sexta-feira, março 21, 2014

Um lagarto em Benguela


Recordo ter chegado a uma varanda, onde estavam sentadas três pessoas, num fim de tarde, com o sol já a cair. Para tal, tinha atravessado toda a casa, mobilada e decorada com grande simplicidade, sem quaisquer luxos. Os tempos, que eram de guerra, não estavam para isso. 

Sobre uma mesa, havia várias garrafas de cerveja Cuca, algumas já vazias, além de uma bela pratada de caju. Um rádio portátil, grande, de pilhas, daqueles com asa e lugar para cassetes, de onde saía um som forte e roufenho, dominava a cena. Ao lado, estava um exemplar, já com mais de uma semana, do jornal português, nessa altura trissemanário, "A Bola".

Era uma moradia de um só andar, numa rua de Benguela, no sul de Angola. Estávamos em 21 de março de 1984. Há precisamente 30 anos. Já perceberão por que recordo a data.

Eu tinha ali arribado poucos minutos antes, no avião da tarde da TAAG, ido de Luanda. Pousara a mala na residência do nosso cônsul-geral, Fernando Coelho, que me tinha ido buscar ao aeroporto e que, de imediato, me convidou a ir beber umas cervejas a casa de umas pessoas.

O Fernando tinha chegado a Angola semanas antes de mim, dois anos antes. Num posto muito difícil, isolado, nas complexas condições de vida que eram então as de Angola, ele tinha sabido estruturar uma eficaz rede de contactos, rapidamente passou a movimentar-se com grande à-vontade na sociedade local e, o que era mais importante, transmitiu segurança à inquieta comunidade portuguesa. Assumia uma atitude humana de grande simplicidade, às vezes numa postura que eu vi como algo arriscada no modo aberto como se expunha, recusando a distância profissional a que alguns colegas recorrem, para desenharem uma bolha de importância à sua volta. O Fernando era uma joia de pessoa e criava amigos com muita facilidade.

Alguns desses seus amigos de Benguela estavam ali reunidos, um dos quais me foi indicado ser o proprietário da casa. Eram todos angolanos: dois mulatos e um negro. Cumprimentaram-me, embora sem me prestarem grande atenção, quando o Fernando me apresentou: um diplomata, seu colega, que vivia em Luanda, onde trabalhava na embaixada. Estavam todos muito fixados a ouvir o relato de um jogo de futebol.

Tendo já na mão uma cerveja que alguém me estendeu e com acesso livre ao cajú, refastelei-me numa cadeira de braços e apreciei a cena: acompanhavam, pela rádio, o jogo que o Benfica estava a disputar com o Liverpool, no estádio da Luz.

O ambiente estava pesado. O Benfica perdia, e já estava na segunda parte, por dois golos. Toda a sala era benfiquista, ferrenha. Bom, toda não: eu era sportinguista, mas o Fernando tivera o prudente cuidado de não começar por referir a quem ali me acolhia esse despiciendo pormenor.

O que era mais curioso no grupo era constatar o modo como seguiam o jogo, quase como se estivessem na Luz. O relato, pela rádio, era muito bem feito, vivo, cheio de notas que, para quem nele estivesse concentrado, criavam uma imagem muito impressiva sobre aquilo que se passava em Lisboa.

Eu sabia muito bem que, em Angola, um pouco como em todas as outras antigas colónias portuguesas, a fidelidade aos nossos principais clubes tinha sobrevivido, intocada, aos respetivos processos de independência. Era uma espécie de afetividade que se autonomizara, em absoluto, dos processos descolonizadores. Não deixava de ser interessante assistir ao sofrimento daqueles angolanos, fanáticos benfiquistas de Benguela, que, inclinados sobre a mesa, bebiam as palavras do locutor português.

Mais do que isso: que se pronunciavam, com firme opinião, sobre o andamento da partida, as prestações de cada um dos jogadores do Benfica, as opções técnicas que iam sendo feitas pelo treinador. "Este Eriksson hoje só faz asneiras", comentava, irado e agitado, o único negro na sala. "O Maniche já devia ter saído! O gajo não sobe bem pela esquerda! Devia meter o Filipović!".

Outro dos presentes, um mulato mais velho, recomendava, por uma qualquer razão tática, a entrada de Shéu, que estava no banco de suplentes. Resposta do terceiro membro do grupo, o dono da casa, com uma gargalhada: "Esse tipo é do lado de lá, não presta!", sublinhando a origem moçambicana do jogador. Toda a gente riu, mais por nervoso do que pela pertinência da graçola.

Eu não tinha uma opinião técnica definitiva sobre nada, até porque era de outra "freguesia" desportiva. Conhecia quase todos os jogadores do Benfica, claro, mas não fazia a menot ideia se uns eram melhores do que outros para "dar a volta àquilo", como se clamava pela sala. 

E assim tudo continuou até ao final do jogo, comigo relativamente silencioso, entretanto já revelado como sportinguista, mas a assumir publicamente uma discreta simpatia, embora talvez não muito entusiasta, pela desdita dos encarnados naquela noite. O Benfica acabaria, no final, por encaixar quatro golos, como o Nené a salvar a honra do convento da Luz. A carreira do Benfica na taça europeia que disputava tinha, nesse ano, chegado ao fim.

Encerrado o jogo, desligado o rádio, com alguns ligeiros impropérios e comentários sobre a partida ainda a pairarem na conversa, numa desilusão que os minutos iam diluindo, surgiu de lá de dentro, da cozinha, uma senhora, mulata, muito vistosa, aparentemente a dona da casa, até aí discretamente ausente. Trazia, com um sorriso agradável e um claro alheamento quanto à jornada desportiva que havia mobilizado a sua casa, alguma coisa para jantarmos. Já não recordo o que foi, pelo que não deve ter sido coisa gastronomicamente memorável. A senhora regressou logo à cozinha, não nos acompanhando na mesa. Eram assim as coisas, por ali.

A conversa alargou-se então a outros temas. Aquele núcleo de benfiquistas de Benguela continuava triste pelo desfecho do jogo, mas foram muito simpáticos, mesmo algo cerimoniosos, para com o intruso forasteiro que eu ali estava a ser. O Fernando Coelho, visivelmente muito bem integrado no grupo, do qual resultava ser íntimo, animava a mesa e os espíritos, com a alegria contagiante de homem bom que sempre foi. 

O jantar terminou entretanto e era tempo de regressarmos à residência do Fernando. Agradecendo a amabilidade do acolhimento, despedi-me daqueles meus novos e fugazes conhecimentos e fui caminhando para fora de casa, em direção ao carro do Fernando. Este ficou um pouco para trás. Despedia-se do dono da casa, a quem, num tom de voz baixa mas não deliberadamente audível por mim, ouvi dizer: "É simpático, esse seu amigo. Pena é ser lagarto!"

Periscópio

"É Periscópio!" dizia o jovem da mesa ao lado, pelo telefone, ao amigo, pretendendo identificar o bar onde arrulha, com uma pequena, desde há minutos.

Logo levou, da nossa mesa, um berro corretor: "Procópio!" A educação do "jeunisme" atual nem o levou a agradecer. Mas lá corrigiu, ao amigo: "Parece que é Procópio!"

Parece?! Quem lhe atasse um arado!

Em tempo: se se apressarem ainda o apanham por aqui...

Ainda o "manifesto"

Já aqui disse o que pensava sobre o "manifesto" que propõe a reestruturação da dívida pública portuguesa. É um documento corajoso, deve ser refletido, embora eu me interrogue sobre a sua oportunidade.

Dito isto, achei menos bem o surgimento de outras 74 personalidades estrangeiras em apoio ao documento. Para quê? Para mostrar que também "lá fora" há quem tenha ideias idênticas? Isso era natural. Estou certo que os opositores ao "manifesto", se assim o quisessem, poderiam agregar a opinião de outros tantos "sábios", dizendo precisamente o contrário. Os economistas são como os advogados: há opiniões para todos os gostos.

