terça-feira, dezembro 17, 2013

Público & privado

Do resultado da chamada "10ª avaliação" parece concluir-se que a "troika" ainda insiste em reduções nos salários no setor privado. O governo, ao que se sabe, resiste. O que bem se compreende. O executivo percebeu, aquando da saída para a rua da população portuguesa, em setembro de 2012, por virtude da questão da TSU, que "abrir um guerra" com o país que vive da economia privada tinha um preço muito mais elevado do que concentrar os cortes no setor público, desde os salários às reformas, passando pelo sinónimo espertalhote de desemprego que passou a ser a palavra "requalificação". Por exemplo, mudar os escalões do IRS, introduzindo um fator de maior proporcionalidade e justiça, seria um suicídio político. As eleições vêm aí e tudo quanto afete os servidores públicos, presentes ou passados, até vai bem com a filosofia de quem gere o Estado detestando-o, nele concentrando a culpa da situação que o país vive. Se algumas das medidas que o governo incluiu no orçamento para 2014 vierem a revelar-se inconstitucionais, o pouco escondido plano B será, uma vez mais, o setor público, esse "bombo da festa" tão à mão de semear. É tudo tão evidente...  

Norte-Sul

No termo de janeiro de 2014, completarei um ano na direção do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Foi uma experiência muito interessante, sem o menor encargo financeiro para ninguém (o meu trabalho foi "pro bono", desde a primeira hora), na chefia de uma estrutura que vai completar quase um quarto de século, desde sua criação. O Centro passa por um tempo de reflexão sobre o seu papel no quadro do Conselho da Europa, depois de alguns debates que se iniciaram antes da minha chegada. Os próximos dois anos serão essenciais para o desenho desse futuro.

O balanço da ação do Centro Norte-Sul é, a meu ver, muito mais do que simplesmente positivo. Ao longo destes anos, com diversos diretores e centenas de pessoas que passaram pelos seus quadros, o Centro revelou-se um excecional mobilizador de vontades, dispondo hoje de uma rede de contactos que é dificilmente substituível, no âmbito da atividade externa do Conselho da Europa. Isso aconselha a que o Centro, de forma cada vez mais integrada, responda como uma estrutura de relevo no âmbito da "política de vizinhança" da sua organização-mãe.

Mas faz o quê? esse Centro, perguntar-se-á o leitor menos atento. Ao longo dos anos, o Centro tem vindo a ser a "janela" do Conselho da Europa para o Sul. Num primeiro tempo, competiu-lhe "explicar" o Sul às opiniões públicas do Norte, sublinhando a importância da solidariedade à escala global, as relações de interdependência no mundo, as responsabilidades coletivas face às situações de desequilíbrio e desigualdade entre os povos. Com a passagem dos anos, o Centro voltou-se mais para esse próprio Sul e procurou ser útil, no seu seio, à construção de uma consciência democrática, à aculturação de um corpo muito vasto de direitos, dando como referente - mas não como "benchmark" impositivo - o trabalho magnífico que, desde 1949, o Conselho da Europa foi desenvolvendo, num universo que hoje envolve 47 países.

Hoje em dia, o centro Norte-Sul, utilizando o diálogo intercultural como instrumento de trabalho, promove ações ligadas à chamada educação global, ao reforço da cidadania democrática, ao apoio à organização e estruturação da sociedade civil, nomeadamente nos países do Magrebe, onde tem vindo a concentrar o essencial das suas ações. Os "alvos" prioritários atuais do trabalho do Centro são os jovens e as mulheres, procurando destacar e apoiar o seu papel nas muito diversas sociedades em que se inserem, tentando que governos, parlamentos e autoridades regionais e locais estabeleçam, por seu intermédio, com as estruturas da sociedade civil, uma relação institucionalizada cada vez mais eficaz.

Ontem, à volta de um almoço de Natal, esteve toda a nossa jovem, entusiasmada e muito feminina equipa. Desejei-lhes um ano de 2014 feliz e produtivo. A partir do final do próximo mês de janeiro, esse percurso vai ser prosseguido sob a orientação de um outro diretor. O meu mandato de um ano terminou e, infelizmente, não tenho disponibilidade pessoal para o renovar. Mas foi, como acima disse, uma bela experiência. Deixo no Centro bons amigos e não tenciono perder de vista a sua atividade no futuro.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Algo de novo?

Depois da infindável saga em que se transformou a formação do novo governo alemão, esperar-se-ia que o resultado final desse laborioso exercício trouxesse algumas novidades. Em especial, muitos "espetadores comprometidos" (para usar a expressão consagrada de Raymond Aron), olhando da estranja, estariam curiosos para saberem se a entrada dos social-democratas na "grande coligação" acarretaria alguns efeitos na política europeia que mais imediatamente nos interessa. 

A aquilatar por aquilo que se sabe, as resultantes do acordo de governo têm incidências essencialmente internas, quer nalgumas políticas mais emblemáticas para o SPD, quer na distribuiçào de lugares. A verdade é que temos de nos resignar a uma realidade que sempre emerge nos executivos das maiores potências: eles projetam essencialmente os seus interesses nacionais, respondem perante os seus cidadãos e, com alguma naturalidade, "estão-se nas tintas" para os interesses de quem olha de fora. É assim agora na Alemanha, foi sempre assim no caso dos Estados Unidos. O que há de novo é que esta terá sido a primeira vez que os resultados de uma eleição alemã foram aguardados com tanta expectativa, o que só prova a crescente relevância da Alemanha na vida europeia, isto é, nas nossas vidas.

Agora, resta esperar. Desde logo, pelas primeiras declarações de Wolfgang Schäuble, o "novo" ministro das Finanças. Imagino que, para os lados de S. Bento, devam estar a matutar se ele ainda se lembra daquela curta conversa com Vitor Gaspar - gravada incautamente por uma televisão portuguesa -, cujo teor recomendo que seja regularmente revisitado. Eu, pelo menos, volto a ela com regularidade, porque entendo que, mais do que qualquer declaração, ela explica, melhor que tudo, grande parte das ações e das omissões do governo português nos últimos dois anos e meio.

O duplo

- Não percebo a preocupação que andas por aí a espalhar pelo facto da política externa estar hoje dividida entre o Rui Machete e o Paulo Portas...

Fiquei um pouco surpreendido. Aquele meu amigo é um "institucional" e a última coisa que dele esperava é que achasse bem que a nossa representação internacional aparente ter, nos dias que correm, uma liderança bicéfala, tipo Bloco de Esquerda.

- Então tu achas bem que não se perceba quem é que, de facto, chefia a diplomacia portuguesa? Põe-te no lugar dos embaixadores estrangeiros em Lisboa?

- Essa agora! É facílimo resolverem isso, até pelo telefone...

- Pelo telefone? Diz lá então como é!

- É muito simples. No telefone, colocam uma gravação: "Seja bem vindo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Se se tratar de questões de natureza política, carregue na tecla 1 e será encaminhado para o palácio das Necessidades. Se se tratar de questões de natureza económica, carregue na tecla 2 e será encaminhado para o palácio das Laranjeiras". Qual é a dificuldade?...

De facto...

domingo, dezembro 15, 2013

Exemplar

Sabia (não sou ingénuo) que o último post que publiquei iria suscitar reações. Escrevi-o com essa convicção (talvez mesmo com esse objetivo, devo confessar). Fiquei tão estimulado com alguns dos comentários suscitados que deixei que eles "pingassem docemente" por quase dois dias. Foi um interessante teste para se perceber melhor algum país que hoje somos. Leiam esses comentários (houve quatro que foram eliminados, porque, apesar de tudo, há limites para a linguagem admitida). É um exercício interessantíssimo. E exemplar! Por mim, diverti-me imenso, podem crer! E as "inscrições" sobre este tema ainda estão abertas até ao final do dia...

