terça-feira, novembro 25, 2014

Reputação

Portugal é um país frágil. Tem uma história antiga, existe no imaginário internacional como um país simpático, de gente cordial e modesta, que o mundo se habituou a encontrar espalhada por esse mesmo mundo, como se isso fosse a sua sina. A glória do seu império passado sublinha hoje ainda mais a modéstia desta nação que, há séculos, segue como a mais pobre de toda a Europa ocidental. Às vezes, nuns assomos, consegue concitar alguma atenção: é uma revolução quase sem sangue, é uma exposição universal conseguida, é um escritor que ganha um Nobel e outro que desassossega as consciências, é a boa coreografia de uma presidência europeia ou de uma performance internacional, é o ser a pátria de um desportista ou de um treinador de nomeada, é o seu sol agradável, é a canção nacional que rima connosco. Esses e outros arroubos, prestigiantes, rapidamente são abafados pelo regresso ao retrato que, aparentemente, nos define: um país que declinou sem remissão desde a perda do Brasil, incapaz de sustentar o sucesso, com defeitos comportamentais endémicos.

A Europa trouxe um dia um sopro de esperança a este país frágil, recém-orfão das suas colónias. Pareceu que tudo ia mudar, da paisagem às mentalidades. Na frase que melhor nos define, os portugueses pensaram, em uníssono: "agora é que é!". Não foi. Nessa maratona de obstáculos, ficámos para trás e, à primeira borrasca, revelou-se a nossa impreparação para as exigências da prova. 
 
Teve de vir a "troika" dos credores, com a qual um governo de saída mal negociou. Com ela, vieram as exigências do ajustamento, perante as quais um outro governo, mais subserviente, se ajoelhou. O país humilhou-se, a dívida aumentou, o governo fez peito para a foto sincrónica do défice, ajudado pela emigração e pelo desenrascanço das empresas. Os mercados, que não são parvos, rapidamente perceberam que se tratava apenas de uma cosmética leve, que as estruturas e as mentalidades não tinham mudado, que nada de fundo estava resolvido, que Portugal era basicamente o mesmo, de Soares a Cavaco, de Sócrates a Passos. Nem é necessário recorrer ao dito escatológico de Brito Camacho.
 
Graças a Draghi, o país estava assim em precário sossego financeiro. Um dia, numa hecatombe anunciada, cai o grupo financeiro mais estruturante do sistema, num novelo de fraudes. De seguida, a gloriosa empresa nacional de telecomunicações, metida em cavalarias baixas com emergentes em crise, cai em maus lençóis. Surge uma rede criminosa de corrupção, em que parece estarem envolvidas altas figuras da administração. Na sequência, um ministro cai. Nem uma semana era passada e é detido um antigo primeiro-ministro, acusado de várias malfeitorias. 
 
Se, apesar do efeito reputacional destes eventos, o país não se afundar perante o mundo, só uma conclusão é legítimo tirar: já não somos nós que nos sustentamos perante o mundo, é apenas a nossa irrelevância no jogo global que nem sequer nos permite sermos sujeitos da nossa própria crise. Porventura, é melhor assim.
 
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, novembro 24, 2014

Serviço público

Foto de António Manuel Pinto da Silva
De um aeroporto europeu, aqui fica um aviso à navegação: não confiem totalmente nos "cartões" de embarque eletrónicos nos vossos iPhones. Não é que eles não funcionem, o problema é que, se acaso a bateria do aparelho se esgota, podemos arriscar-nos a ficar completamente ilegais no meio de uma aerogare, sem conseguir provar como ali chegámos e, claro, sem possibilidade de embarcar. Já se tinham lembrado disso? Sei do que falo...

"Uma Alemanha Europeia ou uma Europa Alemã"

 
"Nos anos cinquenta do século passado, o grande escritor alemão Thomas Mann falava do dilema que se colocaria à Alemanha: ser uma Alemanha Europeia ou criar uma Europa Alemã. Sessenta anos depois, a Alemanha impôs à União Europeia uma política de austeridade com resultados económicos profundamente negativos e que ameaçam prolongar-se por décadas. Ao mesmo tempo, a chanceler e o governo alemão não hesitam em criticar opções de política interna dos Estados, como ficou patente com o comentário sobre o número de licenciados portugueses. É tempo de fazer um balanço: temos uma Alemanha Europeia ou uma Europa Alemã? "
 
Este é o texto introdutório de um debate que, no dia 26 de novembro, a partir das 9.30 horas, no auditório da Faculdade de Direito de Lisboa, irá ter lugar.
 
