Neste agosto que dá asas à preguiça para a escrita, e neste dia que marca uma década (já!) desde a desaparição de Sérgio Vieira de Mello, reproduzo um texto que aqui publiquei, precisamente há quatro anos:
“Você sabe, Francisco, só me aparecem desafios que não consigo recusar!” – foi a frase que retive da última conversa com Sérgio Vieira de Mello, quando lhe telefonei para Genebra a desejar sucesso para a sua nova missão em Bagdad. Ironizámos então com o facto de Paul Bremer, o primeiro "administrador" americano no Iraque, com quem Sérgio teria que se articular, ter coincidido comigo em posto diplomático na Noruega, nos idos de 70: prontifiquei-me para "meter uma cunha", se ele precisasse…
Só conheci pessoalmente Vieira de Mello em Setembro de 1999, quando o protocolo nos sentou lado-a-lado, num almoço em Nova Iorque. Acabara, há pouco, a sua missão nos Balcãs e entre nós passou, de imediato, uma corrente de empatia luso-brasileira, logo cimentada pelo mútuo culto do humor. Recordo-me de termos falado da possibilidade de ele chefiar a nova missão da ONU em Timor, ainda semanas antes de Kofi Annan lhe propor o lugar. Eu não tinha a pretensão de estar a ser presciente: limitava-me a ecoar o nome prestigiado que circulava já por alguns corredores, afirmando-lhe a certeza antecipada de que o Governo português o acolheria com muito agrado. Na altura, Sérgio retorquiu-me, com o seu sorriso confiante, que não, que “ia precisar de algum tempo para descansar”. Felizmente, isso acabou por não acontecer.
Sérgio Vieira de Mello fez em Timor um trabalho notável, como várias vezes tive ocasião de referir, em nome de Portugal, em intervenções no Conselho de Segurança da ONU. E – confesso – fi-lo com uma sinceridade que nem sempre é regra nos discursos oficiais. Com ele combinei, nas derradeiras fases do processo pré-independência, o tom comum das nossas intervenções em Nova Iorque, por forma a garantir o apoio que o secretário-geral da ONU e o Governo português entendiam necessário que fosse dado aos timorenses pela comunidade internacional, nos difíceis anos que se seguiriam. Recordo também os pedidos que fez, por meu intermédio, para que Portugal “deixasse cair”, a nível adequado, palavras de acalmia e bom-senso junto de responsáveis políticos de Timor, a fim de atenuar alguns litígios menores, mas que ameaçavam a estabilidade do processo interno.
Em Novembro de 2002, convidei Sérgio Vieira de Mello para ir a Viena, falar ao Conselho Permanente da OSCE, já na sua qualidade de Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos. Foi uma sessão memorável, que gerou um debate interessantíssimo, em que o à-vontade diplomático de Sérgio sublinhou o seu profundo conhecimento da situação internacional. Mas que também revelou a firmeza das suas convicções. No almoço em minha casa que se seguiu, e perante uma observação mais tensa avançada pelo meu colega americano, não deixou de lhe recordar que os prisioneiros de Guantanamo “não vivem na Lua” e que, também a eles, se deviam aplicar, em pleno, “todos os Direitos Humanos devidos aos cidadãos da Terra”.
Foi há precisamente seis anos*, no dia 19 de Agosto de 2003, que Sérgio Vieira de Melo morreu, de forma violenta, em Bagdad.
(* Dez anos, hoje)
Só conheci pessoalmente Vieira de Mello em Setembro de 1999, quando o protocolo nos sentou lado-a-lado, num almoço em Nova Iorque. Acabara, há pouco, a sua missão nos Balcãs e entre nós passou, de imediato, uma corrente de empatia luso-brasileira, logo cimentada pelo mútuo culto do humor. Recordo-me de termos falado da possibilidade de ele chefiar a nova missão da ONU em Timor, ainda semanas antes de Kofi Annan lhe propor o lugar. Eu não tinha a pretensão de estar a ser presciente: limitava-me a ecoar o nome prestigiado que circulava já por alguns corredores, afirmando-lhe a certeza antecipada de que o Governo português o acolheria com muito agrado. Na altura, Sérgio retorquiu-me, com o seu sorriso confiante, que não, que “ia precisar de algum tempo para descansar”. Felizmente, isso acabou por não acontecer.
Sérgio Vieira de Mello fez em Timor um trabalho notável, como várias vezes tive ocasião de referir, em nome de Portugal, em intervenções no Conselho de Segurança da ONU. E – confesso – fi-lo com uma sinceridade que nem sempre é regra nos discursos oficiais. Com ele combinei, nas derradeiras fases do processo pré-independência, o tom comum das nossas intervenções em Nova Iorque, por forma a garantir o apoio que o secretário-geral da ONU e o Governo português entendiam necessário que fosse dado aos timorenses pela comunidade internacional, nos difíceis anos que se seguiriam. Recordo também os pedidos que fez, por meu intermédio, para que Portugal “deixasse cair”, a nível adequado, palavras de acalmia e bom-senso junto de responsáveis políticos de Timor, a fim de atenuar alguns litígios menores, mas que ameaçavam a estabilidade do processo interno.
Em Novembro de 2002, convidei Sérgio Vieira de Mello para ir a Viena, falar ao Conselho Permanente da OSCE, já na sua qualidade de Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos. Foi uma sessão memorável, que gerou um debate interessantíssimo, em que o à-vontade diplomático de Sérgio sublinhou o seu profundo conhecimento da situação internacional. Mas que também revelou a firmeza das suas convicções. No almoço em minha casa que se seguiu, e perante uma observação mais tensa avançada pelo meu colega americano, não deixou de lhe recordar que os prisioneiros de Guantanamo “não vivem na Lua” e que, também a eles, se deviam aplicar, em pleno, “todos os Direitos Humanos devidos aos cidadãos da Terra”.
