sábado, setembro 05, 2015

Presunção


Há cerca de nove meses, em 9 de dezembro de 2014, publiquei no "Diário Económico" este texto, sob o título "Presunção":


Falemos claro. Está criado em largos setores da sociedade portuguesa o sentimento de que José Sócrates é culpado. O “esquema” das ligações financeiras, que alguém passou à comunicação social para credibilizar a “operação Marquês”, caiu como “sopa no mel” na convicção de quantos, de há muito, tinham o antigo primeiro-ministro como um potencial, ou mesmo consumado, delinquente. O que agora sucedeu só vem confortar aquilo em que sempre acreditaram. Julgo mesmo que, para essas pessoas, dificilmente é concebível outro desfecho que não seja a prisão por longo tempo de José Sócrates.

José Sócrates não beneficia assim da presunção de inocência, em grande parte da opinião pública. Pelo contrário, há mesmo uma forte presunção de culpabilidade que o afeta e que, nos dias de hoje, leva muitas pessoas a tentar apenas saber como se passaram as coisas e, em nenhuma hipótese, se esses factos são ou não verídicos ou se, sendo-o, pode haver para eles alguma simples e plausível justificação.

A perplexidade perante as acusações a José Sócrates atingem também, não vale a pena escondê-lo, muita gente que tem por ele um real apreço e que valoriza muito daquilo que fez como governante. Gente que não se revê no labéu de um Sócrates “coveiro” do país e que tem a sua leitura para o que aconteceu em termos financeiros até 2011. Inundadas por notícias que remam todas no mesmo sentido, muitas dessas pessoas mantêm a esperança de que Sócrates seja capaz de clarificar tudo e desmontar a operação instalada à sua volta. Outros há ainda que, escudados no que foi a falta de fundamento para outras acusações surgidas no passado, alimentam a tese de uma cabala urdida pelos operadores judiciários.

Muito se tem falado sobre o papel da comunicação social neste processo. Grande parte dos meios de comunicação, confessando-o ou não, já tomou partido e esse partido não é o de José Sócrates. Não vale a pena negar nos editoriais o que os títulos não escondem. 

Sobre este assunto eu sei tanto como o leitor, isto é, nada. Como me recuso a deixar-me cair no “achismo”, vou acompanhando as notícias, sou delas dependente e procuro pensar friamente.

Tenho, porém, duas certezas.

Se José Sócrates fosse culpado por atos que tivesse cometido no exercício das suas funções de Estado, por ações ou omissões dolosas que pudessem ter traído a confiança que milhões de portugueses nele depositaram, tratar-se-ia de algo muito mais grave do que os próprios delitos. A vida pública concede a um grupo restrito de cidadãos a possibilidade de, por mandato de outros, gerirem o país. Quem trai este compromisso merece o opróbrio definitivo.

Se o caso contra José Sócrates não for suficientemente sólido, se do trabalho dos acusadores viesse a sair apenas um novelo de suspeições circunstanciais, um pacote de meras convicções, estaríamos perante uma canalhice sem nome, uma ação miserável sobre um homem, que credibilizaria então todas as suspeições que existem sobre a instrumentalização do setor da Justiça.


Sócrates saiu agora da prisão. Releio o que escrevi e não retiro uma linha. E continua a ser tudo quanto tenho a dizer sobre este caso.

"O Cantinho do Abade"

Há iniciativas empresariais que estiolam por anos, incapazes de darem um salto e de se projetarem no mercado, alargando, com criatividade, os seus potenciais consumidores. No comércio, isso é muito evidente e todos somos testemunhas de casas comerciais que se foram degradando, conformadas com a modéstia de um nível de procura que, por não ter grande exigência, se acomodou à mediocridade da oferta. E esta deixou de ter estímulos para evoluir, num círculo vicioso sem remédio. A rutura com esta monotonia, que, a prolongar-se, é meio caminho andado para um fracasso anunciado, para um futuro trespasse, para uma eventual mudança de ramo, pode ser feita por via de duas motivações. Uma delas, por uma reformulação do conceito, eventualmente assente em algum investimento suplementar, procurando explorar segmentos sociais novos, através do recurso a fórmulas de empreendedorismo mais imaginativas, associadas, muitas vezes, a mudanças drásticas ou evolutivas no "layout", a novos serviços e a campanhas promocionais inovadoras, não necessariamente muito onerosas. Uma outra evolução é, em si, menos dinâmica, mais reativa, porque se baseia, no essencial, no aproveitamento de uma conjuntura pontual que, nem por ser por definição breve, deixa de ser potencialmente explorável e pode vir a revelar-se rentável. O ideal é um modelo poder vir a complementar o outro, mas isso, como se torna evidente, depende sempre muito da massa crítica, em matéria de gestão, que possa ser mobilizada para o empreendimento.

Devo dizer que estou com uma certa curiosidade em perceber qual vai ser a estratégia do "Cantinho do Abade".

sexta-feira, setembro 04, 2015

O desastre dos eletrões


Como por aqui tenho contado, Vila Real é uma terra com muitas histórias. (As outras terras também devem ter as suas, mas eu conto por aqui as da minha terra.) Algumas delas são fantasiadas, outras um pouco mais reais. Há figuras conhecidas da cidade que surgem regularmente ligadas a algumas delas, outras em que só pontualmente emergem, como atores ou figurantes desses episódios que temos por divertidos - embora eu possa e deva perceber que, muitas das vezes, as coisas se nos afiguram mais "divertidas" porque conhecemos as personagens, porque as historietas nos foram reveladas num tempo em que um humor simples era suficiente para nos tocar, garantindo dessa forma o prolongamento na nossa memória afetiva do impacto que então nos causaram.

Há dias, sentado num fim de tarde na esplanada da Rosas (a Gomes estava fechada...), vi aproximar-se pela rua uma figura que já conheço há muitas décadas, com quem nunca tive uma proximidade particular, mas que sempre projetou em mim uma imagem simpática e muito cordial. Um homem da cidade, mais velho do que eu cerca de uma década, com quem recordo ter partilhado algumas "tainadas" na velha "Pompeia", nas noites raras em que o Neves, o proprietário, fechava a porta e decidia cozinhar uma tortilhas para os amigos. Coisas dos anos 60, muito bem regadas pela noite dentro.

A essa figura da cidade, hoje um próspero industrial, ouvi sempre associada a historieta de uma carta que havia escrito à mãe, abastada senhora com comércio tradicional florescente em Vila Real, ao tempo em que estudava no Porto, nos "preparatórios" de Físico-Químicas. Eu ouvira já várias versões da história, pelo que ousei perguntar-lhe pela versão original. E a pessoa em causa não se fez rogada.

Ao que me contou, a vida que levava então no Porto, onde frequentava, com discutível assiduidade, a universidade, obrigava-o a grandes dispêndios. Estava-se no final dos anos 50 e o Porto era, para quem vinha de Vila Real, uma espécie de grande metrópole quase mítica (dez anos mais tarde eu viria a sentir precisamente o mesmo), cheia de tentações, quase todas caras. No aproveitamento dessa vida, o dinheiro desaparecia com uma velocidade incontrolável. Um dia, em desespero de causa e de fundos, viu-se na "obrigação" de recorrer a uma patranha para esportular mais dinheiro à senhora sua mãe, deixada lá por Vila Real.

Para tal, elaborou uma carta muito bem estruturada, na qual fazia sentir à progenitora o momento difícil que atravessava, por virtude de um lamentável "acidente" ocorrido numa aula de Física. O que é que se passara, em concreto, ou melhor, nos termos da carta?

Num exercício de Física com o Plutónio 451, enquanto usava um contador Geiger para medir radiações, um descuido imperdoável levara-o a deixar cair ao chão, inutilizando-os por completo, "24 mil pares de eletrões". O dano era fortíssimo, a universidade exigia ser ressarcida e, por falta de verbas, ele estava na iminência de ser expulso da faculdade, logo agora que tão brilhantes perspetivas se abriam para o prosseguimento, com sucesso, do seu curso. Confessava assim o seu embaraço, percebia que estava a passar para a mãe um problema de que fora ele o único causador, mas não tinha outra solução senão pedir um reforço de fundos.

