sexta-feira, junho 28, 2013

Porto 1

O cenário foi o Forum da FNAC no Norte-Shopping, ao final da tarde de ontem. Fazia-se o lançamento do livro de Alexandra Marques, "Os segredos da descolonização de Angola". Coube-me apresentar a obra a quantos se deslocaram ao evento. 

O livro é o resultado de um minucioso trabalho de investigação, nomeadamente em arquivos documentais, alguns dos quais revelados pela primeira vez, que permite lançar uma luz nova sobre o processo decisório - hesitante, contraditório, por vezes irresponsável, por vezes inevitável - que foi assumido pelas estruturas político-militares portuguesas em Portugal e Angola, desde o 25 de abril até à declaração de independência da colónia. Trata-se de um relato trágico, quase impotente, de um poder político-militar sem capacidade, às vezes também sem vontade, de se exercer em defesa da posição de quantos, como era o caso dos colonos portugueses, eram os evidentes perdedores da História. Podia ter sido feito mais? Houve descaso? Ao leitor cabe decidir. 

O relato de Alexandra Marques, escrito num registo que poderíamos qualificar de bom jornalismo, lê-se com o ritmo de um filme, tanto mais que alguns dos extratos documentais que transcreve são relatos vivos e factuais. A autora não deixa de mostrar uma empatia com quantos, nesse complexo processo, assumiram atitudes, por vezes quixotescas, para tentar evitar o curso que os acontecimentos acabaram por ter. 

Na apresentação que fiz, procurei, essencialmente, contextualizar os acontecimentos ocorridos em Angola na situação política e militar que Portugal então atravessava. É que uma coisa não pode ser compreendida sem a outra. 

20 comentários:

margarida disse...

Ah-ham..., a 'ordem' não estará trocada? Ai que o cansaço prega-lhe partidas..., ou é aquilo dos últimos serem os primeiros?

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Margarida: tem razão, mas "saltou" logo para o texto o que estava mais "fresco" na memória.

Alcipe disse...

Era o que faltava que à culpabilidade de termos sido colonialistas sucedesse agora a culpabilidade de termos descolonizado! Vê o que aconteceu com a descolonização francesa na Argélia e com a descolonização inglesa na Índia e faz as devidas analogias.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alcipe: com a "glória" das descolonizações dos outros posso eu bem. Nós não descolonizámos, "saímos de lá". Por óbvia culpa da ditadura, que criminosamente não soube, a tempo e horas, preparar e negociar a independência das colónias, veio a criar-se historicamente uma situação que não permitiu senão um arremedo de processo descolonizador. O que houve, na prática, foi um "diktat" por parte dos movimentos que haviam lutado contra a presença colonial portuguesa em África, impondo o modo como pretendiam afirmar a sua legitimidade política. (No caso de Angola, a heterogeneidade e conflitualidade entre os projetos dos movimentos em confronto, movidos por agendas estratégicas contraditórias, tornou tudo bem mais difícil). Portugal, também desejoso de se mostrar "politicamente correto" perante uma comunidade internacional junto da qual quería ficar bem na foto, com uma capacidade militar crescentemente reduzida e quase impotente no terreno político, fez o que considerou ser possível, hesitando entre sucessivas, e frequentemente, contraditórias posições, algumas delas fragilizadas por factos ou eventos supervenientes, que o (evolutivo) poder político de LisBoa não controlava. Fez-se o que se pôde, mas o que se pôde não foi nada brilhante e, em particular, nada de que nos possamos historicamente orgulhar. Ou melhor, para citar um clássico que o Alcipe não desdenhará: "a descolonização foi uma tragédia, como tragédia havia sido a colonização".

Alcipe disse...

Caro amigo, eu da História nao me orgulho nem me envergonho. Orgulho- me ou envergonho- me dos meus actos. E nao me envergonho nem de ter feito parte dos CACs(Comités de Luta Anti Colonial) antes do 25 de Abril nem do que fez Melo Antunes, que eu modestamente secretariei, durante a descolonização e o PREC. Pena a distancia geografica que nos separa nos impedir de conversarmos mais sobre este assunto. Abraço
a)Alcipe

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alcipe: eu não disse que me envergonhava, note-se. Apenas disse que não estava orgulhoso, no que à "descolonização" respeita. O que é distinto.

Anónimo disse...

Ó Senhor Embaixador? Esse Francelino da Mata é parente do Marcelino da Mata? Issi explicaria tudo.

patricio branco disse...

ler então para complementar carlos vale ferraz e carlos matos gomes, duas faces da mesma moeda, o ficcionista de nó cego e fala me de africa e o historiador de nó gordio.
pois fala me de africa é um curiosíssimo e bom romance, um thriller à maneira de john le carre que nos mostra angola antes durante, depois e agora, é um mundo complexo angola, sem duvida.
mas as descolonizações são como têm de ser, umas preparadas longamente antes, outras apressadas, é ver o sahará que foi espanhol, que se passou no sudão, no uganda, no ex congo belga, e tambem na namibia e em cabo verde?

margarida disse...