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Coisas polacas

Nos tempos "da outra senhora", a variedade dos produtos ao dispor dos consumidores polacos não era muito grande. Tal como em outros países do "socialismo real", alguns tipos de fruta, eram considerados um bem quase raro. Contaram-me que, pelos Natais, todos os anos, o governo ordenava uma importação maciça de laranjas, oriundas de Cuba. Criou-se assim o hábito familiar, no dia 23 de dezembro, de presentear as crianças polacas com uma laranja. Esse hábito transformou-se em tradição. Hoje, além de haver mais liberdade e muitas mais coisas, há ainda mais laranjas no ritual dessa data, por toda a Polónia. Uma empresa polaca, detida por capitais portugueses, importará, nos próximos dias, de Portugal e de outras origens, 10 mil toneladas de laranjas, transportadas por 550 camiões, o que equivale a uma fila de 14 quilómetros de veículos. Uma fantástica operação logística para garantir que todas essas laranjas possam ser distribuídas no dia 23 de dezembro.

Nunca vi referido por nenhum órgão de informação que, em 2013, essa mesma empresa terá importado e vendido na Polónia seis milhões (não me enganei, são seis milhões!) de garrafas de vinho português? E que, desta forma, o vinho português representa hoje 28% de todo o vinho importado por aquele país.

O lesado

Estava à paisana. Cruzei-me com ele, há dois dias, na entrada de minha casa, cerca da hora de jantar. Identificou-se como agente da PSP. Muito educado, informou-me que tinha um mandado de detenção. Em meu nome. Por um instante, devo dizer, não "apreciei" excessivamente a ocasião. Por muita consciência tranquila que tenhamos, nunca nos sentimos muito à vontade numa situação destas.

Mandei-o entrar. Sentámo-nos e procurei analisar com calma o problema. O agente da PSP cumpria uma decisão. Um juíz havia decidido mandar deter-me, pelo facto de eu não ter comparecido a uma notificação sobre um processo. De facto, eu tinha faltado a essa intimação. Porquê? Porque, entretanto, havia recebido de um outro tribunal a informação de que o processo fora arquivado e, por uma presunção pateta, havia dado por adquirido que a presença à notificação já não era necessária, que teria havido um cruzamento da informação. Qual quê!? Cada uma dessas vias caminhava por si mesma, sem se ligar com a outra. E ali estava eu, prestes a passar uma noite numa esquadra, para ser presente na manhã seguinte a um juíz, que me notificaria sobre um processo que já estava arquivado. Perante a evidência do "misunderstanding", o agente policial tomou a sensata decisão de "desistir" da minha detenção.

Mas, afinal, que diabo fizera eu, para estar metido numa alhada dessas? Uhm! Não há fumo sem fogo, estarão a pensar alguns leitores. A coisa é, afinal, muito simples e, precisamente por essa simplicidade, bastante ridícula. Há meses, num terreno abandonado de que sou proprietário, no Norte, declarou-se um incêndio, provocado por um descuido de um vizinho. A GNR tomou conta da ocorrência, o Ministério Público instaurou um inquérito. Eu passei à qualidade de "lesado". Não mexi uma palha. Neste entretanto, ocorre o arquivamento do processo. E, agora, ali estava eu, o lesado, a contas com a Justiça. Ele há cada uma! (Julgo que o assunto se terá entretanto resolvido. Mas nunca fiando...)

quinta-feira, dezembro 12, 2013

Pacífico ou Atlântico?

Sempre achei muito importante saber pensar em "contra-ciclo". É o que fazem o investigador universitário português Bernardo Pires de Lima e o seu colega sueco Erik Brattberg, num blog do "The Huffington Post", ao ousarem escrever "Why the Atlantic, not the Pacific, may dominate the 21st century".

Deixo um extrato significativo:

To see why the Atlantic area will grow in relevance in coming years is not hard. While the old powers in Europe and North America might be in relative decline, they still share half of the global GDP and the world's strongest military alliance, NATO. At the same time, the Atlantic is also the home to two BRICS countries, Brazil and South Africa, and emerging actors such as Mexico, Nigeria and Angola. Their economic growth rates, global profile in oil and gas production, and military investments have already attracted the rapidly growing interest of China and India.

Leia-se o texto aqui.

Regras diplomáticas

Um colega que comigo coincidiu em Brasília, ao tempo em que eu por lá chefiava a nossa representação diplomática, enviou-me, para recordação, duas "instruções" que então eu distribuí por todos os funcionários.

A primeira tinha a ver com as comunicações recebidas na Embaixada:


"Qualquer comunicação escrita (carta, fax ou mail) dirigida a qualquer serviço da Embaixada, quer para o endereço geral, quer para um qualquer funcionário nessa sua qualidade, deverá, sem excepção, ser respondida. Em situação limite, em que o funcionário entenda que a comunicação não tem condições de ser respondida, deve ser sempre acusada a recepção."


A segunda prende-se com o "estilo" que eu entendia que os textos que seguem para Lisboa (e que são sempre assinados pelo embaixador) deviam assumir: 
  1. Não escrevam em estilo jornalístico. Escrevam como se tivessem que assinar “Nestrangeiros” (telegramas recebidos de Lisboa), isto é, linguagem totalmente neutral, pouco adjectivada, frases curtas e sem personalização, citando pouco e interpretando muito. Nós não concorremos com as agências noticiosas na busca dos factos: interpretamos.
  2. Não utilizem (nunca!) expressões brasileiras ou termos locais: “reforma tributária”, “reforma ministerial”, “inadimplência”, etc. Há termos portugueses para isto.
  3. Um telegrama tem de ser auto-explicativo, partindo-se do princípio de que quem o lê está a contactar com essa realidade pela primeira vez. Deste modo, não há “CPI” ou “MP” mas sim “Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)”, podendo, então, repetir-se a expressão “CPI” no mesmo telegrama. As “MP” são “Medidas Provisórias (MP)”, devendo sempre ser seguidas da explicação de que se trata de “iniciativas legislativas que o Governo submete ao Congresso com prioridade de apreciação”. Temos que ser didácticos e partir (sempre) do princípio que é uma pessoa nova que nos lê todos os dias.
  4. Procurem evitar referir nomes de pessoas, a não ser que sejam muito conhecidas ou importantes.
  5. Façam telegramas curtos. Ninguém lê em Lisboa mais do que página e meia. Quando possível, façam textos de menos de uma página.
  6. Façam parágrafos. Ajudam a ler.
  7. Não façam ironias ou graças nos textos: esse é o privilégio do embaixador… algum havia de ter !

quarta-feira, dezembro 11, 2013

Champions, claro!

Uma amiga comentava que o Sporting, ao contrário de outras agremiações que por aí andam, nem à Liga Europa vai. É pura verdade, mas isto tem uma explicação, aliás bem simples: connosco, Sporting, é tudo ou nada. O que for abaixo da Champions não consegue excitar-nos. Claro que vamos a jogo, mas apenas por um saudável espírito de participação, uma atitude olímpica, no essencial. E, normalmente, isso acaba por não dar! Os nossos rapazes, lá no fundo, pensam: "mas vamos nós transpirar a glória de um clube, que está eternamente fadado para outros voos, nestes torneiozecos de segunda?" E, pronto!, desinteressam-se, não correm, fragilizam a defesa, desguarnecem as alas, não armam o meio campo, atacam com estilo mas com displicência. Às vezes marcam golos, outras vezes não, a gente diz-lhes para se empenharem, mas eles, coitados, não sentem essa necessidade. Desincentivam-se, é isso! Essa, aliás, é a razão concreta que explica a nossa escassez de títulos: falta de motivação perante troféus que achamos, com óbvia razão, que estão abaixo das legítimas ambições de um clube como o nosso. Que querem? Fomos feitos para as grandes vitórias e, por isso, essa arraia-miúda das taças e coisas assim não é suficiente para nos mobilizar. E, claro, com uma atitude destas, às vezes não ganhamos, muitas vezes empatamos jogos e tempo, acontece até perdermos... com mais frequência do que seria aconselhável, por razões estatísticas, temos de convir! Resta-nos, contudo, uma singular consolação: com esta simples e desprendida atitude, temos vindo a dar oportunidade a outros clubes, a gente que sempre anda aí afoita, num afogadilho perante competições de terceira escolha, de (à sua medida, claro) se realizarem e atenuarem as frustrações dos seus adeptos. Se isso os alegra, quem somos nós para os criticar? Ficam contentes? Ótimo, contribuímos assim para a paz social, que é um bem público que cultivamos. É isso mesmo que estão a pensar: generosidade. É o que nos move. Estão a ver como compreenderam? Era assim tão difícil lá chegarem? Ah! Este ano é diferente: com o resto das agremiações desportivas portuguesas pelas ruas da amargura em que andam, a nossa responsabilidade perante a imagem do país face ao mundo obriga-nos a outra atitude. Falámos com os nossos rapazes e, pronto!, vamos arregaçar as mangas e aí vai disto! E viva o Sporting Clube de Portugal!

