Em 2005, acabado de chegar ao Brasil como embaixador, fui um dia convidado para um jantar dado no Rio por Yeda e Roberto Assumpção. Eu havia encontrado esses meus anfitriões numa outra ocasião. Assumpção era um embaixador brasileiro reformado e a sua mulher tinha escrito um livro de memórias que, por um mero acaso, eu havia lido uma semana antes desse encontro. Nasceu então o convite para um jantar com os seus amigos, um grupo de cerca de vinte pessoas da sociedade tradicional da cidade. Entre elas estava Ivo Pitanguy.
Pitanguy era um nome mítico da cirurgia plástica à escala internacional e, a grande distância, o cirurgião dessa especialidade mais conhecido do Brasil. Recordo-me de ser uma figura muito interessante, belo conversador, com um domínio excecional da língua francesa, como na ocasião tive oportunidade de constatar, por estar alguém presente dessa nacionalidade. Falámos bastante nessa noite, ou, pelo menos, tanto quanto a necessidade protocolar de "circular" entre os vários convidados o permitia. Revelou-se um homem de uma cultura multifacetada, leitor de coisas essenciais e pessoa muito atenta ao mundo.
A certo ponto da nossa conversa, juntou-se-nos uma senhora bonita e elegante. Já não sei por que motivo, veio à baila o facto de ela ter andado no colégio com uma amiga brasileira que eu também conhecia e que, à época, teria quase 70 anos. Numa tirada, meia de charme meia de sinceridade, disse-lhe da minha perplexidade: como é que ela podia ser colega de infância dessa nossa amiga, sendo muito mais nova que ela? A minha interlocutora, sentada num braço de sofá, com uma saia que punha a descoberto uma perna bem torneada, exibindo um sorriso que se rasgou com o elogio, fez a pergunta de resposta impossível: "Que idade você me dá, "baixadô"?". Percebendo que todo o exagero por defeito me seria perdoado, quiçá mesmo agradecido, arrisquei: "Talvez 58 ou 59? Enganei-me?". A senhora alargou ainda mais o sorriso e revelou: "Que simpático, querido embaixador! Tenho 67 anos. Mas não pareço, "né"? É graças aqui ao mestre!", voltando-se para Pitanguy. Este assistira à cena, deliciado, com aquela sua cara redonda, sorridente, que nos anos seguintes algumas vezes voltaria a encontrar no tradicional chá dos académicos, nas tardes das quintas-feiras, na Academia Brasilleira de Letras (ABL), de que ele era um dos "imortais".
Pitanguy, que na sexta-feira chegou a empunhar a chama olímpica, morreu precisamente ontem, sábado, aos 93 anos.
Duas coincidências. Um grande amigo brasileiro enviou-me ontem um email, dizendo ir concorrer a um lugar vago nos 40 "imortais" da ABL. Com a morte de Pitanguy, passará a haver mais uma vaga. A segunda coincidência é que tenho combinado um jantar hoje com um outro grande amigo, excelente cirurgião plástico português, que, há bem mais de três décadas, na Noruega, pela primeira vez me falou sobre Ivo Pitanguy. Isto é um mundo muito pequeno, não é?
Pitanguy era um nome mítico da cirurgia plástica à escala internacional e, a grande distância, o cirurgião dessa especialidade mais conhecido do Brasil. Recordo-me de ser uma figura muito interessante, belo conversador, com um domínio excecional da língua francesa, como na ocasião tive oportunidade de constatar, por estar alguém presente dessa nacionalidade. Falámos bastante nessa noite, ou, pelo menos, tanto quanto a necessidade protocolar de "circular" entre os vários convidados o permitia. Revelou-se um homem de uma cultura multifacetada, leitor de coisas essenciais e pessoa muito atenta ao mundo.
A certo ponto da nossa conversa, juntou-se-nos uma senhora bonita e elegante. Já não sei por que motivo, veio à baila o facto de ela ter andado no colégio com uma amiga brasileira que eu também conhecia e que, à época, teria quase 70 anos. Numa tirada, meia de charme meia de sinceridade, disse-lhe da minha perplexidade: como é que ela podia ser colega de infância dessa nossa amiga, sendo muito mais nova que ela? A minha interlocutora, sentada num braço de sofá, com uma saia que punha a descoberto uma perna bem torneada, exibindo um sorriso que se rasgou com o elogio, fez a pergunta de resposta impossível: "Que idade você me dá, "baixadô"?". Percebendo que todo o exagero por defeito me seria perdoado, quiçá mesmo agradecido, arrisquei: "Talvez 58 ou 59? Enganei-me?". A senhora alargou ainda mais o sorriso e revelou: "Que simpático, querido embaixador! Tenho 67 anos. Mas não pareço, "né"? É graças aqui ao mestre!", voltando-se para Pitanguy. Este assistira à cena, deliciado, com aquela sua cara redonda, sorridente, que nos anos seguintes algumas vezes voltaria a encontrar no tradicional chá dos académicos, nas tardes das quintas-feiras, na Academia Brasilleira de Letras (ABL), de que ele era um dos "imortais".
Pitanguy, que na sexta-feira chegou a empunhar a chama olímpica, morreu precisamente ontem, sábado, aos 93 anos.
Duas coincidências. Um grande amigo brasileiro enviou-me ontem um email, dizendo ir concorrer a um lugar vago nos 40 "imortais" da ABL. Com a morte de Pitanguy, passará a haver mais uma vaga. A segunda coincidência é que tenho combinado um jantar hoje com um outro grande amigo, excelente cirurgião plástico português, que, há bem mais de três décadas, na Noruega, pela primeira vez me falou sobre Ivo Pitanguy. Isto é um mundo muito pequeno, não é?