A importância do "manifesto" era precisamente ser um documento português, reunindo personalidades de valia incontestada, por forma a ser visto "lá fora", pelos nossos credores, como traduzindo uma opinião qualificada nacional, de largo espetro, a qual, dada a expectável evolução da situação política interna, poderá vir a ter consequências na atitude de um futuro governo face ao problema. Querer concitar apoios externos declaratórios para o texto parece-me transparecer uma falta de confiança menos digna da coragem que o ato original revelou. Não havia necessidade...

quinta-feira, março 20, 2014

Pacto para o investimento

Transcrevo, de seguida, o texto "Pacto para o investimento", que hoje publico na revista "Sábado", que me pediu, como a várias outras pessoas, uma "ideia" para o país:

"Já não é tempo de milagres. A vida dos portugueses só pode melhorar se o país puder criar mais riqueza. Limitado o endividamento, circunscritos os fundos comunitários, apenas uma injeção de investimento produtivo pode funcionar. Para tal, há fatores que não dependem de nós, porque derivam do quadro externo em que nos interessa manter integrados. Outros decorrem da eventual coragem dos agentes políticos em levar à prática o interesse coletivo, ousando afrontar os poderes das corporações, dos lóbis e da rua. 

A capacidade de rutura da classe política portuguesa é reconhecidamente escassa. O conúbio entre alguma representação institucional e certos interesses, do parlamento às autarquias, apresenta aos potenciais investidores um país que, não obstante fantásticos avanços, tem vastas zonas de atraso comportamental.

É urgente gerar entre nós um pacto social para relançar o investimento produtivo, desenhar-lhe rapidamente os contornos – na burocracia, na justiça, na estabilidade fiscal, no apoio à qualificação, no combate à corrupção e ao “arranjismo”. A sociedade civil, que teve coragem para pôr termo ao tabu da dívida, tem de ser capaz de forçar um choque de realismo, apresentando às forças partidárias uma agenda para a modernidade da sociedade e da economia. Para além dos “suspeitos habituais”, há que envolver nela os bancos, as universidades e a comunicação social. Quem tem coragem para avançar?"

Herman José

Herman José fez 60 anos. Todos lhe devemos algumas das nossas melhores gargalhadas. A vida deste país seria muito mais triste sem ele. E isso não é coisa pouca. É uma figura tão genial que até lhe perdoamos alguns registos de facilidade, bem como um anseio quase obsessivo da consensualidade, que às vezes desgostam. Mas Herman José é muito mais do que isso. E, até agora, é insuperável. Parabéns, Herman, vai ver que é agradável ser sexagenário, palavra que, contudo, começa bem mas acaba mal...

quarta-feira, março 19, 2014

Lembrança

Ontem, numa esplanada na Foz, no Porto, lembrei-me de uma frase do meu pai. "Exilado" em Vila Real desde 1946, viveu por lá uma vida bem feliz, por mais de seis décadas. Mas nunca o abandonou a saudade do mar, da foz do rio Lima que o viu crescer, dessa Viana do Castelo que para ele funcionou como eterna âncora afetiva. "Gostava de acordar todas as manhãs numa casa com vista para o mar", dizia-nos, às vezes, embora soubéssemos que a ele, já transmontano de coração, far-lhe-ia muito mais falta a imagem do Marão ao fundo.

Li há pouco que hoje é dia do pai. 

E depois da "troika"

Diz-se, às vezes, que, no nosso país, há conversa a mais e realizações a menos. Talvez seja verdade mas, pelo que me toca, saio sempre mais enriquecido desses exercícios intelectuais, particularmente se neles for possível ouvir atores responsáveis pelas políticas ou observadores atentos da realidade.

Tenho pena de não me ser possível assistir ao debate que, por esta hora, envolve Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix, Teixeira dos Santos e Vitor Gaspar, no quadro da excelente iniciativa promovida pelo ISCTE sobre as políticas públicas, olhando já para o período depois do ajustamento. Deve ser curioso...

Hoje à tarde, serei um dos protagonistas de um outro debate. Com Diogo Feio, Pedro Silva Pereira e Paulo Rangel, estarei num painel em que a política europeia será abordada. Tenho esperança que possamos sair um pouco da "espuma dos dias" e ir mais além do mero confronto pré-eleitoral.

Em tempo: foi um debate sereno, muito construtivo, em que cada um de nós teve oportunidade de colocar o essencial da sua experiência. As divergências não foram muitas, embora não tivesse sido unânime a leitura das virtualidades do processo de ajustamento e do modo como o governo atuou e atua no quadro europeu. No essencial, porém, verificou-se uma grande consonância no reconhecimento da necessidade de uma postura interventiva portuguesa no palco europeu, bem como na importância de serem escolhidos como titulares da nossa representação a esse nível personalidades qualificadas. Todos lembrámos Medeiros Ferreira, o homem que criou os 3D da Revolução de abril (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver). Só que agora os 3D são outros: Défice, Dívida e Desemprego...

terça-feira, março 18, 2014

José Medeiros Ferreira (1942-2014)

Foi-se o José Medeiros Ferreira! Vi-o, pela última vez, numa homenagem que a Casa dos Açores lhe prestou. Na intervenção com que encerrou a ocasião, pairava já um tom de despedida. Mas naquilo que disse esteve a mesma indómita coragem com que lhe víramos afrontar a terrível doença.

Tinhamos previsto fazer, dentro de algum tempo, um "mano-a-mano", numa conferência a dois, sobre "Portugal no Mundo". Seria a reedição de um idêntico exercício que ambos havíamos levado a cabo, a convite da Assembleia da República, sobre "A imagem de Portugal no mundo".

José Medeiros Ferreira, um açoreano que o acaso da vida quis que nascesse na Madeira (uma ironia com que ele brincava), foi uma grande figura da nossa democracia e da intelectualidade portuguesa. Perseguido e expulso da universidade na crise de 62, exilou-se em Genebra, onde fez parte do grupo oposicionista que publicou a revista "Polémica". Para o Congresso Republicano de Aveiro, em 1973, enviou uma "tese" em que prenunciava o modelo de revolta que, meses depois, viria a derrubar a ditadura. Ao lado de António Barreto, viria a juntar-se ao PS, depois de ser obrigado a fazer alguns meses de serviço militar... na famosa 5ª divisão.

Deputado, secretário de Estado e ministro dos Negócios Estrangeiros, viria a revelar-se com um pensamento estratégico de muito rara qualidade entre nós. Foi pela sua mão, num governo de Mário Soares, que Portugal pediu a adesão às Comunidades Europeias. A figura de Sá Carneiro seduziu-o e viria a ligar-se à sua Aliança Democrática, no pequeno grupo dos "Reformadores", uma vez mais com António Barreto, num percurso comum que não se manteria quando decidiu apoiar Ramalho Eanes, na aventura do PRD.

Seria de novo pela mão do PS que iria regressar ao parlamento, onde o cruzei como presidente da comissão de Assuntos Europeus, nos anos que passei no governo. Nunca mais regressaria a um executivo, embora eu pense que o país perdeu bastante com isso, ao não aproveitar o seu grande talento político. Porém, Medeiros Ferreira, que era uma voz que teimava ser independente e livre, tinha uma autonomia de pensamento que era, não raramente, algo incómoda para a máquina partidária.

Medeiros Ferreira foi um historiador de grande mérito, dedicado à História contemporânea e, muito em particular, ao papel dos militares. Professor universitário e comentador político, teve uma forte exposição pública nos últimos anos, nas televisões, nos jornais e na blogosfera, onde era autor de apontamentos de grande argúcia e frontalidade. Era um benfiquista afirmado e deve ter morrido contente por ver o seu clube prestes a regressar aos títulos.

Um dia, tive com o Zé Medeiros uma forte divergência. Com o tempo, soubemos ultrapassá-la, com mútuo garbo. Considerava-me um seu amigo e um seu grande admirador. Vai-nos fazer muita falta na tertúlia do Procópio, para onde nos trazia belas tiradas, que nos animavam as conversas e as ideias. À Maria Emília, deixo um sentido abraço.