A carta concluía, naturamente, com uma estimativa dos encargos, que eram, de facto, muito pesados, para os valores de então. Como ele explicava no texto, que a mãe cuidadosamente guardara e que lhe devolvera antes da morte, "cada par de eletrões custa quatro tostões", o que fazia orçar o dispêncio final em "nove contos e seiscentos". Era muito dinheiro? Era, mas o bom nome da família e o futuro da sua carreira de estudante disso dependiam. 

A mãe compreendeu? Claro que sim. O dinheiro lá chegou ao Porto, o zeloso estudante terá "liquidado o débito" e a única coisa que é certa é que ficou com mais "nove contos e seiscentos" para a estroina das noitadas na Invicta. O curso? Nunca o "tirou", talvez por não ter a quem...

O primeiro patrão


Um dia, no final de 1967, no bar do Centro Universitário do Porto, ali perto da rua da Torrinha, onde então vivia nos meus primeiros anos universitários, alguém me disse que o "Jornal de Notícias" andava à procura de "recrutas" para cobertura de jogos dos campeonatos distritais de futebol. 

Eu andava então convencido que percebia de futebol: tinha feito, dois anos antes, um curso de arbitragem promovido pela Associação de Futebol de Vila Real e vivia fascinado pelas táticas, discutindo com afinco e (suposto) saber a evolução do WM, as diferenças entre o "ferrolho" suíço e o "catenaccio" italiano, a então magna questão sobre quando o 4-2-4 deveria, em face de certas circunstâncias, evoluir para um 4-3-3.

Leitor atento dessa "bíblia" que era "A Bola", mandava bitaites com ar de iniciado, opinava mesmo sobre as opções táticas de uma forma algo pretensiosa. (Nada, porém, que se compare com as cátedras que agora por aí se veem nas televisões).

Sob a recomendação de alguém, fui então falar com Frederico Martins Mendes ao "Jornal de Notícias". O jornal ainda não era conhecido pela sigla JN, mas sim por “Notícias", da mesma forma que se dizia o "Janeiro" para "O Primeiro de Janeiro" e o "Comércio" para "O Comércio do Porto", os quais, com o “Diário do Norte”, faziam então o pleno da imprensa diária portuense.

As minhas expetativas de potencial "grande repórter" desportivo ficaram logo reduzidas à modéstia da realidade do que me era proposta: o que se pretendia era que eu escrevesse umas escassíssimas linhas sobre cada jogo, complementadas pela constituição das equipas, pelas substituições e pelos marcadores dos golos. Tudo em muito poucas palavras, pouco mais do que uma mensagem de "twitter" para cada partida. 

O óbice, para quem vivia então num ambiente em que a noite era o lugar onde passava os dias, é que os jogos eram aos domingos de manhã, em campos às vezes recônditos na periferia da cidade, obrigando a levantar "de madrugada" ou, em desespero, a fazer "diretas" das noitadas na "Candeia" ou na "Japonezinha", às vezes culminadas com uma ceata no “Ginjal” ou no “Transmontano”. Vida difícil!

Durante alguns meses, para arredondar a mesada e melhorar as doses no “Zé dos Bragas”, para ir ao cinema ou comprar mais livros na Unicepe, lá fui ganhando algum dinheiro na tarefa, em ensonadas e frias manhãs ao lado de “rivais” do “Comércio” e do “Janeiro”.

O Frederico Martins Mendes desapareceu, há dias. Desde que numa divertida noite, em Lamego, recordámos, entre risadas, esta nossa comum historieta, ele passou a dizer que me tinha dado o meu primeiro emprego. E era verdade! Aqui deixo um abraço saudoso ao meu primeiro “patrão”.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, setembro 03, 2015

António Pinto da França


Um grupo de amigos do Embaixador António Pinto da França tomou a iniciativa de organizar uma sessão em sua homenagem, poucos dias após a data em que teria completado 80 anos de idade. 

Círculo Eça de Queiroz acolheu amavelmente a ideia e facultou as suas instalações para o evento.

A sessão terá lugar no dia 17 de Setembro, Quinta-Feirapelas 18 horas, nas instalações do Círculo, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, n° 4, ao Chiado, em Lisboa.

A sessão será presidida pela Dra. Teresa Patrício Gouveia, tendo como oradores o Embaixador Fernando d'Oliveira Neves, o Dr. Pedro Canavarro e o Dr. Jaime Gama.

A entrada é livre mas, atendendo ao número limitado de lugares, pede-se que as pessoas interessadas em estar presentes disso informem o Círculo por email (geral@circuloecadequeiroz.com) ou por telefone (213 428 758 ou 960 364 685).

Agradece-se a divulgação da presente informação.

Santana Lopes

De há muito, Pedro Santana Lopes criou uma imagem que, por razões que não vêm aqui para o caso nem vou agora discutir, se afasta bastante da ideia que ele mantém e quer projetar de si próprio.

Porém, após a decisão de se afastar da corrida presidencial, Santana Lopes tem agora uma oportunidade de ouro para fazer com que o país acabe por aproximá-lo do retrato que ele pretende deixar no imaginário coletivo.

Esse ensejo é a crise dos refugiados. Santana Lopes é provedor da Santa Casa da Misericórdia, uma instituição com muitos meios e experiência em situações de emergência humanitária. Uma boa gestão por parte da Santa Casa desta questão, com sentido político e sensibilidade social, pode trazer a Santana Lopes um amplo reconhecimento nacional.

Saberá ele aproveitar esta oportunidade?

Rui Machete

As palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, defendendo a liberdade de circulação na Europa, na véspera da visita do PM britânico David Cameron a Portugal, revelam bom senso e sentido de defesa do interesse nacional português no contexto europeu.

Não sei


Alguns leitores deste blogue e de notas que deixo no Facebook fizeram-me notar a quase ausência de comentários da minha parte sobre a gravíssima questão, humanitária mas cada vez mais política, que hoje atravessa a Europa, fruto da conjugação temporal da tragédia das travessias migratórias do Mediterrâneo, oriundas em especial através da Líbia, somadas aos fluxos de populações saídas em pânico do atoleiro da Síria.

É verdade. Tenho escrito muito pouco sobre esse assunto, que, mais ou menos silenciosamente, parece estar a mudar a face da Europa. O diferenciado modo como cada país que é confrontado com a questão está a reagir, desde a criação de novos muros e reforço de fronteiras a atitudes de maior compreensão e abertura face aos refugiados, mostra que a Europa está muito longe de caminhar para uma unanimidade nas soluções. Cada país, fruto da sua exposição geográfica, da sua história, da sua riqueza, mas também do modo como as respetivas opiniões públicas olham para o tema e da capacidade e clarividência das suas lideranças, tem uma atitude diversa, às vezes pontualmente conjugada em posições comuns em Bruxelas, outras vezes em claro confronto entre si, com troca de acusações nada amenas, que em nada ajudam à decantação da imagem de uma União Europeia a caminho de uma política comum. Esta é a realidade e não podemos fugir a ela.

Tenho a sensação que, sem nos darmos muito conta, estamos a avançar, com esta nova questão migratória, para a gestação, no seio da Europa comunitária, de uma das realidades mais marcantes na formação das opiniões públicas de cada país, com implicações crescentes no plano da evolução relativa das forças político-partidárias. Para ser mais claro: em alguns Estados, este tema está em vias de tornar-se central na agenda política e pode mudar a respetiva relação interna de forças, num sentido que, estou certo, só favorecerá aquelas que fazem o seu "fond de commerce" no medo e no egoísmo, às vezes na xenofobia e no racismo.

Dito isto, quero deixar claro que não tenho por ora muito mais para dizer. Quem comenta a atualidade tem a obrigação de não ir para além daquilo que julga poder saber. E eu, confesso, não tenho ainda uma opinião firme sobre que tipo de comportamento, em matéria de políticas de fundo, a Europa deveria adotar nesta matéria, para além das platitudes que se dizem sobre a necessidade de intervir, em termos de paz e desenvolvimento, a montante dos problemas, isto é, nos países e regiões de origem dos fluxos migratórios.

Mas há uma coisa que eu sei e sobre essa não tenho a mais leve dúvida: a Europa perderia toda a dignidade e o mínimo de respeito que deve a si própria se não fosse capaz de acomodar e encontrar solução para as pessoas que já estào no seu solo e que agora aqui procuram uma solução para a sua vida. Os homens, mulheres e crianças que nos interrogam, com olhares de desespero, por esses já muitos espaços europeus onde se acolhem hoje refugiados de diversas origens, têm de encontrar um destino de acolhimento.

