Salvo para alguns
inimputáveis, preparados para brincar com o fogo, não existe uma real alternativa
de bom senso na eleição presidencial americana. Se Hillary Clinton está muito longe
de entusiasmar as hostes, é em geral reconhecido tratar-se de um “safe pair of
hands” que garante que a potência determinante à escala global fica sob um
controlo responsável. Este texto parte, assim, do pressuposto que Hillary
Clinton será a próxima presidente americana.
Depois das aventuras da
administração Bush filho, os dois mandatos de Obama mostraram uma América num
dos seus ciclos regulares de retração estratégica. Sair logo que possível do
Afeganistão e do Iraque, readequar o discurso da guerra anti-terrorista e
tentar sarar algumas feridas abertas pela administração divisiva que o
precedera – tal era o projeto visível de Obama pelo mundo. A Europa deixara aparentemente
de figurar nas prioridades essenciais de uma política externa que olhava a Ásia
e o Pacífico como o destino futuro de atenção. A Rússia parecia controlável nas
suas ambições.
Os acontecimentos, esse
regular obstáculo dos políticos, atrapalharam as previsões. O destino desigual
das “primaveras árabes” e a desregulação do Iraque, gerou impactos imprevisíveis
em todo o Médio Oriente, criando um caos cuja resolução não era conforme com a
política de “no boots on the ground” que os EUA se obstinavam em manter. Os aliados
ressentiram-se. Israel e a Arábia Saudita desconfiaram da eficácia do
apaziguamento de Washington com as ambições nucleares do Irão. A Turquia
mostrou-se um parceiro errático. A Rússia de Putin afirmou-se como uma potência oportunista,
jogando na certeza de que a resposta ocidental aos seus avanços estratégicos
ficaria sempre aquém das armas. Provou ter razão na Ucrânia, como já testara na Geórgia. A NATO, esse heterónimo
militar dos EUA na Europa, teve de reganhar agressividade verbal e visibilidade
do seu dispositivo. Os EUA não conseguiram recuar tanto quanto tinham planeado,
o que também não foi facilitado por uma União Europeia descredibilizada e crescentemente
dividida.
Oito anos depois de um ridículo prémio Nobel da Paz, dado “avant la
lettre” como uma espécie de investimento na esperança, o balanço da política
externa de Obama é claramente pífio. O mundo não está mais seguro do que estava
na data da sua posse. É indiferente se a culpa é ou não de Obama, o que contam
são os resultados. E esses são maus.
Hillary Clinton não herda a diplomacia de Obama, recebe também o
resultado dos erros que ela própria cometeu, de que o
caos na Líbia é talvez o caso mais flagrante na nota de culpas que merece pelo
tempo em que geriu o Departamento de Estado. Quando aí chegada, Clinton olhava
a prioridade Ásia-Pacífico como central na estratégia diplomática pós-Bush. O
“braseiro” do Médio Oriente impôs-se e estragou esse desígnio. O seu saldo não foi brilhante.
Que fará Hillary Clinton pelo mundo, uma vez chegada à Casa Branca? A
mais republicana candidata que os democratas podem produzir vai, ao que tudo o
indica, agravar as tensões com a Rússia, que dá sinais de estar já a contar com
isso. Se assim acontecer, uma parte da União Europeia exultará, outra hesitará
em acompanhá-la até ao fim. A União pode dividir-se neste particular e a
América, que se mantém um poder europeu, confirmará o seu tropismo para partir ou unir o velho continente, de acordo com os seus
interesses. Nada que seja verdadeiramente novo.
Mas o grande teste imediato
de uma administração Clinton passa pela Síria e pelo modo como aí lidará com
uma Rússia que já mostrou que prefere ser temida a respeitada. Há quem diga que
a Turquia pode funcionar como ”subcontratado” dos EUA na região. Recuperar a
confiança do mundo sunita (com a Arábia Saudita à cabeça) e de Israel é outra
das tarefas essenciais na região.
Resta... o resto: o futuro
dos acordos comerciais inter-regionais, a substância efetiva da política
Ásia-Pacífico e o modelo de relação futura com a China (com o crescente
problema da Coreia do Norte no horizonte) e com a India nuclear, as alianças
preferenciais numa Europa pós-Brexit, a definição da filosofia de ação externa,
entre o proselitismo democrático e a “realpolitik”, etc.
Tempos interessantes, como
diz a velha expressão chinesa que os ocidentais adotaram. E perigosos, pelo que
vale a pena jogar pelo seguro e o seguro é Hillary Clinton.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")