MoU

Há cerca de dois anos e meio, os portugueseses acordaram com uma realidade que foi o "memorandum of understanding", o acordo estabelecido entre o governo demissionário e a "troika", subscrito pelo PSD e pelo CDS, que garantia um financiamento ao país, tendo como contrapartida um conjunto de reformas e medidas a implementar no plano interno.

Na altura, ficou a ideia clara de que, para o futuro primeiro-ministro, o MoU representava uma "ajuda" à sua vontade de mudar radicalmente algumas coisas no país, que uma gestão política em tempos normais dificilmente conseguiria levar a cabo. Era, no fundo, uma versão da "suspensão da democracia" que a sua antecessora na liderança do PSD chegara a alvitrar como desejável. A frequente utilização da expressão "ir para além da troika" criou a ideia de que, para o novo governo, o MoU era (apenas) a base do seu programa ideológico, embora não suficiente. Entre a "troika" e o governo parecia assim haver como que uma identidade quase idílica, à espera de uns "amanhãs que cantariam" graças à sedução imparável dos mercados.

Com o tempo, curiosamente, o MoU parece esquecido. O país tem-se concentrado no debate das medidas concretas que vão surgindo - muitas das quais nem sequer se percebe se resultam ou não do MoU ou se são meras decisões que o tomam como pretexto.

Dou assim comigo a pensar que, aparentemente, ninguém ainda "fez as contas" sobre o que se aplicou (ou não) do MoU, daquilo que nele foi esquecido (presume-se por complacência, expressa ou implícita, da "troika"), dos resultados efetivos retirados da aplicação das medidas, dos "trabalhos a mais" executados, etc. Não teria interesse alguém - uma universidade e um jornal, por exemplo - trazerem a público esse inventário? Porquê? Desde logo, para que pudéssemos perceber como temos sido governados, isto é, se as duras políticas que estamos a suportar resultam apenas do que subscrevemos ou se há mais coisas que, a seu coberto, nos foram impostas. Depois, para podermos fazer um juízo comparado entre o que nos foi imposto e a sua resultante concreta em matéria de efeitos. E, finalmente, para procurarmos entender, até para melhor nos conhecermos, a razão pela qual algumas das coisas subscritas no MoU não foram avante.

Para um governo com interesse em ter uma afirmação perante a "troika", a grande vantagem de um exercício deste género seria dar ao país "munições" para poder confrontar as instituições internacionais. Em muitos casos, poderíamos argumentar com a má conceção do pacote de medidas e partir daí para uma maior - e mais legítima - exigência de uma flexibilização da austeridade que nos cai em cima. Mas, para isso, era necessário ter vontade política e ela, claramente, não existe.

terça-feira, dezembro 10, 2013

... e fundos

A urgência financeira, que dominou o debate público nos últimos anos, lançou uma nuvem de fumo sobre um tema da maior importância para o futuro do país, a médio prazo: a negociação das chamadas “perspectivas financeiras”, o quadro orçamental comunitário para sete anos (2014-2020), de onde dimanam os diversos fundos comunitários. É uma evidência que os fundos europeus contribuíram fortemente para o desenvolvimento do país, tendo a sua utilização chegado a ter impacto de cerca de 4% sobre o produto. A negociação dos quatro primeiros “pacotes financeiros” (o actual é o quinto) constituiu sempre uma das tarefas essenciais dos governos, com intensa implicação directa dos primeiros-ministros, pelo que o país não esquece o êxito dos dois “pacotes Delors”, da “Agenda 2000” e da negociação feita em 2007 pelo governo Sócrates.
 
A situação financeira em que Portugal vive, com retracção do investimento privado e a escassez de recursos orçamentais, leva a que os fundos comunitários constituam, na prática, o essencial do investimento público disponível para os próximos anos. Se, no passado, uma negociação firme sempre foi considerada fundamental, no momento especial que atravessamos ela teria sido ainda mais importante. Escrevo “teria” porque não foi. Estranhamente, não se viu o primeiro-ministro calcorrear as capitais europeias, como os seus antecessores envolvidos em processos negociais idênticos fizeram, nunca o então ministro dos Negócios estrangeiros deu sinais de estar minimamente mobilizado para o tema, apenas uns secretários de Estado surgiram, na fase terminal da negociação, a tentar rectificar pormenores do que já estava decidido.
 
Tenho uma explicação para o facto das coisas terem sido assim, para o que possa ter sido o “pensamento” estratégico do governo nesta matéria: “isto vai acabar como a Alemanha quiser. Ora nós precisamos de Berlim para nos dar a mão, no caso do ajustamento correr mal. Por isso, o melhor talvez seja não irritarmos os alemães com grandes reivindicações nos fundos europeus, dos quais nunca iremos tirar mais do que obteremos da posição de bem comportados no cumprimento rigoroso do programa com a “troika”. É melhor estarmos quietos!” E estiveram. Assim, sem serem um completo desastre, embora graças a outros, as “perspectivas financeiras” redundaram num pacote português apenas sofrível, disfarçado com a atribuição de uns “cheques separados” para criar uma espécie de “trompe l’oeil”, logo saudado pelo clube dos eternos beneficiários internos. E o assunto logo morreu, perante a distração do país.
 
E agora? Agora, como se diz na minha terra, o que não tem remédio, remediado está! Mas quer o governo dar um sinal de abertura para o estabelecimento de consensos de regime para os próximos anos? Se sim, deverá propor o estabelecimento de uma estrutura paritária com a oposição para a aplicação dos fundos comunitários até 2020, mas não optando por ser ele a escolher os “seus” socialistas. É assim que se procede noutros civilizados mundos…
 
* artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Porto!

Cenário: balcão de uma cafeteria no aeroporto de Pedras Rubras, Porto, ao final da tarde de hoje. Diálogo entre mim e a empregada:

- Queria um quarto de Pedras, natural.
- Está doente? 
- Não...
- Então não vai um fininho?
- A esta hora não.
- Olhe que lhe fazia bem. A água enferruja...
- Não, prefiro a água.
- O senhor é que sabe. E vai comer o quê?
- Não sei bem. Talvez um croissant.
- (Baixo) Os croissants já têm muitas horas. 
- Então o que é que aconselha? 
- Tenho aqui umas "sandes" de panado espetaculares. Frango ou porco?
- Não sei se me apetece um panado...
- Come um panado, sim senhor! Vá por mim...
- Pronto, está bem! Um panado de frango.
- Não se vai arrepender. Mas não vai comer o panado com Pedras, não é?
- Então? 
- Vai beber um fininho, tirado aqui pela Adelaide. Ainda me vai pedir outro, vai ver...

E eu, que tinha pensado "aconchegar" o estómago com um inocente croissant e uma casta Água das Pedras, saí dali depois de comer uma valente "sande" (era assim que estava no letreiro) com um imenso panado e um fino (só um, vá lá!). Muito bem tirado.

O comércio é arte e simpatia. No Porto.

Good bye, Lenin?

A impressiva imagem do derrube da estátua de Lenine, que figurava numa avenida de Kiev, está, compreensivelmente, a correr mundo. (A similitude com a queda da estátua de Sadam Hussein é inevitável, mas as diferenças são grandes). Trata-se de uma espécie de "bofetada" numa Rússia onde, diga-se de passagem, terão também já desaparecido, noutros dias de raiva, muitas dessas relíquias da antiga URSS. O ato é uma marca clara de que há hoje duas Ucrânias, uma seguidista face a Moscovo, outra desejosa de aproveitar a "boleia" histórica de um mundo europeu que hoje funciona como miragem. Ou, para usar a expressão cínica de um amigo que há pouco me falava de Londres, "a Europa está a passar pelo "efeito Gorbachov": gostam mais dela fora do que dentro".