Irrelevância

Há dias, ao atentar no discurso de um dirigente político português sobre a Europa, dei comigo a pensar que o atual quadro decisório europeu configura um terreno de crescente dificuldade para a expressão dos interesses próprios do nosso país. Nada que seja uma novidade, mas, durante alguns anos, tentei concordar com quantos não achavam isto importante. Hoje estou mais preocupado.

Os vários interesses nacionais que se projetam em Bruxelas comportam, entre si, uma margem significativa de divergências, por vezes de conflito, que cabe à União tentar conciliar nas suas deliberações. Desde a criação da máquina comunitária europeia, os Estados mais populosos tiveram, com toda a naturalidade democrática, um peso maior nas decisões. Quando Portugal entrou para as Comunidades, o seu voto à mesa do Conselho de Ministros valia precisamente metade do poder decisório alemão. Para a Comissão, a Alemanha podia indicar dois comissários e Portugal apenas um. No Parlamento europeu, o número de eleitos alemães era quatro vezes o nosso.

Era uma relação desequilibrada? Era, mas era gerível. Muitas decisões nos Conselhos de ministros eram então tomadas por unanimidade, a Comissão Europeia vivia uma cultura de “proteção” dos interesses dos países mais pequenos e mais pobres, o âmbito das temáticas em que a Europa intervinha era bem menor e o Parlamento estava longe de possuir os poderes de que hoje dispõe. Além disso, a Europa comunitária de então era um “clube de ricos” com escassos “pobres” para contentar. Eram dias felizes.

Desde então tudo mudou. Dos “doze” de 1986, passámos agora a 28, com um quadro de interesses médios muito mais diverso. A utilização das votações por maioria, com o abandono progressivo da unanimidade, passou de exceção a regra. Com o modelo do Tratado de Lisboa, a Comissão perdeu poderes para o Conselho de ministros, onde o peso demográfico de cada Estado é a matriz central do processo decisório. Os 22 deputados portugueses são hoje uma gota de água no seio dos 736 membros do PE. E serão ainda menos, a partir de Maio.

Portugal tem hoje de operar numa União onde o padrão médio de interesses se afasta progressivamente dos seus e fá-lo com meios de afirmação de poder decisório cada vez mais reduzidos, em termos relativos. Esta é uma questão da maior sensibilidade, porque toca de perto a questão da legitimidade dos dirigentes nacionais perante os respetivos eleitores.

Quando um cidadão alemão ou francês vota para eleger os seus deputados nacionais, está indiretamente a escolher governantes que, à partida, têm garantida uma forte capacidade de intervenção nos Conselhos de ministros da União, porque se acolhem sob o chapéu de países com força institucional própria. Um eleitor português ou grego vai acabar por tomar consciência, um destes dias, de que está a escolher dirigentes que pesam muito pouco, mesmo em assuntos que lhes dizem diretamente respeito, e aos quais pouco mais resta do que a coreografia verbal à entrada ou saída das reuniões europeias, onde o sentido das decisões já está tomado, com ou sem a sua presença. Será por isso é que alguns já lá nem vão?

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, março 17, 2014

Ainda o 16 de março

Há cinco anos, contei por aqui esta historieta, passada em 16 de março de 1974. Valeu-me, à época, comentários menos complacentes de algumas leitoras, como ainda se poderá ler nos comentários então publicados. Porque a idade, aumentando, diminuiu ainda mais o meu tropismo para o "politicamente correto", aqui reproduzo o episódio com quatro décadas, com um imenso abraço àquele que o titula e que, creio, não terá apetência para agora o relembrar. Aqui vai.

O António era um conquistador “nato” ou, como ele dizia, com graça e referindo-se às suas tendências esquerdistas, menos “Nato” e mais “Pacto de Varsóvia”.

Conheci-o em Paris, nos anos 60, onde estudava sociologia e levava uma bela vida, hospedado da cidade universitária, com um cheque mensal enviado pelo pai, um militar da Marinha que a Revolução havia de alcandorar na hierarquia. Vestia-se sempre impecavelmente, tinha um MGB GT que era a inveja de muitos, abancava com nocturna regularidade na barra do Gambrinus, onde espalhava a sua imensa simpatia e charme.

É claro que o facto de ser casado lhe limitava, naturalmente, o espaço de manobra para as aventuras, pelo que necessitava de montar alguns estratagemas para as levar a cabo. O que quase sempre conseguia.

Naquele mês de Março de 1974, ambos estávamos a prestar serviço como oficiais milicianos na EPAM (Escola Prática de Administração Militar), na Alameda das Linhas de Torres, no Lumiar. Um dia, o António pediu a minha ajuda para uma “operação”: telefonar à mulher dele, a meio da manhã, informando-a de que, inesperadamente, tinha ocorrido uma emergência e que ele fora enviado, com outros colegas, para um “exercício militar”, pelo que estaria incomunicável durante 48 horas. Devia acrescentar que era apenas um treino, pelo que não havia qualquer razão para ela se preocupar. Na lógica de uma velha (ainda que contestável, eu sei!) solidariedade masculina, prontifiquei-me a fazer a chamada telefónica.

O plano do António era arrancar cedo para a Ericeira, acompanhado de uma bela pequena, impante no seu MGB. Havia já assegurado, antecipadamente, uma folga no serviço, para que tudo corresse sem falhas. No seu caminho para a Ericeira, passou na Alameda das Linhas de Torres e do que se lembrou? De ir atestar o depósito de gasolina na unidade militar, onde o preço era muito mais barato. Esse era um dos privilégios que ninguém deixava de utilizar.

À chegada à EPAM, um complexo situado onde hoje é uma universidade, o António estranhou ao ver que os grandes portões de entrada estavam fechados, contrariamente ao que era habitual. Buzinou, aparecendo pela guarita a cabeça do sargento-de-guarda, o qual, reconhecendo-o, deixou entrar o MGB.

Só que a vida tem destas surpresas: estávamos precisamente no dia 16 de Março, as tropas fiéis ao general Spínola tinham-se amotinado na noite anterior nas Caldas da Rainha e a EPAM, como todas as unidades militares, estava, desde há horas, de rigorosa prevenção. Como era de regra nestes casos, todos os militares ficavam obrigatoriamente retidos em serviço.

O António já não foi autorizado a abandonar a unidade, recordo-me da sua fúria e do imenso gozo com que alguns de nós, conhecedores do “esquema” que acabara de se esboroar, vimos a pobre e bela amiga do António a ter de sair da EPAM, a pé, com um saco na mão, em busca de um táxi ou de um autocarro.

Por mim, livrei-me de ter de dizer uma mentira à mulher do António. Ele tinha agora um álibi imbatível.

domingo, março 16, 2014

Financial Times

Creio que nunca, neste blogue, foi publicado um texto em inglês. Mas, desta vez, decido abrir uma exceção. O "Financial Times", um dos melhores jornais do mundo, famoso pela sua infuência nos mercados e na elite das elites, inseriu, no seu número deste fim de semana, um artigo que, muito provavelmente, fará mais pela promoção dos vinhos portugueses no mundo que muitos "roadshows" que por aí se organizam.

A figura central do texto é João de Vallera, o embaixador português junto da corte de St. James. Ler o que sobre a sua ação surge no artigo é, para um velho amigo, um imenso orgulho e, para a sua profissão, que tão maltratada tem sido, uma saudável "vingança":

João de Vallera, Portuguese ambassador to the UK, and a confirmed enophile. Belgrave Square is one of London’s smartest addresses, giving its name to Belgravia, the rich kernel of one of the world’s richest cities. It is not the natural milieu of scruffy wine writers but, thanks to João de Vallera, the current, unusually wine-minded Portuguese ambassador to the Court of St James’s, we have all been trotting along to number 12 Belgrave Square on a regular basis. The Portuguese embassy is the handsome three-storey stucco mansion on the square’s northwestern corner (the Spanish ambassador lives on the southwestern corner) and so far, this year alone, it has been the setting for a Wine Society event showcasing the wines of Luis Pato; a Baga Friends celebration of the characteristic grape of the northern wine region of Bairrada; the 10th Wines of Portugal Awards dinner; and a presentation of the exciting table wines that the Douro Valley, home of port, is producing.

