Emmanuel
Macron ganhou o debate televisivo contra Marine le Pen? Confesso que, depois do
Brexit e de Trump, sou bem mais cuidadoso nas opiniões que emito sobre
realidades estrangeiras e, em especial, nas avaliações prospetivas sobre o sentido
desses eleitorados. Porquê? É muito simples: o referencial de análise que cada
um de nós utiliza é sempre desenhado à luz daquilo que pensamos ser o eleitor
comum, do qual, implicitamente, tendemos a não nos afastar muito em termos
pessoais (embora possamos fazer um esforço interior para tal). Ora isso não
leva suficientemente em conta a circunstância desse mesmo eleitor
"médio" poder ter, entretanto, mudado bastante, fruto de situações
conjunturais que podemos não conseguir medir convenientemente, de ele ser hoje
menos sensível a sentimentos e realidades que, no passado, sabíamos que estavam
mais presentes nas suas escolhas. Quero com isto dizer que fatores emocionais,
que somos levados a considerar como primários e simplistas, podem afinal ter um
papel central na decisão de cada um. Por exemplo, o rigor factual nas propostas
ou comentários dos candidatos, que sempre tendemos a considerar qualificadores
do seu discurso, podem dizer muito pouco a eleitores que se deixem tentar pelo
"vale tudo" e que considerem isso um preciosismo dispensável. Viu-se nos
os debates entre Clinton e Trump.
Repito:
Macron ganhou o debate? Para mim, ganhou, mas tenho a certeza de que um
"enragé" (para utilizar a clássica expressão do maio de 1968), que deteste
um tipo engravatado com ar "certinho", a lembrar a alta finança e o
"sistema" que ele acha que lhe põe em causa o seu emprego, que lhe
abriu as fronteiras por onde entra a “diferença” que ameaça a imagem que tem da
sua identidade nacional, que o não protege dos terroristas e dos
"voyous" que lhe assombram a segurança das ruas no HLM onde vive, que,
para ele, representa tudo aquilo que mobiliza a sua raiva, essa pessoa não
pensa exatamente como eu. E pode, afinal, sentir-se representada pelo escárnio
(que eu acho alarve, mas ele talvez não) presente nas atitudes de Le Pen
durante o debate, indiferente ao facto de ela não saber quando foi introduzido
o euro ou o seu visível desconhecimento da máquina europeia. O eleitorado, dirá
o leitor, não são só "enragés"? Claro que não. Mas o eleitor
"médio" sereno, que oscilava entre o centro-direita e a
social-democracia, por muitos anos o fiel da balança do sistema, por onde
andará hoje, com as estruturas políticas da direita clássica e dos socialistas
destroçadas? Hoje, está visto, é tão “enragé” o operário vítima das
deslocalizações como o é o estudante sem emprego à vista que votou Mélenchon ou
o idoso burguês do XVIème que se assusta ao cruzar-se nas ruas com as “burkas”
e que até tinha perdoado os pecadilhos a Fillon para ter um “genérico” de
Sarkozy no Eliseu.
Logo
veremos. Mas, seja qual for o resultado, o mundo irá mudar com esta eleição francesa.
Se,
numa hipótese que não espero, Marine le Pen entrasse no Eliseu, a disrupção e a
instabilidade que isso provocaria no projeto europeu seriam imensos e imediatos.
Se for Macron a ganhar, como me parece mais provável, será sempre mais um
presidente “by default” do que uma escolha pela positiva.
Em
qualquer dos cenários, vai ser necessário esperar pelas eleições legislativas
de junho, de cujo resultado dependerão as condições de governabilidade de
qualquer presidente. Uma coisa é clara: uma forte “onda” Le Pen trará impactos
determinantes sobre esse mesmo sufrágio, atenta a “balcanização” do voto dos
seus múltiplos opositores.
A
França será muito diferente a partir de segunda-feira. A outra má notícia é
que, muito provavelmente, a Europa também, e para pior.
4 comentários:
Belíssima análise para um não politizado como eu perceber. Parece-me que tem muita razão e.... o corte epistemológico vai de vento em pôpa não se sabendo onde irá dar.
Tempos muito interessantes iremos ter pela frente.
Wait and see
Le Pen já ganhou o simples facto de ocupar o espaço deixado vazio pelos cacos do que sobra do RPR.
A Europa vai formosa e bem segura com a adesão da Escócia, a vitória da dupla Macron Schulz e da coligação de direita em Itália que garantiu a exclusão do M5 do poder. Que mais se poderá Desejar?
Parece que OS franceses nao tem coragem, como e habito, de votar Marie le Pen.
E dificil desmontar as burocracias de Bruxelas. O barco continua a meter agua......
Agora a esquerda "lava as mãos" dos problemas que criou,e tenta argumentar com o indefensável: os monstros de esquerda e direita, que criou graças á sua velocidade de caracol e síndroma da avestruz, políticos e "diplomatas de café" que julgavam estar no séc XIX.
Quem também contribuiu , foram as arrogâncias balofas de tentar agradar a todos sem limites.
A democracia tem limites de tolerância.
Criaram-se mecanismos para a destruição da Europa como li, neste blog , as ONG bancárias.
Entre a velha e o menino, o diabo que escolha.
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