Um dos candidatos que
estas eleições presidenciais oferecem à escolha dos portugueses é uma figura
que, durante anos, entrou na nossa casa com grande frequência. Não tocou à
porta, mas esteve connosco na sala, conversando sobre tudo e sobre todos, de
futebol a política, de “faits divers” às finanças, da justiça aos espetáculos, da
lombada de livros às questões de saúde, etc, etc.
Sobre tudo tinha ideias,
de tudo parecia que sabia um pouco, num modelo a que os italianos chamam de
“tudólogo”. Diz coisas certas? Claro que sim, a par de outras que são tão
discutíveis como as que qualquer um de nós costuma ter. Educado, inteligente,
informado, às vezes um tanto “pela rama”, outras um pouco mais profundo, o tal
candidato provou que quase nada do mundo lhe era alheio. Ou parecia ser. A sua melhor
definição foi-me dada um dia por um amigo: “estou quase sempre de acordo com
ele, exceto quando conheço bem os assuntos!”
No cenário de fundo da
vida da esmagadora maioria dos portugueses adultos, o tal candidato é uma
figura que nunca esteve distante. Os mais velhos lembram-no como jornalista,
outros como político ou como jornalista político, muitos outros
simplesmente como professor – e nós sabemos como ser “professor” sempre por cá funciona
subliminarmente como um fator de prestígio para credibilizar o que se diz. A maioria dos contemporâneos recordá-lo-á como opinador, primeiro na rádio,
depois nas televisões, nestas tendo vogado entre canais. No desporto, não é do
Benfica nem do Sporting, antes pelo contrário, não sendo também do Porto. Todos
o identificam com um partido mas também já o ouviram criticar, sem exceção, os
líderes desse mesmo partido. Todos? Todos! Mesmo que ele próprio tenha
também cumprido um dia essa função…
Para muitos dos
portugueses, esse candidato sugere a intimidade que temos com um primo
distante, daqueles que irrompe nos casamentos ou nos batizados. Não o
conhecemos bem, mas é insinuante, simpático e dialogante. Conta anedotas, é espirituoso,
desenha uma presença agradável, sai-se com tiradas inteligentes, às
vezes iconoclastas, as mais das vezes jogando no “mainstream” do senso comum. Algumas
mulheres acham-lhe piada, alguns homens apreciam-no como divertido e
eternamente bem humorado. Todos o tratamos pelo primeiro nome, claro. É muito
lá de casa…
Há uma década, quando
Cavaco Silva foi candidato a presidente, recordo-me do modo complacente como
alguns, mesmo nele não votando, encararam com resignada aceitação a sua
eleição, não obstante ser “do outro lado”. Dizia-se que era um homem
“rigoroso”, “austero”, uma figura "em quem se podia confiar”. Depois, foi
eleito e saiu-nos na rifa o que temos visto!
Imaginem agora que outro alguém,
também “do outro lado”, mas a quem ninguém se atreverá a colar os
qualificativos sossegantes que ingenuamente concedíamos ao presidente cessante,
volta a ocupar Belém! Ah! “Mas este tem muito mais graça, é divertido! Vai ser
um tempo interessante!” Pois, pois! Esperem pelas crises, pelos dias em que as
coisas não estejam a correr bem! Depois não me venham dizer que não avisei!
(texto publicado no Acção Socialista)