Tim Stanley-Clarke, wine trade veteran and UK representative of the Symington port family, says: “I would put João top of the vinous Richter scale of the Portuguese ambassadors I have known over the past 30 years. He really loves wine and knows quite a lot about it.”

Danny Cameron, the chairman of the association of Portuguese wine importers in the UK, is another fan. “He has a great sense of humour and a great sense of humanity. And, above all, he loves good wine. Whenever I have a meeting or telephone call with him, it’s never completely about the next event, or whatever else, because he always slips in a comment about something he has tasted recently, or wants to discuss a particular vintage of something.”

As I settled in to my seat next to de Vallera at the awards dinner in the frescoed dining room recently, he said with some pride that the room had recently housed a catwalk. “There are three areas I take a personal interest in,” he confided. “Fashion and textiles, tourism, and wine. And I am particularly keen on combining the last two.” He was then able to quote the number of hotel rooms occupied by Brits in Portugal last year and, almost, the number of glasses of wine they had drunk. But it is not as though wine is a particularly important export from Portugal. The ambassador reeled off statistics about the country’s exports of machinery, oil, vehicles – all more vital to the fragile Portuguese economy than fermented grape juice.

However, his heart is clearly in wine. According to several independent reports, he even keeps a cutting from this newspaper in his breast pocket, which showed that my average red wine scores are higher for Portuguese wine than for any other country’s. One of my informants adds: “It is really funny because it always takes him some time to find the photocopy among all the little papers he carries with him – but he shows it to literally hundreds of people.”

Portuguese wine producer Dirk van der Niepoort describes the ambassador as “very special, intelligent and really wants to do things for Portugal. He does a lot more than is his duty.” This is his third year in London and this will be his last post, after Dublin (1998-2000), Berlin (2002-2006) and Washington (2007-2010). In Berlin, de Vallera is proud of having converted the sommelier at one of the city’s top restaurants to Portuguese wines, so that by the time he left there were 14 Douro wines on the list. He also religiously attended the Prowein wine trade fair in Düsseldorf. In Washington, he famously shipped the Douro red Quinta do Vale Meão 2004, disguised as olive oil, that was the first Portuguese table wine to feature in the Wine Spectator magazine’s top 100. He was determined that arcane US prohibitions on moving alcohol from New York to the nation’s capital would not rob him of an opportunity to show off this new Portuguese achievement.

De Vallera earned his ambassadorial status after toiling 16 hours a day at the Maastricht negotiations in Brussels. “Then, as a young diplomat, I was very interested to witness the revolution in Portuguese wine, to see all these new, young winemakers emerging. You used to have to search for good Portuguese wine but now it’s difficult to find a bad one. And even the inexpensive ones are good,” he says delightedly.

He has a particular fondness for the Douro because his maternal grandfather had a port wine quinta there, in the Távora side-valley, the grapes being sold to Barros. He and his family spent every summer there. He was born in Angola, now the second most important export market for Portuguese wine after France, which imports huge quantities of basic port. The youngest of five and seriously threatened by liver disease, he was shipped back to his grandmother in Lisbon at the age of two and hardly saw his parents again until he was six.

As an attendee of the recent New Douro tasting in the embassy, I was struck by the unusual warmth of the atmosphere. So often, a tasting for the wine trade can feel rather impersonal and routine. There are various settings, often used by a range of exhibitors, which have all the charm of the National Exhibition Centre. But in the Portuguese embassy we really felt, rightly, as though we had been invited into someone’s home. The wines were truly exciting, not least because most of the reds were the products of the exceptional 2011 vintage in the Douro Valley. On these pages I have previously written that if you have reason to celebrate the year 2011, you might consider investing in 2011 vintage port. But the quantities made were very small and most of it has been squirrelled away in private collections by now. I would urge you to think seriously about the 2011 Douro red table wines too.

João de Vallera was very much in evidence at this Douro tasting, sauntering between the two handsome reception rooms with a smile framed by his neat, white naval beard, glass in hand and, often, with his beloved Olympus EPM2 round his neck. He even – and this is surely way beyond the call of diplomatic duty – emptied my spittoon.

Poema


Sou da geração errada, 
com licença, vou embora. 
E se a porta for fechada, 
ficamos todos cá fora.

Todos fora, com certeza, 
mas assim mesmo leais. 
Com menos lugares a mesa
as contas ficam normais.


Luis Castro Mendes

Casa da Sorte

 
"Eu não sou daqueles que fustiga o engenheiro Sócrates a dizer que ele é culpado por tudo o que se passa em Portugal. Acho essa ideia absolutamente caricata e ridícula. A principal culpa pelo que se passa em Portugal são fatores externos". (...). "Foi um primeiro-ministro com visão em várias áreas. Ele era vários deuses ao mesmo tempo, depois caiu em desgraça e passou a ser culpado de tudo. Isso é caricato. Ele foi um primeiro-ministro com várias qualidades, um chefe de governo com autoridade e capaz de impor a disciplina no seio do seu governo".

Quem disse isto, hoje, numa grande entrevista ao "Público"? Quando é que "anda a roda"?

sábado, março 15, 2014

Novo Rumo

A conferência "Um Novo Rumo para a Europa", que hoje me coube organizar em Lisboa, não foi o momento unanimista que alguns poderiam esperar. Era essa precisamente a ideia. Ao escolher alguns dos seus intervenientes, tínhamos a clara consciência de que, dentre as pessoas convidadas, unidas pelo desconforto perante a prática política da atual maioria, não existia uma total consonância de pontos de vista.

Isso foi patente, em especial, na questão do "manifesto" sobre a dívida pública. Diria que, sobre o tema, por ali ficaram claras três posições: os que defendem e subscrevem a iniciativa, os que estando de acordo no essencial com o diagonóstico contestam a sua oportunidade e os que abertamente discordam do texto. No termo das várias horas de debate, testemunhado por várias centenas de pessoas, perguntei-me a mim mesmo quantas forças políticas portuguesas teriam a abertura suficiente para acolher um exercício com esta diversidade opinativa sobre um tema tão central da nossa vida política. E, também por isso, dei-me por satisfeito pelo facto de ter tido oportunidade de coordená-lo.

sexta-feira, março 14, 2014

Crispação

Não deixa de ser preocupante e sintomática a polémica criada em torno do "manifesto" sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa, apresentado por mais de 70 figuras da nossa vida pública.

Por um lado, estimulada pelo desagrado da reação oficial, desencadeou-se uma onda de acusações aos subscritores do documento, tidos por irresponsáveis e quase anti-patriotas. Setores da blogosfera e comentadores mediáticos na área do poder lançaram ataques de inusitada violência, onde, no fundo, transparecia este sentimento: o "manifesto" é um texto da esquerda a que, por oportunismo, ressabiamento ou "naiveté", certa direita se juntou, acabando por ser "compagnon de route" de uma iniciativa que, sem o afirmar expressamente, contesta a filosofia do modelo de ajustamento seguido. E isto é quase crime!

No outra banda, na margem esquerda, a atitude não foi menos ridícula. A menor crítica ao "manifesto" foi vista como uma ignorante negação da realidade, uma colagem culposa às posições oficiais, com os polícias ideológicos do costume a instaurarem um "rigoroso inquérito" a quem se afastasse da racionalidade da iniciativa. As menores dúvidas quanto à oportunidade da apresentação do texto, qualquer que fosse a opinião expressa sobre o seu conteúdo, foram tratadas com desprezo, qualificados os seus titulares de "direitistas" e, em alguns dos comentários, de "proto-fascistas". Também por aqui, o "patriotismo" só teve uma cor. Embora outra.

Que diabo de país em que nos transformámos, que já não consegue discutir nada com um mínimo de serenidade! E, pior que tudo, de seriedade.

