas Comemorações será erigir novas galerias de heróis, alicerçando a auto-estima e identidade nacional no mito e na descoberta da pedra filosofal. Será preciso, isso sim, aumentar o financiamento das verbas adjudicadas à investigação da História contemporânea. Gostaria que as comemorações decorressem com elevação e, se possível, fossem mais estimulantes do que as velhas picardias entre Carlos Ferrão e alguns filhos do Integralismo Lusitano. Quanto aos republicanos mais ferverosos, seria importante que não situassem as suas convicções num patamar de credo confessional (à semelhança do que se passa com os nostálgicos do azul e branco). Será pedir muito?

Diz-se que alguém terá perguntado ao PM Chinês Zhou En-Lai o que é que ele achava sobre o significado da Revolução Francesa terá rspondido : "Será preciso aguardar no minimo 200 anos". No nosso caso, creio que 100 anos já são suficientes.

Luís Bonifácio disse...

Algumas trapalhadas?

Assassinato de Sidónio;
A Leva da Morte;
A camioneta da morte;
A formiga Branca;
As perseguições políticas;
As fraudes eleitorais;
A pilhagem dos Jornais não alinhados com Afonso Costa;

Acha isso minudências, ou limita-se a ler os livros de história visados pelo Grande Oriente?

Anónimo disse...

A. COSTA

O Sr. Bonifácio, tão rápido à listagem dos feitos de muitos que foram os coveiros da República, será tão sensivel a esta lista do regime que lhe sucedeu?:

Pide
Censura
Presos políticos
Caxias
Peniche
Tarrafal
Campo de S. Nicolau
Assassinato de Delgado, Dias Coelho e centenas de democratas
Chacina da Baixa do Cassange
Chacina do Gorgulho
Chacina de Mueda
Medidas de segurança
Tribunais plenários
etc
etc

Luís Bonifácio disse...

Caro A. Costa

A 2ª republica (nem a 3ª)O é para aqui chamada, porque está a ser bem estudada, sem tentaivas de controlo ideológico.

O que não se passa com a primeira republica.

As comemorações que vão ser feitas são uma vergonha, pois vão sublimart tudo aquilço que os republicanos nbegaram ao país e que este só conheceu com o 25 de Abril.

O 25 de Abril é que vai ser espezinhado pelas milionárias comemorações que aí vêm.

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Pela relevância do texto e do debate tive o gosto de publicar esta reflexão do Embaixador Francisco Seixas Costa no meu blogue. Na verdade, não obstante a concepção simplista com que a maioria dos cidadãos encara o conceito de República em Portugal, não tanto em França, houve alguns cidadãos portugueses que nos deram testemunho vivo de uma ética Republicana ao longo do século XX ( alguns exemplos: Francisco Cunha Leal, José Norton de Matos, Manuel Sarmento Rodrigues, Raul Rego, Mário Soares e alguns outros ). Há, pois, uma necessidade inequívoca de separar a visão histórica do que foi a 1ª República das mundividências daqueles que possuem convicções Republicanas. Também eu acredito nas virtualidades da República, mas é necessário que esta tenha experiência de vida histórica, com substracto democrático duradouro, para que concretize cabalmente as potencialidades inerente à sua ética.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

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