A crise ucraniana é muito complexa, mas tem de ser resolvida na própria Ucrânia, só podendo nós esperar que o venha a ser de uma forma pacífica e com uma resultante final democrática. Lembro-me bem que, nos anos 60, Adriano Moreira nos falava muito nas "zonas de confluência de poderes". Referia-se então às áreas geopolíticas da Guerra Fria onde o braço-de-ferro entre os Estados Unidos e a URSS prosseguia, muitas vezes quase à revelia das vontades nacionais. Essa Guerra Fria acabou, mas muito do que ela gerou está ainda por resolver. Mas não deixa de ser quase uma ironia que Ialta, onde o mundo foi dividido entre a Rússia e o ocidente no termo da Segunda Guerra mundial, seja uma cidade da Ucrânia.

domingo, dezembro 08, 2013

A boneca dos Correios

Foi na quarta-feira. Uma boneca pequena, de pano, estava pousada ao lado do balcão. Quando entreguei a carta, soou-me estranha a pergunta: "Não quer levar essa boneca, para oferecer a uma criança?". Gelei, por um segundo: minutos antes, soubera que uma pessoa próxima perdera uma criança, a horas do parto, pelo que eu próprio estava um pouco de luto. Uma boneca, noutro contexto mais feliz, poderia significar uma prenda. Mas logo me refiz. Estava na estação dos correios do aeroporto de Lisboa.

(Os Correios eram uma instituição com simbolismo, na minha juventude, lá por Vila Real. As "senhoras" dos correios eram gente conhecida, quando nos abeirávamos dos balcões perguntavam-nos pelos estudos e pelos pais. Mais tarde, conheciam os meus vícios filatélicos, guardavam as novas emissões, os envelopes "do primeiro dia". Até os  carteiros faziam parte da nossa paisagem urbana, conheciamos-lhes os nomes, estranhávamos quando iam de férias, surgiam impecáveis nas suas fardas - hoje alguns que me entregam cartas assustam, pelo aspeto, mas admito poder estar a ser injusto.)

Bonecas à venda, nos Correios? Olhei o homem, face ao que me pareceu ser o insólito da proposta. Mas logo concluí que o "defeito" era meu. Raramente entro numa estação de correios. Por detrás e ao lado do homem havia uma parafernália de coisas para vender. Aa cartas pareciam um mero acessório, naquele mundo de quinquilharia em que os antigos CTT se transformaram. Registada a carta, o homem não desarmou: "Não quer um bilhete da lotaria?". Parecia que a sua "performance" dependia das vendas que fizesse. Fiz que não com a cabeça. Mas não resisti e, com um sorriso, perguntei: "Tem ações dos Correios para vender?" Atrás de mim, um cavalheiro respondeu por ele: "Isso é que é um bom negócio". É verdade: os Correios são um bom negócio. Exceto para os portugueses, cujo Estado deixou de possuir uma importante empresa de serviço público que, além disso, lhe era rentável.

sábado, dezembro 07, 2013

Em tempo

Está a tornar-se um pouco bizarra a coreografia desculpabilizante a que se está a assistir nas últimas horas, a propósito do caso do voto na ONU, em 1987. É um espetáculo triste virem à baila nomes de funcionários diplomáticos que intervieram nesse processo, como se, pela confusão, se conseguisse salvar, não a "honra do convento" de Nossa Senhora das Necessidades, mas a imagem dos verdadeiros responsáveis pelo sentido do voto - independentemente de qualquer juízo sobre a importância objetiva desse mesmo voto.

Os diplomatas obedecem a uma cadeia hierárquica, executam uma política externa que lhes é determinada por quem tem legitimidade política para o fazer e que, em derradeira instância, deve responder pelas suas decisões. Os diplomatas aconselham mas não "produzem" política externa.

Quem conhece como estas coisas funcionam sabe que o diplomata que intervém numa comissão de um órgão multilateral como é a ONU atua sob uma instrução recebida do seu embaixador, ao qual, por sua vez, chegaram orientações oriundas da direção política, em Lisboa. Muitas vezes as instruções são genéricas, outras vezes são detalhadas, em alguns casos mesmo num "micro-management" irritante. Na frente lisboeta da decisão - que, dada a sensibilidade política do tema em causa, deve ter sido ponderada ao milímetro, porque ninguém fica "isolado" com os EUA e o Reino Unido sem ser como resultado de uma opção política muito refletida - fazem parte o diretor-geral político-económico (era assim que se chamava, à época), o ministro dos Negócios Estrangeiros e, naturalmente, o primeiro-ministro de então. Não me passa pela cabeça que qualquer destas três figuras possa ser tentada agora a fugir às suas responsabilidades. E, repito, não é para aqui chamado qualquer juízo de valor sobre a temática, em si mesma. Essa é outra questão.

Porque é que tenho estas certezas - e não outras - sobre este assunto? Fui embaixador na ONU, na OSCE e na UNESCO e, noutro quadro de responsabilidades, passei anos a dar instruções a representações portuguesas junto da União Europeia, da OCDE, do Conselho da Europa e da OMC. Sei, por isso, do que falo, mas, repito, apenas no tocante ao "processo decisório".

Votar no carrasco?

É já para o ano que a Comissão Europeia vai mudar. Portugal vai poder indicar um comissário, coisa que não aconteceu durante os últimos 10 anos (os poderes europeus cooptaram um nome de nacionalidade portuguesa e o nosso país não teve oportunidade de escolher o seu comissário). E vai poder pronunciar-se sobre o nome do futuro presidente da Comissão Europeia, figura cuja posição e atitude perante as políticas da União não nos pode ser indiferente, atendendo à continuação da nossa dependência da boa vontade de Bruxelas, nos tempos que aí vêm.

O governo tem vindo a justificar que, não obstante todos os seus "esforços" (fomos testemunhas do episódio da sua proposta de 4,5% de défice, que terá sido reconduzido a 4% por recusa desses credores), é da inflexibilidade das instituições da "troika" (em que a Comissão Europeia tem um papel decisivo e até punitivo) que se deve o facto da vaga de austeridade que se abate sobre o povo português não poder ter sido atenuada.

Por tudo isto, resulta natural que o governo português, chegado o momento de dar o seu voto para a escolha (que terá de ser unânime entre os governos, como se sabe) do futuro presidente da Comissão se incline para o candidato em cujo programa possa figurar uma leitura mais flexível, menos penalizante e gravosa das medidas de austeridade que nos são impostas. Ninguém compreenderia que o governo, apenas por solidariedade ideológica no âmbito das linhas partidárias europeias, viesse a inclinar-se em favor de um candidato que fosse adepto de uma linha que mantivesse a mais estrita e condicionante leitura dessa austeridade.

Por essa razão, a lógica apontaria para que Portugal, na sua postura europeia - em declarações, artigos e tomadas de posição nas instâncias adequadas - fosse desde já deixando claro que o seu voto irá para o candidato, com condições de ser eleito, que afirme e se comprometa a demonstrar uma sensibilidade para um tratamento ponderado da situação dos países europeus com maiores fragilidades macroeconómicas, que, no nosso caso, possa vir a atenuar o atual sofrimento do povo português. Se acaso procedesse de forma contrária, optando por um nome da linha económico-financeira mais dura, o governo estaria simplesmente a votar no carrasco dos portugueses. Acho que devíamos estar muito atentos a isto.

Argel antes de abril

"Amigos, companheiros e camaradas, esta é a Rádio Voz da Liberdade". Era assim que, duas vezes por semana, antecedido de um coro das "canções heróicas" de Fernando Lopes Graça, nos chegava pela noite a emissão da rádio que, de Argel, divulgava a mensagem da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN). O endereço que nos era oferecido para correspondência ("rue Auber, 13, Alger, Argélia") era então uma referência forte da luta exterior contra a ditadura.

