António Patriota deixa o cargo de ministro das Relações Exteriores do Brasil para ir chefiar a missão brasileira junto das Nações Unidas. Patriota é um excelente profissional, com uma imensa experiência e, devo dizer, sinto pena ao vê-lo deixar a chefia do Itamaraty. Ainda há pouco tempo tive o gosto de conversar com ele em Lisboa e confirmar o seu empenhamento no aprofundamento das relações luso-brasileiras.
Fizemos uma boa amizade no tempo em que coincidimos no Brasil e, creio, ambos contribuímos, cada um à sua maneira, para um período interessante da nossa relação bilateral. Por essa altura, o António desempenhava o importante lugar de diretor-geral político do Itaramary e eu era embaixador de Portugal.
Um episódio curioso envolveu-nos aos dois, por esse tempo. O ministro brasileiro das Relações exterioras, Celso Amorim, havia decidido pôr termo à missão em Lisboa do embaixador António Paes de Andrade, um "embaixador político" que ocupava esse cargo, desde há alguns anos. Nas vésperas da decisão ser tomada, o governo brasileiro, num gesto elegante, havia decidido informar-nos, através de uma conversa que o então secretário-geral do ministério das Relações exteriores (que é o substituto do ministro), embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, quis ter comigo, do nome do sucessor de Paes de Andrade. Pela regras normais da diplomacia, deveria ser este a pedir, em Lisboa e junto das Necessidades, o "agrément" para o seu sucessor. Ora António Paes de Andrade - e só conto isto porque tudo veio publicado na imprensa brasileira da época - terá eventualmente reagido mal à decisão da sua substituição, recusando-se a solicitar às nossas autoridades a acreditação para o novo embaixador.
(Para quem não saiba, a regra dos pedidos de "agrément" é que o embaixador cessante faça a entrega, junto do chefe do Protocolo do país onde está acreditado, de um currículo da pessoa que o seu governo pretende nomear para seu sucessor, numa folha de papel branco, não timbrada. Pela tradição, se o nome for recusado (o que acontece raramente, sendo um longo "silêncio" do Estado recetor a demonstração implícita de que o nome não vai ser aceite), não restará qualquer prova material do pedido. Isto era assim no passado. Nos dias que correm, muitos Estados já não procedem da mesma forma e os currículos até já seguem, em muitos casos, em anexo a uma simples nota rubricada...)
As autoridades brasileiras terão ficado numa situação algo embaraçosa. Como podiam formular o pedido de acreditação para o sucessor de Paes de Andrade, face à recusa deste em executar a instrição? Só havia uma maneira: utilizar a embaixada portuguesa em Brasília. Assim, dois dias mais tarde, António Patriota, como diretor-geral político, pediu para eu ir vê-lo. Durante vários minutos, a nossa conversa tocou vários assuntos, sem aparente objetivo concreto. A certo passo, porém, disse-me:
- Francisco, você sabe que vamos mudar o embaixador em Lisboa?
Respondi-lhe que sim, que, simpaticamente, já fora informado pelo secretário-geral, e que até conhecia bem o futuro embaixador, de quem era amigo, desde o meu anterior tempo de Viena.
- E você tem o currículo dele?, inquiriu António Patriota, estendendo-me uma folha sem timbre, com o percurso profissional do diplomata.
Agradeci a "informação" e, minutos depois, regressei à embaixada. Transmiti então a Lisboa o pedido de "agrément" formulado pelas autoridades brasileiras. Mas a conversa com Patriota configurava algum pedido? Na realidade, nada me tinha sido solicitado, a palavra acreditação não fora sequer pronunciada, formalmente a nossa conversa não podia mesmo ser qualificada de uma "démarche" ou diligência. Mas, para bom entendedor, o gesto "florentino" de diplomacia de António Patriota era muito claro. E, três dias depois, o sucessor de Paes de Andrade recebia o beneplácito das autoridades portuguesas - uma rara rapidez, no nosso caso consonante com a excelência das relações que sempre pretendemos manter com Brasília.
Um forte abraço, António. Boa sorte para Nova Iorque! Quando passar por Portugal, os seus amigos aqui estarão à sua espera.
10 comentários:
Senhor Embaixador
Não sei se vê inconveniente em responder à minha questão, mas gostaria muito de saber a sua opinião, numa perspectiva diplomática e não ideológica, sobre este caso do senador boliviano, desde a decisão do diplomata Eduardo Saboia, que ele justifica com motivos humanitários, até à reacção tão pronta e determinada da Presidente Dilma.
Obrigado. Mário Quartin graça
Caro Mário Quartin Graça: como bem sabe, a doutrina latino-americana sobre esta matéria é muito específica. Quando estudei Direito Internacional o caso Haya de la Torre era um "clássico". Na Europa, não temos uma tradição similar.
Quanto à questão que envolve o diplomata brasileiro, a minha opinião é simples: perante uma situação destas, um profissional tem obrigação (1) de transmitir às suas autoridades a sua opinião sincera sobre o que entende que deveria ser a atitude a assumir pelo Estado face a esse caso e, após isso feito, (2) deve obedecer estritamente às instruções que essas autoridades, particularmente se estiverem legitimadas por um voto democrático, lhe transmitirem como orientação de como proceder.