Foi há precisamente seis anos*, no dia 19 de Agosto de 2003, que Sérgio Vieira de Melo morreu, de forma violenta, em Bagdad.
(* Dez anos, hoje)
6 comentários:
Caro Francisco
Tive a honra e o prazer de me ter encontrado com Sérgio Vieira de Mello, um Homem com caixa alta como - e muito bem o sabe - se diz de maiúsculas, nas Redacções e nas Oficinas tipográficas.
Foi numa tarde florida, em Genebra onde me deslocara em serviço do Diário de Notícias. Um grande amigo brasileiro e excelente jornalista, o José Fonseca Filho (que hoje colabora com a minha Travessa, quem nos apresentou.
Foi muito gostoso e prazenteiro, para empregar terminologia brasileira, o encontro. Começámos com uma xícara de café e acabámos caindo nas piadas, muitas delas políticas.
Quando lhe contei umas quantas sobre Salazar, ele gargalhou imenso - você tem baita jeito de contar piada... desfechou-me.
Com essas e outras, general Figueiredo e almirante Tomás na berlinda, convidou-nos para jantar. E ficámos até às tantas, comentando coisas da política internacional, pois o Fonseca dissera-le esse cara é bom mesmo nessa temática...
O cara era eu, o exagero foi do Fonseca Filho. Nunca mais voltaria a encontra-lo. E foi o Wilton Fonseca (jornalista também brasileiro radicado em Portugal há longos anos) quem me disse da explosão. No dizer do Wilton, ele que na altura trabalhava também para a ONU "andámos sempre desencontrados desde Timor-Leste até ao Iraque; por isso, nunca o conheci pessoalmente..."
Hoje, o Público traz um artigo da companheira dele em que ela arrasa a ONU pois no entender dela a Organização nada fez para investigar o atentado, posteriormente atribuído à Al-Qaeda.
Neste dia, mando um abração carregado de saudade ao "homem mais desejado e charmoso do Mundo" (galardão que lhe foi atribuído por duas vezes, embora ele nunca tivesse ido recebê-lo...
Nos bastidores das Nações Unidas, ouvi eu que, o Sérgio era o mais do que provável sucessor de Kofi Annan.
Mas estas últimas linhas já pertencem à História. Para mim o Sérgio Vieira de Mello foi um encontro, logo uma estória.
(Peço desculpa do comprimento deste comentário...
Vieira de Mello foi vitima da política sórdida de George Bush no Iraque. Contrariamente ao que o seu titulo poderia fazer crer, a Autoridade provisória da Coalização no Iraque , sob a direcção de Paul Bremer, não era um órgão da Coalização, nem mesmo uma agência dos Estados Unidos. Os litígios criados a propósito do apelo de ofertas para a reconstrução mostram que a Autoridade não era uma instituição de direito publico, mas uma empresa privada. George Bush privatizou o Iraque como o rei Leopoldo II da Bélgica o fez no Congo.
Neste "negócio" , a administração Bush confiscou ilegalmente 1,7 biliões de $ do tesouro iraquiano e 4 biliões , "só", para o clã Bush. O saque da economia iraquiana foi sem duvida nenhuma em proveito dos Estados Unidos, mas também deste clã, do qual Vieira de Mello foi, de certa maneira, também vitima. Tanto mais que as forças americanas ultra poderosas não foram capazes de o proteger. Não esquecer que o atentado que vitimou Vieira de Mello aconteceu no momento exacto em que ele tomou conhecimento do "desvio" destes 5,7 biliões de $ do tesouro iraquiano pelos americanos! Que "naivement" Sério Vieira de Mello criticou. Naivement sim, como quando disse em Genebra que Bush lhe tinha prometido de não autorizar a tortura no Iraque! Os Americanos não apreciaram!
Aliás, o assassinato espectacular de Vieira de Mello ainda não está elucidado. Ele representava a ONU, Bremer representava Bush. Que uma bomba abra uma cratera de 5 metros de diâmetro e dois de profundidade, e que Vieira de Mello tenha sido atingido no seu escritório a 15 metros de lá, resta um enigma.
O papel exacto de Vieira de Mello no Iraque e as suas relacções ambíguas com a Coalizaçao, também restam um enigma. Também é evidente que a ONU, que Vieira de Mello representava, "validou" a invasão do Iraque! Ora, inimigos da ONU em Bagdad não faltavam!
Como o acidente do Sueco Dag Hammarskjïold, secretário geral da ONU, que morreu na explosão do avião que o levava à Rodésia, também nunca se soube exactamente quem tinha interesse na morte desses diplomatas da ONU.
Sou uma admiradora confessa da vida exemplar de Sérgio Vieira de Melo que deu a vida por um mundo mais justo... e, corroboro o que escreveu o Henrique Antunes Ferreira:
Neste dia, mando um abração carregado de saudade ao "homem mais desejado e charmoso do Mundo".
Isabel BP
Uma imensa pena pelo seu desaparecimento tragico, associada ah sensacao de uma profunda divida de gratidao: nao tivesse sido a sua avisada persistencia e diligencia, nao teria(mos) regressado da missao a Timor-Ocidental...
Conheci Sergio Vieira de Mello pelas palavras da Samantha Powell ... sem dúvida um "eleito".
N371111
Ups .. Samantha Power
N371111
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