Para o jovem estudante de liceu que eu era, nesses anos 60, com o ouvido colado à rádio para não despertar ouvidos hostis nos silêncios da madrugada de Vila Real, posso imaginar a curiosidade sobre quem seriam as vozes que, num tom épico, "conclamavam" as "massas populares" para, no dia seguinte, "saírem à rua" e derrubarem a ditadura - o que a dura realidade desse dia seguinte sempre teimava em desmentir. A mais marcante dessas vozes era Manuel Alegre - de quem, à época, creio que não conhecia sequer o nome.

Ontem, em Argel, passei por lá, pela "rue Auber", que agora se chama Mohamed Chabani, situada na zona antiga de uma cidade onde, a cada canto, surgem edifícios belíssimos de uma arquitetura colonial francesa onde se pode presumir uma vida urbana excecional. As coisas mudaram bastante, como a fotografia do estado do "nº 13" bem o demonstra.

Por uma curiosidade que sempre tive por esse tempo argelino da nossa vida política - Argel foi o mais importante centro da Oposição à ditadura, seguido de Paris, do Rio e S. Paulo e de Moscovo - fui ver também o (que deve ter sido o) imponente edifício em cujo 5º andar a presidência argelina instalou o general Humberto Delgado, depois da sua chegada, em 27 de junho de 1964. É o 118 do boulevard Salah Bouakouir, sede da Junta Revolucionária Portuguesa, de que também deixo uma foto.

sexta-feira, dezembro 06, 2013

Mandela, nós e os ingleses

Numa inóspita sala de embarque de um aeroporto, dizem-me de Lisboa que, na blogosfera portuguesa, "se ha armado un follón" (uso a linguagem do local onde estou) a propósito do voto negativo que Portugal deixou nas Nações Unidas, perante uma resolução na Assembleia Geral, em dezembro de 1987, que incluía o pedido de libertação de Nelson Mandela. Já há semanas o assunto havia sido ressuscitado na nossa imprensa, depois de, em tempos, o deputado António Filipe o ter referido. Portugal aparece isolado nesse voto com os EUA e o Reino Unido.

Devo dizer que não entendo o espanto. Numa leitura extrema do que considerava ser o seu compromisso nas trincheiras da "guerra fria", Lisboa seguia, por esses tempos, uma linha de constante colagem às posições britânicas. Pergunto-me mesmo quantas vezes, numa contabilidade de tomadas de posição neste domínio, o nosso país - repito, por esses tempos - deixou de acompanhar Londres.

Desde então, as coisas mudaram muito. Um dia de 1997, em Bruxelas, depois de eu ter anunciado à imprensa uma posição que assumira nas negociações do tratado de Amesterdão, um jornalista belga perguntou-me: "Coordenou essa posição com os ingleses?" Devo ter mostrado uma cara surpreedida, pelo que o homem continuou: "Vocês não se articulam sempre com eles antes?" O curioso é que eu nem sequer sabia que posição o Reino Unido tinha na matéria. Continuávamos a ser "the oldest ally", mas, desde 1995, deixáramos de ser "the oldest follower".

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Portugal - ascensão e queda

Não dá! Anteontem, ao final da tarde, tinha quatro compromissos, precisamente à mesma hora. Um deles era, como agora se diz, incontornável. Dois outros eram ocasiões "sociais", uma delas para honrar uma amiga que muito prezo*.Outro ainda era o lançamento do último livro do meu amigo Jaime Nogueira Pinto, "Portugal, ascensão e queda". Falhei o encontro. Chegado a casa, tinha o livro à minha espera. Vou ler. Mas o mistério continua: como é que o Jaime Nogueira Pinto organiza os seus dias e horas, por forma a publicar a este ritmo?

* o que um lapso suscita, conforme os comentários

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Argel

Amanhã, farei em Argel, no "Institut Diplomatique et de Relations Internationales", uma palestra sobre o tema "Mediterrâneo - o diálogo entre as margens", para explicar a atividade do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. A palestra insere-se no quadro de uma visita oficial, para contactos com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e outras entidades locais.

Já não vou a Argel há alguns anos, uma cidade cuja carga histórica compreendi melhor aquando da minha estada em França. Estou com alguma curiosidade em revisitar a belíssima "cidade branca", embora o tempo de permanência não dê para grande turismo.

Em tempo: constatei, in loco, que a bela Place des Martyrs, que a foto mostra, é hoje um imenso estaleiro para a construção do metro de Argel. Quem constrói? A "nossa" Teixeira Duarte, ora bem!

terça-feira, dezembro 03, 2013

A fechadura

Foi há cerca de uma hora. Ele estava com um "pifo" medonho, à saída do bar. Achei que devia levar aquele amigo. Chegado a casa, tentou abrir a porta do automóvel, mas a fechadura tem um truque:

- Tens de pressionar duas vezes. Só funciona à segunda.

Olhou-me com um ar estranho. 

- Arranjas cada carro! Como é que se faz à terça?

segunda-feira, dezembro 02, 2013

A ver navios

Nos muitos anos em que férias foram para mim sinónimo de Viana do Castelo, os Estaleiros faziam parte da paisagem de fundo. Amigos do meu pai trabalhavam "nos Estaleiros", raramente havia uma família de alguém conhecido que não tivessem gente ligada a essa indústria central na vida da cidade, atravessava-se os Estaleiros, de onde saíam sirenes e barulhos estranhos, para ir à praia norte, onde se dizia que as virtudes do iodo compensavam a ventania das tardes desabrigadas, logo que passado o Campo. Na minha memória, os Estaleiros fazem parte da identidade de Viana tanto quanto as lavradeiras da Senhora da Agonia, as montras do Valencinha da Praça ou do Eugénio Pinheiro, os doces do Natário, o mazagran do Límia Parque ou do Girassol ou o escadório de Santa Luzia. E, mais modernamente, a fama dos ouros da ourivesaria Freitas ou os advogados espertalhotes do prédio Coutinho, para dar dois exemplos de sentido contrário.
 
Com tudo em crise por aí, só espantaria que os Estaleiros não seguissem a sina da pátria. A espaços, Viana apareceu nas televisões com façanhudos operários reclamando de problemas na empresa. Com os empregos em risco, percebi entretanto que se justificava amplamente serem façanhudos. E com a gestão errática dos últimos anos - em que "dom Sebastião" oscilou entre os russos, os Açores, Hugo Chavez e, agora, as ventoínhas da nossa poluição visual (uma das quais já emerge lá pela zona) -, assistimos a decisões e contra-decisões ministeriais (com trapalhadas europeias à mistura) que, para o cidadão comum como eu sou, têm um ar de ligeireza e de aparente irresponsabilidade. Ou os estaleiros são para fechar ou são para ter futuro. Este vai-e-vem de manifs e de declarações oficiais com ar de Estado, com os Estaleiros a ver navios, é que tem de acabar. 

domingo, dezembro 01, 2013

Pronto!

Era o que mais faltava não darmos uma abada ao Paços*!

O mais difícil era chegar ao topo. Agora, caramba!, é só segurar o lugar. É canja! Pergunto-me mesmo: valerá a pena continuar com o campeonato? Evitavam-se humilhações para a rapaziada do Colombo e das (antigas) Antas. Eles deviam pensar bem nisto! E dedicavam-se à Taça! Já não seria mau... coitados!

* Para um comentador: eu escrevi "Paços", com "cê de cedilha". Cada coisa a seu tempo...

A vez da Ucrânia

Ver muitos milhares de pessoas nas ruas de Kiev, lutando contra a "finlandização" da Ucrânia, apelando por uma maior ligação à Europa comunitária, não nos deve iludir. Não é o atual projeto baço, titulado pelas "entusiasmantes" figuras de Van Rompuy e Barroso, que necessariamente seduz essas pessoas. É a perspetiva de procurar um caminho de fuga à tutela moscovita que anima parte de um país hoje prisioneiro da guerra "morna" que se estabeleceu nas margens da Rússia.