Futebol português

Aos meus amigos de afeição lampiónica e andrade, deixo aqui um muito sincero abraço de parabéns pelas duas excelentes vitórias, que muito prestigiam o futebol português no plano internacional.

quinta-feira, março 13, 2014

José Policarpo

Em 1978, um grupo de cidadãos de diferentes cores políticas e oriundas de setores muito variados decidiu tomar uma iniciativa com o objetivo de reforçar a visibilidade das Nações Unidas no seio da sociedade portuguesa.

Por razões políticas, Portugal apenas em 1955 foi admitido na organização, isto é, cerca de dez anos após a sua criação. Quase de imediato, a política colonial do governo de Lisboa conduziu o país a uma crescente confrontação com diversas instâncias da ONU, que levaria mesmo à sua marginalização em algumas das suas agências especializadas. Na minha juventude, as Nações Unidas eram apresentadas como um "inimigo", uma instância em que Portugal era sistematicamente "atacado" e na qual a nossa diplomacia desenvolvia uma tenaz defesa das posições "ultramarinas" portuguesas. Com uma imprensa censurada, a imagem da ONU que a ditadura expunha tinha um tom sempre negativo, com a ação no seu seio dos países do "terceiro mundo", que apoiavam os "terroristas" que atacavam as nossas "possessões", a ser diariamente diabolizada.

O 25 de abril mudou a perceção de Portugal no plano externo, mas a imagem das Nações Unidas, das suas virtualidades, do fantástico trabalho dos seus diferentes órgãos e agências, ficou ainda longe de ser reconhecido entre nós. Creio que em inícios de 1978, fui contactado para fazer parte do grupo fundador de uma estrutura tendente à promoção da ONU em Portugal. Recordo que tivemos várias reuniões no escritório das Nações Unidas em Lisboa, no edifício Imaviz, tendo eu próprio sido o autor dos estatutos da ACNUP (Associação de Cooperação com as Nações Unidas em Portugal). Tendo partido para o estrangeiro em 1979, desliguei-me entretanto da associação.

Pus-me agora a pensar em pessoas que tinham estado entre os fundadores da ACNUP. Nomes como António Costa Lobo, Carlos Eurico da Costa, João Palmeiro e Rui Machete ocorreram à minha memória. E lembrei-me também que, entre nós, havia uma figura religiosa, um padre que tinha então a seu cargo o setor da comunicação do Patriarcado. Chamava-se José Policarpo.

quarta-feira, março 12, 2014

Demissões manifestas

Armando Sevinate Pinto e Vitor Martins, dois consultores do presidente da República, deixaram os lugares que ocupavam, por terem sido subscritores do "manifesto" que apela à reestruturação da dívida portuguesa.

Deixo aqui um forte abraço a ambos, pessoas por quem tenho um grande respeito intelectual e uma estima pessoal que vem de há muitos anos. Independentemente da posição que ontem aqui expressei sobre a oportunidade do "manifesto", trata-se de um texto cuja leitura vivamente recomendo.

Álvaro Salema

Se fosse vivo, Álvaro Salema faria 100 anos na data de hoje. Já dele falei aqui um dia, tendo também anotado o que Jorge Amado escreveu, aquando da sua morte, em 1991.

António Valdemar fez hoje sair no "Público" um excelente artigo sobre Álvaro Salema, que faz justiça a essa figura maior da cultura portuguesa, insuficientemente conhecida das novas gerações. Aqui deixo o link.

Haverá alguma universidade que se disponha a comemorar este centenário?

Forum das Políticas Públicas


Um Novo Rumo para a Europa

Programas

"New Pact for Europe"

New Pact for Europe

Stakeholders Meeting

Fundação Calouste Gulbenkian

Quinta, 13 mar 2014  |  10:00


Auditório 3

Programa10:00 | Sessão de abertura

Artur Santos Silva
Maria João Rodrigues

10:30 | Discussão sobre as opções estratégicas do projeto
Intervenções | Viriato Soromenho-Marques | Vítor Martins | João Ferreira do Amaral

Moderador | Francisco Seixas da Costa

11:25 | Debate

12:40 | Encerramento

Ver uma síntese possível do debate aqui

João Sobral Costa

Então, João?! Não esperaste pelos 40 anos de abril? Agora que estávamos a semanas de lembrar esses dias históricos no Rádio Clube Português, onde, como oficial da Força Aérea, representaste o MFA, e onde te conheci e ficámos para sempre amigos?! 

Cruzámo-nos imenso nessas semanas da esperança, em que eu tive um período de "aviador" honorário, a ajudar o Zé Manel Costa Neves no gabinete de Galvão de Melo, na Junta de Salvação Nacional. No PREC, seguiste por caminhos mais radicais que os meus, numa deriva de generosidade, pela qual pagarias um preço. Perdemo-nos de vista por algum tempo. Em 1982, em Luanda, reeencontrámo-nos na "receiving line" do 10 de junho. Surpreendidos e alegres, caímos nos braços um do outro e, desde esse dia, passámos a juntar-nos à volta dos teus fabulosos cozinhados, em belos anos de intenso convívio, que guardo para sempre. A vossa casa em Luanda foi, para mim, um ensejo único para conhecer gente muito diversa e interessante, da cultura à política, que, com os teus celebrados petiscos e boa conversa, conseguia atenuar muita da acrimónia que (então ainda mais) tingia as relações com Portugal. Nunca esquecerei também um almoço que ambos por lá organizámos, em minha casa, com o Otelo, em que vocês os dois se engalfinharam numa infindável discussão sobre a autoria do famigerado "documento do COPCON". A vida não te seria sempre fácil por aquelas terras. Recordo a tarde em que te fomos "buscar", já no aeroporto, quando a perfídia de um Torquemada local, com escrita por cá muito louvada, te quis "pôr com dono" da empresa estatal onde ele perseguia portugueses. Já pelo nosso país, aproximámos ideias, em conversas longas pelas noites da tua casa da Luz, contigo sempre a defender, com unhas e dentes, os teus amigos, "right or wrong" (e alguns, desculpa lá!, bem "wrong"). Ser teu amigo era um seguro perpétuo de afetividade! Na última década, comigo outra vez por fora, voltámos a perder-nos, quase que apenas falávamos pelos Natais. Recordo bem a nossa última conversa telefónica, depois da morte do Zé Guilherme, contigo a notar que eu não vos tinha esquecido na lista das amizades essenciais que trouxemos de Luanda, que havia assinalado neste blogue.

Foste-te agora embora, no 11 de março, tu que eras um homem do 25 de abril, que também passaste tempos complexos no 25 de novembro - como há pouco notei ao João Soares, ao Vasco Lourenço e ao Zé Manel Costa Neves, na conversa à tua volta, na capela onde também jaz o Frei Luís de Souza. E à Élia, que a tua morte nos fez ali reencontrar. Tu, sempre um bom gigante, com um coração de ouro, derretido pela tua mãe Isabelinha (que por cá ainda fica, nos seus belos 99 anos) e pela Alzira, mulher feita coragem. À tua volta, na noite de ontem, montámos uma conversa da qual procurámos isentar a tristeza comum, porque sabíamos que não apreciarias ser a razão de um ambiente demasiado melancólico, porque tu tinhas a alegria dos homens sãos e de bem. Falámos muito e tu estavas por ali. Mas não ouvíamos a tua voz forte, as tuas discussões encapeladas, as tuas homéricas teimosias. Estavas ali, mas faltavas-nos. 

Adeus, João.

A dívida

Pensar pela própria cabeça tem um preço. Mas eu estou disposto a pagá-lo.

Há semanas, publiquei num jornal económico um artigo que alguns amigos, que muito respeito, consideraram inconveniente. Nele falava da sensível questão da reestruturação da dívida, procurando tocar nesse quase "tabu". Em síntese, eu dizia isto: "A menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada. Eles sabem isso bem. É, contudo, desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável. Mas deixemo-nos de ilusões: cedo ou tarde ele emergirá, dependendo o “timing” do modo como os mercados vierem a ler o grau de abertura do BCE para apoiar as economias europeias sujeitas a uma maior pressão". 

