Leio que o Metropolitano de Lisboa faz hoje 60 anos. E não consigo deixar de recordar a frase genial que o publicitário e poeta Alexandre O’Neill inventou, à época, para a publicidade do novo meio de transporte: “Vá de Metro, Satanás!”. A administração do Metro terá achado a expressão ousada de mais (temendo que a homofonia com “Vade retro, Satanás” não fosse óbvia para muitos) e o slogan passou à história da publicidade em Portugal.
Verdade seja que a criatividade de O’Neill era transbordante e, anos mais tarde, os eletrodomésticos Bosh também não aceitaram um seu outro slogan, ainda mais ousado...
A razão do título deste texto é uma historieta passada no “Beach Hotel”, em Tripoli, na Líbia, no longínquo ano de 1976.
Eu estava por lá integrado numa missão exploratória das oportunidades de negócio em matéria de construção civil e obras públicas, enviada pelo Estado português. Chefiava-a o engenheiro Guimarães Lobato, que dirigia a Partex e era administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, além de membro do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes. A delegação portuguesa era composta por gente oriunda de vários setores, públicos e privados.
(Da banca iam dois credenciados gestores, Seruca Salgado e Mascarenhas de Almeida, de quem me tornei amigo e com quem, passadas que foram quatro décadas, ainda faço uns almoços, a que damos o nome de “Libyan connection”)
Os serões no Beach Hotel, nessa Líbia de Kadhafi, eram uma imensa “seca”. A absoluta ausência de álcool tornava as conversas no bar, à volta de sumos, que recordo sinistros, no único fator de animação possível.
Uma noite, veio à baila o Metropolitano de Lisboa. Eu tinha lido, dias antes, o anúncio de que várias estações tinham de ser alargadas, para poderem comportar composições com mais carruagens. E achava isso um escândalo!: “O Metro tem pouco mais de 15 anos! Não houve estudos sobre o crescimento potencial do tráfego? Teria sido muito mais económico ter logo feito estações mais compridas, contando com essa futura realidade, em lugar de estar a executar agora obras, com imenso incómodo para os passageiros!”. E terminei a minha análise com uma frase, que se pretendia apenas retórica: “Gostava muito de saber quem terá sido o irresponsável por aquela falta de planeamento!”
“É fácil”, respondeu-me Guimarães Lobato, “fui eu”. Senti-me à procura de um buraco, nem que fosse um túnel de metro, por onde me escapulir daquela imensa gaffe! Os meus colegas da delegação olharam para o jovem diplomata que eu então era com um sorriso, entre o sádico e o piedoso, com a curiosidade de saber onde é que aquela discussão ia dar.
Enquanto eu me desfazia em desculpas, Guimarães Lobato, que era um grande “senhor”, com quem vim a dar-me bem e com quem voltaria à Líbia no ano seguinte, riu-se imenso e deu uma qualquer explicação para o facto das estações terem sido preparadas apenas para três carruagens e não para as cinco ou seis que então se pretendia passar a utilizar. Imagino que, na minha atrapalhação conjuntural, devo ter sido dos primeiros a achar ”mais do que natural” o tal défice de planeamento...
Ainda hoje me recordo daquele embaraçante momento. E também do facto de não haver, por aquele bar, um simples whisky duplo que me ajudasse a levantar o ânimo!