Portugal pode ter problemas de pobreza, exclusão e desemprego, mas nada se compara à tragédia que aquela gente vive. Essa é a razão pela qual temos a estrita obrigação de assumir a nossa quota de responsabilidade nesta questão. Sem hesitações. Num tema em que tenho muitas dúvidas, essa é a única coisa que eu tenho por certa.

quarta-feira, setembro 02, 2015

O adversário

O curioso debate ontem entre Catarina Martins e Jerónimo de Sousa constatou uma realidade insofismável: o verdadeiro adversário que ambos se propõem abater é, como já se suspeitava, o Partido Socialista. 

Amáveis um com o outro - longe parecem idos os tempos de um ódio figadal, quando PCP pensava ter a sua existência em perigo pelo crescimento do Bloco -, os simpáticos representantes da "esquerda da esquerda" há muito perceberam que é na disputa das franjas de simpatizantes do PS (o Bloco debate-se ainda com a "cissiparidade" histórica da extrema-esquerda) que estão as suas margens possíveis de crescimento. Ou os riscos de diluição de apoios.

Um governo de esquerda moderada é o mais perigoso cenário para a progressão eleitoral do PCP e do Bloco, partidos cuja contribuição objetiva para a construção de uma qualquer alternativa política é pouco mais nula, porquanto alimentam posturas sobre questões tidas por essenciais para o posicionamento identitário do país no plano externo que não são compatíveis com nenhuma outra força política com condições de governar, desde logo o PS. PCP e Bloco não gostam do conceito de "arco da governação", que consideram excluí-los. O curioso e óbvio é que são eles próprios quem cuida em se pôr de fora desse "arco".

Imagina-se que, na noite de ontem, os espíritos para os lados da Santana à Lapa e do Caldas devem ter estado bem altos. Têm razões para isso.

Nas quatro semanas que aí vêm, PSD, CDS, PCP e BE reencontrar-se-ão nessa frente comum contra esse temível adversário que os ameaça - o PS. Como nunca deixarei de lembrar, esta "santa aliança", este "bloco lateral" direita/esquerda, não traz essencislmente nada de novo: foi precisamente o mesmo que derrubou o governo do Partido Socialista em 2011, abrindo caminho àquilo por que Portugal passou nos últimos quatro anos.

O Partido Socialista está assim sozinho "no meio da praça". Só me custa dizer "orgulhosamente só" para não trazer outras memórias a quem já as tem.

Os russos de Setúbal e outros soviéticos


De um amigo "chegado" (gosto deste conceito caído um pouco em desuso) chegou-me esta nota bem curiosa.

"Não se pode ler tudo e sempre e eu só agora e por um acaso cheguei ao teu post “Petróleo, mentiras e árabes”, recriando uma história famosa dos anos 70. (Tratou-se do episódio dos falsos árabes que foram jantar ao restaurante "Tavares").

Nos dias seguintes, ao jantar, na Rina*, os jornalistas não falavam de outra coisa.

Acontece que em Novembro desse mesmo ano de 1971 houve nova incursão desse grupo de intrépidos foliões, na qual tive a felicidade de participar, fazendo a reportagem no dia seguinte no programa Tempo ZIP, na Rádio Renascença.

O Spartak de Moscovo vinha jogar a Setúbal a segunda mão dos 16 avos de final da Taça UEFA, após empate da zero na Rússia, e a trupe decidiu constituir-se como uma espécie de claque da equipa russa. O Raul Solnado tinha feito o Inspector-geral, de Gogol, no Teatro Villaret, e o guarda-roupa foi o ponto de partida para a brincadeira. Todos vestidos à maneira de aldeões russos do século XIX, embarcámos de autocarro, com partida dos Stones e paragem no Ad Lib, rumo a Setúbal, onde a “claque” russa tinha jantar marcado, antes do jogo, na pousada de São Filipe. 

Eu fui introduzido no grupo pelo Solnado, fazia de intérprete e, à socapa, ia gravando elementos para a reportagem da rádio. O chefe de mesa apanhou-me a gravar conversas mas eu chamei-o de lado e segredei-lhe que a gravação era para o KGB, o que o deixou sossegado. 

O jantar correu em ambiente de grande exaltação, própria de uma “claque” de camponeses russos do século XIX.

Nem o “colinho” da “claque” valeu aos russos: o Vitória de Setúbal ganhou por 4-0, mas na eliminatória seguinte caiu aos pés de uma equipa romena.

No dia seguinte, dois vespertinos – creio que "A Capital" e o "Popular" – publicaram fotos da extravagante claque do Dínamo de Moscovo na bancada do Bonfim. O Tempo ZIP fez a reportagem por dentro do acontecimento."

Quem me fez este relato, que aqui deixo para a história das diversões mediáticas (na altura ninguém dizia isto), foi o João Paulo Guerra, um grande repórter e uma das grandes vozes da nossa rádio.

Desde há anos, o João fazia, todas as manhãs, para a Antena 1, uma síntese de imprensa que levava a milhares de ouvintes o que de mais importante os jornais reportavam nesse dia. Para tal, o João iniciava cerca das cinco da manhã o seu trabalho. Sabendo-me amigo dele, muitas pessoas me transmitiram, ao longo dos anos, o prazer e utilidade dessa companhia, feita de inteligência, sensibilidade e conhecimento.

A RTP/RDP, ao que fui agora informado, colocou um ponto final nesse espaço informativo. Insondáveis são os caminhos dos senhores que por lá mandam e que, neste caso, terão antecipado mesmo de alguns meses o termo do contrato que tinham com o João Paulo Guerra. 

Mas não convém precipitarmo-nos: é importante verificar se isto não está no "MoU" da "troika" e se este governo não obedece apenas àquilo que o mandato de quem o tutela impõe. 

Há uma boa notícia nisto tudo: deixando de estar já obrigado a estas matutinas horas, o João passa a estar disponível para umas jantaradas que, até agora, só podiam ter lugar em fins de semana, com ele a bocejar, numa espécie de "jet lag" endémico. Para a semana começamos, João!

* Ó João, explica lá o que é a Rina, porque eu não sei

"The Bastards"


Há poucos meses, no meio de uma caixas com livros do meu tempo de Londres, dei com "Bastards", um panfleto provocatório escrito em 1993 por uma deputada conservadora, Teresa Gorman, contra a liderança do primeiro-ministro John Major. 

O título do livro estava ligado a uma entrevista dada por Major a um canal de televisão. Recordo-me muito bem dessa conversa, dirigida por um dos mais experientes entrevistadores. À época, a questão europeia estava no centro do debate no Reino Unido e nós, na embaixada, acompanhávamo-la com muita atenção. Estando longe de ser um euro-entusiasta e debatendo-se com a limitação de ser um fraco "sucedâneo" de Margareth Thatcher, que não fazia o pleno do partido, Major tentava pilotar a difícil posição de Londres perante os seus parceiros. O seu esforço era procurar acomodar um euroceticismo nacional muito evidente com a preservação do papel do Reino Unido na Europa, com vantagens importantes para a City e para o prestígio do país à escala global.

Essa entrevista até não correu mal a John Major. As últimas perguntas haviam sido precisamente sobre os deputados conservadores minoritários, que se mostravam mais rebeldes. Entre eles, havia uma mulher, Teresa Gorman. Era uma figura expressiva, "outspoken", muito anti-Bruxelas e assumidamente situada à direita, em várias temáticas políticas essenciais.

Na conversa tida com o jornalista, Major foi firme perante a dissidência que se adivinhava, mas, ao que me lembro, até foi bastante correto no modo como a abordou. Quando a entrevista acabou, a gravação do som continuou, inadvertidamente. Horas depois soube-se, por um "leak" do canal televisivo, que, nesses segundos de conversa, tida como "off the record" com o jornalista, Major tinha qualificado os seus opositores de "bastards"! Foi o bom e o bonito!