Ontem surgiu na praça um "manifesto", assinado por muitas personalidades respeitáveis e de grande relevo, que propõe a abertura de uma reflexão sobre a reestruturação da dívida pública portuguesa. A iniciativa é do meu amigo João Cravinho, uma pessoa por quem tenho uma imensa estima e grande consideração política. 

Ora bem: eu não concordo com a oportunidade da divulgação do "manifesto". Porquê? Porque apesar de, no essencial, o meu artigo assentar nos exatos pressupostos subjacentes a esse corajoso e bem construído texto, a questão do "timing" continua para mim a ser relevante. De facto, continuo a pensar que é "desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável". E esse tempo, no meu entender, ainda não chegou. Pelo que temo que o peso conjugado das personalidades envolvidas possa vir a ter consequências negativas para a imagem externa do país, por colocar prematuramente a questão no terreno.

Tenho este "azar" de, por vezes, "remar contra a maré". Não o faço por gosto, mas apenas porque é o que penso. E eu, certo ou errado, só digo o que penso.

Em tempo: veja-se o que sobre isto diz Pedro Santos Guerreiro

terça-feira, março 11, 2014

11 de março

Faço parte de uma tertúlia de antigos militares - profissionais e milicianos - que têm como caraterística (quase) comum terem estado "implicados" no 25 de abril. Como a data vai celebrar 40 anos, já se pode presumir a idade média dos convivas... Reunimo-nos "quando o rei faz anos", em almoçaradas de geometria variável e - vale a pena notar! - sem uma necessária identidade de pontos de vista políticos. No que me toca, estou a recuperar de quase uma década de abstinência forçada a esses encontros.

Ontem, tivémos mais uma "sessão de trabalho", desta vez à volta de uma lampreia, de que alguns, menos dados ao ciclóstomo, se "desenfiaram". Muitas histórias, menos sobre o passado e mais sobre o presente a que temos direito, com boa disposição e camaradagem, sendo anotadas as habituais faltas à chamada na "parada". A vida separou-nos e as agendas nem sempre são fáceis de conjugar. Mas é sempre um gosto encontrar esses amigos.

A meio do almoço, perguntei a um dos organizadores - um general que foi meu superior hierárquico, há quatro décadas - se era propositado o facto do repasto não ter lugar no dia 11 de março, uma data bem significativa (mas também bem divisiva) desse ano "quente" de 1975. Ninguém se tinha lembrado disso! Olhámos em volta e demos conta que, precisamente, um terço dos presentes tinha tomado assento, na noite desse dia marcante, naquela que foi a mais famosa Assembleia da história do Movimento das Forças Armadas. Incluindo o autor destas linhas.

Os acontecimentos de 11 de março foram interpretados, à época, como um salto em frente no processo revolucionário. Na realidade, vistas as coisas em perspetiva, o seu saldo acabou por se revelar uma vitória pírrica para o MFA, que, a partir dessa data, agravou as suas divisões internas, a caminho de um beco com traumática saída.

segunda-feira, março 10, 2014

Contenção

Devo confessar que estou espantado com a "contenção" israelita nos dias que correm. A experiência ensinou-me que, quando a atenção do mundo se encontra focada numa determinada região do mundo, o Estado israelita tem por imparável tropismo proceder a ações militares pontuais no seu "near abroad", assim atenuando os (já de si sempre limitados) custos políticos a pagar por essas aventuras. Verdade seja que a procissão, pela Ucrânia, ainda vai no adro...

domingo, março 09, 2014

A Europa e a Crimeia

Teresa de Sousa é, de há muito, uma sagaz observadora das coisas internacionais. Tenho por ela um grande respeito e leio-a sempre com atenção e proveito. Hoje, no seu habitual artigo no "Público" (ser assinante permite-nos consultá-lo a esta hora matutina), suscita uma ideia interessante, resumida no próprio título do texto: "A Europa joga o seu destino na Crimeia". A tese central é a de que, face à atual tensão, e perante o grau de implicação que os americanos parece estarem dispostos a assumir, a Europa tem, na crise ucraniana, a oportunidade "da sua vida" para recuperar a sua relevância, a ser feita através de uma atitude comum, em consonância tática com Washington. O tom das conclusões do último Conselho Europeu anima a articulista, que delas também retira virtualidades para a sobrevivência e/ou reanimação da relação transatlântica,

Muitas vezes estou de acordo com Teresa de Sousa, mas não é este o caso. Acho que a avaliação feita daquilo que resultou da reunião dos chefes de Estado e governo da UE peca por "wishful thinking". A retórica unificada que saiu dessa reunião irá - não tenho disso a menor dúvida - esboroar-se a partir do momento em que a passagem a um estádio superior de medidas "punitivas" a Moscovo (que deverão ser propostas, porque tudo indica que a Rússia não vai ceder no essencial) venha a defrontar-se com as previsíveis reações retaliatórias do "outro lado". Nesse momento, os Estados europeus constatarão que, dentre eles, alguns sentirão mais do que outros o preço de uma quebra dos mecanismos de relação político-económica com a Federação Russa. E isso não deixará de ter consequências imediatas na sua unidade decisória, muito para além da conversa bruxelense, à qual Putin colocará a questão posta por Estaline face à condenação da sua política pela Santa Sé: "Quantas divisões tem o Papa?"

Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que a Europa comunitária, com a sombra da NATO a ajudar, acabou por meter a Ucrânia numa "grande alhada". Fê-lo por alguma irresponsabilidade induzida essencialmente pelos Estados bálticos e alguns outros países da antiga "cortina de ferro" - a "nova Europa" de Donald Rumsfeld -, como reconhece Teresa de Sousa, ao falar da "obsessão desses países em continuarem a olhar a Rússia como uma ameaça".

Sei que me arrisco a ser visto como um perigoso "realista", mas nunca tive a menor ilusão sobre a possibilidade da Ucrânia poder exercer o seu pleno direito de opção estratégica. Há "soberanias limitadas"? Claro que há, porque a geografia não se improvisa. Que o diga Cuba.

Tenho hoje a firme convicção de que a Europa perdeu um ensejo precioso de desenhar um modelo de relacionamento "possível" com Kiev, porventura menos ambicioso mas bastante mais pragmático. Um modelo à medida do país muito particular, geopoliticamente falando, que a Ucrânia é e continuará a ser. A União Europeia não percebeu, ou não quis perceber, as lições que deveria ter retirado da atitude russa na crise da Geórgia - e, em especial, da "liberdade" então recuperada por Moscovo para reatuar com maior liberdade nas suas próprias "águas territoriais", em face da então mitigada reação de Washington, secundada pelo já então ineficaz gesticular europeu. Se o tivesse feito, não se deixando seduzir por uma agenda marcadamente anti-Moscovo, talvez tivesse ajudado Putin a reconhecer as vantagens de algum reconhecimento de "respeitabilidade" no plano internacional e apostado na sua adesão, pelo menos formal, a uma ordem global mais dialogada. Não o fez, "armou" em potência e agora resta-lhe "bombardear" Moscovo com comunicados e engrossar a voz. 

Com a presente crise, que ameaça alguns dos seus interesses estratégicos essenciais - a alguém passou pela cabeça que Moscovo iria permitir a indução de riscos no seu acesso naval ao Mar Negro? -, a Rússia já mostrou que está disposta a pagar um preço forte na sua imagem. Nada que um poder essencialmente autoritário não possa comportar. Quem pode vir ainda a sofrer, no rescaldo desta crise, são os opositores internos a Putin, que cada vez mais se sentirá desobrigado de ter de fazer "de democrata". Perdido por cem...

Uma nota final. Se Bruxelas conta com a permanência da intransigência de Washington, no início de um tempo presidencial de fim de ciclo, pode muito bem vir a estar enganada: sem a ajuda prática da Rússia, os EUA não conseguirão retirar as suas tropas do Afeganistão no calendário previsto. E esse é um compromisso que Obama não pode falhar, porque é feito perante o único país que os Estados Unidos verdadeiramente respeitam: a América.

sábado, março 08, 2014

Serviço público

O defeito deve, com toda a certeza, ser meu.

