Do outro lado do mundo,
um grande amigo exprimiu, num email que me endereçou, o seu contentamento pelo
facto dos britânicos terem iniciado o caminho de saída da União Europeia. Esse
amigo é uma pessoa responsável, a sua opinião não é
« impressionista ». Trata-se de alguém que está de boa-fé, que
conhece muito bem o Reino Unido, que tem uma grande experiência da União
Europeia, que olha para esta questão com uma prudente serenidade e sem a menor
acrimónia. E deixou clara, naquela sua comunicação, que a sua atitude não
relevava de qualquer resistência face ao crédito anual na conta de Londres do
cheque compensatório da sua contribuição orçamental (o « rebate ») ou
do seu tropismo obsessivo por
« exceções » ou « opt-out », com que os diferentes governos
britânicos historicamente atenuam as reticências da sua opinião pública face a
Bruxelas.
O que irritava
esse meu amigo – e que ele acha que o Brexit pode corrigir – é a atitude
britânica de persistente denúncia do caráter não democrático da União, numa
sobranceria afirmativa da superioridade representativa da sua ordem nacional.
E, na sua ideia, mesmo que a UE não seja perfeita, ela não merece esse desprezo
e desqualificação. Para ele, sem o Reino Unido, a União pode, com maior facilidade,
encontrar um caminho menos turbulento para o seu futuro.
Que eu não
estaria de acordo com a sua perspetiva era uma dado adquirido por esse amigo,
que leu ou ouviu muito do que eu disse nos últimos dias sobre este assunto.
Porém, com a lealdade frontal de quem sabe que eu só lhe agradeço o
contraditório, ele quis transmitir-me o que pensava. E eu estou-lhe grato por
isso.
De facto, não
estamos de acordo. Também a mim me irrita, desde o primeiro momento, o
sentimento britânico de que a Europa integrada tem deficiências notórias na sua
responsabilização (a expressão anglo-saxónica « accountability » é insubstituível).
Não porque isso seja falso, mas porque o Reino Unido, ao auto-excluir-se de
muitas das suas políticas, acabou por ser co-responsável com a circunstância
dessa deriva marcar hoje muito do funcionamento da União. Uma democracia tão
poderosa como a britânica deveria, precisamente, ajudar-nos, colocando-se
« in the heart of Europe », a colmatar esse défice democrático. E é
por isso que, ao invés de rejubilar com este « opt out » final, preferiria
que os britânicos se tivessem mantido no projeto comum. Mesmo que parceiros
relutantes, eles ajudar-nos-iam a reforçar a magnífica diversidade que é uma
das forças da Europa. Sem os britânicos, estaremos mais fracos. E, sem nós,
eles também. O que não é uma boa notícia para a democracia na Europa.
(Artigo publicado no Jornal de Notícias em 26 de junho de 2016)