O "gaullisme" é uma escola de fidelidade onde sempre foi possível encontrar políticos cuja distância entre si pareceu maior que aquela que os separava de adversários situados noutros quadrantes partidários. Philippe Séguin, que ontem desapareceu aos 66 anos, era um desses políticos, que uma notícia qualificava hoje como "un homme de droite que la gauche aimait".
Há pouco mais de seis anos comprei, numa passagem no aeroporto parisiense de Roissy, o seu livro de memórias, intitulado "Itinéraire - dans la France d'en bas, d'en haut et d'ailleurs". Interessava-me conhecer melhor o homem que, em 1981, defendera a abolição da pena de morte contra os seus companheiros de partido e que, uma década mais tarde, titulara o combate ao Tratado de Maastricht, num debate célebre com François Mitterrand, que quem se interessa pelas coisas europeias nunca esquecerá.
Séguin foi uma importante figura da direita francesa, onde disputou combates que hoje fazem parte da história da V República, tendo-se retirado da vida política em 2002 para a presidência do Tribunal de Contas. Personalidade controversa, mas homem de fortes convicções e integridade, a sua morte precoce entristeceu toda a sociedade política francesa.
Há poucos meses, acompanhei o seu amigo e homólogo português, Guilherme de Oliveira Martins, a um jantar oferecido, aqui em Paris, por Philippe Séguin. Na próxima segunda-feira, lá estaremos ambos, nos Invalides, para lhe prestar a homenagem que é devida.
Em tempo: vale a pena ver este retrato que Guilherme Oliveira Martins traça de Philippe Séguin
7 comentários:
São poucos, mas de qualidade, os homens da direita (francesa) "que la gauche aimait". Philippe Séguin é um deles.
a homenagem unanima da classe politica bem como a da sociedade francesa mostram quanto sinceridade de convicçoes e retidao em politica sao ainda valores essenciais. e cada vez mais raros.
também eu li (mas nao na integra, eram demais as paginas...) o seu livro de memorias.
apesar da sua posiçao no que diz respeito à Europa, muito diferente da minha, fiquei triste com o desaparecimento de Philippe Seguin.
Filipe Pereira
“O "gaullisme" é uma escola de fidelidade onde sempre foi possível encontrar políticos cuja distância entre si pareceu maior que aquela que os separava de adversários situados noutros quadrantes partidários”. Sim, é verdade, ainda que estes sejam uma raridade, esta frase é excelente para distinguir Philippe Séguin. Recordo-me perfeitamente da sua ascensão ao Ministério dos Assuntos Sociais e da esperança que se abriu no sector social que sofria de uma redução de créditos assustadora...
Já me foi muito difícil compreender aquela harmonia com Charles Pascoa, cujos pontos de vista pareciam globalmente tão distanciados, quando se uniram para o combate que travaram juntos contra o tratado de Maastricht.
Mas Philippe Séguin era um homem de princípios, sem dúvida um político humanista que desenvolvia a sua reflexão a partir do problema existente e não se esquecia do ponto de partida.
Homem de "haute stature".
Forte personalidade. Rude sensor de "dérives".
Senhor Embaixador, justa homenagem à sua memoria.
C.Falcão
Que pena que existam tão poucos assim. E aproveito para dizer de Oliveira Marins o mesmo que diz de Seguin. É um homem de esquerda de quem a direita gosta.
Pessoalmente não sou nem direita nem de esquerda, mas tenho por Guilherme de Oliveira Martins uma enorme consideração. Tão mais válida quanto não faz parte das pessoas com quem convivo.
No meu blogue (vozesdebruxelas.blogspot.com), escrevi o seguinte a propósito de Philippe Séguin:
Admiro os homens que se fazem notar pela sua independência e por profundas convicções, de uma têmpera que os torna incapazes de se dissolverem na mesquinhez do quotidiano. Philippe Séguin, homem político francês de que a maioria dos portugueses pouco deve ter ouvido falar, fazia parte dessa raça. Que importa que fosse gaulista, que tenha apoiado Chirac, ou mesmo que fosse amigo de Sarkozy? Era um homem que encarnava uma ideia, uma concepção, da França, principalmente, de la République, da política, da Europa – as suas dúvidas sobre o caminho tecnocrático actualmente seguido pela União Europeia obrigavam-nos a ouvi-lo com intensa atenção. Era de direita? Provavelmente, sim; votaria gaulista e não socialista. Mas que interesse tem isso perante uma personalidade maior do que a vida, conhecido pelas suas zangas monumentais, pelas suas emoções à flor da pele; célebre, afinal, por ser homem e não um boneco de palha, um mero espantalho plantado na seara dos pobres homens políticos que o rodearam.
A sua morte deixou-me profundamente comovido. Não o conhecia, claro; mas acompanhei, de longe, a sua carreira política e pessoal. Nascido na Tunísia, órfão muito cedo dum pai herói da II Guerra Mundial (a quem foi conferida, a título póstumo, uma alta condecoração francesa mas não a Légion d’honneur, o que levou Séguin a recusá-la quando pretenderam atribuir-lha, porque considerava que tudo o que tinha feito não se comparava ao sacrifício do seu Pai), era um filho da República, pupilo da Nação, que, neste aspecto, e até pelos seus afecto mediterrânicos, lembrava Albert Camus. Com os seus mais de cem quilos, fumador inveterado, amante da boa comida e, presumo, da boa bebida, Séguin impressionava pela sua inteligência e, sobretudo, pela sua convicção. Dizem que Mitterrand o admirava já antes do célebre debate que os opôs a propósito do Tratado de Maastricht. É natural. Um homem como Séguin tinha essa capacidade de ser tão admirado pelos seus opositores como pelos seus comparsas.
Un homme est mort... Quer dizer: un vrai... Quando isso acontece, a resposta é um silêncio comovido, uma homenagem contida, aquela de que ele, que era contudo dado a excessos e a desmesuras, afinal merece.
Esta noite fui ao cinema ver "Invictus".
No final do filme lembrei-me de Philippe Séguin.
Poucos meses antes de falecer um jornalista perguntou-lhe o que queria dizer para ele a expressao "identité nationale" ?
Philippe Séguin sorriu e disse ao jornalista : reveja as imagens do Final do Campeonato do Mundo de Futebol de 1998.
Se forem ver o filme perceberao porque me lembrei disto (so) agora.
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