Com a queda da União Soviética, o ocidente deixou-se seduzir pela possibilidade de fazer chegar tão perto de Moscovo quanto possível as fronteiras da sua segurança e da sua liberdade democrática. Para isso, alargou a NATO e a UE até aos bálticos, utilizou oportunisticamente o alibi da luta anti-terrorista para pescar em "águas" estratégicas russas, com uma aberta influência na Geórgia, com a utilização de bases aéreas no Usebequistão e no Quirguistão. 

Bruxelas, mobilizada pelo zelo anti-moscovita dos recém-convertidos, aproveitou a porta aberta pelos EUA e agravou o seu discurso face à Rússia, na ilusão de que assim reverteria a relação de forças. A liderança russa, já de si propensa a derivas autoritárias, viu nisso uma ocasião para impor soluções de proteção geopolítica. E aconteceu o que aconteceu na Geórgia. Na Bielorússia as coisas são já hoje o que são. Agora, noutro modelo, parece ser a vez da Ucrânia. Haveria outra solução ou outra política possível por parte da Europa? Talvez houvesse. Mas, para isso, a UE não deveria ter sido cúmplice das provocações anti-russas que alguns dos seus parceiros insistiram (e insistem) em tentar. Não é por acaso que estes acontecimentos coincidem com uma cimeira europeia que tem lugar precisamente em Riga (como poderia ser em Tallin ou Vilnius). Aí está o resultado da estratégia enviezada de um ator secundário na cena internacional, que dá pelo nome de União Europeia.

O meu fado


Faço uma declaração prévia de interesses: gosto muito de fado. Mas não de todo o fado. Abomino o fado-canção, não aprecio demasiado o fado com orquestras por detrás, há algumas vozes que por aí andam (alguns há muito) como as quais "não vou à bola". E - expondo-me agora às balas - também afirmo que não partilho o culto do Marceneiro. Mas gosto, e muito, do Manuel de Almeida, da Argentina Santos, da Fernanda Maria, do Carlos Ramos, da Maria Teresa de Noronha, do Fernando Maurício, da Ada de Castro, da Celeste Rodrigues, da Lucília do Carmo e de muitos outros clássicos. E, claro, da Amália, "cela va sans dire".

Em França, quando por lá vivi por quatro anos, ouvi imenso fado, porque a nossa comunidade emigrada é apreciadora de bom fado. Em Paris, cruzei-me com excelentes fadistas. Desde que regressei a Portugal, devo dizer que vivo entusiasmado com o "renascimento" do fado a que estou a assistir. Cada vez há mais gente nova a cantar e a ouvir muito bom fado. Primeiro, foi a geração que João Braga apadrinhou, de onde surgiram algumas vozes magníficas. Conviviam então com um "novo" fado tipo "avenidas novas" ou "da linha" que, felizmente, desapareceu no gosto de um público que começa "a saber da poda". Agora há para aí gente de grande qualidade, onde Ricardo Ribeiro e Carminho surgem com imensa força, a provar que a qualidade de grandes vultos, como Camané ou Mariza, tem continuadores assegurados. Acho fantástica Aldina Duarte. E Ana Moura. E Cristina Branco, quando decide cantar fados. E Joana Amendoeira. Acho bastante graça a Marco Rodrigues, ando a tentar gostar de António Zambujo e de Cuca Roseta. E ouço com muito agrado Kátia Guerreiro. E, claro, Gisela João!

Ontem à noite, fui apreciar o espetáculo de Carlos do Carmo no CCB, depois de já ter ouvido o seu CD de duetos. Uma oportunidade para revisitar uma figura a quem a projeção do fado muito deve e que, com Amália, foi responsável por colocar excelentes poetas na boca do fado bem cantado. Carlos do Carmo aproveitou para saudar nessa noite dois grandes instrumentistas: o viola José Maria Nóbrega, que o acompanhou durante 45 anos, e o jovem José Manuel Neto, um guitarrista que agora o acompanha, que é simplesmente genial.

O bom fado está aí para ficar. Vão aos fados, caramba!

sábado, novembro 30, 2013

Marinho Pinto

Conheço António Marinho Pinto há cerca de 50 anos. Recordo-me de conversas, muitas vezes políticas, que tivémos à volta das mesas da pastelaria Gomes, em Vila Real, no final dos anos 60. Nestas décadas, fomo-nos encontrando, muito pouco, a espaços - por Coimbra, por Lisboa ou pelo Porto. À distância, e depois de o ter visto como jornalista e comentador televisivo, fui acompanhando a sua prestação à frente da Ordem dos Advogados, um seu tempo de grande visibilidade pública, com forte dose de polémica, servida pelo verbo fácil, pela palavra desassombrada, pela vontade de chamar as coisas pelos nomes, na área da Justiça. Que justiça lhe fará a Justiça?

Marinho Pinto acaba agora o seu tempo à frente da Ordem. Com toda a franqueza, não tenho uma opinião concreta sobre o saldo que fica da sua ação no setor. Mas o facto da sua sucessora, hoje eleita, o ter sido num registo de continuidade, leva-me a pensar que o trabalho de Marinho Pinto deve merecer um apoio maioritário junto dos seus pares. Estarei certo?

Uma coisa tenho a agradecer ao meu amigo António Marinho Pinto: o inesquecível momento de televisão que ofereceu ao país, diante de uma conhecida figura televisiva. A frontalidade de Marinho Pinto ficou na história da nossa vida mediática. Quem quiser, relembre aqui o episódio.

Terras do fim do mundo

Na passada semana, numa palestra que fiz para quadros superiores de empresas que operam em Angola, durante a qual analisei a política externa daquele país, dei conta da circunstância de, nos tempos imediatamente após as independências das antigas colónias portuguesas, Moçambique e Angola manterem entre si muito escassas relações: passaram bastantes anos antes que trocassem embaixadas, o comércio bilateral era praticamente nulo e não havia ligações aéreas diretas entre Luanda e Maputo. Agora já há, como a tragédia de ontem o atestou.

Numa pausa dos trabalhos, o representante de uma das empresas, que aliás fora mesmo a primeira pessoa a colocar-me uma questão no debate, um homem muito simpático e cordial, aproximou-se de mim e disse-me que já me "conhecia bem" através de familiares, entre os quais um meu amigo muito próximo. Essas pessoas tinham-lhe falado do meu culto do humor. Disse que percebia isso muito bem porque partilhava essa forma de estar, que, também para ele, era uma atitude fundamental a assumir na vida. Soube que essa vida acabou ontem. Ele era um dos passageiros portugueses do voo do qual não restam sobreviventes, caído nas "terras do fim do mundo".

sexta-feira, novembro 29, 2013

Primeiro de dezembro


Enquanto republicano empedernido, dou a minha total solidariedade ao movimento mobilizado pelo deputado José Ribeiro e Castro para a reintrodução da comemoração da data da restauração.
 
Acho, aliás, surpreendente (mas significativo) o facto do país ter assistido, impassível, à decisão governativa que colocou em causa a celebração de uma das datas fundacionais do nosso país, assunto, aliás, que foi tratado no âmbito do ministério da Economia (!).
 
E, já agora, devo dizer que teria uma imensa curiosidade em ouvir o que o dr. Paulo Portas terá a dizer sobre este assunto.

Em tempo: Marcelo Rebelo de Sousa, ontem na TVI: «Temos de voltar a ter o feriado do 1º de Dezembro. A abolição dos feriados foi uma das coisas mais demagogicamente estúpidas deste governo, que para acabar com as "pontes" acabou com os feriados. Uma coisa completamente tonta.»