Nos dias seguintes, a imprensa explorou o assunto e os conservadores que mais descontentes estavam com o primeiro-ministro reagiram fortemente quanto à agressividade que, mesmo se em privado, Major se permitira ter. Teresa Gorman foi das personalidades mais escandalizadas e, poucas semanas depois, publicou um livro que, por algum tempo, fez sensação e que se intitulava precisamente "The Bastards". Nele se apresentavam os argumentos eurocéticos e se atacava violentamente John Major. O meu exemplar do livro repousa agora na Biblioteca Municipal de Vila Real onde, aliás, creio que não deverá ter grandes filas para consulta...

Perdi de vista o percurso de Teresa Gorman desde então, tendo apenas sabido que foi suspensa do partido e se tornou, por várias outras razões, uma personalidade mediática. Morreu agora com 83 anos, num tempo em que o Reino Unido volta a um novo "round" de tensão com a Europa.

terça-feira, setembro 01, 2015

Sérgio Godinho


Sérgio Godinho fez 70 anos. Sem qualquer nostalgia pateta mas com um sincero reconhecimento pessoal, noto que a sua música me fez companhia serena por mais de quatro décadas. Alguns dos seus temas fazem parte da minha "playlist" íntima, interpretaram, às vezes na perfeição, sentimentos que fui tendo ao longo do tempo, das raivas às ternuras, das esperanças aos desencantos, confirmando-me que a sintonia geracional é uma realidade sem discussão. Godinho, porém, está mesmo um pouco para além disso, porque não ficou colado, como acontece com outros, a uma espécie de gueto etário. E não deu ares de ter feito um esforço especial para isso. A inteligência com que conseguiu fazer evoluir as suas palavras e melodias, dotando-as de uma contínua modernidade, nem artificial nem obsessiva, transformou-o num dos raros autores que mantêm hoje entre nós uma singular transversalidade de públicos. Sérgio Godinho tem 70 anos. Quem nos dera a todos envelhecer, e ver envelhecer aquilo que dizemos e fazemos, dessa mesma e alegre forma. Não conheço Sérgio Godinho. Se o conhecesse, dava-lhe hoje um abraço. Como se dá a um amigo.

Os velhos turcos


É um lugar comum em algum discurso europeu dizer-se que não soubemos lidar devidamente com a questão da Turquia e que o que hoje por lá se passa, da deriva islamizante ao tropismo autoritário de Erdogan, com gravíssimas consequências geo-políticas potenciais para o futuro do continente, configura um cenário que poderia ter sido evitado. Dou por mim a repetir esse mantra com regularidade, mas reconheço que raramente me interrogo sobre se as coisas poderiam ter seguido um caminho diferente.

A Turquia foi um aliado essencial do ocidente durante a guerra fria. A NATO e os EUA utilizaram-na como guarda avançada face a Moscovo, porquanto era, com a Noruega, o único Estado-membro com fronteira com a então União Soviética. Seria precisamente a importância do vetor militar no contexto do país (que iria ter também forte expressão nas tensões com outro vizinho na Aliança, a Grécia) que permitiu que as forças armadas aí desempenhassem, por décadas, um papel de poder silencioso, a tutela por detrás do palco onde se digladiavam os atores político-partidários.

No final da Guerra Fria, setores importantes da sociedade turca manifestaram-se favoráveis a uma aproximação institucional com a Europa comunitária. Esta demorou a perceber que o “timing” para uma resposta positiva tinha um prazo de validade. Com efeito, os pró-europeus turcos sabiam que, à diluição inexorável da tutela militar, corresponderia o recrudescimento daquilo a que ela fazia frente: o avanço muçulmano na sociedade e nas instituições do país. A “janela de oportunidade” começava a fechar-se.

Para a Europa, à época, a prioridade eram os antigos países comunistas do seu Centro e Leste, aproveitando a fragilidade conjuntural da Rússia. Daí a “pressa” da sua integração na UE e na NATO. Nesse processo, a UE seria dotada de novos tratados, agora assentes na importância do fator demográfico no processo decisório, por forma a preservar o poder dos grandes Estados e anular o impacto da “multidão” de novos países a absorver. Ironicamente, se acaso a Turquia entrasse nesse novo contexto, Ancara iria ficar no centro do poder em Bruxelas, o que não era admissível para países como a Alemanha ou a França, com esta última da “blindar-se” com a necessidade de um referendo de impossível vitória no caso da entrada da Turquia vir a estar iminente. E, está hoje muito claro, outros países se juntariam a essa recusa. Desde então, o processo de adesão da Turquia é um patético “faz-de-conta” em que já nem os turcos acreditam.

A Europa recusou a Turquia, sem perceber o erro estratégico que isso significou? Ela foi apenas incapaz de gerar, no seu seio, uma vontade coletiva que permitisse uma solução institucional para a integração turca. Só isso.

Com a crise síria, com o eixo sunita a afirmar-se, a memória de Ataturk e dos seus “jovens turcos” só sobrevive hoje no crescente autoritarismo. No resto, é a velha Turquia em progressão, com Istambul a ser cada vez mais Constantinopla.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")


segunda-feira, agosto 31, 2015

A idade na política


A maioria agora cessante prestou um péssimo serviço à imagem política das gerações mais novas. Naquilo que aparentemente procurou ser uma espécie de refrescamento etário, o governo que termina funções acabou enxameado de figuras sem um currículo político significativo, alguns saídos da blogosfera e da intriga nas redes sociais, outros de cenáculos de obsessão neoliberal e do deslumbre das academias estrangeiras, outros ainda do serralho dos gabinetes, como é sempre típico dos tempos de “seca” política. Algumas exceções pontuais de qualidade só ajudaram a melhor definir aquilo que foi uma triste regra nestes quatro anos.

Esta pretendida geração da “rutura”, fortemente marcada por uma ausência de experiência na gestão do Estado, havia mesmo sido aculturada no ódio à coisa pública: menos Estado, menor Estado e, como se viu... o que sobrar “para eles”! O “memorando de entendimento” foi a bíblia mais à mão, a qual, aliás, tentaram completar com a rápida passagem “a patacos” de tudo quanto tivessem à mão para privatizar, não fosse o Estado ter a “ousadia” de renascer após a sua passagem de Átila. O patético afã com que agora estão a delapidar, à última hora, o que ainda resta no domínio público envergonha e revolta até setores que lhes são próximos.

A máquina política tem necessidade permanente de ser rejuvenescida. Os “cabelos brancos” não são, em si mesmos, uma garantia de competência e de experiência com utilidade e, em especial, de capacidade de saber ler, com olhos de modernidade, as mudanças de orientação que os novos tempos exigem. Ter mais idade não é, necessariamente, uma garantia de maturidade com qualidade. Mas, naturalmente, como agora ficou patente, também o  voluntarismo cego no “jeunisme” não assegura, por si só, um desempenho eficaz.

Uma coisa é, contudo, clara. Por toda essa Europa, os membros dos governos são cada vez mais jovens e começa a ser evidente que a regra é fazer assentar na geração com 40/50 anos o essencial da responsabilidade política. Fora disso, e não obstante a maior longevidade dos quadros, é hoje bastante mais natural conferir funções governativas a jovens na casa dos 30 anos do que a figuras entradas na faixa dos 60. Algumas pessoas não gostarão de ler isto, mas esta é a realidade dos factos.

Por isso, um futuro governo PS deverá apostar na responsabilização de quadros políticos jovens, militantes ou independentes, que hajam dado provas ou deem garantias de um forte sentido de Estado, de devoção desinteressada pela vida cívica, de maturidade na ação política e na gestão da coisa pública, a somar a uma necessária formação académica e profissional, assente em currículos que passem para além das funções de “aparelho”. Urge preparar a geração de responsáveis políticos para os anos exigentes que aí vêm. Atribuir-lhes desde já responsabilidades, dar oportunidade a que usem os anos mais produtivos das suas vidas adultas ao serviço da comunidade, é uma aposta essencial para assegurar que o país poderá contar com quem assuma, com eficácia, a sua futura liderança.

(artigo hoje publicado no Acção Socialista digital)

Folhetim

O "Diário de Notícias" encerra hoje o seu folhetim de verão, um curioso espaço de ficção política que, desde o início de agosto, entreteve os seus leitores e trouxe mesmo um pouco de "sal" à campanha pré-eleitoral. Embora podendo parecer fácil, tratou-se de um exercício complexo, porque elaborar sobre uma suposta realidade futura daquela sensibilidade torna-se, às vezes, bem mais perigoso do que especular sobre a banalidade dos factos realmente ocorridos.