Integro o primeiro painel, com o José Loureiro dos Santos, Reinhard Naumann e António Menezes Cordeiro. No segundo painel, intervirão Francisco Louçã, Ricardo Cabral, Pedro Brás Teixeira e Eduardo Paz Ferreira. 

A Voz de Trás-os-Montes

 
É uma excelente notícia o regresso de "A Voz de Trás-os-Montes", o semanário vilarealense que esteve sem se publicar por cerca de três meses.
 
A suspensão da publicação da VTM tinha levado o "Notícias de Vila Real" a passar de quinzenário a semanário. A concorrência entre os dois jornais pode assim, se bem gerida, transformar-se numa importante mais-valia para a cidade.
 
No próximo fim de semana, quando por lá for para as comemorações do "Primeiro de dezembro", logo verei como "param as hostes" jornalísticas na capital de Trás-os-Montes.

domingo, novembro 23, 2014

O pingo de solda

Na minha infância, o meu pai contava uma história que, na minha família, ficou conhecida como "o pingo de solda".

Uma senhora queixara-se à polícia de que dois trabalhadores, que tinham ido fazer um trabalho elétrico a sua casa, se tinham envolvido numa acesa disputa, com agressões e insultos mútuos, diante dos seus filhos muito jovens. A cena fora tão violenta e a linguagem tão desbragada e vernácula que a senhora entendeu por bem chamar a polícia. (Estamos a falar de outros tempos, em que estas coisas escandalizavam). E os operários foram levados para a esquadra.

Lá chegados, os visados estiveram muito longe de confirmar a versão da senhora. E um deles explicou, cândido: "As coisas não se passaram assim. O que ocorreu é que o meu colega, o Alberto, que estava no alto de uma escada que eu segurava, soldava uns fios. Inadvertidamente, sem a menor intenção, deixou escapar da máquina com que trabalhava um pingo de solda, incandescente, que me caiu no pescoço. Confesso que isso me incomodou um pouco! Daí que eu tivesse exclamado: "Ó Alberto! Vê lá se, para a outra vez, tens mais cuidado! Nada mais!" ".

O grau de plausibilidade da cena era mais do que evidente.

Lembrei-me disto ontem, ao ler no "Expresso" a justificação dada por Ricardo Salgado para o facto de ter recebido do empresário José Guilherme uma "oferta" de 14 milhões de euros (isso mesmo!). 

A história é interessante. Salgado revela ter dado a Guilherme "alguns conselhos pessoais sobre a evolução da economia em geral e dos mercados para onde pretendia alargar a sua atividade". Perante uma intenção de Guilherme de investir num determinado país, Salgado tê-lo-á dissuadido e aconselhado outro mercado, onde o empresário acabaria por ter "enorme sucesso". Guilherme, naquilo que Salgado descreve como uma "demonstração aliás muito caraterística do seu caráter grato e generoso", quis "manifestar o seu reconhecimento pela ajuda" prestada pelo banqueiro. E resolveu oferece-lhe a quantia de 14 milhões de euros, mas só após "reiterada insistência", a que Salgado se viu constrangido a vergar-se. Depois, como naturalmente pode acontecer nestas coisas de dinheiro, Salgado esqueceu-se da "prenda" numa conta no Panamá, não a declarando no IRS, mas isso é apenas um pormenor despiciendo.

Esta cena tem uma plausibilidade idêntica à da história do pingo de solda. A similitude é que quer os operários quer o banqueiro tiveram de prestar declarações à polícia. A diferença é que, se bem me lembro, na história do pingo de solda os operários acabavam presos.

O Camilo

Há quase quatro décadas, o Alfredo Magalhães Coelho e eu resolvemos elaborar, para distribuição entre os amigos, uns guias de restaurantes, de um tamanho de bolso, com indicações sobre preços, pratos mais típicos mas, igualmente, com dias de encerramento, telefones, facilidades de parqueamento e até indicações sobre os melhores acessos. Saíram vários números (lembro-me, pelo menos, de termos publicado os do Minho, Trás-os-Montes, Alentejo e Algarve). Os exemplares muito limitados, algumas escassas dezenas, e cada zona tinha a sua cor de papel. Os guias, escritos em 1987/88, no meu primeiro computador, foram um imenso sucesso e muita gente continuou a fotocopiá-los por alguns anos (o que é perigoso, porque este tipo de indicações é rapidamente "perecível" com o tempo).

