António Costa e Mariano Rajoy encontram-se hoje, em Vila Real, numa cimeira entre governantes de Portugal e de Espanha. Não qualifico de "ibérico" este encontro peninsular por (boas) razões que quatro décadas de Necessidades me ajudaram a cultivar (e que não são para aqui chamadas).
(O encontro tem lugar na minha terra, em Vila Real, uma cidade pouco dada às luzes da ribalta mas que uma gestão camarária recente muito inteligente tem vindo a recolocar no mapa.)
Há uma semana, também em Vila Real, os presidentes dos parlamentos dos dois países, acompanhados de deputados de todos os principais partidos, debateram já alguns temas de interesse comum. Tive o gosto de ser convidado para fazer, na abertura desse encontro, uma intervenção em que elenquei os grandes desafios europeus que os dois países devem enfrentrar na Europa que aí vem.
Notei, nessa ocasião, que as "sintonias" político-partidárias entre Lisboa e Madrid raramente foram o terreno necessário para um entendimento frutuoso. Cavaco Silva e Felipe Gonzalez ou António Guterres e José Maria Aznar foram a prova provada disso, com o contraponto do "tandem" menos bem sucedido entre José Maria Zapatero e José Sócrates. Esperemos que Costa e Rajoy confirmem a "regra".
O grande tema da Cimeira de hoje é a cooperação transfronteiriça. Há mais de 40 anos (acho que já referi isto por aqui, pelo que peço perdão por eventual repetição), dois jornalistas espanhóis escreveram um livro (não sei se editado por cá) intitulado "La Raya de Portugal, la frontera del subdesarollo", que evidenciava que a pobreza e o subdesenvolvimento rimavam com a proximidade a Portugal. Anos antes, um grande jornalista português, Manuel da Silva Costa, escrevia o "Portugal país macrocéfalo", um retrato trágico de como então (e não havia o Pordata) o país era Lisboa e "o resto" era "paisagem".
As coisas mudaram muito. Em Espanha, seguramente para melhor, com um excelente "aménagement du territoire" (expressão francesa para a qual "ordenamento" me não satisfaz), que não atenuou pr completo algumas debilidades. Por cá, embora com variantes de acordo com a região, o despovoamento, a desertificação e a pobreza "qualitativa" acabam por marcar a esmagadora realidade da nossa zona raiana.
Por essa razão, ter a cooperação transfronteiriça no topo da agenda da cimeira é um ato de inteligência e bom-senso. E tentar encontrar maneira de ancorar essas zonas a apoios europeus é excelente.
Queria apenas fazer um alerta, a propósito de uma realidade que, no entanto, e no essencial, não se alterou nas últimas décadas. As realidades institucionais que, de ambos os lados da fronteira, enquadram os modelos transfronteiriços são muito assimétricas: de um lado estão Autonomias, democraticamente fortes, com estruturas poderosas e testadas. Do lado de cá, à falta de regionalização (e pouco importa aqui se ela seria desejável ou não), temos apenas CCDR e municípios, associados ou não.
Torna-se assim muito importante para Portugal garantir que essa assimetria se não converte num fator de fragilização da posição das entidades nacionais, quando chegar a hora da gestão da soluções comuns e do desenho e colocação no terreno dos mecanismos para dar expressão prática à cooperação transfronteiriça. É essencial que o peso específico de um dos lados não prevaleça sobre o outro em moldes que possam configurar uma qualquer hierarquia de interesses. E mais não digo, porque as entidades a quem esta mensagem se destina sabem bem do que estou a falar.