segunda-feira, maio 09, 2011

Mitterrand e a moda

Foi há 30 anos. Lembro bem a noite de 10 de maio de 1981, o dia da vitória presidencial de François Mitterrand. Eu vivia então na Noruega e organizámos um jantar em casa para acompanhar as notícias, que nos iam chegar pela rádio de ondas curtas e pelas televisões norueguesa e sueca, as únicas que nos eram acessíveis. Convidei amigos que nos podiam ajudar a "decifrar" os noticiários naquelas línguas, além de outros que o acaso juntou nessa noite nórdica.

A esmagadora maioria dos nossos convivas, onde se contavam alguns diplomatas estrangeiros, muitos temerosos da anunciada chegada dos comunistas ao poder, acabava por alinhar num "giscardianismo" de oportunidade. Nada de estranho, se pensarmos que a guerra fria estava ainda muito presente na vida internacional e que a experiência francesa assustava então muita gente. Estas coisas hoje parecem ridículas, mas, à época, havia quem falasse, sem rir, na possibilidade de tanques russos não tardarem na place de la Concorde.

Quando as notícias da vitória de François Mitterrand se confirmaram, esse núcleo de amigos conservadores entrou numa aberta e pública depressão. As teses sobre o que iria suceder em França eram catastróficas: de desordens públicas a um conjunto de malfeitorias que a nova maioria seguramente iria desencadear, tudo era de esperar da "révanche" da chegada da esquerda ao poder.

Num certo casal estrangeiro, em que ela era bastante mais nova, notei que o marido estava a ser carinhosamente consolado pela mulher, na sua conjuntural desventura política. Mas era por demais evidente que ela tinha muito pouca consciência da complexidade do que estava a ocorrer. O marido disse, a certa altura: "Isto vai provocar uma desvalorização fortíssima do franco, vai ser gravíssimo!".

Eu lançava umas piadas, em jeito de provocação e, a certa altura, saiu-me esta: "Bom, há grandes vantagens numa desvalorização do franco. Por exemplo, a roupa que se vende em França vai ficar muito mais acessível, a moda francesa vai embaratecer, agora é que vai valer a pena ir a Paris, às compras". 

O que eu fui dizer! Mal eu tinha acabado de falar, vejo os olhos da jovem brilharem, a cara abrir-se-lhe num esgar de felicidade, como que por uma súbita descoberta das virtualidades da vitória da esquerda. Voltou-se então para o marido e, numa voz bastante audível, tanto mais que ele era meio surdo, disse-lhe: "Ouviste? É verdade que os vestidos vão ficar mais baratos? Não podíamos ir agora a França?".

O meu amigo ignorou-a, olimpicamente, e fuzilou-me com o olhar. Eu ria, olhando na televisão a place de la Bastille cheia de gente, com imensa pena de lá não estar. 

8 comentários:

Santiago Macias disse...

Lembro-me de ter festejado essa vitória. Talvez por, na altura, andar na onda da FRS (uma frente hoje esquecida, por força do seu insucesso eleitoral) e de ser apoiante da UEDS. Alguém na família me fazia notar que escolhia sempre o campo dos que nunca ganhavam...
O hino oficioso (?) da campanha era, se não estou em erro, o "L'important c'est la rose".

Anónimo disse...

Estava em posto em França e tive jantar social nessa noite. Nunca irei esquecer o ar apavorado dos convivas e a expressão incrédula de uma senhora francesa da alta sociedade: "Mais c'est pas possible, deve haver engano. Eu dou-me com imensa gente e não conheço ninguém, mas ninguém, que tenha votado Mitterrand."

Anónimo disse...

Quem são os franceses, segundo Mitterrand numa célebre palestra, em 1987:

“Nous sommes français, nos ancêtres les gaulois, un peu romains, un peu germains, un peu juifs, un peu italiens, un petit peu espagnols, de plus en plus portugais, peut-être qui sait polonais, et je me demande si déjà nous ne sommes pas un peu arabes ?" - Mitterrand 1987..

http://www.ina.fr/economie-et-societe/vie-sociale/video/CAB87018991/extrait-de-l-intervention-de-francois-mitterrand-a-la-sorbonne.fr.html

Daniel Ribeiro

José Barros disse...

Eu estava naquela multidão da Bastilha. Muitos jovens como eu ensoparam-se com a torrente de água que caiu sobre eles mas nem por isso dispersaram... Fizeram mesmo a primeira reivindicação, mesmo ali, e gritaram: Mitterrand, queremos sol! Mitterrand, queremos sol!
No dia seguinte, creio que no “Le Monde” o caricaturista apresentava um desenho com uma rua rectilínea e com muita gente à janela a observar a torre Eiffel ao fundo. A legenda dizia: “C’est incroyable! La Tour Eiffel est toujours debout!

Helena Sacadura Cabral disse...

Que maldade Senhor Embaixador! É assim que a esquerda seduz essas "piquenas"!
Mas Mitterand era um sedutor nato. Nem precisava de desvalorizar o franco para ter as mulheres a seus pés. Principalmente as de direita...
:))

Anónimo disse...

Talvez não usasse uma rosa de Matiz apaixonada sem espinhos...

Mas que é linda, oh! se é...

Para Miterrand?!!!...

Bem o Sr. é que sabe.
Isabel Seixas

Julia Macias-Valet disse...

Santiago informei-me hoje (junto de fontes seguras ; ) acerca da ultima linha do teu comentario...
E se na verdade foi o hino oficioso...foi muito oficioso...hélas !

Mesmo assim sendo, aqui te deixo uma versao vintage do Bécaud :
http://www.youtube.com/watch?v=KamOG_hQPEI

E para a Margarida caso ela interrompa (abandone !? é talvez pedir muito...) a sua campanha silenciosa ; ) e dê por aqui uma espreitadela :
http://www.youtube.com/watch?v=QvUjOGiGdPo&feature=fvst

margarida disse...

Julinha dear, não sou eu que estou em campanha silenciosa, é o blogue!
;)

'jinhos...

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