O autor do folhetim, hoje revelado, foi Ferreira Fernandes, um dos grandes nomes do nosso jornalismo e, muito provavelmente, o mais brilhante cronista atual da imprensa portuguesa. Encher diariamente, durante semanas, a última página de um importante jornal, adequar o texto à evolução da situação política, trabalhar, de forma rigorosa e culta, mas também equilibrada e equitativa, um contexto político sob permanente tensão, não deve ter sido uma tarefa simples. Os textos foram corajosos e ousados, pelo que imagino que certas figuras estejam, a esta hora, aliviadas pelo termo do folhetim. Outras, coitadas, devem ter ficado furibundas pelo facto do autor as ter ignorado. 

Deixo aqui ao José Ferreira Fernandes a expressão da minha admiração pelo seu notável trabalho e o voto de que continue, sem falhas, a dar-nos o diário prazer daquela sua indispensável coluna no DN. Já faz falta, sabe? 

Direito à preguiça


Há dias, estava burguesmente a comentar com um amigo que só em muito raras ocasiões sou capaz de aguardar mais do que um par de minutos por uma mesa num restaurante, que detesto ficar em filas de qualquer espécie (prefiro desistir das coisas), que não tenho a menor pachorra para ir a locais onde não possa estacionar o carro perto (se possível, mesmo à porta!), que detesto ter de servir-me em self-services de tabuleiro, que só em desespero de causa como em buffets, de pratinho na mão, e outras coisas tão altamente cansativas e irritantes, onde se inclui, naturalmente, dar o NIF para obter uma fatura (somos o único país do mundo onde esta prática existe, sabiam?). 

A minha única deriva desta linha descansativa de comportamento, que em mim já é quase uma vertigem de natureza "workaholic" ou "stakhanovista", é o estranho gosto que tenho em meter gasolina no carro eu próprio (e já descobri a razão: porque detesto aquela mania dos funcionários de "acertarem" números redondos, quando lhes peço "depósito cheio").

A reação desse meu amigo, que, não por acaso, também é um admirador do Taki do "The Spectator", foi magnífica (e definitivamente instrutiva!):

- Meu caro, és cá dos meus! Eu nem às mesas dos doces vou! Era o que faltava! Sabes que até já desisti de comer fondue ou racklette, só pela trabalheira que aquilo dá?!

(Será só ironia? Ou "com a verdade me enganas"?)

Em tempo: esqueci-me de acrescentar que não vou a restaurantes que não aceitam reservas (gostava tanto de visitar a "Taberna da Rua das Flores", mas a vida é assim...) e, nunca por nunca, aceito ir a lugares sociais onde, à porta, haja um porteiro de cuja vontade dependa a minha entrada.

domingo, agosto 30, 2015

Paulo Rangel


Tenho um sentimento ambivalente face a Paulo Rangel.

Várias vezes, tenho lido e ouvido, até em debates onde coincidimos, reflexões suas sobre questões europeias que relevam da sensatez de alguém que, tendo uma sólida formação académica, tem vindo a refletir com serenidade sobre o estado da Europa e das suas políticas e, no seu caminho recente pelas instituições bruxelenses, tem aproveitado para sedimentar ideias e decantar juízos que podem ajudar à construção de uma nova postura nacional nesse contexto. Num país que não se pode dar ao luxo de clivagens levianas na sua postura externa, algumas ideias de Paulo Rangel merecem ser ponderadas.

Contudo, e para (já não muita) surpresa minha, esse mesmo Paulo Rangel convive, frequentemente, com uma personagem com laivos trauliteiros, quase populistas, com um tropismo para o ataque descabelado e "ad hominem", nada consentâneo com o perfil respeitável antes referido. Fica a sensação de que o intelectual Paulo Rangel, não encontrando entre os seus um ambiente de apreço e acolhimento à altura da qualidade das suas ideias, se resigna a procurar aplausos de satisfação através de um recurso a um registo caricatural, demagógico, descendo o discurso a níveis que chegam a chocar pelo seu primarismo.

O que Paulo Rangel ontem afirmou na "universidade de verão" do seu partido, mesmo descontado o facto de se estar em tempo de campanha eleitoral (mas talvez justificado por ser na "silly season") toca um registo verdadeiramente inqualificável. Duvido seriamente que o intelectual Paulo Rangel, regressado à serenidade do seu gabinete, possa aceitar, sem um sorriso embaraçado, o que o militante Paulo Rangel foi capaz de afirmar, em coreografia saltitante de palco, para arrancar alguns títulos e meia dúzia de palmas de "jotas".

Há uma coisa que, um destes dias, Paulo Rangel vai ter de decidir, de uma vez por todas: se quer ser levado a sério ou não.   

China


A economia chinesa está em forte desaceleração e isso está a ter impactos negativos sérios nos países cuja produção era absorvida pela expansão dessa economia.

Este interessante mapa do "The Economist" mostra, em percentagem das exportações por cada país, essa mesma dependência.

Olhe-se a África Subsariana (Angola e Moçambique), os países do Golfo, o Irão, Ásia Central, a Austrália, mas também alguma América do Sul (Argentina e Chile, mas também Brasil, Venezuela e Colômbia) e, naturalmente, muito do Sudeste asiático. Curiosamente, verifica-se que Índia e Indonésia não sofrem efeitos significativos.

Ingrid Bergman


Passam 100 anos desde que nasceu e o "toast" de Rick continua cada dia mais válido: "Here's looking at you, kid!"

sábado, agosto 29, 2015

A sina do Brasil


Um gráfico do "The Economist" que é muito elucidativo sobre a evolução do PIB no Brasil. Creio que isto pode ajudar a entender também a situação política que por lá se vive. Ou, como disse um dia James Carville, numa célebre réplica para explicar as flutuações do eleitorado, na campanha presidencial de Bill Clinton: "It's the economy, stupid!". 

A riqueza no mundo


Uma imagem muito elucidativa sobre o modo como se distribui a riqueza pelos países do mundo.

A ferramenta

Era 1975, foi há precisamente 40 anos. Aproximavam-se as eleições para a Assembleia Constituinte, no dia 25 de abril. O país estava ao rubro. Um mês antes tinha sido o "11 de março", as nacionalizações, um crescendo de tensão que iria transformar o verão seguinte em meses de inusitada conflitualidade política. Os partidos, em especial à esquerda, eram então imensos, nasciam como cogumelos, as paredes estavam pintadas ou pejadas de cartazes com os símbolos e as frases de apelo e luta.

Numa "saltada" de Lisboa a Vila Real, aproveitei para ir às Pedras Salgadas. Por lá moravam, numa mesma casa, quatro tias, irmãs da minha avó, duas solteiras e duas viúvas, que ainda hoje fazem parte da minha mais saudosa memória afetiva. Ir ver "as tias" não era uma obrigação, era um imenso gosto conversar e tomar o inevitável chá com aquelas bondosas e incomparáveis senhoras que, à época, tinham entrado quase todas na casa dos 80 anos.

A política nunca fora tema de conversa naquele ambiente mas, mais por curiosidade do que por outra coisa, não deixei de lhes perguntar se já tinham decidido em que partido ou partidos tencionavam votar, nas eleições que estavam à porta, de que tanto se falava. A televisão era a sua companhia habitual e, não sendo embora pessoas muito ilustradas, eram pessoas atentas à realidade e com um grau de educação que lhes facilitava o acompanhamento da situação. A Revolução não era, com certeza, algo que as sossegasse, tanto mais que, na nossa família, o 25 de abril trouxera algumas consequências pessoais menos fáceis de gerir e, em certos casos, suscitara temores que eu me divertia sempre em amenizar.

Com exceção de uma delas, apenas ligeiramente mais nova, regressada poucos anos antes do Porto, onde vivera bastante tempo, e que talvez votasse no PS, eu estava em absoluto convicto que o CDS ou o então PPD seriam o destino normal dos votos das outras minhas tias. Talvez tivessem mesmo sido já "apalavradas" pelo prior da freguesia, o excelente e simpático padre Domingos, que, com certeza, seguia a onda de um clero nortenho que, à época, "diabolizava" fortemente a esquerda.