Se acaso o diplomata considerar que as instruções que recebe das suas autoridades ofendem os seus princípios e a sua consciência, duas altenativas existem: ou (1) se demite ou (2) procede como Eduardo Saboia procedeu e, neste caso, não pode deixar de arrostar com todas as consequências disciplinares correspondentes.
O que não é admissível é que um profissional da diplomacia se arrogue o direito de, por si próprio, decidir atuar, abusando da confiança do Estado que o mantinha no lugar, na expetativa de que cumpriria as suas orientações. Se aceitássemos isso, entrávamos num ambiente de descricionariedade com que nenhuma ordem político-jurídica pode conviver.
Lamento muito, até por Eduardo Saboia.
Esta é a minha opinião sincera.
Na política há casos bem interessantes. A substituição do ministro Patriota apresenta nuances suficiente para, eventualmente, ser um deles.
De facto, este caso parece ser uma espécie de champô e amaciador (2 em 1) da política, com a diplomacia a dar uma mãozinha.
A realidade é que, com este pedido de demissão, ficam resolvidos, pelo menos, dois problemas:
1 – é público que a Presidente Dilma e o ministro Patriota não se entendiam e uma solução para o caso era muito necessária, começando a tornar-se urgente;
2 – o problema do senador boliviano refugiado há 15 meses na Embaixada do Brasil em La Paz tornara-se um sério imbróglio para ambos os governos amigos, sem fim airoso à vista.
A iniciativa do Encarregado de Negócios brasileiro em La Paz (a Embaixada estaria sem Embaixador) veio resolver o assunto “à revelia e sem conhecimento do Itamaraty”.
Esperemos para ver a pena que lhe vai ser aplicada.
Para quem acredita em coincidências, esta é uma das mais felizes.
JR
Há, hoje, um artigo no "Público" sobre o assunto.E não é do "special" José Manuel Fernandes!
Senhor Embaixador
Muito obrigado pela sua resposta, claríssima. Mário Quartin Graça
Mais um excelente post, que me fez recordar dois casos da nossa diplomacia. Quando escreve:
“(...)deve obedecer estritamente às instruções que essas autoridades, particularmente se estiverem legitimadas por um voto democrático, lhe transmitirem como orientação de como proceder.”, o senhor embaixador justifica a desobediência de Aristides Sousa Mendes, já que as instruções foram dadas por autoridades sem legitimação democrática.
Porém, quando afirma:
“Se acaso o diplomata considerar que as instruções que recebe das suas autoridades ofendem os seus princípios e a sua consciência, duas alternativas existem: ou (1) se demite ou (2) procede como Eduardo Saboia procedeu e, neste caso, não pode deixar de arrostar com todas as consequências disciplinares correspondentes. “,
não podemos deixar de nos recordar de Manuel Maria Carrilho, antigo embaixador na UNESCO.
Para que não fiquem dúvidas, na minha opinião Sousa Mendes agiu bem, ao contrário de Carrilho, que mereceu a guia de marcha para Lisboa..
Um grande amigo de Portugal, de Lisboa e da York House, onde ele e a Família se hospedam regularmente.
Aquando da ultima visita oficial o Dr António Patriota insistiu em ficar com a comitiva na York House dizendo que é o Hotel dele em Lisboa.
Deixou-nos escrito no livro de honra
o seguinte comentário :
"Com alegria retorno à York House onde tantas agradáveis estadias com minha esposa Tânia já disfrutei. Para mim uma passagem por Lisboa, encantadora Capital Portuguesa, seria incompleta sem uma estada no numero 32 da Rua das Janelas Verdes.
Gratissimo pela Hospitalidade
António de Aguiar Patriota
Ministro da Relações Exteriores do Brasil"
Prezado Sr. Embaixador: O Itamaraty parece uma bagunça! Sem mando, nem comando! Enquanto isso, uma "avis rara" tem seu ninho no interior do Palácio do Planalto (Ops! "ninho"!? É um pássaro? Um tucano!?) Não! Não é tucano! É um PETISTA! Um tal de Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência para assuntos internacionais. E que nunca escreveu um livro sequer sobre direito internacional! Pode isso, Sr. Embaixador? NÃO SERIA, ESSA SIM, UMA AUTÊNTICA E HILARIANTE PIADA DE BRASILEIRO?
Marco Aurélio Garcia o mesmo do top top do gesto obsceno.
Isso tudo é o desmanche do Brasil pelo PT.
E termos pelo menos mais 4 anos depois de 2014.
Querido José Tomaz,
Pode o menino emendar o livro de honra?
É que cá em Portugal não conhecmos nenhuma pessoa chamada Tânia que possa ficar na York House., a nào ser com criada.
Também não dizemos "esposa" mas " mulher".
Patriotas somos todos desde o tempo do Doutor Salazar. Para quê ter mais um no livro de honra? Confesso que nâo percebo.
No meu tempo os ministros brasileiros tinham nomes a sério, como Azeredo da Silveira ou Saraiva Guerreiro.
Um beijinho
Bébé Espírito Santo ( Cascais)
Enviar um comentário