sexta-feira, maio 05, 2017

Segunda-feira


Emmanuel Macron ganhou o debate televisivo contra Marine le Pen? Confesso que, depois do Brexit e de Trump, sou bem mais cuidadoso nas opiniões que emito sobre realidades estrangeiras e, em especial, nas avaliações prospetivas sobre o sentido desses eleitorados. Porquê? É muito simples: o referencial de análise que cada um de nós utiliza é sempre desenhado à luz daquilo que pensamos ser o eleitor comum, do qual, implicitamente, tendemos a não nos afastar muito em termos pessoais (embora possamos fazer um esforço interior para tal). Ora isso não leva suficientemente em conta a circunstância desse mesmo eleitor "médio" poder ter, entretanto, mudado bastante, fruto de situações conjunturais que podemos não conseguir medir convenientemente, de ele ser hoje menos sensível a sentimentos e realidades que, no passado, sabíamos que estavam mais presentes nas suas escolhas. Quero com isto dizer que fatores emocionais, que somos levados a considerar como primários e simplistas, podem afinal ter um papel central na decisão de cada um. Por exemplo, o rigor factual nas propostas ou comentários dos candidatos, que sempre tendemos a considerar qualificadores do seu discurso, podem dizer muito pouco a eleitores que se deixem tentar pelo "vale tudo" e que considerem isso um preciosismo dispensável. Viu-se nos os debates entre Clinton e Trump.

Repito: Macron ganhou o debate? Para mim, ganhou, mas tenho a certeza de que um "enragé" (para utilizar a clássica expressão do maio de 1968), que deteste um tipo engravatado com ar "certinho", a lembrar a alta finança e o "sistema" que ele acha que lhe põe em causa o seu emprego, que lhe abriu as fronteiras por onde entra a “diferença” que ameaça a imagem que tem da sua identidade nacional, que o não protege dos terroristas e dos "voyous" que lhe assombram a segurança das ruas no HLM onde vive, que, para ele, representa tudo aquilo que mobiliza a sua raiva, essa pessoa não pensa exatamente como eu. E pode, afinal, sentir-se representada pelo escárnio (que eu acho alarve, mas ele talvez não) presente nas atitudes de Le Pen durante o debate, indiferente ao facto de ela não saber quando foi introduzido o euro ou o seu visível desconhecimento da máquina europeia. O eleitorado, dirá o leitor, não são só "enragés"? Claro que não. Mas o eleitor "médio" sereno, que oscilava entre o centro-direita e a social-democracia, por muitos anos o fiel da balança do sistema, por onde andará hoje, com as estruturas políticas da direita clássica e dos socialistas destroçadas? Hoje, está visto, é tão “enragé” o operário vítima das deslocalizações como o é o estudante sem emprego à vista que votou Mélenchon ou o idoso burguês do XVIème que se assusta ao cruzar-se nas ruas com as “burkas” e que até tinha perdoado os pecadilhos a Fillon para ter um “genérico” de Sarkozy no Eliseu.

Logo veremos. Mas, seja qual for o resultado, o mundo irá mudar com esta eleição francesa.

Se, numa hipótese que não espero, Marine le Pen entrasse no Eliseu, a disrupção e a instabilidade que isso provocaria no projeto europeu seriam imensos e imediatos. Se for Macron a ganhar, como me parece mais provável, será sempre mais um presidente “by default” do que uma escolha pela positiva.

Em qualquer dos cenários, vai ser necessário esperar pelas eleições legislativas de junho, de cujo resultado dependerão as condições de governabilidade de qualquer presidente. Uma coisa é clara: uma forte “onda” Le Pen trará impactos determinantes sobre esse mesmo sufrágio, atenta a “balcanização” do voto dos seus múltiplos opositores.

A França será muito diferente a partir de segunda-feira. A outra má notícia é que, muito provavelmente, a Europa também, e para pior.

4 comentários:

Anónimo disse...

Belíssima análise para um não politizado como eu perceber. Parece-me que tem muita razão e.... o corte epistemológico vai de vento em pôpa não se sabendo onde irá dar.
Tempos muito interessantes iremos ter pela frente.
Wait and see

Anónimo disse...

Le Pen já ganhou o simples facto de ocupar o espaço deixado vazio pelos cacos do que sobra do RPR.
A Europa vai formosa e bem segura com a adesão da Escócia, a vitória da dupla Macron Schulz e da coligação de direita em Itália que garantiu a exclusão do M5 do poder. Que mais se poderá Desejar?

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

Parece que OS franceses nao tem coragem, como e habito, de votar Marie le Pen.
E dificil desmontar as burocracias de Bruxelas. O barco continua a meter agua......

Anónimo disse...

Agora a esquerda "lava as mãos" dos problemas que criou,e tenta argumentar com o indefensável: os monstros de esquerda e direita, que criou graças á sua velocidade de caracol e síndroma da avestruz, políticos e "diplomatas de café" que julgavam estar no séc XIX.

Quem também contribuiu , foram as arrogâncias balofas de tentar agradar a todos sem limites.

A democracia tem limites de tolerância.

Criaram-se mecanismos para a destruição da Europa como li, neste blog , as ONG bancárias.

Entre a velha e o menino, o diabo que escolha.

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