Recordo-me, contudo, que se mostravam muito hesitantes, julgo que chegaram a perguntar-me a minha opinião (eu ia votar no MES, mas não tinha coragem de as tentar convencer...), embora sem necessariamente prometerem seguir o que eu dissesse, claro. Até que uma delas contou:

- Esteve cá há dias a dona Albertina - que tu conheces! - e veio falar-nos das eleições, dos comunistas e coisas assim. Deu-nos um conselho...

Fiquei imensamente curioso sobre qual teria sido o "conselho" da dona Albertina, uma senhora bastante mais nova, que tinha vivido até há pouco em Lisboa, que devia andar a fazer proselitismo conservador, pela certa. Mas a minha curiosidade foi logo saciada:

- Ela disse-nos que se pode votar em todos os partidos desde que não tenham ferramenta no emblema...

Dei uma imensa gargalhada, lembrei-me da imensidão de foices e martelos que adornavam as imagens dos partidos, bem como de enxadas e rodas dentadas que ilustravam outras formações. O conservadorismo da dona Albertina, afinal, era muito moderado. Aliás, a senhora informara-as de que ia votar no "partido da mãozinha", do Mário Soares, que "parecia boa pessoa e que não gostava dos comunistas".

Nunca soube ao certo em quem votaram as minhas queridas tias. Uma coisa sei hoje, de ciência certa. Por essas e por outras é que o PCP guarda nas eleições "a ferramenta" e opta por um azul celestial em lugar do vermelho da luta. Brincamos, não?!

sexta-feira, agosto 28, 2015

Notas presidenciais

  1. Sampaio da Nóvoa arrisca-se a vir a perder as eleições menos por falta de apoios do que, afinal, por ter "certos" apoios. A "simpatia" implícita revelada por Jerónimo de Sousa é um verdadeiro "beijo da morte". Depois do "Livre" e de Daniel Oliveira, só espero que o nosso amigo Otelo não decida anunciar que vota nele... Ah! e Boaventura Sousa Santos!
  2. A desistência de Santana Lopes da corrida presidencial foi o único argumento que me convenceu, em definitivo, de que Durão Barroso já não mantém qualquer intenção de concorrer a Belém. Era claramente o candidato preferido de Cavaco Silva, que até fez, a seu jeito, a "job discription" do seu sucessor ideal. Passos nunca o rejeitaria, Marcelo e Rio respeitariam o "ceda el paso", o PSD começa a esquecer a "fuga" (até a "jotaria" laranja já lhe aplaude as enfáticas platitudes). Resta, no entanto, o país, claro!
  3. Posso estar enganado, mas creio que a saída de cena de Lopes pode vir a acelerar fortemente as ambições de Marcelo Rebelo de Sousa, que deixa de ter um forte concorrente como "animador" de plateias do "PPD-PSD" de outros tempos. Com as tribunas mediáticas que detém, o sentido do voto de Lopes também não deixará de ter algum peso. Para onde se inclinará?
  4. Creio que Maria de Belém não tem razões para estar sossegada. Para além do facto de que alguns dos seus apoios emergirem de áreas com algumas fragilidades, como o tempo revelará (e, se não for o tempo, serão os seus opositores)!, há por aí algum "ruído silencioso" que me leva a pensar que as hipóteses de vir a surgir mais alguém que "cubra" o centro (esquerda e direita) são bastante elevadas. Os altares andam agitados...
  5. O último ano revelou que, afinal, Marinho Pinto não se "enxergava", como dizem na minha e na terra dele. Desperdiçou, com um comportamento errático e incoerente, todo o capital que conquistara com as suas populares intervenções televisivas. Confesso que cheguei a pensar que uma sua candidatura poderia fazer "estragos" nas presidenciais. Enganei-me redondamente, embora o "sistema" mediático já o tivesse condenado, retirando-o artificialmente dos debates (a imprensa tem "donos", diga-se o que se disser, e eles, como os 'inteligentes" das corridas de touros, não gostam de espontâneos). Afinal, até no seu nicho da "corrupção & crimes similares" Marinho Pinto se deixou ultrapassar por aquele candidato com ar grave cujo nome me escapa e que deve vir a ter o apoio da Associação dos Cabeleireiros do Sul e Ilhas...

O "Ancoradouro" no "Ponto Come"


No blogue "Ponto Come", cá da casa (basta clicar na fotografia da mesa que está na margem direita deste blogue para ter acesso), pode encontrar hoje a crónica "gastrófila" de uma visita que fiz ao restaurante "Ancoradouro", em Moledo do Minho, ali a dois passos de Caminha. 

Estas despretensiosas notas de visita (que, atenção!, não têm o estatuto de avaliações sobre a qualidade gastronómica das casas visitadas, porque não me sinto qualificado para tal) surgem na última sexta-feira de cada mês na revista "Evasões", que é distribuída gratuitamente com os jornais "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias".

Desde que iniciei esta colaboração, elaborei notas sobre os restaurantes "Lameirão" (Vila Real), "Toca da Raposa" (Ervedosa do Douro), "Dom Joaquim" (Évora), "Queirós" (Avelãs do Caminho" e agora sobre o "Ancoradouro" (Modelo).

Um ministro para a Europa?


Há dias, António Costa disse ter a intenção dar ao titular dos “Assuntos europeus”, num seu futuro governo, um estatuto superior ao de “secretário de Estado”.

Há precisamente 20 anos, quando entrei para o governo como secretário de Estado dos Assuntos europeus, a questão não se colocava. Embora outros países tivessem “ministros” nessa pasta, as nossas competências eram, em absoluto, idênticas. Durante os mais de cinco anos em que exerci o cargo, nunca senti que o meu estatuto, exercido sob a tutela do ministro dos Negócios estrangeiros, me criasse a menor limitação. Creio que o meu antecessor, que havia exercido o cargo durante uma década, também não havia tido qualquer dificuldade.

A Europa mudou muito, desde esses tempos. Por muito que os claustros das Necessidades não gostem de ouvir isto, há que convir que muitas questões europeias se situam hoje numa dimensão que é já bastante menos “Negócios estrangeiros”, tendo uma natureza diferente, quase doméstica. Alguns ministérios “sectoriais” (como no MNE gostamos de os apelidar) criaram uma massa crítica capaz de levar a Bruxelas, com grande competência, a voz das respetivas áreas. O problema é que cada um tende a fazê-lo por si e alguém tem sempre que dar coerência à posição de todos. E só o MNE pode fazê-lo.

Acresce que o nefasto Tratado de Lisboa afastou os ministros dos Negócios Estrangeiros da mesa dos Conselhos europeus, onde os chefes de Estado e governo tomam as mais importantes decisões. A este afastamento físico dos MNE, correspondeu um aumento da importância dos ministros das Finanças, transformados hoje nos verdadeiros “braços direitos” europeus dos chefes dos executivos. E nas Finanças, como é sabido, trata-se de … finanças!

Estes são os factos. A conjugação de ambos os fenómenos, que julgo imparáveis, tende a uma progressiva degradação da coordenação da posição nacional na Europa, que só os “Estrangeiros” conseguem fazer, tanto mais que no seu âmbito continuarão a residir temáticas em que são insubstituíveis – como as dimensões externas da União e as questões institucionais.

Assim, a ideia de nomear um membro do governo com o estatuto de “ministro” para os Assuntos europeus, naturalmente como adjunto do MNE e sem ter ministério próprio (Costa disse, aliás, que haveria ministros neste modelo), poderá fazer algum sentido. Esse membro do governo, pelo seu estatuto, teria assento no Conselho de ministros, o que lhe conferiria muito maior autoridade e capacidade de interlocução. Por seu turno, a ligação ao MNE permitiria que, no quadro da ação externa global do Estado, a política europeia preservasse plenamente o seu lugar. Coisa que hoje não acontece porque, como é sabido, este governo se “dispensou”, desde a sua entrada em funções, de ter uma política para a Europa.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, agosto 27, 2015

Hermínio Martins (1934-2015)


Em dezembro de 1972, numa das minhas primeiras visitas aos Estados Unidos, deu-me para procurar na New York Public Library obras em inglês sobre o Estado Novo. A certo passo, deparei com um livro de textos sob o título "European Fascism", com um capítulo sobre Portugal, publicado anos antes, em Londres, assinado por Hermínio Martins. 