Ajudava-nos nesta tarefa o Camilo, um funcionário simpatiquísimo da primeira estrutura do MNE para os assuntos europeus, um ás da reprografia, que foi a alma logística da operação. Ele era o nosso "editor"! Voltámos a cruzar-nos várias vezes durante a minha relativamente longa passagem pelo palácio da Cova da Moura, nos anos 90. Entretanto, havia-o perdido de vista, há muito. Acabam de me informar que morreu hoje. Deixo um abraço sentido à Família desse amigo, que comigo também fez parte da equipa pioneira, criada na avenida Visconde Valmor, que "arrancou" com a presença de Portugal nas instituições comunitárias, no dia 1 de janeiro de 1986.

O PS e José Sócrates

Contrariamente à esmagadora maioria dos observadores, não tenho a perspetiva de que a detenção e o processo contra José Sócrates acabe necessariamente por vir prejudicar, a médio prazo, as possibilidades eleitorais do Partido Socialista em 2015. Explico porquê.

O político José Sócrates, por muito que isso custe aos seus amigos e apoiantes, terá terminado ontem. Independentemente da evolução do seu processo judicial, e a menos que uma reviravolta inesperada venha a acontecer, as suas hipóteses de regressar à cena política terão ficado definitivamente encerradas. Ninguém conseguiria recuperar politicamente depois do que ontem sucedeu.

Mas é importante recordar que, há algumas semanas, a importância política do antigo primeiro-ministro era ainda considerável. Se acaso o "terramoto" de ontem não tivesse ocorrido, tudo indicava que a imagem de José Sócrates iria permanecer e talvez acentuar a sua presença no centro do debate político que aí vem. Ora isso, em princípio, já não virá a acontecer.

Com efeito, parece-me que a atual maioria vai forçosamente ter de se refrear, a partir de agora, nomeadamente em termos parlamentares, na frequência das referências políticas a José Sócrates, que seriam vistas como uma agressão de desforço face a alguém que está hoje fragilizado por um processo judicial. É que ser-lhe-ia muito difícil jogar na dualidade discursiva entre um Sócrates político e um Sócrates réu, sem que isso afetasse a necessária contenção que lhe compete, em especial como poder, face ao processo em curso na justiça.

Por outro lado, em face da nova situação que envolve José Sócrates e a expectável retração nas menções a seu respeito por parte da atual maioria, mobilizadoras do ambiente anti-Sócrates que pré-existia à sua tragédia pessoal, o novo PS será menos apelado a vir defender publicamente a sua herança política, como o vinha mais recentemente a fazer, numa atitude de grande coerência e ética política, mas que, a prazo, poderia acarretar-lhe algum custo eleitoral. Isto pode parecer um tanto cruel, mas é uma realidade insofismável.

Haveria, porém, um único cenário em que tudo o que deixei dito deixaria de ter qualquer sentido: se acaso se viesse entretanto a densificar a plausibilidade das acusações feitas a José Sócrates terem algo a ver com a sua conduta enquanto primeiro-ministro. Nesse hipotético caso, que francamente não espero e naturalmente não desejo, o PS não deixaria de se ver necessariamente arrastado para uma "partilha" de responsabilidades, com inevitáveis consequências políticas.

sábado, novembro 22, 2014

A fuga

Alguns mostram-se escandalizados pelo modo algo teatral como José Sócrates foi detido, com oportuno aviso prévio à comunicação social.

Não concordo com esta interpretação e até percebo a lógica policial: a sua detenção no aeroporto deve-se ao facto de haver um evidente risco de fuga para o estrangeiro, a partir do momento da sua entrada no país...

As contradições do desejo

Desejo sinceramente que José Sócrates possa demonstrar que está inocente e que as acusações que sobre ele impendem não tenham solidez.

Desejo sinceramente que a Justiça portuguesa, para que os cidadãos nela possam confiar, tenha detido José Sócrates com base num processo consistente e incontroverso.

A tragédia dos jornais

É em dias como este, em que a notícia que faz a manchete chega num momento que já não permite mudar sequer a primeira página (com uma exceção jubilosa), que se espelha a tragédia da imprensa escrita. Os jornais de hoje (com a capa da tal exceção jubilosa) já são jornais de ontem. Mesmo o "Expresso", que, nas suas quatro décadas de existência, tantas vezes viveu das "caixas" como a que agora lhe teria dado a glória, surgirá, no seu saco, a cheirar à vésperas.
 