A política externa e a Europa

Ontem à noite falei da crise portuguesa e da crise na Europa, na perspetiva como ambas afetam e condicionam a nossa política externa - ou o que dela resta. Devo esclarecer que o tema não me agrada muito, porque sinto sempre alguma relutância em tratar, num registo de inevitável polémica, um assunto que, desde há anos, me esforço por consensualizar. Mas achei que tinha de corresponder ao amável convite do Instituto D. João de Castro e procurar refletir sobre algo a que consagrei uma importante parte da minha vida e cujo destino, muito simplesmente, me preocupa nos dias de hoje,

Com a quase meia centena de pessoas que, na noite frígida de ontem, se incomodaram para ir ouvir-me àquele simpático espaço no Restelo, conversei durante mais de duas horas, relembrando constantes do nosso posicionamento externo, assinalando as mudanças que as últimas décadas induziram no nosso cenário estratégico, refletindo sobre o "estado da arte" da nossa diplomacia, sobre meios, humanos e materiais, alocados à nossa dimensão internacional. Não foi um tempo de grande otimismo, devo esclarecer.

O professor Adriano Moreira presidiu à sessão e, no final, encerrou com um curto mas sábio testemunho, ao mesmo tempo ousado e sereno, sobre os riscos que entende que o país atualmente corre pelo menosprezo a que são votadas algumas da suas políticas públicas, aquelas que mais diretamente afetam a identidade e a memória do país.

quinta-feira, novembro 28, 2013

Mário Soares


O ativismo político do Dr. Mário Soares está a polarizar o país. O tom e a natureza de algumas das suas tomadas de posição entusiasma uns e choca outros. 

Gostava de dizer duas coisas apenas sobre esta nova visibilidade do meu amigo Dr. Mário Soares.

A primeira é que eu também me sinto, algumas vezes, pouco confortável com algumas expressões utilizadas, em entrevistas e intervenções, pelo anterior presidente português e creio mesmo que a eficácia do seu discurso ficaria melhor servida se outro tipo de linguagem fosse adotada.

A segunda é dirigida a quantos hoje o contestam e combatem o que entendem ser a deriva radical de Mário Soares: acho que deveriam sentir-se satisfeitos pelo facto dessas tomadas de posição acabarem por polarizar, numa figura que pede meças a quem quer que seja em Portugal, em termos de luta pela liberdade e pela democracia, muito daquilo que hoje configura um profundo e inorgânico descontentamento popular que atravessa o país. Deviam pensar nisto.

Conversas

Na quinta-feira, dia 28, pelas 21 horas, no Instituto Dom João de Castro (rua D. Francisco de Almeida, 49, no Restelo), a convite do respetivo presidente, professor Adriano Moreira, irei falar sobre "Política Externa Portuguesa - impacto e condicionantes da crise europeia".

quarta-feira, novembro 27, 2013

Das escadas às portas

Muitos amigos meus não gostarão do que vou escrever a seguir. "Tant pis"!

O que ontem se passou, com a ocupação das entradas de alguns ministérios por sindicalistas, associado aos acontecimentos que ocorreram há dias na escadaria da Assembleia da República, representa uma forma de expressão de interesses particulares que, a prosseguir e a ser tolerada, coloca em causa os fundamentos do sistema democrático. Entendo perfeitamente a revolta, mais do que justa, de quem vê o seu emprego ameaçado, vantagens adquiridas em causa, a sua vida e a dos seus em frangalhos, por uma política que parece indiferente ao sofrimento das pessoas. Mas é por demais evidente que todos os cidadãos portugueses - esses e outros - continuam a poder usufruir livremente da plenitude dos direitos de expressão política e de manifestação que a Constituição e a legalidade democrática lhes concedem. E que só quando esses direitos fundamentais eventualmente tivessem sido colocados em causa é que se justificaria o recurso a métodos alheios à legalidade vigente. O que ontem e há dias se passou assume o caráter de uma perigosa abertura da "caixa de Pandora" que, a meu ver, não é uma situação favorável à democracia portuguesa. E eu, julgo que como muitos portugueses, não me sinto representado por quem utiliza métodos de expressão cívica que se afastam da estrita observância da legalidade democrática em que pretendo continuar a viver.

Admito estar enganado nesta minha forma de ver as coisas, mas é, muito simplesmente, o que eu penso.

Católica?

Desde há muito, é para mim um insondável mistério o modo como a Universidade Católica Portuguesa consegue compatibilizar a observância e o respeito pela doutrina social da sua igreja, que deveria ser a matriz identitária da casa, com a promoção obsessiva de um liberalismo económico radical, que constitui a imagem de marca de muita da "produção" saída da sua linha de montagem académica, nas últimas décadas.

Não está em causa a qualidade intelectual desses quadros, gente tecnicamente muito bem preparada, com alguns dos quais convivo no meu dia-a-dia profissional e em outros círculos em que me movo. A UCP é indiscutivelmente uma das melhores universidades portuguesas. Mas esse fascínio cego e absoluto pelas virtudes da "mão invisível", parece ter-se convertido na doutrina oficiosa da casa (e leiam-se os textos que ela produz para não se ter, sobre isto, a menor dúvida), e baseia-se no culto de modelos extremos de competição e de destruição, por opção ideológica, de todas as estruturas de defesa do bem público comum. Assim se sacrifica a vida de gerações, forçadas à crença salvífica num novo tipo de "amanhãs que cantam", como o comprova a orientação política que entre nós prevalece, com os resultados que estão à vista de toda a gente. E assim se empurra, pelos vistos sem remorso, os excluídos da sorte dos mercados para as margens do sistema e para os caminhos da caridade, que remendam os efeitos das políticas que geraram essas desiguadades. Tudo isto é feito em lugar de colocar as pessoas no centro dos interesses das políticas económicas, as quais, pela ética católica (e não só), existiriam para construir o bem-estar dos homens e não para a "réussite" dos mais fortes entre eles. Se isto é ser católico, então vou ali e já venho...

Por essa razão, estou muito curioso para saber a opinião da escola económica da UCP sobre aquilo que ontem foi dito pelo papa Francisco a propósito da economia e do sistema prevalecente na sociedade em que vivemos.

terça-feira, novembro 26, 2013

Águias ao alto!

O presidente do Sporting, numa evidente graçola em ambiente clubístico, terá dito que "quando quiserem começar a resolver os problemas de Portugal, é fácil: tiramos o vermelho da bandeira e é tudo nosso".

Um anónimo escriba à solta no "Público", com falsa inocência, logo correu a titular: "Presidente do Sporting sugere que se tire o vermelho da bandeira de Portugal". E, vai daí!, o mundo da blogosfera, em especial o submundo dos comentaristas dos jornais, iniciou uma "desanca" no autor da expressão, tomada oportunisticamente à letra. Aguarda-se ainda, com ansiedade, a rubra nota de desagravo da Soeiro Pereira Gomes.

Não conheço o sr. Bruno de Carvalho de parte alguma. E até desconfio que ele é capaz de nem reconhecer este magistral desenho que Siné nos dedicou, nos idos de 1975. Mas identifico, com facilidade, outros terrenos onde a burrice se cola à má fé. Lampião que (não) vai à frente alumia duas vezes?

Vicente

Em Portugal, goste-se ou não, há um jornalismo antes e outro depois do Vicente Jorge Silva. Para quem, como foi o meu caso, começou a ler o "Comércio do Funchal" (e nele meti uma "colherada" escrita em 1972) logo depois da  "revolução vicentina" de 1966, que, a partir de 1973, o acompanhou no "Expresso", apreciando depois essa aventura que hoje é só saudade que foi a "Revista", e, finalmente, que seguiu com admiração a sua criação maior - o "Público" -, Vicente Jorge Silva tem um papel de exceção no mundo mediático nacional. Pelo meio, ficaram os filmes, a "Invista" (onde me recordo de ter escrito algo de que me não lembro - contradição possível, como se vê) e muita opinião, com a política caseira no centro, a cuja momentânea sedução ele próprio não escapou.

Isabel Lucas, uma jornalista inteligente que "deixa respirar" os entrevistados (sei do que falo), fez ao Vicente uma longa entrevista que deu origem a um interessante livro, que li de um fôlego, com a atenção própria de quem sempre seguiu com atenção esse percurso ímpar, o qual, em si mesmo, espelhou muito de um certo país.

Ontem, durante uma bacalhauzada num lugar de amesendação onde, às segundas-feiras, uma heteróctlita e divertida gente (onde sou um cooptado recente), numa tertúlia improvável, troca graças e historietas das vidas, dei um abraço ao Vicente por esse seu excelente retrato, ele que nasceu numa consagrada família da fotografia madeirense.