Quem seria Hermínio Martins? Não tinha então menor referência sobre nome, o que era natural, tanto mais que eu não era um especialista, apenas um mero curioso do tema. Ainda pensei que fosse um pseudónimo, embora o texto trouxesse uma nota concreta sobre a ligação universitária do autor. Fiquei sempre com vontade de saber mais sobre a pessoa por detrás daquele nome.

Passaram alguns anos até que comecei a saber um pouco sobre Hermínio Martins e, finalmente, acabei por comprar o livro que vira em Nova Iorque (hoje muito desatualizado, face à investigação posterior, nos vários casos abordados). Fui-o lendo, entretanto, em outros livros e em artigos publicados em revistas. Achei sempre muito curiosa a sua perspetiva pluridisciplinar, onde a sociologia se misturava com a filosofia, numa escrita aliás pouco vulgar, recheada de temáticas complementares inesperadas.

Quando fui viver para Londres, em 1990, estabeleci contacto com Hermínio Martins, creio que por intermédio do Eugénio Lisboa, e talvez também do Rui Knopfli. Recordo-me de ter convencido o embaixador Vaz Pereira a convidá-lo para um almoço na embaixada. O almoço não foi aquilo a que se poderá chamar um grande sucesso. Hermínio Martins falava pouco, a conversa "desligou-se" e, manifestamente, não conseguimos gerar um ambiente estimulante, não interessa agora saber por culpa de quem.

Alguns anos mais tarde, durante a visita de Estado de Mário Soares ao Reino Unido, insisti pela inclusão do nome de Hermínio Martins no grupo de intelectuais que ali viviam e que o presidente português entendeu dever condecorar.

As últimas décadas acabaram por trazer o reconhecimento devido a Hermínio Martins, cujo perfil intelectual e académico, a começar pela sua contribuição para a sociologia britânica, estão hoje estabelecidos de forma incontroversa, ao que leio. Também em Portugal, graças a vários seguidores e colegas, esse reconhecimento impera, sendo considerado uma das figuras cimeira das nossas ciências sociais.

Li agora no "Público" que Hermínio Martins morreu, em Oxford, na passada quarta-feira.

quarta-feira, agosto 26, 2015

Abastecimento

Surgiu ontem a história de uma chinesa que, impedida de entrar num avião com uma garrafa de cognac, decidiu bebê-la toda de seguida e, claro, acabou muito mal...

Esta história trouxe-me à memória um episódio que faz parte dos anais de uma certa boémia de Vila Real, nos anos 50/60.

Havia na cidade um grupo de amigos, sob a liderança benévola de António Fernandes, um homem abastado e "bon vivant", conhecido pelo "Antoninho do Talho", que se dedicavam a grandes "tainadas" e imemoriais convívios. Às vezes, o convívio prolongava-se mesmo em viagens ao estrangeiro, de que há anedotas deliciosas, algumas das quais citadas em livros. 

Havia, porém, uma limitação forte na logística dessas deslocações: a necessidade de levarem o próprio vinho, aparentemente por não confiarem na capacidade de um abastecimento à altura, lá pela estranja. Ficou mesmo nas lendas o despacho de uma partida de garrafões numa ida ao Brasil, no famoso "Voo da Amizade", então promovido pela Tap e pelas desaparecidas Panair e Varig.

A historieta de hoje, que veio a propósito do drama da chinesa, é bastante mais prosaica e, ao que se conta, teve lugar na fronteira entre Quintanilha e San Martin del Pedroso, na estrada de Bragança e Zamora. 

À passagem do automóvel da divertida comitiva, que iria com destino a Paris, a polícia espanhola, como era de regra, mandou abrir a bagageira da viatura e, deparando com uma imensidão de garrafões de vinho não declarados "para exportação", fez menção de reter a vital mercadoria. O pânico pela iminente desaparição dos néctares instalou-se nos viajantes, que tentaram explicar que todo aquele "material" era, muito simplesmente, para consumo. Os guardas vestidos de cinzento, abotoados até ao pescoço, com os famigerados chapéus pretos em forma de tricórnio, não se mostravam convencidos do destino não comercial do vinho.

Terá sido então que o Magalhães, uma divertida figura da família dos Macário, sacou a rolha de um dos garrafões e iniciou o respetivo emborcanço, para estupefação dos cívicos, apenas como forma de revelar o nível de consumo que era expectável no grupo. Um dos polícias mandou então suspender o ato e, ao que reza o mito urbano, terá constatado: "Van ustédes muy mal suministrados"... E lá os deixou seguir!

terça-feira, agosto 25, 2015

Conversas na Caravela (2)

- Trouxeste azar às Festas! Com a chuva, não houve procissão...

- Ora essa! A culpa não foi minha! Foi do Costa e do Nóvoa! 

- Porquê?

- Repara que, nos dias em que eles andaram pela Senhora da Agonia, não choveu nem uma gota. Logo que zarparam de Viana, foi o que se viu.

- Queres tu dizer que o Costa e o Nóvoa trazem consigo o bom tempo?

- Por mim, não duvido! O importante era que todo o país também acreditasse...

Uma história feliz


Esta história aconteceu mesmo.

O jovem militar Francisco da Costa Gomes, que mais tarde viria a ser presidente da República, passou um dia pelo atelier do seu amigo Henrique Medina, em Lisboa, e ficou deslumbrado pela figura representada no retrato que aqui se reproduz. Costa Gomes era um transmontano de Chaves. Maria Estela, a jovem que figurava no quadro vestida de "mordoma", era uma minhota de Viana do Castelo. Costa Gomes quis conhecer a jovem. E conseguiu. Dois anos mais tarde, apaixonaram-se e viriam a casar. O quadro passou a fazer parte da sua vida. Depois de ambos falecerem, a Câmara Municipal de Viana do Castelo tomou a boa decisão de o adquirir. Hoje, figura no respetivo salão nobre, onde o fui agora encontrar.

Há histórias felizes.

segunda-feira, agosto 24, 2015

Folhetim

Os "folhetins" de Verão têm uma certa tradição na imprensa francesa, onde divertem um público de leitores predispostos para olhar as coisas da política com alguma leveza, bem ao jeito de uma estação do ano que convida ao sorriso e à forma menos séria de olhar para as coisas. Por alguma razão os ingleses chama a esse período " silly season". 

Este ano, o "Diário de Notícias" enveredou pelo modelo de folhetim, construindo um cenário político de fantasia, estrelado pelos atores que todos conhecemos, embora colocando-os num "script" diferente. Os textos têm sido deliciosos, com uma densidade de pormenores que quase nos dá pena que a realidade não acompanhe a ficção.

No final do mês, creio, o folhetim cessa e, para nossa tristeza, ficaremos reduzidos à realidade. 

domingo, agosto 23, 2015

Fernando Gomes da Silva


Há dias, na praia, uma voz forte chamou-me. Olhei e era o meu amigo Fernando Gomes da Silva. Demos um abraço do tamanho do mundo!

Durante alguns anos, tive o gosto de fazer parte de um governo em que o Fernando foi ministro da Agricultura. Eramos ambos "independentes" num executivo PS, mobilizados pelo entusiasmo de integrarmos a equipa de António Guterres.

Fernando Gomes da Silva é um homem frontal, cujo desassombro me habituei a apreciar. Corajoso e sabedor das coisas do setor, o Fernando criou alguns inimigos ferozes. Certa imprensa, mobilizada por alguns deles, nunca o poupou.

O país recorda, como anedota, a sua imagem a comer mioleira num restaurante do Luxemburgo, no auge da crise das "vacas loucas". Foi um erro mediático? Não, foi um gesto que pretendia sublinhar que o principal responsável pelo setor agrícola português considerava que as medidas postas em prática para a defesa da saúde pública dos consumidores europeus, nesse caso no Luxemburgo (onde nenhum caso de BSE alguma vez foi detetado), eram adequadas e que ele próprio "corria um risco" que considerava não existir. Pois ainda hoje, quase duas décadas passadas, há quem tente ridicularizar uma atitude que era a mais racional possível.

