É hoje apresentada uma antologia de textos de Victor Cunha Rego.
Cunha Rego é uma figura que me habituei a detestar politicamente. Por razões assumidamente ideológicas. Sempre o vi a representar quase tudo aquilo com que eu não concordava. Não o conheci pessoalmente e tenho a firme convicção de que nos teríamos dado mal, se acaso isso tivesse acontecido. Mas li muito do que escreveu e disse publicamente e julgo que conheço bem, por testemunhos vários, os diversos tempos do seu percurso. Reconheço-o como um patriota, um homem muito inteligente, uma figura culta, com uma escrita límpida.
Cunha Rego é uma figura que me habituei a detestar politicamente. Por razões assumidamente ideológicas. Sempre o vi a representar quase tudo aquilo com que eu não concordava. Não o conheci pessoalmente e tenho a firme convicção de que nos teríamos dado mal, se acaso isso tivesse acontecido. Mas li muito do que escreveu e disse publicamente e julgo que conheço bem, por testemunhos vários, os diversos tempos do seu percurso. Reconheço-o como um patriota, um homem muito inteligente, uma figura culta, com uma escrita límpida.
Nasceu politicamente de uma esquerda com toques maoístas, sempre anti-soviética, passando depois para o socialismo reformista, deste para uma postura progressivamente liberal, acabando num conservadorismo radical, com nuances quase místicas. Foi um cético e também, à sua maneira, um snobe, sobranceiro nas ideias, porque tinha em alta valia as suas próprias convicções. Creditam-se-lhe os amores, melhor, as paixões, os arrebatamentos, femininos e políticos. Foi fiel apenas a si próprio, ao seu ego e à sua coerência íntima. Não é coisa pouca, convenhamos, mas não chega para o fazer entrar numa História em que teve um papel entre portas, de conselheiro discreto, muitas vezes frustrado, do poder do ciclo.
Esteve com o “reviralho” português no Brasil, ao tempo de Delgado e Galvão. Veio a juntar-se ao PS de Soares, sempre “pela direita”. Alinhou com a conspiração de Spínola, no 11 de março de 1975, figura por quem tinha uma manifesta atração. Depois de ter sido embaixador de Soares em Madrid, foi seduzido por Sá Carneiro, andou pela AD, “assaltou” ao seu serviço a RTP, apoiou Soares Carneiro contra Eanes, afastou-se deste.
Enquistou-se depois no Portugal conservador, ao lado dos estrangeirados ácidos e dos “vencidos da vida” a quem o país não deu o palco que achavam merecer. O Estado era o seu inimigo permanente, quem o combatesse tinha o seu crédito garantido. Teve presença relevante na imprensa, até quase ao final dos seus dias. Morreu sem “éclat” público, mas é reverado ainda hoje pelos seus amigos.
Não creio entrar em nenhuma contradição se disser que estamos perante uma personalidade muito interessante, quase de exceção, uma figura intelectual de grande qualidade. E uma bela pena, o que me diz muito. Porém, a sua ideia do país, do seu futuro e das opções para lá chegar - e, em especial, com quem contar para isso - está muito longe de ser a minha.
Comprei, já há semanas, o “pavé” de quase 900 páginas onde, sob um título magnífico - “Na prática a teoria é outra” - são coletados textos seus desde o histórico “Diário Ilustrado” até tempos mais recentes, com muitos inéditos. Está lá muito do que nos permite fazer hoje o retrato do autor. Devem faltar algumas coisas dos tempos mais idos - e é pena. Seria importante termos uma visão mais representativa deste virtuoso da escrita, deste “Maquiavel” da democracia que temos, que também foi construída graças a gente como ele mas, igualmente, apesar deles.