Ontem à noite, ao observar a conferência de imprensa do presidente Sarkozy e da chanceler Merkel, em Cannes, na qual ambos se pronunciaram sobre as consequências da crise grega para o projeto europeu, dei por mim a pensar nos diferentes europeus que somos.
Um cidadão alemão ou francês ouve o chefe do executivo do seu país a dar mostras de autoridade sobre o processo económico-financeiro europeu, notando que a palavra desses dirigentes pesa nas decisões que a Europa toma, conta mais do que a de outros para a formulação da vontade política coletiva, seja ela qual for. Assim, ao votar nas suas eleições nacionais, ao escolher um líder para o representar, ou um parlamento para eleger esse líder, esse cidadão, alemão ou francês, sabe que essa pessoa vai ter ao seu dispor uma força capaz de assumir, com eficácia, pelo menos relativa, o interesse do seu país no quadro externo.
Coloquemo-nos agora no lugar de um cidadão grego. Desde há anos, vê regressar o seu líder, chegado das reuniões de Bruxelas, ajoujado sob o peso de decisões que teve de aceitar, debaixo da pressão de uma situação económica muito preocupante, com a vida social do seu país a degradar-se dia após dia. Esse cidadão, ao ser chamado a votar, percebe que, eleja ele quem eleger, o poder desses seus representantes será sempre, à partida, muito limitado, em particular no tocante à influência que pode vir a ter nas decisões tomadas em instâncias coletivas externas, contudo com forte impacto sobre seu país.
O que quis significar com o que atrás escrevi foi o facto de haver hoje um sério problema de legitimidade política à escala europeia. Na História, sempre houve uma hierarquia de poderes nacionais, derivada da força relativa dos Estados. O essencial das decisões que importavam aos Estados permanecia, no entanto, no seu seio, onde a soberania era exercida em quase plenitude.
Nos seus primeiros tempos, o modelo europeu de integração, ao ter preservado a unanimidade, para o essencial das decisões, equiparava os Estados, que assim exerciam um (pelo menos teórico) direito de veto. E até mesmo nas questões que já eram decididas por maioria qualificada era preservada, por uma espécie de "gentlemen's agreement" (o famoso "compromisso do Luxemburgo"), a possibilidade de invocação do "interesse vital". A Europa parecia ter encontrado um modelo equilibrado de expressão desses poderes onde, não deixando de tomar em conta a importância real de cada um, era gerada uma expressão moderada da resultante coletiva, que se projetava sobre todo o grupo.
Nos seus primeiros tempos, o modelo europeu de integração, ao ter preservado a unanimidade, para o essencial das decisões, equiparava os Estados, que assim exerciam um (pelo menos teórico) direito de veto. E até mesmo nas questões que já eram decididas por maioria qualificada era preservada, por uma espécie de "gentlemen's agreement" (o famoso "compromisso do Luxemburgo"), a possibilidade de invocação do "interesse vital". A Europa parecia ter encontrado um modelo equilibrado de expressão desses poderes onde, não deixando de tomar em conta a importância real de cada um, era gerada uma expressão moderada da resultante coletiva, que se projetava sobre todo o grupo.
Em poucos anos, esse mundo europeu, movido por uma incontrolável ânsia de eficácia, mudou. E mudou precisamente num tempo em que muitas das funções de soberania passaram a ser "partilhadas" (o que era uma realidade passou a eufemismo) a nível europeu. Ora quando, dada a extrema sensibilidade das questões em causa, a lógica apontaria para que houvesse um cuidado ainda maior na capacidade de cada Estado preservar algum controlo de interesses próprios de soberania, aconteceu precisamente o contrário: alguns Estados perderam, pelos tratados ou pela prática, uma capacidade mínima de determinar o seu futuro. A evolução dos últimos tempos, com a trágica diluição do poder comunitário independente que a Comissão Europeia era obrigada a representar e com a emergência de uma intergovernamentalidade com um brutal desequilíbrio dos poderes dos Estados, acaba assim por relevar na praça pública, de forma quase cruel, a legitimidade diferenciada dos decisores políticos de cada Estado.
Tudo isto é muito perigoso para a democracia. Como se está a ver na Grécia.
Tudo isto é muito perigoso para a democracia. Como se está a ver na Grécia.