Ontem, assisti na televisão a um espetáculo comemorativo do aniversário da RTP. Foi um momento deprimente, uma sucessão barata de "flashbacks" de segunda ordem, feita de improvisos e de graças gastas, que a falta de reação do público presente muitas vezes viria a "premiar" devidamente. A boçalidade de alguns dos humoristas, com uma linguagem e uma '"elegância" ao nível de "stand-up comedy" de Fernando Rocha, parece provar que já se atingiu por ali o estádio de algum "quimbarreirismo". É uma pena que nem toda a geração pós-Herman José dê pelo nome de Ricardo Araújo Pereira. Mas, aparentemente, cada geração do humor português só pode ter um génio.

Hoje, tive a desdita de assistir a um episódio do Festival RTP da canção. Sei que posso ser considerado masoquista, mas deu-me para ouvir algumas das canções concorrentes. Quem não assustiu, não pode acreditar! Em face de algumas das canções apresentadas, nas suas inenarráveis letras (volta, nacional-cançonetismo, estás amplamente perdoado!) e no modo "gritado" como foram exibidas, com uma coreografia indigente, um espetáculo de Ruth Marlene pode ser considerado um momento sublime. Fomos entretanto esclarecidos que foi a RTP que escolheu os autores convidados para elaborar as canções. Se este é o nível de recrutamento possível, na música portuguesa, para a nossa representação na Eurovisão, então fica claro que continuaremos no terreno dos Homens da Luta, grupo "musical" que tanto nos prestigiou internacionalmente no passado.

É com uma programação a este nível que a RTP demonstra o seu elevado sentido de serviço público.

sexta-feira, março 07, 2014

A prescrição da política

A coima de um milhão de euros a que Jardim Gonçalves havia sido condenado por virtude da sua gestão danosa no BCP não vai ser paga, por prescrição, devida ao protelamento conseguido com interposição de sucessivos recursos.

Aqui, não há dúvida nenhuma, há um "consenso" interpartidário muito claro: não fazer nada!

quinta-feira, março 06, 2014

Kissinger

 
Em tempos de crise, é importante ouvir vozes experimentadas. Podendo não se concordar, em absoluto, com todas as premissas e, mais ainda, com algumas das receitas sugeridas, Henry Kissinger, num artigo no "Washington Post", ajuda-nos a "ler", de forma serena e avisada, a crise uraniana. Será ouvido na Casa Branca? E no Kremlin?
 
Leiam-no, com proveito, aqui

Conversas

Patrick Buisson foi conselheiro especial de Nicolas Sarkozy. Descobriu-se agora que o cavalheiro, uma figura oriunda da extrema-direita, que misteriosamente tinha caído nas boas graças do antigo presidente, gravava todas as conversas mantidas com ele. A revelação está a provocar o natural escândalo. E, uma vez mais, há dois "tempos" nesta história.

O primeiro é a atitude "de Estado", a rejeição indignada deste atentado à esfera privada, ainda por cima, de um chefe de Estado e do seu círculo íntimo. E, pelas televisões francesas, logo se viu o país político a reclamar "decência", "privacidade" e respeito pela "intimidade pessoal". E punição exemplar.

Chegou depois, mesmo logo de seguida, o segundo e espectável momento: o "voyeurisme" guloso do conteúdo das conversas, às vezes travestido de clamor pelo "interesse público", que é uma coisa que o jornalismo moderno identifica com "o interesse que temos em vender isto ao público". A ilicitude primeira do ato passa imediatamente para segundo plano, ao se deparar com comentários saborosos sobre figuras políticas, intimidades do serralho, mais aquilo que não se sabe e estará ainda para vir, no seio das centenas de horas de gravação que parece existirem.

Enfim, um "déjà vu". Nada que as escutas telefónicas que a nossa Justiça é tão useira em "preservar" não nos tenha já ensinado e que pendor coscuvilheiro de alguma imprensa a que temos direito nos não tenha também já ensinado. Porque, como diria o grande Eça, "Portugal é a França traduzida em calão".

quarta-feira, março 05, 2014

Desobediência civil?

O casal de turistas franceses com quem me cruzei hoje de manhã numa rua de Lisboa estava abismado, naquela surpresa que sempre marca as visões caricaturais dos visitantes breves: "Tinham-nos dito que Lisboa era uma cidade calma, mas é sempre assim? Com poucos carros e pessoas nas ruas? É muito estranho! Nem parece uma capital!"

(A França é um dos "mercados emissores" de turistas para Portugal que mais tem crescido nos últimos anos. Esse crescimento fez-se mesmo a contraciclo da crise, como vi acontecer ao tempo em que eu estava em Paris. Detesto explicações baseadas no "achismo" impressionista, mas a crise pode ter feito interessar os franceses por um país barato, amável para o estrangeiro, geograficamente próximo, com bastante segurança e usos e costumes pouco distantes dos seus, além de uma oferta hoteleira e cultural diversificada - do Minho ao Douro, de Coimbra a Lisboa e ao Algarve vai um mundo de diferenças, muito pouco vulgares num território tão pequeno.)

De facto, a manhã desta quarta-feira apresentava uma cidade quase silenciosa, como que parada no tempo, sem engarrafamentos, com lugares para estacionamento, cadeiras vagas nas esplanadas. Cá por mim, gosto muito desta Lisboa quase "de agosto", com um sol de Inverno que faz as delícias de quem transporta consigo mais peso do que aquele que a OMS recomenda (longo eufemismo para gordos, se não repararam).

Ao franceses evitei explicar que o português procura reagir à crise com uma atitude sofisticada. Muitos municípios (que o "memorando de entendimento" mandava reduzir drasticamente e que um silencioso "consenso" entre o PSD e o PS conservou intocados, "à cause des mouches") deram tolerância de ponto no Carnaval e, por artes e arranjinhos, muitos lisboetas devem ter conseguido prolongar a ponte. O governo bem tenta estender as horas de trabalho do funcionalismo, mas o pessoal público, diabolizado pelo discurso oficial e com os bolsos aliviados pelos cortes e pelo fisco, entende dever dar a volta ao texto, não respeitando quem o não respeita. Os privados, verdade seja, também já perceberam "the name of the game" e há por aí muita empresa a meio gaz e bastante comércio encerrado.

Será isto uma subtil forma de desobediência civil, uma resposta profunda aos custos da austeridade? Não, em Portugal é... assim! Este, porém, constitui um imenso segredo nacional (embora lá fora já haja disto umas "vagas" suspeitas), pelo que não quis partilhá-lo com os assombrados turistas franceses. Deixemo-los regressar ao reino dos queijos e das baguettes com esta imagem de um país que, lá por França, se dizia ser habitado por gentes "toujours gais", mas que agora parece terem migrado melancolicamente para dentro de si mesmas.

Oi, Mônica!


Cara Mônica

Neste Carnaval, o meu post vai para si. Salvo alguns leitores do blogue, as pessoas não a conhecem. E é pena. O espírito deste blogue deve-lhe muito. Tempos houve em que você o frequentava com regularidade e em que, com uma simpatia única, nele deixava algumas notas, às vezes de estranheza perante realidades que pouco lhe diziam. Mas sempre terminando "com carinho, Mônica". Isso criou em alguns dos leitores habituais uma relação afetiva consigo. Nunca esquecerei uma frase que um dia aqui escreveu, num tempo de alguma angústia que (já então) me atravessava sobre a situação que o meu país vivia: "tenha um bom fim de tarde sem pensar em Portugal. Pode? Porque acho que está certo. Mas fazer o quê?".

Espero que goze bem esse magnífico Carnaval, símbolo maior de um país que sabe viver o dia a dia com um otimismo felizmente incurável. Conheço mal o seu Carnaval de Minas Gerais. Quando por aí andei, seduziam-me mais coisas como o Bola Preta do Rio, o frevo de Pernambuco ou o trilho elétrico da Bahia. Por cá, Mônica, o Carnaval é diferente, embora às vezes transformado num "genérico" do vosso, com meninas de bumbum ao léu, só que a tremerem de frio sob a chuva, fingindo que está calor.