Numa outra ocasião, quando os agricultores portugueses desceram à rua, na Baixa lisboeta, para protestar contra uma medida europeia, no âmbito da Política Agrícola Comum, o Fernando saiu do gabinete e teve a coragem de se juntar aos manifestantes, para lhes expressar a sua solidariedade. Portugal tinha-se batido em Bruxelas, sob a sua orientação, para que a medida tomada, lesiva dos nossos interesses, não fosse adotada. Infelizmente, numa votação para a qual não havíamos conseguido, com outros países, gerar uma minoria de bloqueio suficiente, os ventos não correram a nosso favor. Fernando Gomes da Silva achou então adequado - e eu também achei! - sair para a rua e prestar a sua solidariedade aos nossos agricultores, por quem ele sempre se batera, e bem! Ora foi o bom e o bonito! "Ridículo", "insensato" e outros epítetos bem piores foi o mínimo com que foi qualificado nos dias seguintes.

Um dia, uma folha de couve semanal que, por alguns anos, se dedicou, sob o gáudio alarve de algum país, a publicar notícias que se achava dispensada de confirmar, trouxe Gomes da Silva associado a um qualquer processo que, logo no dia imediato, a verdade se encarregaria de desmentir. Do meu gabinete, pelo "telefone branco" do governo, liguei ao Fernando, a prestar-lhe a expressão da minha amizade e apoio. Lembro-me, como se fosse hoje, da sua reação:

- Ó pá! Tu não imaginas a sensação que um tipo tem ao virar uma esquina, olhar uma tabacaria e dar de caras com a tua "fronha" na capa de um pasquim que te acusa de uma coisa que eles estão "desertos" de saber que é falso e cuja notícia, depois de lida, se percebe que não confirma o "escândalo" que é anunciado pelo título!

O Fernando estava indignado e tinha fortes razões para isso. Momentos como esse, bem como uma gestão sempre muito atenta dos nossos interesses em Bruxelas, que pude acompanhar de muito perto, criaram a imensa consideração e estima que hoje tenho pelo Fernando Gomes da Silva, um homem de bem e um fantástico servidor público, de quem tenho a honra de ser amigo. Espero poder continuar a encontrá-lo pelas areias da vida, agora que, como se diz no futebol, em definitivo, ambos "pendurámos as chuteiras" da política. 

Ceuta


Foi em 21 Agosto de 1415. Caramba! Já lá lá vai algum tempo!

"Chegámos" (este plural majestático dá jeito, quando nos calha partilhar glórias) a Ceuta, tomámos a cidade "aos mouros", iniciámos a expansão - embora tivesse havido uma forte pausa temporal antes do início das fantásticas navegações atlânticas.

Seria pela aventura? Seria pela fé? Seria pelo interesses? Há anos, durante a ditadura, um historiador felizmente ainda vivo, Borges Coelho, publicou o livro "Raízes da Expansão Portuguesa" em que defendia que tinham sido as motivações materiais a alavanca essencial da vontade por detrás do empreendimento. O livro foi recolhido pela PIDE!

Fosse por que razão fosse, foi um tempo muito interessante da história de um pequeno povo que teve como destino andar pelo mundo, Às vezes por boas razões, outras vezes por motivos menos bons.

A figura

Os dois miúdos rondavam há vários minutos as mesas da esplanada daquele café lisboeta, numa das quais se sentava uma conhecida figura da política portuguesa, há muito retirada das lides, mas que frequentemente era ainda recordada nas televisões. Olhavam para a pessoa de várias perspetivas, trocando sussurros entre si. Teriam, no máximo, uns doze anos. Depois de uns minutos de hesitação, um deles, deixando o outro à distância, aproximou-se da mesa e perguntou: "Você é o f....". O antigo político olhou então o garoto e limitou-se a responder: "Sou, sou eu!" É então que esse mais atrevido, de longe, se volta para o outro e, bem alto, exclama, orgulhoso da sua razão: "Eu não te dizia que ele não tinha morrido?!"

sábado, agosto 22, 2015

Conversas na Caravela (1)

- Sabias que o Nóvoa já esteve cá em Viana, nas festas?

- Sim e o António Costa também. A Senhora da Agonia atrai sempre muitos políticos.

- Mas a Maria de Belém não vem!

- Porquê?

- Não sei, mas alguém dizia, há pouco, que, por qualquer razão, ela prefere a Senhora dos Remédios...

- Na realidade, até me parece que a Senhora da Aparecida seria mais adequada.

- Esperemos que não acabe por ser a Senhora da Pena! Ou mesmo a das Dores!

- Também pode ter sorte e acabar por ser a Senhora da Hora.

- Se assim fosse, o Nóvoa seria o Senhor dos Aflitos...

- Logo veremos. Cada coisa a seu tempo. Para já, o importante é que o Costa ponha o Senhor dos Passos "com dono"!

Senhora da Agonia


Nunca foram à Senhora da Agonia, as festas de Viana do Castelo? Não? Então não sei que lhes diga...

sexta-feira, agosto 21, 2015

Conversas no Pereira (9)

- Já te vais embora? Este ano, vi-te pouco aqui pelo Pereira...

- Tens razão. Muita praia, muita coisa para ler, gente lá por casa...

- Nas nossas conversas, senti-te sempre um pouco preocupado com a política.

- É verdade, estou.

- Achas que alguém do PS acabará por ganhar as eleições presidenciais?

- Espero que o PS acabe por ganhar alguma coisa nessas eleições...

- Ah! Sim!? O quê?

- Pelo menos, juízo!

Os genéricos não funcionam?

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, algumas pessoas que fui conhecendo, pertencentes a setores poderosos da sociedade, diziam-se "envergonhados" com o presidente que tinham. Sempre "à boca pequena", escarneciam de Lula da Silva, chamavam-lhe analfabeto e contrastavam-no com Fernando Henrique Cardoso, que tinha deixado a presidência dois anos antes.

A minha linha argumentativa contra esta ideia era simples: com FHC, o Brasil tinha ganho um estatuto internacional que a "velha" política brasileira nunca tinha obtido. O facto de um intelectual da craveira de FHC, uma figura impoluta e um homem com grande visão estratégica, ter sido sucedido, sem o menor sobressalto, por um líder sindical com forte sentido social, sem radicalismos nem pulsões revanchistas, mostrava a vitalidade do modelo político brasileiro e a maturidade da sua sociedade. Os brasileiros tinham fortes razões para estarem orgulhosos de ambos.

Não tenho a certeza de ter convencido os meus interlocutores. Com a passagem do tempo, com o evidente êxito de Lula, esses setores acalmaram, no entanto, as suas críticas. O Brasil crescia, as tensões sociais pareciam amainadas, a pobreza reduzia-se fortemente, a marca do país estava em alta, o Brasil “dava certo”. Foi o tempo do “bolsa-família” e do “fome zero”, o biodiesel parecia um maná, o “pré-sal” anunciava amanhãs gloriosos e, o que era mais importante, um futuro de desenvolvimento imparável e sustentado. O Brasil “dava cartas” pelo mundo, tratava por tu o G8, era estrela no G20, na OMC, nos BRICS, no IBAS, cortejado pelo Norte, visto como farol no Sul.

O escândalo do “mensalão” provou que o PT, que chegara ao poder sob uma agenda de “pureza” regeneradora, se comportava basicamente como aqueles que criticara. Para se defender da desilusão, o Brasil “fez de conta” que acreditava que Lula nada sabia das tramóias feitas para o manter no poder. E reelegeu-o. O segundo mandato foi menos glorioso, mas, ainda assim, beneficiou do facto da crise internacional ter chegado tarde ao país, convertido por algum tempo, como outros emergentes, em refúgio de capitais, perante a anarquia financeira que se vivia a Norte. 

Lula não podia ser reeleito, com pena de muitos brasileiros e de grande parte do empresariado. Para lhe suceder, impôs a ministra política com perfil técnico mais evidente. “Lula elege um poste”, dizia-se no Brasil. Mas Dilma Rousseff não era Lula e nunca criou um laço afetivo com um país em derrapagem económica. Perante uma vaga de escândalos, entrou numa alucinante perda de legitimidade. Completamente inábil na relação com o Brasil, confirmou o receio de muitos hipocondríacos: os genéricos não funcionam.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

O concerto da Júlia

Foi assim, depois do almoço de hoje. A pianista, com menos de 10 anos, chama-se Júlia.