Daqui a dias, terá lugar em Lisboa um debate sobre a Catalunha, naturalmente centrado nas ambições independentistas que atravessam aquela autonomia espanhola. Como é sabido, com especial incidência nos últimos anos, uma vontade catalã de caminhar para a um Estado próprio tem vindo a ser afirmada com grande vigor, embora se saiba subsistirem grandes divisões internas sobre o tema.
As razões históricas da Catalunha, bem como a questão da incompatibilidade do secessionismo com o ordenamento político espanhol, são matéria de intensa polémica em toda a Espanha. Em escala diversa, essa discussão não deixa de tocar setores de outras autonomias históricas, onde, contudo, o tropismo para uma independência surge muito menos afirmado, salvo em agendas radicais minoritárias.
De há muito que entendo que, enquanto país, não nos compete assumir qualquer posição sobre o futuro constitucional da Espanha. Os cidadãos portugueses são, bem entendido, plenamente livres de se exprimirem sobre o tema, mas o Estado português, enquanto tal, tem obrigação de assumir uma absoluta neutralidade face ao modo como o nosso único vizinho terrestre define o seu futuro. Porquê? Porque Portugal terá sempre de conviver com esse futuro, seja ele o que vier a ser, pelo que constitui uma ingerência nos assuntos internos espanhóis proceder de forma diferente, como o seria Madrid vocalizar opiniões sobre uma independência da Madeira ou dos Açores. Isso inclui, naturalmente, não nos colocarmos ao lado do governo espanhol contra o separatismo catalão, contrariamente ao que, erradamente, vimos Passos Coelho fazer, em 2015.
Por isso, é apenas enquanto mero observador exterior que defendo não ser do interesse português uma independência da Catalunha, como o não seria a de qualquer outra região da atual Espanha, fosse ela o País Basco ou a Galiza. Entendo altamente perigosa uma “balcanização” da Espanha, país com cuja dimensão, na sua atual unidade, convivemos muito bem, de forma harmoniosa e amiga.
Sei que pode germinar em alguns espíritos lusos a estratégia saloia de enfraquecer a Espanha através da sua divisão. Esta leitura aljubarroteana converge com a dos que entendem que devemos à Catalunha a “distração” que, em 1640, permitiu a recuperação da nossa própria independência, pelo que essa “gratidão” deveria agora ser retribuída. Tais visões não ponderam as pulsões disruptoras que isso seguramente iria induzir em Espanha, gerando efeitos de sentido imprevisível, e por isso indesejáveis, nos atuais equilíbrios peninsulares.
Entre dois sentimentos legítimos – a simpatia de alguns pelo direito dos catalães à autodeterminação da sua região e a preservação de uma estabilidade regional que entendo que melhor protege os nossos interesses no espaço peninsular – não tenho a menor hesitação.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
9 comentários:
Quantos americanos considerariam "saloia" a ideia de desmembramento da URSS?
Os tugas são assim...
enquanto país, não nos compete assumir qualquer posição sobre o futuro constitucional da Espanha. Os cidadãos portugueses são, bem entendido, plenamente livres de se exprimirem sobre o tema, mas o Estado português, enquanto tal, tem obrigação de assumir uma absoluta neutralidade face ao modo como o nosso único vizinho terrestre define o seu futuro
Muito bem!!! Concordo totalmente e plenamente.
E, já agora, da mesma forma que não compete a Portugal imiscuir-se nos assuntos internos de outro país, tal também não compete à União Europeia! A União Europeia deve abster-se de qualquer tentativa de influenciar esse assunto interno da Espanha (ou do Reino Unido com a Escócia, etc).
Já agora, em minha opinião, o que os catalães verdadeiramente pretendem não é a independência - é a autodeterminação fiscal. O que eles querem é ter um estatuto semelhante ao dos nossos arquipélagos - poderem mandar nos seus impostos e mantê-los na sua região. Seria facílimo para a Espanha acabar com esta questão toda da Catalunha se lhe concedesse o mesmo que os Açores e a Madeira desde há decénios têm - o direito de usar os seus impostos dentro da região.
Provavelmente, o seu ponto de vista, alicerçado na sua larguissima experiência, terá absoluta lógica. No entanto, estou propenso a crer que a independência da Catalunha colocaria Portugal numa posição mais igualitária no contexto ibérico. Teríamos decerto a ganhar, por exemplo, se em vez de um interlocutor, existissem dois. A própria União seria obrigada a uma reconfiguração da Europa do Sul.
José Ricardo
Hoje sentei-me num café do centro de Lisboa. À minha frente, sobre a mesa, estava publicidade de uma cerveja galega. Tudo estava escrito em castelhano.
É este o mundo que FSC defende.
Interessante….. o alcaide de Barcelona (Alda Colau) eleita por um união entre o Podemos, CUP,etc, sendo a CUP apoiante desses caviares-rosa okupas, vem agora “lavar as mãos sobre o assunto…..”.
Se fosse um extremista perigoso-de-direita……..o que seria…..
Embaixador, comentário muito lucido. Ultimamente tenho estado mais de acordo com as suas posições. Existiram temas em que tive visão muito diferente da sua. Efetivamente por mais que custe a algumas pessoas, olhando para o Interesse de Portugal é melhor a Espanha conforme ela está. Evidentemente que do ponto de vista de muitos catalães o sentimento é ouro, respeito, mas efetivamente uma divisão da Espanha não seria boa.
claro caro jose ricardo
imagina-se o peso que castela nao ganharia nas relacoes latino americanas, o exercito catalao, o exercito basco...
nao ha nada como um estado fraco para as mafias, para os interesses de outros estados mais fortes de quem seja, basta ver portugal nos dias de hoje.
melhor para portugal era a uniao com espanha ja imaginou, 50 milhoes de habitantes, uma das maiores economias da europa, os interesses sul americanos, um dos maiores exercitos da nato... so vejo vantagens... so nao sei se seria possivel...
mas olhe, ate me parece melhor que pertencer a uma uniao europeia no estado desta...
cumprimentos
Também não sou favorável à indepedência da Catalunha (em matéria de futebol sou até Madridista). Considero-a uma pretensão oportunista. Durante a ditadura franquista os independentistas catalães estiveram meteram a viola no saco (ao contrário do País Basco). Mas daí achar que é uma "estratégia saloia" o enfraquecimento de Espanha através da sua divisão é uma exagero. Há dias falava-se no perigo que era a espanholização da banca portuguesa... Creio, posso estar enganado, que o nosso peso específico na UE, se tívessemos uma estratégia inteligente, aumentaria substancialmente. Aliás é um quadro para o qual Portugal se deve preparar (fazendo os trabalhos de casa).
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