Deixo-lhe uma foto de um outro nosso Carnaval, bem diferente e bem mais genuíno, que sobrevive no nosso nordeste, em Trás-os-Montes. É herdeiro de uma tradição muito antiga, "avozinho" de rituais que os seus antepassados (não os meus, que foram sempre muito sedentários e por aqui ficaram) levaram para o Brasil e que vocês, com maestria e criatividade, transformaram naquilo que é hoje o esplendor da Sapucaí.

Para si, Mônica, um abraço com carinho do

Francisco

(Sobre a Mônica disse um dia aqui isto.)

terça-feira, março 04, 2014

A propósito da Ucrânia

É talvez uma presunção da minha parte (com a idade, estas coisas tendem mais a acontecer...) mas apetece-me fazer aqui um link para um texto que publiquei há quase dez anos, que agora reli e que, no essencial, corresponde àquilo que ainda hoje penso. Chama-se "As Novas Fronteiras da Rússia".

segunda-feira, março 03, 2014

Guiné Equatorial

Como quase sempre acontece nas questões políticas com dimensão externa, alguma opinião nacional acordou tardiamente para a questão da adesão da Guiné Equatorial à CPLP. E, como também é hábito, fá-lo em registo de algum escândalo, sempre fácil de assumir por quem não tem responsabilidades de Estado mas que gosta de "ficar bem" no mercado da simpatia e das ideias corretas.
 
Valeria a pena, contudo, deixar assinalados três factos simples, à luz do que se lê pela imprensa - que é tudo quanto eu próprio sei sobre o assunto.
 
O primeiro facto é que, durante a anterior cimeira ministerial de Luanda, foi aprovado um "road map" de medidas que a Guiné Equatorial deveria levar a cabo, antes de poder ser considerada a sua possível adesão. Portugal terá sido mesmo o país que exigiu a introdução nessa lista de condicionalidades de uma moratória na aplicação da pena de morte. Se algum "pecado" existe, ele assenta no momento em que o "road map" foi fixado.
 
O segundo facto é que, no plano formal, a Guiné Equatorial estará a cumprir aquilo que lhe foi exigido, pelo que, a confirmar-se essa evidência, se torna agora difícil travar o processo da sua adesão.
 
Finalmente, convém ter presente que Portugal não é "dono" da CPLP. Nesta matéria, desde há muito que está praticamente isolado na sua resistência a nela aceitar a Guiné Equatorial. Ora a CPLP, para quem o não tenha percebido, é uma organização que agrupa esmagadoramente países "do Sul", onde predomina uma cultura de Direitos Humanos mais compreensiva e menos exigente que na generalidade dos países do Norte - com o Brasil a ser disso um exemplo claro.

E, já agora!, o mínimo de bom senso deveria fazer refletir sobre o que aconteceria à CPLP se Portugal, que a "federa" na sua particular qualidade de antigo poder colonial, utilizasse o seu direito de veto para se opor à vontade conjugada dos restantes sete membros da organização.

Em tempo: era bem mais "popular" escrever aqui uma opinião diferente desta, não era?

domingo, março 02, 2014

"Events, dear boy, events!"

Perguntado um dia sobre aquilo que, como primeiro-ministro, mais temia, Harold Macmillan cunhou uma frase que ficou célebre: "Events, dear boy, events!". A doutrina divide-se sobre quem era o interlocutor na ocasião, mas isso não retirou pertinência à frase. De facto, são os acontecimentos, essas explosões da realidade no quotidiano, que marcam a nossa vida, pessoal ou coletiva, e podem determinar mudanças essenciais no seu curso.

Lembrei-me disto há pouco, ao ver as notícias sobre a Ucrânia e o agravamento da tensão internacional. Não sei se é a ingenuidade ou se é o cinismo que me levam a não recear que estejamos na soleira de um conflito bélico internacional. Mas um mínimo de realismo leva-me a pensar que o momento que atravessamos poderá vir a ter consequências significativas na vaga de confiança que vinha a atravessar, nos últimos meses, as economias europeias. E isso não será indiferente para Portugal, que tem vindo a ser um feliz "free ryder" dessa onda positiva, que muito tem contribuído para uma melhoria da conjuntura que "puxa" pela economia do país.

Se acaso tudo se desregular, se a crença na estabilidade europeia for abalada, a fragilidade da nossa recuperação pode vir a ser evidenciada - e isso não são boas notícias para todos nós, para Portugal mas também para os portugueses, aqui divergindo duma luminária política que, em matéria de melhorias, há dias criava uma dualidade patética entre essas duas entidades.

Imagino que o dr. Passos Coelho deve estar preocupado com aqueles acontecimentos e atento aos efeitos que eles podem vir a projetar na nossa vida político-económica interna. É que, se as coisas correrem mesmo mal na economia, a política virá logo atrás. Na hipótese de isso acontecer, de a conjuntura política começar a degradar-se de novo, ele poderá então utilizar, sabe-se lá para quem, a célebre réplica explicativa de James Carville, na campanha de Clinton: "It's the economy, stupid!" 

Alain Resnais

E lá se foi Alain Resnais! Recordar-me-ei sempre da dificuldade de compreensão - que, ao tempo, me pareceu insuperável - que me assaltou quando vi "O ano passado em Marienbad", filme onde me encontrei, pela primeira vez mas para sempre, com Delphine Seyrig. Depois, embora anterior, "Hiroshima, mon amour" reconciliou-me mais com esse tipo de "escrita" fílmica não linear, embora Resnais nunca fosse - nem de longe! - um meu realizador de culto. Por essa razão, nunca acompanhei com muita atenção a sua restante obra. Olhando para a filmografia publicada, verifico que dele pouco mais vi do que "Muriel", "La guerre est finie", o medíocre "Je t'aime, je t'aime" e, depois, o magnífico "Providence". Depois disso, "Mon oncle d'Amérique" é talvez a sua derradeira obra que conheço. 

Concedo que Resnais talvez devesse ter merecido um esforço maior da minha parte, mas cada um é como é e eu sou bastante mau cinéfilo, muito errático e incoerente nas minhas escolhas e, com os anos, cada vez mais incapaz de continuar além de um segundo bocejo ou de forçar a minha atenção face a "propostas" que me incomodem minimamente o quotidiano. Com esta minha teimosa e assumidamente "inculta" atitude, tenho "saído a meio" de imperdíveis obras-primas (no cinema, na literatura, na música, nas artes plásticas), mas tenho assim ganho tempo para fazer outras coisas que mais me divertem. É que só temos uma vida, sendo esta, aliás, a última.

sábado, março 01, 2014

"Um Novo Rumo para a Europa"


Tenho o gosto de organizar e coordenar esta Conferência que pretende refletir sobre outros caminhos para a Europa e, muito em particular, sobre o modo como Portugal aí deve atuar no futuro.

Sem qualquer exceção, todos são bem vindos a esta Conferência.

As idades da diplomacia

Ontem, o meu querido amigo Mário Vilalva, sem a menor dúvida um dos grandes embaixadores do Brasil e um dos melhores que o seu país desde sempre deslocou para Lisboa, contou-me uma deliciosa definição dos três tempos dos diplomatas no estrangeiro.

Assim, um jovem diplomata, acabado de chegar a um posto, quase sempre procura conhecer as melhores discotecas e locais de convívio da gente mais nova. Com os anos, chegado o período intermédio da sua carreira, ao tempo de conselheiro, o diplomata tem como preocupação fundamental coletar a lista dos melhores restaurantes. Um dia, passa a embaixador. Chegado ao seu posto, que lista procurará estabelecer, em prioridade? A dos melhores médicos locais!

A brincar, a brincar, as coisas são mais ou menos assim. No meu caso, cuidei em nunca abandonar os meus vícios de conselheiro...

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...