Hoje vai ser o dia de glória das televisões, do fim das folgas dos comentadores, da análise dos especialistas, das palavras medidas ao milímetro dos políticos mais responsáveis, das proclamações de fé no trabalho da justiça ("à política o que é da política, à justiça o que é da justiça", dirá algum mais inspirado), do cinismo de uns, da tática de outros, da alegria de muitos, da tristeza de outros tantos. Assim vamos.  

sexta-feira, novembro 21, 2014

Do tempo (1)

 
Quem é que acredita que se pode estar à mesa de almoço quase três horas e meia, numa conversa com um amigo com quem já não falava "ao vivo" há vários anos, sem qualquer agenda (há "almoços grátis"!), apenas trocando opiniões (em muitos casos, bem diferentes), recordando histórias e debatendo ideias, sem que o telefone, nem por uma só vez, nos interrompesse, sem nos tivéssemos lembrado de ver mensagens, e-mails, facebook ou twitter? Foi o que me aconteceu hoje, num restaurante, num dia em que o sol de Lisboa deu um ar da sua graça, em que os filetes de peixe galo e o cabrito estiveram à altura, em que procurei reconciliar-me com o Meandro (que, pode ser que esteja enganado!, já não é bem o que era, este "next best" do agora estratosférico "Vale Meão"). Sabe-me bem gozar este tempo de inverno ma non troppo, espairecer a angústia política, tentar acreditar que o dia de manhã vai valer a pena.  

O sorriso

 
Não conheço a senhora ministra da Administração Interna, nunca lhe ouvi a voz. Para além do currículo, que parece impecável, e a admiração pelo facto de ser uma mulher no mundo duro das polícias, o que é que terá levado ao seu tão "soft landing" no mundo político, com a esquerda a baixar a guarda e uma nuvem de benevolência geral a cair sobre ela?
 
Acho que foi o sorriso. Não é um sorriso qualquer. É um sorriso leve, quase sofrido, sereno e digno. Um sorriso bonito de uma mulher de 60 anos. Terá sido isso? 

Duquesa de Alba

Se se quiser homenagear a Duquesa de Alba, que agora morreu - embora eu desconheça qualquer razão particular que justifique essa homenagem -, então façamo-lo publicando uma foto antiga dela que, por um instante, nos faça esquecer a figura em que as sucessivas operações estéticas a converteram e que - confessem as pessoas ou não - induziam em todos, desde há vários anos, um sorriso sarcástico, sempre que fazia as suas patéticas aparições em público. Sejamos sérios!

quinta-feira, novembro 20, 2014

Subsídios a ex-políticos

Não fazendo naturalmente parte dos beneficiados, nem me lembrando de ninguém amigo que esteja nessas condições, devo dizer - e sei que isto não é mesmo nada popular - que estou perfeitamente de acordo com a medida hoje aprovada na Assembleia da República, relativa à reposição dos subsídios a ex-políticos, a serem concedidos sob determinadas condições.
 
E fico chocado que, tanto no PS como no PSD, haja quem ache que "não é oportuno" repor esta medida. É com reações destas, medrosas e demagógicas, é pagando mal aos deputados e aos ministros que, progressivamente, vamos aviltando a condição dos eleitos e dos servidores da causa pública, criando pasto para o ambiente da sua diabolização, gerando progressivamente um terreno cívico em que os melhores se afastam da política, fartos de serem agredidos no dia a dia, sujeitos a um escrutínio que às vezes raia o miserabilismo, que alguma comunicação social faz gala em agravar.

Não alinho minimamente na vaga de opinião segundo a qual a palavra "políticos" deve ter um sentido negativo e que os políticos portugueses são piores que os outros. Não acho que "são todos iguais", que são "um bando de gatunos a viver à nossa custa", uma "cambada de inúteis".
 
Este discurso - fácil, demagógico e populista - é que põe em causa a democracia, não é a compensação dada a cidadãos que passaram anos da sua vida ao serviço da causa pública, muitos deles perdendo anos nas suas profissões, em muitos casos podendo nelas ter uma vida bem mais confortável.

Destinos

Há uns anos, quando era embaixador em França, o meu amigo Jean Barbosa, presidente da Associação Católica dos Portugueses de Roubaix, convidou-me para uma festa de aniversário daquela simpática instituição. 