Camaradas

“Escreve sobre Angola. É o que está a dar!”. “Não o metas por aí! Depois do que se passou no sábado? Só vai estragar as coisas! Fala sobre as eleições em Moçambique. Uma nota de acalmia vai cair bem”. “Não, isso pode ser visto como ingerência. O acordo sobre o nuclear no Irão seria uma boa malha”. “Nem penses! É terreno movediço. Não viste a reacção israelita?”. “Mas, afinal, se ele anda pelo Centro Norte-Sul, porque não aborda o estado em que estão as “primaveras árabes?” “É insensato! Seria delicado o homem abordar temas desses. Então ele não disse que vai à Argélia, para a semana?”

Interrompi o simpático ping-pong de dicas, sugestões para o meu primeiro artigo no “Económico”, dizendo àqueles dois amigos: “Vou falar da Europa”. A decepção coreografou-se nas suas caras. Há anos que me andam a ler e a ouvir sobre as sucessivas Europas. No topo das suas estantes, jazem volumes nos quais, sobre o tema, encadernei o ego e contribuí para os saldos editoriais. “O artigo vai ser sobre as divergências dentro do BCE e da Comissão Europeia quanto ao processo de ajustamento em Portugal”. Ganhei a noite! Ambos olharam para mim com um ar surpreendido. O que é que eu sabia que eles desconheciam? Um era um reputado economista, eurocrítico, sempre de “FT” à ilharga. O outro, jurista com sólidos contactos, “bebia do fino” em nichos do poder de turno. Nunca ninguém lhes falara da existência de opiniões diferentes, dentro das instituições europeias da “troika”. No FMI, sim! Esse órgão de Bretton Woods já gerara textos contraditórios sobre Portugal, numa heteronimia bizarra, que deu para manchetes e confusões.

Mas, afinal, que sabia eu sobre as conflitualidades no seio da dupla europeia? Pacientemente, expliquei uma coisa bem simples. Desde logo, no BCE. Quem é, por ali, o único vice-presidente, a figura mais proeminente, e presume-se que preeminente, depois de Mário Draghi? É Vítor Constâncio, não é? Vocês conhecem um socialista português, por mais moderado que seja, que esteja de acordo com o rigor do ajustamento que o BCE impõe no seio da “troika”? Nenhum, claro! Imaginem então o que devem ser as “peixeiradas” no “board” do BCE, com Constâncio a partir a loiça financeira da casa. O que, no futuro, não revelarão aquelas actas! E na Comissão? Já pensaram aquilo pelo que estarão a passar os vários comissários socialistas e sociais-democratas (lá fora, isso é outra coisa, como se sabe), camaradas dos socialistas lusos, os esforços que terão feito para flexibilizarem juros e maturidades, para aligeirar a carga infernal de austeridade que cai sobre os portugueses? É que não haverá só falcões liberais nos comissários que cada país escolheu (fora o país que não pôde escolher) para o representar.

Acabámos a conversa pensando nesses heróis solidários. Gratos mas curiosos.   
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, novembro 25, 2013

E o Eusébio na seleção?

Hoje, 25 de novembro, algum país deu de si mesmo um patético espetáculo. Apelar ao regresso de Ramalho Eanes? Finalmente, está confirmado que já chegámos à Madeira. Literalmente. E hoje mais não digo.

Escrita

Foi em "A Voz de Trás-os-Montes", um semanário de Vila Real de que há muito sou assinante, que, em 1963, publiquei o meu primeiro artigo num jornal. Há tempos, encontrei-o numa caixa de recortes e, aqui entre nós, não fiquei orgulhoso com o que então escrevi. Ainda estou a ver-me entregar o texto ao padre Henrique Maria dos Santos, que faleceu não há muito tempo, e que então dirigia o jornal. E bem me lembro da expetativa com que aguardei a saída do periódico da tipografia da "Minerva Transmontana", onde o meu amigo Carvalho me tinha revelado, por antecipação, o lugar e o destaque dado. Por ali publiquei, nos oito anos seguintes, e até que a censura do capitão Medeiros me "tirou o pio", muitos outros textos, a maioria dos quais sobre política internacional - que agora me pergunto como seriam lidos numa cidade de Vila Real onde essa área de interesses não devia ser muito desenvolvida.

Depois disso, e por décadas, fui escrevinhando por muitas e variadas folhas, artigos de ocasião, sobre temas internacionais, sobre a Europa e sobre as coisas mais variadas. Mas nunca pude aceitar as ofertas que me fizeram para ter uma coluna, um espaço regular de publicação. Tê-la-ei a partir de amanhã, numa base regular mas com uma intensidade compatível com a vida ocupada que tenho, graças a um simpático convite que recebi do "Diário Económico". Como sempre dizem os empregados dos restaurantes "finaços", depois de descreverem o "amuse-bouche" oferta do chef ou um prato mais sofisticado, "espero que gostem"...

domingo, novembro 24, 2013

Votar com os pés

Como ato final celebratório do lançamento de "A Strategy for Southern Europe", teve ontem lugar um interessante debate no Teatro nacional D. Maria II, que assim prossegue uma inteligente aposta na abertura a diversas outras dimensões culturais. O relatório, da responsabilidade da "London School of Economics", nasce em Portugal associado à faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de que sou consultor.

Moderada pelo jornalista e economista Nicolau Santos, a conversa envolveu José Reis, diretor da faculdade de Economia da universidade de Coimbra, António Costa e Silva, docente universitário e presidente da Partex, os professores do Instituto Superior de Economia e Gestão, João Peixoto e José Maria Brandão de Brito, e eu próprio. Coube-me abrir a sessão com uma análise subordinada ao tema "Portugal numa encruzilhada geopolítica", na qual abordei o modo como o nosso quadro referencial na área externa é marcado pela atual conjuntura económico-financeira.

Foi um debate vivo, no final bem participado pelos membros de um auditório que, mesmo numa tarde de sábado, se sentiram mobilizados por uma discussão sobre o futuro do país, que o relatório agora divulgado ajuda a contextualizar no quadro europeu.

A certo passo da sua intervenção, o professor João Peixoto, especialista em Demografia, notou que, em 2012, saíram de Portugal mais portugueses do que a média anual registada durante a grande vaga migratória portuguesa para a Europa, nos anos 60 e 70. E revelou que, com colegas internacionais, está envolvido num projeto que tem como título "Votar com os pés", significando que, com a sua saída dos respetivos países de origem, esses novos emigrantes assumem já um gesto em si mesmo bem político.

sábado, novembro 23, 2013

Medeiros Ferreira


Medeiros Ferreira acaba de publicar mais um livro, desta vez pequeno em tamanho mas grande na sua valia: "Não há mapa cor-se-rosa - a história (mal) dita da integração europeia". Trata-se de uma reflexão, histórica mas igualmente política, da integração do continente e, muito em particular, da nossa pequena história no processo europeu.

O autor, numa escrita procuradamente distante do registo historiográfico tradicional, começa por abalar algumas teses sobre a integração europeia, explicando que muito do que é "vendido" nesse domínio é como que uma forma de revisionismo otimista, para compor o retrato de uma história que se prende fixar como verdade.

No que toca a Portugal, Medeiros Ferreira é bastante crítico, se bem que muitas vezes realista, em especial sobre as limitações de reflexão estratégica, na gestão do nosso percurso no seio do processo integrador, mas, igualmente, sobre o comportamento dos nossos atores políticos e institucionais.

Ontem à noite, Medeiros Ferreira falou a várias dezenas de pessoas que, na Casa dos Açores, se juntaram para o ouvir refletir sobre estes e outros temas conexos, com o brilho a que nos habituou, com um despreendimento e um "franc parler" que são a sua imagem de marca. Um discurso marcado pela ironia, pela subtileza, pela inteligência, de um homem que está de bem consigo mesmo, de bem com a vida, mesmo para além das partidas que ela sempre nos prega. Foi uma bela e alegre noite!

Rockwell