"Não há fome que não traga fartura", ó abençoada disposição!
O "quem não chora, não lê' também se aplica...
Que a distância entre as excelências não seja impeditiva desta formidável troca de doutos argumentos, já que, para quem assiste a este Roland Garros opinativo de factos históricos que para tantos apenas cabem nos livros ou nas séries do sr. Furtado, tal conversa 'pública' é de saudar com enorme satisfação.

Anónimo disse...

Como não sou politizado não sei se a culpa é de fulano ou cicrano. O que se sabe é que a descononização em 1975 foi feita de afogadilho e por gente pouco experiente. Enfim... as revoluções teem sempre o seu preço, o qual a História cobra sempre e por vezes com juros.

Portugalredecouvertes disse...

Deixo aqui o comentário que fico sempre surpreendida que um país tao pequeno e com tao pouca gente dê origem a tantas interpretações contraditórias, sendo que umas vezes aparece como sendo uma marioneta "nas mãos" de poderosos interesses, outras vezes parece ter todo o poder do mundo para colonizar e descolonizar "à la carte"!
Entretanto apercebo-me que há alguns dias comecei a ler um livro que tem na capa essas mesmas imagens do padrão dos descobrimentos e das mesmas caixas retornadas à metrópole "a preto e branco", mas o título é Voltar, de Sarah Adamopoulos.
Assim e em geral, se por um lado se critica a colonização, por outro como os testemunhos descritos nesse livro apresentam-se as terras de Angola e outras(resultantes da colonização), como uma espécie de paraíso onde as pessoas eram mais modernas, mais felizes, as cidades lindíssimas, a sociedade multi-racial,... que o Estado português abandonou essa gente de ambas as cores,
mas também conheci o país "cinzento e empobrecido pelo esforço de guerra" onde tantas mães e noivas rezavam pelos jovens soldados que iam para lá proteger essas comunidades

Alcipe disse...

A geração dos filhos dos que voltaram de África veio encontrar uma sociedade mais cinzenta, menos dinâmica, mas sobretudo uma sociedade onde o seu estatuto forçosamente baixara (porque não havia os pretos por baixo). Daí esse sonho de uma idade de ouro. Leia Isabela Figueiredo em vez de Sarah Adamopoulos e poderá compreender um pouco melhor as coisas.

Alcipe disse...

O nosso estatuto também vai baixar e também não teremos nunca mais pretos por baixo.

Portugalredecouvertes disse...

irei ler o livro de Isabel Figueiredo se o encontrar

mas é mesmo isso que eu queria dizer,
que conheci a "sociedade mais cinzenta, menos dinâmica" quando "havia os pretos por baixo"
então se "o nosso estatuto vai baixar" que "não teremos nunca mais pretos por baixo",

daí que se entenda que antes o nosso estatuto estava mais alto, algo contraditório com descrição de uma "sociedade mais cinzenta, etc."

Tó disse...

ó censuras!!!

Alcipe disse...

O nosso estatuto ficou bem mais alto nos últimos vinte e nove anos - tem dúvidas? Leia os números do António Barreto. O nosso estatuto vai baixar irreversivelmente a partir de agora - tem dúvidas? Ainda bem para si. Oxalá que tenha razão.

Quando os pretos estavam por baixo, os únicos que tinham um estatuto superior a eles eram os portugueses de África - nós na Europa não tínhamos, nunca tivémos, ninguém por baixo.

Qual é a contradição?

Portugalredecouvertes disse...

desculpe,
a contradição era também aqui com esta frase

"O nosso estatuto também vai baixar e também não teremos nunca mais pretos por baixo"

entendi que estava a mencionar nós na Europa
claro que não tenho dúvidas que o nosso estatuto ficou mais alto e que vai baixar mas devido ao ciclo económico

melhores cumprimentos
Angela

Francisco Seixas da Costa disse...

Um senhor (?) chamado (?) Tó (?) enviou um comentário insultuoso para uma determinada pessoa, escudado no seu corajoso anonimato. E, não tendo tido o benefício da publicação da insídia, vá de queixar-se de "censura", como acima se pode ler.

Ó "Tó", por quem é! Identifique-se devidamente e dar-lhe-ei uma coluna do tamanho de um A4. É o identificas!...

informática transformou-se num um potenciador da canalhice.

margarida disse...

Ena, deve ter sido valente, a insídia, já que V.Exa. publica, por assim dizer, tudo...
É pena que não exista coragem de se defender pontos de vista ou opiniões, mas é, digamos, 'normal'...
O mundo é mais feito desses cidadão do que de outros, com valores e princípios.
Paciência; se a família não teve possibilidade de transmitir o que devia e o carácter não conseguiu o resto, não é a sociedade que terá sucesso onde os pilares essenciais falharam.
E morrem assim, sem sequer se aperceberem da perda de que foram vítimas-E auto-algozes.

Helena Oneto disse...

Interessantissimo este debate entre embaixadores -de se lhes tirar o chapéu-!
Como porventura diria Tintin "notre malheur ce ne sont pas les nègres mais le blanc de Bruxelles...

João Miguel Tavares no "Público"