Ao atravessar um bairro que levava às instalações da associação, notei que o meu motorista estava um pouco nervoso. Olhando o ambiente circundante, logo percebi: estávamos numa zona socialmente degradada, rodeados de "gardiens des murs", de gente desocupada encostada às paredes, com grupos a bloquear parte das ruas, num ambiente que não induzia a menor segurança, naquele tipo de áreas suburbanas onde, de um momento para o outro, se sente que pode acontecer qualquer coisa de desagradável.  

Roubaix é uma das zonas de França com maior desemprego, fruto do encerramento de várias indústrias. As comunidades de origem estrangeira que têm culturas contrastantes com a sociedade francesa tradicional, o que não é o caso da portuguesa, estão aí muito presentes. Não por acaso, o Front National tem por essa zona uma elevada expressão. Alguém então referiu que a comunidade muçulmana estava por ali em crescendo e que, um tanto surpreendentemente, alguns luso-descendentes não deixavam de ser sensíveis ao seu proselitismo. Lembrei-me disso ontem, ao ser divulgado que um dos fanáticos islamistas que aparece no vídeo do Estado Islâmico a proceder a uma decapitação é precisamente um luso-descendente de Roubaix.

"... e viva Portugal! "

Foi assim que Carlos do Carmo terminou ontem o seu agradecimento público, ao receber o "Grammy" latino, no Estados Unidos. Por cá, o galardão foi recebido por alguns com sobranceiro desdém (não é nessa pessoa que estou a pensar, palavra!), numa reação por onde perpassou um sectarismo político pouco disfarçado.

Carlos do Carmo é um homem de esquerda. Nunca o escondeu. Não sei, porém, se os mais trauliteiros e "talassas" amantes do fado alguma vez já lhe agradeceram aquilo que ele, no auge da Revolução de abril, fez pela nossa canção. 

O ambiente radical da época levou alguma gente a identificar o fado com a ditadura e a ver, nas letras melancólicas e no "choradinho" da lua a rimar com a rua, um Portugal que era necessário arquivar definitivamente no passado. Na altura, o "nacional-cançonetismo" foi na enxurrada (a democracia trouxe, entretanto, o "pimba" e não ficámos a ganhar) e tudo o que não fosse baladismo contestatário e com "mensagem" estava fora do tom. O fado passou então as passas do Algarve, ridicularizado por uns, acusado por outros. Era qualificado como a canção do SNI, um saudosismo patético acompanhado à guitarra, um bolor musical do Estado Novo. Eu, que sempre gostei daqueles fados de fazer chorar as pedras da calçada, com letras simplórias, machistas e bem popularuchas, vi-me à época "gozado" por amigos que me olhavam com piedade, sem perceberem como é que eu compatibilizava o meu esquerdismo como o gosto pelo "Não venhas tarde" do Carlos Ramos. Como diz um amigo meu, bem "reaça", nessa altura só se salvava o "Nem às paredes confesso", porque parecia evocar os interrogatórios da PIDE, então muito no "l'air du temps"...

E foi então gente como Carlos do Carmo, foram pessoas como José Carlos Ary dos Santos, ambos tributários de uma forte imagem de esquerda, quem acabou por dar "legitimidade" política ao fado, que ajudou a tirá-lo do gueto em que o extremismo revolucionário o tinha procurado acantonar. Só um cantor e um poeta de esquerda o poderiam ter feito. É claro que o fado, cedo ou tarde, viria aí de novo, mas Carlos do Carmo é "culpado" por lhe ter dado a mão quando ele passou pelas ruas da amargura...

Convém lembrar isto neste momento, importa saudar Carlos do Carmo, o seu fantástico percurso, a grande dignidade da sua carreira. Como ele disse sobre o país que tão bem representa... e viva Carlos do Carmo!

O escândalo "Michelin"

Toda a imprensa se apressou a comemorar o facto do "Guide Michelin" ter selecionado, pela primeira vez, 14 restaurantes portugueses, como dignos de usufruírem as suas badaladas estrelas.

Com "duas estrelas" continuam dois restaurantes do Algarve - "Ocean" e "Vila Joya" - e passa agora a integrar o grupo o lisboeta "Belcanto", de José Avilez.

Com uma estrela continuam figuram 11 restaurantes: "Casa da Calçada" (Amarante), "Eleven" (Lisboa), "Feitoria" (Lisboa), "Fortaleza do Guincho" (Cascais),  "Henrique Leis" (Almancil), "Il Gallo d'Oro" (Madeira), "L'And Vineyards" (Montemor-o-Novo), "São Gabriel" que recupera estrela perdida (Algarve), "Willie's" (Algarve), "Yeatman" (Gaia) e, este ano, o "Pedro Lemos" (Porto).

Conhecendo quase todos, acho que é um ato mínimo de justiça e um reconhecimento mais do que adequado à crescente qualidade dos chefes que operam no nosso país. Mas esse reconhecimento fica à porta do que seria devido.

Há um escândalo - e meço a palavra - que urge notar e que as autoridades turísticas portuguesas deveriam empenhar-se em denunciar: nenhum dos inspetores que o "Guide Michelin" enviou aos nossos restaurantes é de nacionalidade portuguesa, sendo que a esmagadora maioria são espanhóis. O "guia dos pneus", com bem o qualifica o grande José Quitério, cuja edição ibérica é sempre - repito, sempre - lançada numa cidade espanhola, continua a seguir esta inaceitável discriminação, que desprotege a cozinha portuguesa e a deixa "nas mãos" de avaliadores que se regulam por critérios muito próprios e largamente tributária da cultura gastronómica para além do Caia.

Ninguém põe em causa a grande qualidade da restauração espanhola, mas alguém acha normal que Portugal tenha apenas 14 restaurantes "estrelados" (e nenhum com três estrelas) e a Espanha bem mais do que decuplique esse número, com 169 ?! São 8 restaurantes com 3 estrelas, 18 restaurantes com 2 estrelas e 143 com uma estrela. E, no tocante aos "Bib Gourmand" (restaurantes com boa cozinha a preço moderado), justifica-se que haja apenas 33 restaurantes portugueses para 229 (!) espanhóis? Acho inaceitável que, ano após ano, esta situação discriminatória se prolongue, sem uma reação da nossa parte.  

quarta-feira, novembro 19, 2014

Bazar Diplomático

 
É uma tradição anualmente renovada. A Associação das Famílias dos Diplomatas Portugueses promove, com as missões diplomáticas estrangeiras em Lisboa, mais um bazar de Natal, com fins beneficentes.
 
Na sexta-feira dia 21 e no sábado dia 22, no edifício do Centro de Congressos de Lisboa (antiga FIL), à Junqueira (tem estacionamento), em Lisboa, entre as 11 e as 19 horas, pode encontrar produtos nacionais (continente e ilhas) e internacionais a preços muito acessíveis. Esta é uma excelente oportunidade para antecipar as compras de Natal e, ao mesmo tempo, contribuir para uma tarefa muito meritória. Ah! e há uma zona gourmet! No meu caso, também costumo vir carregado de sacos...

Tive uma amiga que foi jornalista

Tive uma amiga que foi jornalista. Tinha nome e mundo, as portas abertas, a graça do verbo ágil, a questão felina e inventiva, mas sempre cordial. Cresceu na sua carreira, em notoriedade e também na escrita. Nunca escondeu onde o seu coração pertencia, na vida como na opção cívica. Em ambas, cultou os seus heróis, viveu deles as saudades, por eles enlevou-se em entusiasmos, caiu em alguns "trompe l'oeil". Na profissão, o viés parecia equilibrado pelo desejo de compreender o outro, de se colocar na sua pele, de sempre o respeitar. E, assim, também foi respeitada. Um dia - terá data? - mudou. Crispou o verbo, acidulou o comentário, verrinou a crítica. Encandeou-se então com fogos fátuos, perdeu-se pelo facciosismo, tornou-se pena oficiosa da obsessão. Para tal, patriotou a sua escrita ao absurdo, lateralizou o olhar, deixou de ver, de vez, a paisagem do mundo. Hoje, essa amiga que tive e que foi jornalista está reduzida a mera observadora, contemplativa deslumbrada, não do sol, mas da lua, cujo brilho, como se sabe, é emprestado. E, mesmo esse, antes do eclipse que aí virá. 

terça-feira, novembro 18, 2014

"Não merecíamos ganhar!"

Tenho o "vício" de ser rigoroso a ver futebol. Já me ia saindo caro. Um dia, numa bancada de Alvalade, acabado o jogo, disse, alto: "Não merecíamos ganhar!". De "lampião" a expressões que se pretendiam ofensivas da minha família, levei então de tudo um pouco em cima. Só a alegria coletiva da vitória leonina - que eu partilhava, caramba! - me salvou. Ou, como me dizia um transmontano ao lado de quem tinha visto o jogo, "safaste-te por um fio de levar uma boa carga de porrada". E era verdade.
 
Hoje, no remanso do lar, a utilização da mesma expressão apenas foi recebida com um olhar patrioticamente severo. Nada mais.

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